quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Reflexão do dia – Roberto Freire

“Para todos ficou claro que o Socialismo sem as liberdades formais já consagradas, universalmente, não tem condições de prosperar, a não ser pela instauração de ditaduras. O que coloca para a esquerda democrática a necessidade de uma nova percepção da realidade, não mais fundada nos estreitos domínios da concepção da luta de classes, mas da importância da diversidade cultural e do permanente fortalecimento do processo democrático, a partir de um amplo e profundo movimento de reformas permanentes, que tem nas condições reais de vida do cidadão, desde seu local de moradia, de trabalho e estudo, o lócus do processo de mudança, por excelência. Nesse sentido, ser revolucionário, hoje, é ser radicalmente democrático “


(Roberto Freire, no artigo, Muros que ainda resistem – publicado em 9/11/2009

Merval Pereira:: Passo em falso

DEU EM O GLOBO

A insistência com que o governador Aécio Neves alardeia sua amizade pessoal e afinidade política com o deputado federal Ciro Gomes, candidato potencial do PSB à Presidência da República, e a repetição, por parte deste, da promessa de não se candidatar caso o governador de Minas venha a ser o escolhido do PSDB, é mais uma prova exemplar de como nosso sistema partidário é caótico, gerando governos eleitos sem uma mínima base parlamentar que lhes dê sustentação política efetiva.

Ciro foi de diversos partidos, inclusive da Arena no tempo da ditadura, mas teve sucesso político no PSDB, pelo qual chegou a ser ministro da Fazenda na transição do governo Itamar Franco para o primeiro governo de Fernando Henrique.

Esse período serviu também para que se tornasse adversário ferrenho tanto do ex-presidente quanto de José Serra, a quem, pela gana que tem, deve atribuir uma atuação decisiva para que não tenha continuado ministro da Fazenda.

A atuação de Aécio na tentativa de distender o ambiente político no pós-Lula tem sentido, mas ficou evidente que é uma tarefa quase impossível costurar alianças políticas com adversários figadais nesse período que antecede a eleição.

Ele já tentara uma aliança em Minas com o então prefeito petista de Belo Horizonte Fernando Pimentel para emplacar um candidato comum, Márcio Lacerda (PSB), e esbarrou na negativa do PT nacional.

Ao vetar a aliança na sua instância mais alta, depois que ela fora aprovada pelos diretórios regional e estadual, o PT mostrou que sua visão política é pragmática até certo ponto. Aceita fazer acordos "até com o diabo", mas não quer fortalecer uma eventual candidatura tucana à Presidência da República.

Aécio teve que se contentar com um apoio "informal" ao seu secretário, que acabou sendo eleito. Mas não ficou nada da aliança com o PT no estado. Tanto que Pimentel é um dos coordenadores da candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência e deve ser o candidato petista ao governo de Minas, com a tarefa de derrotar o governador Aécio, que pretende lançar seu super-secretário Antonio Anastasia.

Para aumentar as diferenças, a candidata oficial pretende ressaltar na campanha suas origens mineiras, embora tenha feito toda sua vida política e profissional no Rio Grande do Sul. Para não perder o controle político de Minas, caso não venha a ser candidato a presidente, Aécio terá que derrotar o petismo, que é forte no estado.

Mas, voltando à relação Ciro/Aécio: é difícil acreditar que o PSB aceitaria sair da base petista para apoiar Aécio à Presidência, mesmo que Ciro assim o quisesse. Mais difícil ainda é aceitar que Ciro, desistindo do Planalto por Aécio, não se candidatará ao governo de SP, como quer Lula. E, candidatando-se, não fará campanha agressiva contra Serra, que, nesse caso, seria candidato à reeleição.

Não é nem o caso de analisar as chances de vitória de Ciro em São Paulo, que são quase nulas em qualquer caso. Simplesmente os ataques de Ciro a Serra inviabilizariam o seu apoio a nível nacional a Aécio. Portanto, essa estratégia do governador mineiro não serve para nada, a não ser para criar um ambiente de constrangimento dentro do seu partido.

A ideia central da candidatura de Aécio é a de que ele é mais agregador do que Serra, e que sua candidatura seria "mais ampla", para usar as palavras do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que, de tão inábeis, podem ser tentativa pouco sutil de sinalizar a Serra que abra caminho para Aécio.

Mas, como vender essa imagem se ele não consegue conciliar em seu próprio partido?

A busca de apoios em partidos que fazem parte da coligação governista, mas que são claramente peixes fora d"água, como PP e PTB, faz parte de um movimento correto para demonstrar sua suposta maior capacidade de agregar apoios. Mas fazer provocação pública a seu concorrente e ao presidente de honra do PSDB, FH, em troca de nada, não parece uma estratégia adequada num momento capital como a definição da candidatura oposicionista.

É claro que deve haver alguma razão recôndita para que Aécio, um político experiente, tenha dado esse passo aparentemente em falso, quando encaminhava bem sua justa tentativa de ser escolhido pelo partido. Talvez ele e seus assessores considerem que assim possa ser visto como um candidato desligado da história do PSDB, e que, por isso, não será apanhado na armadilha que o PT está armando, de comparar os governos de FH e de Lula.

Estaria incorrendo num erro que pode ser fatal, o mesmo em que incorreram Serra e Alckmin, os dois tucanos batidos por Lula: evitar a "contaminação" do governo FH, em vez de assumir suas virtudes e defender o programa partidário.

O mesmo erro Serra está cometendo novamente, na tentativa de se mostrar uma alternativa confiável para eleitores de esquerda que eventualmente possam estar insatisfeitos com a escolha de Dilma.

Até o momento, mesmo admitindo-se que exorbita de seu poder para tentar colocar em pé a candidatura de Dilma, é o presidente Lula quem está fazendo tudo certo, apesar de ser o PSDB que tem em José Serra o candidato preferido do eleitorado até o momento.

A indefinição do PSDB, e sua divisão cada vez mais clara, contrastam com a unidade governista, mesmo que a candidata oficial seja ruim de voto e não tenha traquejo político.

O que alimenta o apoio de um amplo leque de partidos à sua candidatura é a crença na capacidade de Lula transformar em votos para sua candidata sua grande popularidade.

O PT, com sua gana de poder e seu programa esquerdista reafirmado, deveria ser um empecilho a esse apoio por parte de partidos que confiam em Lula, mas não no PT.

Mas o PSDB teria que lhes dar alguma segurança. Até o momento, não tem nem candidato nem proposta alternativa.

A propósito de informação de que o PSDB gastou R$160 milhões na campanha presidencial de 2006, dada na coluna de sábado, "Plutocracia", recebi o seguinte esclarecimento do vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira: "A campanha do PSDB de 2006 custou cerca de R$83 milhões, e este número está na página do TSE. A confusão que leva ao erro pode ser a solicitação do TSE, que pediu ao PSDB para registrar, como doação do partido ao candidato, a parcela desses recursos que, segundo o TSE, deveriam estar explicitados como despesas específicas do candidato e não da campanha. Assim, se trata de dupla contagem, pois o PSDB só arrecadou e só fez dispêndio na conta do Comitê financeiro".

Fernando de Barros e Silva:: No vácuo de Lula

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Lula acredita que o Tribunal de Contas da União é um entrave ao progresso do país. Seu governo quer manietar o TCU para reduzir os efeitos práticos da fiscalização das obras e da aplicação dos recursos públicos. Lula também disse há pouco que a imprensa não deve fiscalizar o poder, mas informar seus leitores. Se for mais que um jogo de palavras, trata-se de uma defesa do jornalismo subalterno. Seria, claro, um enorme retrocesso, mas o traço obscurantista foi logo assimilado ao repertório de disparates de Lula a que, afinal, estamos habituados.

O lulismo começou esvaziando a desconfiança dos mercados. Depois esvaziou os partidos, os movimentos sociais, os sindicatos autônomos, o que restava de vida intelectual independente no país.

Lula ficou cheio de si e hoje aglutina um poder quase incontrastável. Mas, apesar das bobagens que diz, se mantém um democrata. Talvez tenha razão quem acha que Lula representa a parte boa do PT.

Sua aclamação popular, porém, dá ensejo para que o governo venha flertar com tentações autoritárias, bem ao gosto dos "neoestatólatras". Parece ser este o caso da Confecom -a conferência organizada por Franklin Martins para discutir a regulação das comunicações no país.

Segundo as propostas compiladas pelo Planalto, e reportadas ontem por esta Folha, fica claro que a intenção é expandir e facilitar os negócios da mídia estatal, como a TV Brasil, que ninguém vê, e fortalecer a mídia privada regional e/ou comunitária, que hoje já é dependente da verba do Estado e na prática faz propaganda do governo. Sob a retórica da democratização, o que se busca é esvaziar a imprensa independente, aquela que fiscaliza e dá azia em Lula todas as manhãs.

Seria essa uma demanda da sociedade e da democracia ou uma agenda motivada por algum ressentimento pessoal? Seria uma iniciativa da gestão Lula ou do governo paralelo que o futuro primeiro-ministro começa a operar a serviço de Dilma Rousseff?

Dora Kramer:: Contencioso regional

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A senadora Marina Silva atirou no que viu - sua candidatura à Presidência - e acertou no que não viu - a aliança entre PSDB e DEM, que por sua causa é sacudida pelo ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia, que atira em um alvo mirando em outro, mas o faz de caso pensado.

Até antes do advento Gilberto Kassab em São Paulo a liderança de maior expressão do DEM no cenário nacional, Cesar Maia é candidato a uma das duas vagas do Rio em disputa no Senado.

Quando a senadora anunciou sua candidatura a presidente, o deputado Fernando Gabeira desistiu da candidatura ao governo do Estado e anunciou que concorreria ao Senado por absoluto imperativo partidário: filiado ao PV, não poderia mais dividir seu apoio com o PSDB, optando assim, por ficar exclusivamente com Marina.

Com isso, atrapalhou os planos de Cesar Maia, que, até então, ao que consta teria uma eleição razoavelmente tranquila para o Senado concorrendo numa faixa de eleitorado diferente daquela disputada pelo outro adversário forte, o senador Marcelo Crivella.

Com Gabeira no páreo, a coisa muda de figura, pois o deputado, que quase ganhou a Prefeitura do Rio em 2008, avança exatamente sobre o público alvo de Cesar Maia.

É jogo jogado e encerrado? Não, o PSDB tem esperança de convencer Gabeira a mudar de ideia. Mas só quem poderia fazê-lo com chance de sucesso e autoridade para negociar alternativas em caso de derrota seria o candidato a presidente.

No entendimento da maioria da aliança PSDB-DEM, o governador de São Paulo, José Serra. Só que a preliminar indispensável para esse tipo de negociação é a definição oficial da candidatura.

Daí o gesto de semanas atrás do deputado Rodrigo Maia, filho de Cesar e presidente nacional do DEM, pedindo uma decisão e anunciando a possibilidade de apoio ao governador de Minas, Aécio Neves.

Não surtiu efeito. Serra até se movimentou para aplacar os ânimos, mas não mudou de planos quanto ao anúncio oficial só em março, às vésperas do prazo final para a desincompatibilização do cargo de governador.

O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, foi ao Rio ver se conseguia acertar os ponteiros. Cesar Maia não aceita, quer a interferência pessoal e direta de José Serra.

Ante o impasse, o ex-prefeito fez nova investida partindo para o confronto ao chamar Serra de "caudilho" por centralizar a decisão e condicionar à sua conveniência o destino dos aliados.

Surtirá efeito? Provavelmente não e por três motivos: primeiro, o DEM não tem como interferir na decisão do PSDB; segundo, não tem outro caminho a seguir fora da aliança com os tucanos; terceiro, para efeito externo o partido segue o rumo do presidente Rodrigo Maia, mas internamente avalia que não há como impor os contenciosos regionais à estratégia nacional.

Vertente

Se Gabeira mantiver a decisão de não sair candidato a governador, o PSDB pensa no deputado Marcelo Itagiba para assumir a vaga.

Ou não

À primeira vista o presidente Luiz Inácio da Silva - que, aliás, foi de prudência exemplar ao tratar publicamente do tema - sinaliza a intenção de corroborar a provável decisão do Supremo Tribunal Federal em favor da extradição de Cesare Battisti, quando diz que se a sentença for de caráter "determinativo" encerra-se a discussão.

Lula passou ao largo da tese dos defensores da permanência de Battisti no Brasil de que cabe a ele a última palavra. Mas não disse que o STF será a última instância em qualquer hipótese.

Se o STF não puser em discussão e julgamento esse aspecto da questão, a decisão não terá sido "determinativa".

O tribunal pode julgar a extradição sem abordar se deve ou não ir a exame do presidente. Nesse caso, Lula pode interpretar que não houve determinação e avocar para si uma decisão.

Significa que a posição do presidente é ainda uma obra em aberto.

A escolhida

Se a ministra Dilma Rousseff não pode dar uma entrevista sem incorrer no risco do desastre, se precisa ser escondida numa situação adversa, se para concorrer a uma eleição necessita que sejam removidos todos os obstáculos de seu caminho e ainda precisa de alguém que lhe transfira votos, é de se perguntar com que atributos pessoais e políticos Dilma governará o Brasil.

A menos que tenha sido escolhida para, em caso de vitória, fazer mera figuração como presidente de direito enquanto Lula preside o Brasil ao molde de um terceiro mandato de fato.

Sem perdão

Em atenção ao idioma, cumpre o envergonhado dever de corrigir o "bem" em contraposição ao "mau", cometido no texto de ontem em detrimento do "mal", como seria o correto.

Rosângela Bittar :: Construção do desastre

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Quando o ministro Hélio Costa era menino, na mineira Barbacena, ouvia uma história exemplar, que passou de geração em geração e ainda hoje é boa para definir o que fazer com os problemas insolúveis. Nela, fascinado pelo mecanismo de controle das linhas de trem, um garoto aproxima-se do guarda das chaves da central da estrada de ferro e revela que sonhava ter sua profissão.

- Não aconselho, pensa em outra coisa, isto aqui não é uma profissão, é uma ocupação, precisa ter muita responsabilidade para mandar um trem cheio de passageiros para um lado e para outro.

- Mas se eu realmente quisesse muito, como poderia me ajudar?

- Presta atenção, vamos fazer um teste: está vindo um trem de Belo Horizonte, na linha A, e outro trem do Rio, na linha B. Eles erraram a entrada numa cidadezinha do interior e vão se chocar exatamente aqui, em Barbacena, porque estão na mesma linha. O que você faz?

- Faço como o senhor, puxo a alavanca, separo os trens e mudo sua direção.

- Mas a alavanca está emperrada.

- Então corro para a reta maior da linha e gesticulo, faço um escândalo, e paro o trem.

- Mas está de noite, eles não vão te ver.

- Pego a lanterna.

- Está sem pilha.

- Rasgo minha camisa, boto fogo.

- Mas está chovendo.

- Então chamo minha irmãzinha.

- Para quê?

- Para ela ver o brutal desastre que vai acontecer aqui.

O ministro Hélio Costa (PMDB-MG) tem dito a amigos no partido que está ao ponto de chamar sua irmãzinha para assistir ao desfecho da disputa pelas candidaturas do PMDB e do PT no Estado. O que está levando o ministro ao limite da paciência é a mais recente posição do PT, definida em reunião do grupo de trabalho eleitoral, da semana passada, em Brasília, na qual a direção do partido avaliou que dos três Estados onde está mais difícil fechar a aliança do PT com o PMDB - Rio, Bahia e Minas - a eleição mais fácil de resolver, com a desistência do PMDB, porque ali o PT está muito bem posicionado para ganhar, é a de Minas Gerais.

O inventário de Hélio Costa derruba esta tese. Nos registros, ele tem 47% da votação de Minas, em média, o PT tem 15%, seja com que candidato for. Nas duas campanhas em que disputou o governo e disputa vitoriosa para o Senado, contabiliza 3,5 milhões de votos. O ministro das Comunicações já disse a interlocutores do PT que, para alguém pedir que abra mão da disputa, tem que aparecer com o básico, 3,5 milhões de votos.

A configuração da eleição de 2010 em Minas, para esta aliança, será decidida não em uma reunião da cúpula do PT, como pareceu após o encontro de Brasília, mas, segundo entende Hélio Costa, por um grupo especial de líderes dos dois partidos cuja constituição foi determinada pelo presidente Lula. Do lado do PT, estão Ricardo Berzoini, Ideli Salvatti, Cândido Vaccarezza, Aloizio Mercadante; do PMDB, Michel Temer, Henrique Alves, Hélio Costa, Geddel Vieira Lima.

Na quarta-feira da semana passada o grupo fez sua primeira reunião conjunta e fará outra na próxima semana. Só têm valor as decisões destes líderes, nenhum dos dois partidos, sozinho, pode arbitrar soluções.

Os dois partidos concordaram em nada exigir antecipadamente. Uma pesquisa qualitativa, a ser feita em março, determinará a escolha do candidato, mas, antes, o PT, segundo avaliação feita pelo grupo, teria que dar ponto final ao "duelo fratricida" entre Patrus Ananias e Fernando Pimentel, que disputam a indicação do partido para concorrer ao governo. E, antes de tudo, ainda, a definição do comando regional do partido.

Depois, são quatro vagas majoritárias, para governador, vice e dois senadores, havendo lugar para todos. Hélio Costa avisou ao grupo que, a continuar a luta interna, perderão a eleição para o governo, para o Senado e para presidente, pois não haverá condições de trabalhar para Dilma Rousseff nesta situação.

O ministro traçou para estes líderes o cenário eleitoral de Minas, que considera um microcosmo: 10% dos eleitores do Brasil, ali há o Triângulo, forte, assemelhado a São Paulo; há a zona populosa metalúrgica; há o nordeste do Estado; há 150 cidades acima de 100 mil habitantes; as demais têm menos de 20 mil, sobrevivem com o Fundo de Participação dos Municípios e a ajuda do governo do Estado, cuja máquina é fundamental em qualquer eleição.

O PMDB acredita estar apostando no projeto nacional da aliança mais do que o próprio PT e, por isto, ainda tem sido bombeiro das crises. Contudo, se nos próximos encontros o partido do presidente abandonar a orientação do chefe e continuar a fazer imposições, o partido de Hélio Costa acha que terá o direito de apoiar quem quiser. Até mesmo fora do acordo nacional.

Cronograma inverso

Na busca de argumentos para fazer a caça a Mário Torós, adversários, competidores em geral e os que não saíram com o perfil que gostariam das declarações do diretor sobre o desempenho do Brasil na crise financeira internacional produzem um equívoco histórico. O de que sua demissão do Banco Central foi precipitada pela entrevista ao Valor publicada na sexta-feira 13.

O que ocorreu foi o contrário, Torós atrasou sua saída, já mais do que decidida, combinada e anunciada, com a ausência da próxima reunião do Copom, até que o substituto estivesse escolhido, convidado e aprovado pelo presidente Lula. Resultou o desfecho, esta semana, em uma feliz coincidência com a revelação dos bastidores da crise em que ele teve papel protagonista. Torós fará toda a transição para o novo diretor Aldo Mendes. O resto são as dores do ciúme.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Eleição do PT testa força do projeto Dilma nos Estados

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Partido se divide em correntes que apoiam candidatura própria e formação de alianças

Pelo menos em MA, MG e PR, pleito nos diretórios estaduais está polarizado entre grupos que refutam e referendam vontade de Lula


Sílvia Freire, Breno Costa e Graciliano Rocha
Da Agência Folha

As eleições diretas para os diretórios estaduais do PT, que acontecem no próximo domingo, vão testar em alguns Estados a aceitação pela base do partido da decisão da cúpula nacional do PT e do presidente Lula em formar uma ampla aliança em torno da candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência em 2010.

Pelo menos em Minas, Paraná e Maranhão, a eleição interna do partido está polarizada entre correntes que defendem o lançamento de candidaturas próprias e alas que apoiam a construção de alianças visando uma coligação ampla para a candidatura à Presidência.

Em Minas, o "soldado" de Lula é o candidato Gleber Naime, que tem o apoio do ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social). O ministro é favorável a uma composição com o ministro peemedebista Hélio Costa (Comunicações), líder nas pesquisas de intenção de voto para o governo.

A posição é oposta à do ex-prefeito de BH Fernando Pimentel, amigo pessoal de Dilma, mas que defende a candidatura própria do PT em solo mineiro. O ex-prefeito apoia o atual presidente do PT-MG, Reginaldo Lopes.

No Paraná, o secretário Ênio Verri (PT), candidato da CNB (Construindo um Novo Brasil), corrente majoritária do PT, defende a coligação com um candidato da base aliada de Lula para o governo.

O deputado estadual Tadeu Veneri, que tem apoio de correntes ligadas à esquerda petista, defende a candidatura própria. Segundo ele, a eleição de domingo não será definitiva em relação à política de alianças no Estado, pois a militância deve levar em conta outros pontos do programa do partido.

Em Pernambuco, as duas principais candidaturas à presidência do diretório estadual defendem a continuidade da aliança com o PSB do governador Eduardo Campos. Os dois candidatos minoritários defendem a candidatura própria.

A disputa pelo comando do diretório do PT no Maranhão divide os candidatos entre o apoio à governadora Roseana Sarney (PMDB) e a oposição à família Sarney.

O candidato da CNB no Maranhão, Raimundo Monteiro, disse que sua posição é seguir a orientação do diretório nacional e se aproximar do PMDB em 2010. "Depois da eleição vamos ver qual é a fatia de cada grupo no diretório estadual. O novo diretório terá a responsabilidade de conduzir o processo eleitoral no Estado", disse.

No Pará, a discussão interna gira em torno da renovação da aliança com o PMDB e o PTB, que já integram o governo de Ana Júlia Carepa (PT). Ela deve disputar a reeleição.

O candidato Bira Rodrigues, da chapa Movimento PT, é contra a aliança com o PTB do prefeito de Belém, Duciomar Costa, e defende a discussão do tamanho do PMDB dentro do programa de governo.

No Rio Grande do Sul, a disputa interna tem quatro candidatos a presidente, mas o deputado estadual Raul Pont (Mensagem ao Partido), é o favorito, com o apoio do ministro Tarso Genro, pré-candidato ao governo. O grupo de Tarso tenta atrair PDT e PTB, partidos aliados ao prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, provável nome do PMDB à sucessão estadual e adversário histórico do PT.

No Ceará, 6 das 7 chapas apoiam a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT), para a presidência do diretório e defendem a continuidade da aliança com o governador Cid Gomes (PSB), que apoiaria Dilma. Para o secretário-geral do PT-CE, Antônio Carlos de Freitas, a posição só deverá ser rediscutida se Ciro Gomes (PSB) disputar o Planalto.

Dirceu atua no Rio contra candidatura própria

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Alfredo Junqueira
RIO


Considerado um dos Estados críticos para consolidação da aliança nacional entre o PT e o PMDB nas eleições presidenciais de 2010, o Rio de Janeiro terá um fim de semana decisivo, com 30 mil petistas votando no processo de eleição direta (PED) do partido, no domingo. A disputa à presidência regional está tão acirrada que o ex-ministro José Dirceu foi ao Rio quinta-feira passada, para articularem favor do deputado federal Luiz Sérgio, candidato alinhado com a direção nacional e o único a defender a aliança em favor da reeleição do governador Sérgio Cabral (PMDB) já no primeiro turno. Outras três chapas defendem o lançamento de candidatura própria, com o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, medindo forças com o peemedebista.

Defensores da aliança com Cabral dizem que seguem a linha estabelecida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que eventual participação de Lindberg não atrapalharia a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência.

Além de Dirceu, os ministros cariocas Carlos Minc (Meio Ambiente) e Nilcéia Freire (Secretaria de Políticas para as Mulheres) têm participado da campanha em favor de Luiz Sérgio. Seus aliados pretendem divulgar carta de apoio assinada por Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula.

Para integrantes do PT do Rio, o resultado do PED é imprevisível. Quadros que apoiam Luiz Sérgio, mas que não nutrem simpatia por Cabral, avaliam que a disputa está acirrada. Entre os favoráveis à candidatura própria, o otimismo aumentou desde que a Executiva Estadual votou, neste mês, a favor de Lindberg na distribuição das inserções de TV que começam dia 25. Ele vai aparecer 30 vezes, e Dilma, apenas 10.

"Vamos distribuir essa semana a carta do Gilberto. Ele manifesta seu apoio a Luiz Sérgio por conta do projeto nacional de alianças em favor da candidatura de Dilma. Temos certeza da vitória", disse o presidente do PT do Rio, Alberto Cantalice, cabo eleitoral do parlamentar.

Segundo ele, Dirceu foi ao Rio para avaliar o quadro político e as perspectivas do partido para o ano que vem.

Partidários de Lindberg calculam que os favoráveis à aliança com Cabral representam 30%.

Andrea Gouvêa Vieira:: Sem pai nem mãe

DEU EM O DIA / RJ

Vereradora (PSDB)

Rio - O Rio de Janeiro foi vítima de uma grave ilegalidade, praticada pelos vereadores: a aprovação das novas regras de construção e uso do solo na região das Vargens (Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e parte da Barra, de Jacarepaguá e do Recreio). Os vereadores passaram por cima do Estatuto das Cidades e do Plano Diretor e da Constituição Municipal. Sem audiências públicas, enfiaram goela abaixo a nova legislação.

Sete vereadores protestaram. Exigiram o direito de se inteirar do complexo texto antes de votar. Não adiantou. Não foi dada ao grupo a oportunidade para analisar a proposta. O texto foi publicado no Diário Municipal da Câmara e votado, em primeira discussão, no mesmo dia. Uma semana depois, o novo projeto das Vargens foi aprovado.

Vi muita coisa esquisita na Câmara nos últimos cinco anos. Igual a esta, nunca. Trata-se de uma lei sem autor. A prefeitura se omite, diz que nada tem a ver com ela, embora tenha feito emendas. A suposta autoria, assumida por 23 vereadores de comissões permanentes, seria motivo de riso, não fosse um escárnio à inteligência e um desrespeito aos moradores da nossa cidade.

Em 2006, a Câmara já havia aprovado projeto para as Vargens. Agora, a pressa não permitiu que se percebesse o que, pouco a pouco, vai se revelando: a nova lei é muito pior, agrava a densidade urbanística, prejudica o meio ambiente, fere o direito dos moradores, torna a prefeitura sócia da especulação imobiliária. Os vereadores deram dinheiro a alguns e tomaram de outros, menos afortunados. Sem nenhuma transparência.

Mas o prefeito pode vetar e mostrar à sociedade que não é sócio da ilegalidade. E o Ministério Público, que recebeu representação de sete vereadores, exigir o respeito às leis.

Encurralado entre Serra e Aécio, DEM tenta superar racha

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A cúpula do partido se reúne hoje em Brasília para unificar seu discurso sobre a sucessão presidencial

Fernando Rodrigues
Da Sucursal de Brasília

Enfraquecido pela permanência fora do poder federal por quase sete anos e com uma bancada sempre em declínio no Congresso, o DEM faz hoje almoço em Brasília para tentar unificar o discurso sobre 2010.

Nas últimas semanas, caciques do DEM têm se desentendido em público a respeito da estratégia a ser adotada na disputa pelo Palácio do Planalto.

De um lado, o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), e seu pai, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia, atacam o PSDB pela estratégia de aguardar até março ou abril para definir quem será o candidato a presidente. A maioria dos deputados democratas apoia as críticas. Essa ala enxerga no governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), a melhor opção como postulante ao Planalto.

Do outro lado está o grupo comandado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e pelo ex-presidente da sigla Jorge Bornhausen. Eles apoiam o governador José Serra (PSDB-SP) e não enxergam problemas na tática de postergar a decisão.

"O almoço terá dois objetivos principais. Vamos tentar unificar o nosso discurso e dizer que o DEM vai apoiar o candidato a presidente do PSDB, não importa quem ele seja. E vamos trabalhar para ter Serra e Aécio juntos na disputa, possivelmente numa chapa Serra-Aécio", explica o governador do DF, José Roberto Arruda.

Foram convidados todos os 56 deputados e 13 senadores do DEM. A cúpula também estará presente, inclusive Kassab.

Há nos bastidores do DEM também especulação sobre como os políticos do partido vão se comportar em 2010 nos Estados diante de uma possível alta popularidade do presidente Lula. O governador de Brasília nega um possível apoio ao PT ou à pré-candidata dessa legenda ao Planalto, Dilma Rousseff.

O líder na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), disse que o "sentimento é pela busca da unidade partidária", mas ressalva: "Enquanto o PSDB não se definir sobre quem será o candidato a presidente, o DEM continuará a fazer alianças localmente. Mais adiante, ninguém poderá cobrar do nosso partido que tenhamos palanques homogêneos em todos os locais para o candidato a presidente".

Serra lança linha de crédito de R$ 150 mi para prefeituras

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Catia Seabra

O governador de São Paulo, José Serra, reúne hoje prefeitos de todo o Estado no Palácio dos Bandeirantes para lançamento de uma linha de crédito de R$ 150 milhões para obras de infraestrutura viária em municípios.

Potencial candidato à Presidência, Serra assinará um decreto permitindo que a Nossa Caixa Desenvolvimento -originalmente criada para financiamento a pequenas e média empresas- conceda, pela primeira vez, empréstimos a prefeituras.

Dos R$ 150 milhões previstos para o programa Via São Paulo, R$ 80 milhões são recursos próprios da Nossa Caixa Desenvolvimento e poderão ser aplicados em obras de recapeamento e pavimentação.

O restante sairá dos cofres do BNDES e só poderá ser destinado a compras de máquina e equipamentos. A Nossa Caixa Desenvolvimento prepara outras linhas endereçadas aos prefeitos.

O secretário de Fazenda, Mauro Ricardo Costa, descarta qualquer influência do calendário eleitoral na decisão. "Por quê? São empréstimos pelos quais as prefeituras terão de pagar".

Os municípios terão 60 meses para pagar a dívida, que será corrigida pelo IPC (hoje de cerca de 9% ao ano). Para obter empréstimo, a prefeitura tem de comprovar capacidade de endividamento. Segundo a assessoria da Nossa Caixa Desenvolvimento, o financiamento dependerá de aprovação de projeto e prévia autorização do Tesouro Nacional.

A agência de fomento foi criada em março, em resposta aqueles que acusavam o governo de abrir mão de instrumentos de financiamento com a venda do banco Nossa Caixa ao Banco do Brasil.

A Nossa Caixa Desenvolvimento nasceu com a promessa de aporte de R$ 1 bilhão para financiamentos a pequenas e médias empresas (com sede ou filiais no Estado). Até agora, R$ 400 milhões foram integralizados.

Clima de palanque em Copenhague

DEU EM O GLOBO

Pré-candidatos à Presidência, Dilma, Marina e Serra participarão de conferência mundial sobre clima

Catarina Alencastro e Soraya Aggege

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A conferência de Clima das Nações Unidas será uma grande oportunidade para que pré-candidatos à Presidência ganhem visibilidade com um tema de importância internacional. Até agora, três postulantes ao cargo já confirmaram presença em Copenhague: Marina Silva (PV), José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), que chefiará a delegação brasileira.

Confortável com o assunto, Marina, ex-ministra do Meio Ambiente, diz que não vai polarizar com o governo, mas também não ficará a reboque. Com agenda própria, a senadora e pré-candidata do PV à Presidência diz que pressionará os países desenvolvidos a se comprometerem com metas.

- Acho que a gente tem que tensionar o debate. Não vamos aceitar essa atitude dos países desenvolvidos - disse Marina, que também cobra que o governo "institucionalize" seu compromisso climático.

Ela participará de eventos paralelos à negociação. Entre os quais um alerta aos governantes sobre a importância de um comprometimento ambicioso dos países ricos em cortar suas emissões. Ela será uma de sete personalidades internacionalmente conhecidas por sua atuação ambiental a pressionar os líderes mundiais.

O evento, que está sendo organizado pela coligação de ONGs ambientalistas Tick, Tick Tick, contará com a presença da queniana Wangari Maathai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz por um projeto de reflorestamento, e o arcebispo sul-africano Desmond Tuto.

Para um dos fundadores do PV, o vereador Alfredo Sirkis (RJ), Marina ganhará ainda mais projeção depois de sua participação em Copenhague.

- Ela é uma estrela de brilho próprio. Isso tem que ser potencializado (na campanha) - disse.

O governador José Serra também se prepara para participar das atividades paralelas da conferência mundial do clima em Copenhague. Serra usará como vitrine a Política Estadual de Mudanças Climáticas, legislação sancionada por ele semana passada.

- O governador terá uma agenda ampla. Nossa ideia é que a construção de uma economia verde exige um ativismo do Estado. Há muito conservadorismo e resistências à economia verde e é preciso driblar isso - disse o secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Francisco Graziano.

Até ontem, estava confirmada a participação de Serra, no dia 15, em uma articulação de governadores pelo clima - grupo liderado pelo governador da Califórnia (EUA), Arnold Schwarzenegger, de acordo com Graziano.

- Nossa intenção é apresentar a nova legislação estadual, que, ao contrário do que andaram afirmando, não é eleitoreira. Fizeram essa crítica porque a concluímos agora (às vésperas da conferência da ONU), mas na verdade estivemos elaborando essa política nos últimos dois anos. Quem fará palanque em Copenhague é a Dilma (Rousseff), que, embora não seja da área, foi escalada pelo Lula para ir até lá - disse Graziano.

Ainda segundo o secretário, há várias agendas pendentes para o governo paulista na conferência. Uma delas incluiria um convite do Greenpeace para Serra, no espaço das ONGs.

O governo paulista participará de duas articulações principais que atuarão na conferência: uma da rede mundial de cerca de 500 governos regionais para o desenvolvimento sustentável, co-presidida pelo governo paulista, e a articulação de governadores liderada por Schwarzenegger, a Cúpula Global de Governadores Sobre Clima e Floresta, (GGCS2, na sigla em inglês).

Vários outros governadores e prefeitos brasileiros participarão da conferência. Inclusive o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, que já foi alvo de pesados ataques de ambientalistas. Ele participa do Fórum de Governadores da Amazônia Legal, com os outros oito governadores da região. Uma reunião do Fórum ocorre paralelamente à 15ª Conferência Mundial de Mudanças Climáticas (COP 15) da ONU, entre 7 e 18 de dezembro.

Os governadores da região amazônica defendem o pagamento por serviços ambientais prestados e as inclusões de políticas de Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação (REDD). Maggi participa da COP entre os dias 12 a 17 de dezembro. O governo de Mato Grosso está construindo uma proposta conjunta com algumas ONGs, o que pretende ser o primeiro modelo de REDD.

Um dos articuladores da participação dos governos locais, o escritório brasileiro do ICLEI Governos Locais pela Sustentabilidade (associação internacional de governos locais e organizações governamentais criada na ONU) organiza uma delegação com cerca de 30 estados e municípios para a conferência. As prefeituras de São Paulo e do Rio já acertaram suas delegações com a entidade, assim como os governos de Mato Grosso, Pernambuco e Bahia.

Aécio recebe Ciro e irrita o PSDB

DEU EM O GLOBO

Deputado volta a dizer que desiste se o tucano de Minas for o candidato

Fábio Fabrini, Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos

BELO HORIZONTE e BRASÍLIA. Num encontro que causou constrangimento à cúpula do PSDB, o governador tucano de Minas, Aécio Neves, trocou afagos, ontem, com o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), um dos principais desafetos do governador paulista José Serra. Os dois posaram juntos no lançamento de um projeto em Belo Horizonte e almoçaram no Palácio das Mangabeiras. Ciro reafirmou que desiste de concorrer ao Planalto caso Aécio seja o candidato tucano à Presidência.

- Se Aécio se viabilizar candidato, penso que sua presença é tão importante para o Brasil que minha candidatura não é necessária mais - disse, acrescentando que o mineiro acabaria com a "radicalização paroquial" entre PT e PSDB em São Paulo: - O Aécio encerra esse provincianismo. Pode convocar todos os brasileiros decentes, de todos os partidos, como faz em Minas, e celebrar um projeto de país que dê avanço ao que o presidente Lula representou.

Ao lado de Aécio, Ciro não citou Serra, mas, numa provável referência, chamou-o de "coiso", quando perguntado sobre a transferência de seu domicílio eleitoral para São Paulo:

- Havia um parecer jurídico que dizia, pelo fato de eu ser irmão do governador do Ceará (Cid Gomes, PSB), que o "coiso", com os seus aliados, poderiam tentar uma impugnação.

Ele se referia a uma advertência do partido de que uma candidatura majoritária no mesmo estado de um parente de primeiro grau poderia ser alvo de questionamentos judiciais.

A aproximação gerou desconforto e reclamações.

- Ele (Ciro) é um desafeto do PSDB. Esteve no meu estado há 20 dias e disse que o PSDB significa atraso. Faz uma campanha nacional contra o partido - disse a vice-presidente do PSDB, Marisa Serrano (MS).

À saída, Aécio rebateu:

- Da minha parte, não há desconforto. Tenho uma relação com o Ciro que se iniciou com o próprio PSDB, onde ele foi uma das principais figuras. Respeito a posição daqueles que divergem de mim; não tenho que achar que todos têm de ter a mesma opinião. Ao contrário, faço política numa dimensão maior.

E, antes do almoço, chamou Ciro de "amigo de uma vida":

- Se pudéssemos estar juntos, seria extraordinário.

"Esse encontro foi uma provocação", diz Fruet

A aproximação entre Aécio e Ciro incomoda Serra e seus aliados. O encontro foi encarado como gesto de hostilidade. Ciro tem sido um crítico implacável do ex-presidente Fernando Henrique e de Serra, além de ter atuado como um aliado do presidente Lula. É a aposta do presidente para disputar o governo paulista, com o apoio do PT.

- A movimentação de Aécio favorece o partido. Mas seu envolvimento com Ciro preocupa. Parece uma estratégia deliberada do PT e dos coordenadores da campanha da ministra Dilma Rousseff para tumultuar a estratégia do PSDB para 2010. Fica difícil acreditar na sinceridade dos propósitos de Ciro, se ele também faz declarações de amor ao presidente Lula - avaliou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

- Como construir alguma coisa para 2010 se Ciro é o maior crítico do governo Fernando Henrique e Aécio foi líder do PSDB no governo? Aécio está na oposição e o Ciro na base do governo. Será que o PSB apoiará Aécio? E se o Ciro for candidato a presidente, será que Aécio apoiaria o candidato do PSB? - diz Arnaldo Madeira (PSDB-SP), ex-líder do governo Fernando Henrique. - Eles estão criando um factóide.

- Esse encontro foi uma provocação - resumiu Gustavo Fruet (PSDB-PR).

Já o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PR), tentou minimizar:

- Aécio tem o apoio do PSB em Minas. Acho natural que, como pré-candidato, procure apoio em todo lugar. E o Ciro está sinalizando que pode votar nele. Não vejo problema.

Vinicius Torres Freire:: Conspiração de irresponsáveis

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Petistas, partidos mensaleiros e oposição conivente se aliam para aprovar um aumento de gasto irresponsável no INSS

A OPOSIÇÃO perdeu-se no triângulo das Bermudas da irrelevância -num lado, se omite; noutro, nada tem a dizer; no terceiro, limita-se à politiquinha, como no caso do apagão, da CPI da Petrobras e tantos outros. Entre as omissões mais descaradas, votou a favor de aumentos de servidores públicos, enquanto cinicamente critica a gastança luliana. Agora, é conivente com a tramitação de um projeto que, aprovado, também poderia prejudicar até mesmo um eventual governo de PSDB e cia., a partir de 2010. Ontem, foi aprovado o fim do fator previdenciário na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Petistas doidivanas, partidos mensaleiros (como o PTB) e tucanos oportunistas estão aliados na lambança.

O fator previdenciário é, em suma, um meio de tentar adiar a aposentadoria dos trabalhadores pelo INSS.

Trata-se de um redutor do valor do benefício previdenciário, calculado segundo uma fórmula que leva em conta a expectativa de vida dos brasileiros, o tempo de contribuição para o INSS e a idade de quem se aposenta. Quanto menor a idade e menor o tempo de contribuição, menor o valor da aposentadoria. Trata-se de um arranjo de reforma previdenciária aprovado em 1999, no governo FHC. Pretendia-se então dar cabo da aposentadoria por tempo de contribuição, o que não passou.

O motivo de tal reforma é, claro, reduzir gastos da Previdência, que tendem a crescer com o aumento da duração média da vida. Em qualquer lugar do planeta em que as pessoas vivam mais, esse é um problema tão incontornável como a morte e os impostos. Quanto mais cedo o trabalhador se aposenta, menos ele contribui e por mais tempo ele tende a receber o benefício do INSS.

A criação do fator previdenciário a princípio reduziu o ritmo de aposentadorias por tempo de contribuição, pelo menos até 2006. Diga-se de passagem que a emissão de tal tipo de benefício havia explodido nos primeiros anos FHC, dados os temores que essa reforma mal explicada causou. Entre 1995 e 1997, os benefícios por tempo de contribuição cresciam a 13% ao ano, em média.

De 2000 a 2006, a 2% ao ano. Nos dois últimos anos, a 4,2%. Conteve-se parte da despesa e, assim, do deficit da Previdência. A redução de despesa só não foi maior porque houve uma explosão muitíssimo suspeita de aposentadorias por invalidez, que cresceram 6% em 2005. Depois que o governo Lula melhorou a fiscalização, o crescimento das aposentadorias por invalidez caiu a 2% anuais.

Mais emprego formal, mais crescimento econômico, mais fiscalização, tudo isso ajuda a conter o deficit do INSS. Mas não é o bastante. Por que é preciso conter as despesas do INSS? As despesas do INSS são, é óbvio, pagas com impostos. Os nomes desses impostos são diversos, a começar por "contribuição para o INSS", assim como sua qualidade tributária. Mas são pagos pelos contribuintes e despendidos pelo mesmo governo que tem de gastar em educação, saúde, infraestrutura etc.

Logo, a fim de cobrir os gastos crescentes do INSS, ou se paga mais imposto, ou se gasta menos em outras rubricas, ou se faz mais dívida pública. Os irresponsáveis que ameaçam dar cabo do fator previdenciário não se sentem responsáveis por nenhum desses problemas.

O País quer saber: Entrevista com Fernando Henrique Cardoso




Este Blog vai disponibilizar os vídeos (1º bloco) diariamente em 5 partes.

Na primeira viagem ao exterior como ex-presidente, Fernando Henrique embarcou para Paris e se hospedou, com Ruth, na casa de um amigo. Ali, foi surpreendido por um telefonema de Lula, que estava a caminho de Davos, na Suiça. Depois da introdução amistosa, o novo presidente informou ao antecessor que Antonio Palocci, ministro da Fazenda, gostaria de dizer-lhe algo. “Só queria agradecer pelo bom trabalho”, ouviu Fernando Henrique.

A frase se referia ao comportamento de FHC no período que separou o triunfo eleitoral e a posse de Lula. O governo não só abriu as portas a todas as informações disponíveis como condicionou à aprovação do sucessor a tomada de decisões que produzissem efeitos a longo prazo. Mas, como a política econômica não sofreu mudanças relevantes, é possível que Palocci estivesse pensando num universo mais abrangente ao dizer a frase revelada só agora, quase sete anos depois.

Esta e outras revelações temperam o longo e denso depoimento a VEJA.com que começa a ser divulgado hoje. Nestas cinco partes, que compõem o primeiro dos três blocos da entrevista, Fernando Henrique reconstitui pedagogicamente fatos históricos deformados pela má memória, pela má vontade ou pela má fé. A inflação, por exemplo, não foi derrotada por Lula em 2003, mas por FHC em 1994, quando o então ministro da Fazenda de Itamar Franco comandou a implantação do Plano Real, que o PT primeiro rechaçou e, depois, prometeu revogar.

O ex-presidente conta que, ao longo de oito anos, todos os projetos enviados ao Congresso pelo governo foram rejeitados pelo PT. Comenta o processo de privatização, analisa o papel das agências reguladoras, pulveriza acusações e invencionices, fala com franqueza dos erros que cometeu, diz o que pensa sobre a Petrobras ou a Vale, trata sempre com desembaraço e serenidade os numerosos temas propostos.

Tudo somado, o primeiro bloco do depoimento informa que o Brasil de 2009 não existiria se não tivesse existido um governo que modernizou extraordinariamente o país ─ apesar da resistência feroz do PT.

Avança na Câmara projeto que muda regras da aposentadoria

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pressão faz comissão levar adiante fim do chamado fator previdenciário

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, por unanimidade, relatório favorável a projeto de lei que prevê o fim do fator previdenciário - mecanismo que retarda as aposentadorias. O embate agora segue para o plenário da Câmara. Os líderes do governo dizem que o assunto só deve entrar na pauta depois da votação dos projetos do pré-sal. Além disso, eles querem uma alternativa ao fator previdenciário, usando o déficit da Previdência Social como argumento. Os aposentados, porém, já avisaram que não aceitam essa substituição e ainda pretendem pressionar para que todas as aposentadorias sejam reajustadas com o mesmo índice de correção do salário mínimo.

Fim do fator previdenciário passa em comissão da Câmara e desafia governo

Relatório do deputado Arnaldo Faria de Sá é aprovado e embate com aposentados segue agora para o plenário

Edna Simão, BRASÍLIA

Pressionada por cerca de 200 aposentados, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou ontem, por unanimidade, o relatório do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) favorável ao fim do fator previdenciário como está previsto no projeto de lei do senador Paulo Paim (PT-RS). O embate agora segue para o plenário da Câmara.

Os líderes do governo dizem que o assunto só deve entrar na pauta depois da votação dos projetos do pré-sal. E avisam que o fator só pode acabar se houver um mecanismo alternativo que produza efeito parecido: evitar aposentadorias precoces. Mas a briga não deve ser fácil para o governo.

Os aposentados já avisaram que não querem nenhuma proposta alternativa e ainda pretendem garantir que todas as aposentadorias sejam reajustadas pelo mesmo índice de correção do salário mínimo. Querem também a vinculação do valor do benefício ao número específico de salários mínimos a que correspondiam na data em que foram concedidos.

O governo, no entanto, vai insistir em projeto substitutivo do deputado Pepe Vargas (PT-RS) para não provocar um rombo ainda maior nas contas da Previdência. Esse projeto institui um novo critério de cálculo das aposentadorias: as pessoas só poderiam se aposentar com benefício integral quando a idade, somada ao tempo de contribuição, resultasse em 95 anos (homens), ou 85 (mulheres).

ACORDO

O polêmico relatório de Faria de Sá só foi levado à votação graças a um acordo entre o parlamentar e governo. O relator retirou do texto artigos relacionados à inconstitucionalidade do projeto substitutivo de Pepe Vargas. Com a manobra, mesmo sabendo que os aposentados não querem negociação, o governo pode insistir na aprovação da proposta de Vargas, que é fruto de um acordo feito com algumas centrais sindicais no mês de agosto.

Além disso, o governo quer que os aposentados abram mão de projetos como o que vincula a concessão da aposentadoria a uma quantidade específica de salários mínimos e o concede a todos os aposentados o mesmo reajuste do salário mínimo. Em troca, o governo está disposto a conceder um aumento de 6% para as aposentadorias com valor acima do mínimo em 2010 e 2011 (o que, de acordo com projeção de inflação, resultaria num aumento real de 2,5% por ano).

Segundo Vargas, se o acordo firmado não for cumprido e os projetos que oneram as contas públicas forem aprovados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai vetar os benefícios concedidos e quem vai sair perdendo é o aposentado. Isso porque existe a possibilidade de se editar uma medida provisória estabelecendo o reajuste. "Hoje, para quem ganha acima do mínimo tem reajuste pelo INPC", comentou Pepe Vargas.

Faria de Sá afirma que não aceitará nenhuma alternativa. "O governo estava tentando passar (empurrar o assunto) com a barriga", afirmou o relator. Apesar de ter retirado de seu relatório, Faria de Sá considera inconstitucional a criação do novo critério de cálculo que considera a idade e os anos de contribuição.

Carlos Lessa:: Neoapagão: processo genético constitutivo e consequências

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No último dia 10, a maior parte do Brasil ficou às escuras. Em algumas zonas, o apagão durou mais de quatro horas. O país viveu uma experiência próxima ao caos. Indústrias sofreram danos, residências perderam eletrodomésticos, pessoas ficaram presas em elevadores, pacientes tiveram terapias e apoios clínicos cancelados, os assaltantes ficaram em casa. Houve, a posteriori, um apagão de explicações.

São Pedro não mandou raios suficientes; a natureza não foi a culpada. Assim sendo, se impõe o óbvio ululante: falha de gestão ou de operação humana. Não houve previsão nem provisão nos sistemas de segurança da rede de transmissão; faltou gente treinada ou houve falha das equipes em operação no dia... A tendência da alta administração é sempre procurar um bode expiatório.

Quando houve o acidente do avião da Gol com o da Legacy, o bode escolhido foi o controlador de voo. O ministro da Defesa, embaixador Viegas, havia advertido o Ministério da Fazenda, a Casa Civil e a Casa Militar que havia uma falta trágica de controladores de voo e que os disponíveis estavam sobrecarregados. Mas, até o acidente, não houve nenhuma providência para completar os quadros e o concurso para novos controladores saiu atrasado meses em relação ao sepultamento das vítimas do acidente. Quem foram os culpados?

Tenho ante os meus olhos o excelente artigo de Gustavo Galvão e outros, publicado na Revista do BNDES de junho de 2008, sobre a situação lamentável do sistema de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica que emergiu das presidências neoliberais dos anos 90 e do perverso esquartejamento e privatização, que não foram revertidos pela atual presidência. O artigo de Galvão tem o didático título de "Porque as tarifas foram para os céus?".

Lembro que o sambista popular dizia, no início dos anos 50: "Rio, cidade que me seduz; de dia falta água, de noite falta luz". Em três décadas, o Estado brasileiro criou um sistema hidrelétrico modelar. Durante os 90, os "Fernandos" presidentes aderiram ao Consenso de Washington e privatizaram esse sistema elétrico modelar. No novo milênio, as médias das tarifas residenciais subiram para R$ 297,24 (9/09) a partir de R$ 138,33 (12/99), enquanto as industriais, no mesmo período, evoluíram de R$ 66,11 para R$ 219,24. Nesse mesmo período, a inflação foi de 93,74%, porém o custo de transmissão subiu mais que o de geração e distribuição, cresceu 398,06%.

O Brasil esquartejou o modelar sistema público de eletricidade. O Paraná, que não privatizou a Copel, desfruta do melhor sistema elétrico do país. Hoje praticamos tarifas que são mais que o dobro, em dólar, da energia da Noruega e Canadá, nações que dispõem de abundantes recursos hídricos. O Brasil, com três macrossistemas hídricos, é mais bem dotado de recursos e tem a incomparável vantagem de ser um país tropical. Mantidas as atuais regras, não há como reduzir o preço da energia pois, nos próximos quatro anos, os leilões estarão concentrados em energia térmica. A hidrelétrica custa 1/3 da termelétrica com óleo diesel e 1/6 da queima de diesel. Estão em construção 66 termelétricas, que emitem 20 vezes mais CO2 por MWh com a queima de gás e derivados de petróleo e 40 vezes mais com a termeletricidade obtida pelo carvão. Essa projeção mostra a fraca atuação da atual administração federal em relação ao suprimento de energia elétrica. Confesso que não entendo os ambientalistas que, ferrenhos opositores a novas hidrelétricas, ficam calados em relação à crescente participação da termelétrica - altamente poluente - na matriz energética brasileira.

O processo genético constitutivo da péssima situação atual é produto da adoção, nos anos 90, das recomendações do Consenso de Washington, da miragem da "globalização", do discurso neoliberal e atividades negociais da privatização, da desmontagem das equipes públicas e do terrível "apagão" de um projeto nacional de desenvolvimento. A ressurgência da maldição de infraestrutura e dos estrangulamentos do dinamismo econômico nacional tem sua origem nas presidências que, após a Constituição de 88, se dedicaram a desconstruir o futuro brasileiro optando implicitamente pela mediocridade econômica.

O Brasil chegou a ter a 8ª economia industrial do mundo, mas retrocedeu para a 13ª. A Coreia do Sul, que estava lá atrás do Brasil, tem hoje renda per capita muito superior e melhor distribuída que a nossa. Alguns atribuem 30% da melhoria da renda coreana à sua infraestrutura, superior à brasileira. O modo de "combater a hiperinflação" foi praticar hiperelevados juros reais. Deixamos de ser uma "República de Empreiteiros" para nos converter em "Império dos Banqueiros e do Mercado de Capitais". Não tivemos ganhos na modalidade pública e, ao contrário, perdemos dinamismo. O patrimônio é hoje cotado em dólar e toda e qualquer fração de riqueza tem como peso o terceiro colocado no podium da remuneração financeira real. O empresário tem à vista a opção rentista e, se muito rico, pode comprar cotas em fundos internacionais instalados no Caribe e, talvez, um apartamento em Miami ou um estúdio em Paris. O filho do muito rico pode superar as fragilidades do sistema educacional brasileiro e formar um "capital social" com seus colegas, estudando no exterior com os filhos muito ricos da globalização. Resta, para a juventude brasileira, cada vez mais cheia de dúvidas quanto ao futuro do país, a opção de migrar para o mercado de trabalho do Primeiro Mundo se, como uma emanação da crise mundial, não vier a ser dificultado o acesso.

Uma sequela do neoapagão - além das consequências sobre as famílias, empresas e a iluminação urbana derivadas da elevação brutal das tarifas de energia elétrica - é o desgaste na opinião pública mundial, que passa a admitir a possibilidade de um apagão na Copa do Mundo ou na Olimpíada. No mínimo, será abalado o fluxo turístico.

Sem ser especialista, arrisco algumas teses para o neoapagão elétrico: falta de pessoal, a exemplo do apagão aéreo? Falta de manutenção das estradas federais? Em 2002, a cada 7,3 minutos houve um acidente sem vítima, a cada 8,8 minutos uma pessoa ferida e a cada 1h40min uma morte.

Falta de investimento em infraestrutura de transporte - redução da quilometragem ferroviária, naufrágio da cabotagem e opção pela modalidade rodoviária, a mais onerosa - e de energia hidrelétrica? As usinas do Rio Madeira e Belo Monte, com suas eclusas, já deveriam ter seus canteiros de obras instalados pelo menos em 2003, mas superávit primário, a postergação dos Rima e a oposição ambiental radical bloquearam os canteiros.

Há, contudo, uma explicação para a as mazelas do neoapagão e para as "crônicas de morte anunciada" de apagões disfarçados: a preferência irrestrita da política monetária por praticar juros primários hiperelevados e política cambial de valorização do real. Com reservas internacionais crescentes aplicadas em títulos do Tesouro americano, recebe 1% ao ano e emite títulos de dívida pública que remuneram 8,75% ao ano. Somente essa arbitragem explica os "apagões disfarçados" na educação, saúde e segurança e, em última instância, explica o pano de fundo do neoapagão.

Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira da UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras.

Míriam Leitão:: Lado B do dólar

DEU EM O GLOBO

Quando o real sobe, aumenta o choro dos exportadores. Mas inúmeras empresas ganham com a queda do dólar. Há um outro lado dessa moeda. Um empréstimo da Petrobras no BNDES ficou R$1,9 bilhão mais barato. Estudo da Economática em 78 empresas de capital aberto mostra uma queda forte de custos financeiros em empresas endividadas. Quando o dólar cai, aumenta o investimento.

O economista Affonso Celso Pastore explica que no Brasil existe uma forte correlação entre dólar fraco, importação de máquinas, e investimentos. O real se valoriza; o preço dos importados cai; as empresas aproveitam para investir (vejam nos gráficos abaixo).

- No Brasil, a formação bruta de capital fixo é muito dependente das importações. As importações se elevam com a valorização do câmbio real, e isto significa que esta valorização reduz o preço relativo das máquinas importadas, que são fundamentais para a realização dos investimentos - disse.

Com a recessão do final do ano passado, os investimentos no país despencaram. E o dólar fraco está ajudando a reverter esse quadro. Pelos dados do IBGE, depois de nove trimestres seguidos de crescimento, a formação bruta de capital fixo encolheu 9,1% no 4º trimestre de 2008 e 12,3% no 1º trimestre deste ano. No 2º trimestre, houve estagnação. E os próximos dados que o IBGE vai divulgar, no mês que vem, mostrarão que o PIB cresceu com forte aumento do investimento. O economista Luiz Roberto Cunha, da Puc-Rio, lembra que para o país crescer a taxas de 5%, 6%, é fundamental recuperar o ritmo de investimentos.

- Sem dúvida, há correlação entre queda do dólar e aumento de investimentos. E reduzir o custo dos investimentos é muito importante para um país que pretende crescer forte. Isso ajuda todos os setores da economia, inclusive os próprios exportadores - explicou.

Há outros ganhos. A Economática pesquisou o balanço de 78 companhias de capital aberto do país e constatou que os gastos para cobrir despesas financeiras caíram de 40% no 4º trimestre de 2008 para 5,2% no 3º trimestre de 2009. Isso porque uma grande parte da dívida das empresas era em dólar.

- Isso quer dizer que menos dinheiro está indo para o ralo - diz Fernando Exel, presidente da Economática.

O balanço da Petrobras mostrou que o efeito câmbio sobre um empréstimo de R$25 bilhões que a estatal pegou junto ao BNDES - corrigido pela moeda americana - fez com que ele ficasse R$1,9 bilhão mais barato. O impacto da variação cambial no balanço da empresa foi positivo em R$707 milhões.

O especialista em energia Adriano Pires disse que a Petrobras economizou R$4 bilhões na importação de petróleo e derivados de janeiro a setembro deste ano por causa da desvalorização do dólar. A Petrobras importa principalmente óleo leve e diesel.

A Cesp (Companhia Energética de São Paulo) teve lucro no 3º trimestre deste ano porque sua dívida em dólar diminuiu. A dívida total caiu 6,9% no 3º trimestre, na comparação com o anterior, enquanto a dívida em moeda estrangeira despencou 9,6%.

A queda do dólar também segura a inflação porque reduz o custo de produtos com componentes importados. No atacado, o efeito é mais nítido. Os preços das matérias-primas agrícolas e minerais diminuem porque são cotados em dólar. O IGP-M, da FGV, está com deflação em 12 meses terminados em outubro: -1,31%. Os preços agrícolas ficaram em um ano 4,21% negativos.

Por outro lado, dólar fraco reduz a competitividade da exportação brasileira. Luiz Roberto Cunha lembra, no entanto, que a valorização do real faz parte do movimento geral de alta das moedas em relação ao dólar. É difícil lutar contra isso.

- É importante lembrar que os concorrentes do Brasil também estão passando pelo mesmo processo porque o dólar está se desvalorizando perante quase todas as moedas - disse.

Há outras formas de tornar o produto brasileiro mais competitivo, diz Luis Otávio Leal, do Banco ABC Brasil, como melhorar a infraestrutura, diminuir o custo de impostos e encargos sociais. Mas para isso é preciso fazer um longo dever de casa.

Mantega: dólar ideal para o Brasil seria de R$ 2,60

DEU EM O GLOBO

A uma plateia de industriais, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, surpreendeu e disse que, se o dólar estivesse a R$ 2,60 - apontada como taxa de equilíbrio pelo banco americano Goldman Sachs -, "venceríamos todos". Nessas condições, disse, a indústria nacional poderia enfrentar a concorrência de produtos chineses e coreanos. "A indústria brasileira tem muita competência, capacidade. Mas nós temos uma desvantagem cambial", resumiu, em atitude inédita para uma autoridade econômica. O dólar fechou a R$ 1,717. Para chegar a R$ 2,60, seria preciso uma maxidesvalorização de 34%.

"Venceríamos todos" com dólar alto

CÂMBIO EM XEQUE

Guido Mantega diz que moeda americana a R$2,60 tornaria o Brasil imbatível

Martha Beck e Geralda Doca

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem a uma plateia de empresários que se o Brasil tivesse um câmbio de R$2,60 - apontado como taxa de equilíbrio para o país pelo banco Goldman Sachs -, "venceríamos todos". Ou seja, a indústria nacional seria mais competitiva e teria condições de bater a concorrência dos produtos importados, com ganhos para o Estado e a sociedade. Ontem, o dólar fechou a R$1,717. Se a taxa de equilíbrio do Goldman Sachs - banco que em 2002 criou o "lulômetro" para avaliar o risco da vitória do presidente Lula sobre o câmbio - fosse alcançada, algo inimaginável pelos principais analistas no país, o dólar teria que sofrer uma alta de 51,4%. E o real, em contrapartida, uma maxidesvalorização de 34%.

A taxa de equilíbrio é a cotação do dólar boa para as exportações e contas externas sem ser prejudicial ao custo da dívida, à importação e ao mercado de capitais. Ou seja, aquela que não gera bolhas e afeta o crescimento no médio e longo prazos. Ressaltando que o governo brasileiro não trabalha com este número ou uma outra meta, Mantega disse no 4º Encontro Nacional da Indústria (Enai) que vai trabalhar para que as empresas brasileiras não sejam prejudicadas pelo quadro atual e se comprometeu com novas medidas para elevar a competitividade.

- Com um câmbio a R$2,60, venceríamos todos. Venceríamos os chineses, a indústria coreana. Temos ciência de que o câmbio é fundamental, e vamos trabalhar essas frentes - disse Mantega, sendo aplaudido. - Não vamos deixar que a indústria seja vencida por uma concorrência desleal. Ela será um dos protagonistas do crescimento nos próximos sete anos. Vamos tomar medidas para estimular a competitividade das exportações. A indústria brasileira tem muita competência, capacidade. Mas nós temos uma desvantagem cambial.

Na semana retrasada, em conversa com jornalistas em Nova York, o secretário de Política Econômica da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que, em seus cálculos, a taxa de equilíbrio seria R$2,10. O governo considera distorcido o atual patamar do câmbio e acredita que ele é prejudicial ao crescimento. Para conter a valorização excessiva do real frente ao dólar, várias medidas vêm sendo estudadas. Uma já foi tomada: a cobrança de IOF, a uma alíquota de 2%, sobre os investimentos financeiros de estrangeiros.

Os empresários presentes ao Enai, por sua vez, pediram desonerações tributárias e uma ação mais direta sobre o câmbio.

- A indústria brasileira não pode ser desmontada por causa de fatores conjunturais - disse o presidente da CNI, Armando Monteiro.

Mantega não revelou que ações serão adotadas. Mas, segundo técnicos da área econômica, já está decidido prorrogar a linha do BNDES com juros reduzidos para compra e produção de máquinas. Esse incentivo permite a contratação de empréstimos de R$42 bilhões até o fim do ano. Como até agora só foram contratados R$15 bilhões, o governo vai prorrogar a linha para 2010.

Frase de ministro influencia dólar

Também está na mesa de Mantega a redução do prazo de aproveitamento de créditos de PIS/Cofins na compra de matérias-primas para empresas exportadoras. Esse prazo poderia cair para zero, o que daria mais capital de giro às empresas. Mas, essa ação tem custo de R$4 bilhões para os cofres públicos e, por isso, é pouco provável que saia do papel no curto prazo.

Mantega disse que a economia brasileira pode crescer entre 6% e 6,5% de 2010 a 2016. Segundo ele, o país já retomou seu ciclo de crescimento e o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) crescerá 5% em 2010, com alta de 13% a 15% da taxa de investimento. Ele disse que, no terceiro trimestre, a economia cresceu 10% num ritmo anual. Segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, que participou do Enai, a economia cresceu 2% no terceiro trimestre de 2009 em relação ao segundo trimestre do ano.

Logo após as declarações de Mantega sobre a moeda americana a R$2,60, o dólar comercial acelerou o movimento de alta, subindo 0,87%, a R$1,725 e acabou fechando com alta de 0,41%, a R$1,717. O otimismo com a recuperação da economia brasileira e a alta das ações da Petrobras (2,73%) levaram o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) a fechar em alta de 1,17%, a 67.406 pontos, maior nível desde 17 de junho de 2008.

Colaborou Mariana Schreiber