quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Reflexão do dia - Bobbio

“Na expressão “democracia representativa”, o adjetivo já adquiriu, de modo estável, os dois sentidos: uma democracia é representativa no duplo sentido de possuir um órgão no qual as decisões coletivas são tomadas por representantes, e de espelhar através desses representantes os diferentes grupos de opinião ou de interesse que se formam na sociedade. Esses dois significados tornam-se evidentes quando se contrapõe a democracia representativa à democracia direta. Com relação ao primeiro significado, a democracia direta é aquela na qual as decisões coletivas são tomadas diretamente pelos cidadãos; no segundo, é aquele que, propondo aos cidadãos quesitos em termos alternativos, torna impossível ou menos provável o espelhamento (la rappresentazione) da sociedade. Paradoxalmente, a democracia direta é, no sentido do “espelhamento” (della representazione), menos representativa do que a democracia indireta”.


(Norberto Bobbio, em “Teoria Geral da Política”, pág. 458 – Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000)

Merval Pereira :: O processo

DEU EM O GLOBO

Mais uma reportagem estrangeira, desta vez no respeitável “Washington Post”, entoa loas ao sucesso do governo de Lula, mostrando o crescimento da classe média brasileira. O sentido é o mesmo de outras reportagens recentes, como a do espanhol “El País”.

Mostrar que o Brasil afinal deixou de ser o país do futuro. A importante revista inglesa “The Economist” já havia colocado o Brasil na sua capa, com uma bela montagem da imagem do Cristo Redentor decolando feito um foguete, numa alusão à conquista da sede das Olimpíadas de 2016 pelo Rio de Janeiro.

Aliás, por esse feito pelo qual foi sem dúvida um dos responsáveis, se não o maior, Lula foi colocado também como um dos dez expoentes dos esportes olímpicos no mundo em 2009.

Todo esse reconhecimento internacional ao momento que o país vive deveria servir de orgulho para nós, mas um orgulho com um projeto de país que vem se processando nos últimos 16 anos, e não um projeto personalista, que nos coloca não como uma sociedade que atingiu condições perenes de desenvolvimento, mas um país que depende do líder providencial para atingir seus objetivos.

Todas as reportagens internacionais que louvam a situação atual do país, por sinal, destacam esse processo de desenvolvimento que estamos vivendo, uma continuidade de políticas econômicas e sociais como nunca antes se vira neste país.

O próprio “Washington Post” ressalta que “a fundação para o sucesso de hoje foi assentada no governo de Fernando Henrique Cardoso, um acadêmico tornado político mais conhecido por controlar a inflação na metade dos anos 90. O homem que ficou com a maior parte do crédito foi seu sucessor, o presidente Luis Inácio Lula da Silva, que como líder sindical um dia combateu a globalização”.

O “El País” destacou, falando de Lula: “Das mãos deste homem, seguindo o caminho aberto por seu antecessor na Presidência, Fernando Henrique Cardoso, o Brasil, em apenas 16 anos, deixou de ser o país de um futuro que nunca chegava para se converter em uma formidável realidade, com um brilhante porvir e uma projeção global e regional cada vez mais relevante”.

A “Economist” lembra que a estabilidade do Brasil não veio de repente, é fruto de uma disciplina numa trajetória que começou nos anos 90, numa referência ao Plano Real “quando a inflação foi domada, os bancos foram saneados, e o país se abriu aos investimentos estrangeiros”.

Cita ainda a autonomia do Banco Central como um dos fatores do sucesso da política econômica.

Mesmo as homenagens que o presidente Lula vem recebendo, sendo considerado pelo inglês “Financial Times” como um dos líderes que moldaram a década passada, ou a sua escolha como o “homem do ano” pelo francês “Le Monde”, deveriam ter outra conotação, que não a de revanche, como certos setores governistas gostam de passar.

Uma vitória pessoal do líder operário sobre seu antecessor, o intelectual Fernando Henrique Cardoso. Ora, o ex-presidente também tem recebido diversas homenagens internacionais, e mesmo agora, pelo segundo ano consecutivo, já fora do poder há sete anos, foi colocado pela revista de política internacional “Foreign Policy”, editada pelo “Washington Post”, em 11º lugar entre os cem pensadores globais de 2009, pela defesa da mudança do combate às drogas no mundo.

O fato de que dois presidentes brasileiros são reconhecidos internacionalmente, e que os 16 anos de continuidade produzem efeitos tão significativos, deveria ser festejado como uma vitória de um projeto de país, e não como uma vitória pessoal deste ou daquele líder.

Vivemos um processo virtuoso nos últimos anos, e existem vários indicadores de que o progresso tem sido feito pela continuidade das políticas econômicas e sociais.

Assim como a análise do professor Claudio Salm dos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1996 a 2008 mostra “uma linha de progresso contínuo, sem inflexão petista” nas políticas públicas, como mostrou Elio Gaspari no domingo, a Fundação Getulio Vargas do Rio, por exemplo, compara a redução da pobreza ocorrida no início do Plano Real à ocorrida entre 2003 e 2005, na era Lula.

A pobreza caiu 18,24% entre os anos de 1993 e 1995, contra 19,18% entre 2003 e 2005.

Também o índice de Gini, que mede a distribuição de renda num país, revela que, embora ainda sejamos um país desigual, evoluímos nos últimos 16 anos.

Quanto mais perto de zero, o índice mostra uma melhor distribuição de renda. Era de 0,600 em 1993, antes do Plano Real, e, em 1995, caiu para 0,585. Houve um retrocesso em alguns anos de crise econômica, e a partir de 2001 o índice melhorou novamente, e, em 2008 chegou em 0,544.

É possível que tenhamos regredido novamente no ano passado, devido à crise internacional, mas a perspectiva é de recuperação da economia este ano.

Por fim, uma consideração sobre o júbilo, aliás justificável, com que os seguidores do presidente Lula receberam as diversas reportagens elogiosas dos últimos dias.

A exaltação a Lula e seu governo vem justamente da grande imprensa internacional, dificultando a tese do próprio governo de que a “mídia”, especialmente os jornais impressos, refletem apenas a visão de uma elite da sociedade, e por isso perderam a relevância política, sendo hoje largamente superados pelos novos instrumentos tecnológicos como a internet, os blogs e demais meios de comunicação social, que permitiriam à maioria da sociedade se informar e tomar decisões próprias sem a influência “perniciosa” dos grandes grupos de mídia que querem “fazer a cabeça” dos eleitores.

Ora, é na Europa e nos Estados Unidos que os novos meios tecnológicos têm maior propagação, e também onde a crise da indústria de jornais se mostra mais aguda.

Para serem coerentes, os lulistas não deveriam levar tanto em consideração essas honrarias da “grande imprensa” internacional.

Dora Kramer :: Enquanto Serra não vem

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois de muita conversa entre a cúpula do partido nessa virada de ano, o PSDB resolveu inverter o enunciado do problema segundo o qual o início dos trabalhos eleitorais dependia da definição oficial do candidato a presidente.

De agora até março passa a vigorar o oposto: o partido dá a largada exatamente para preservar o candidato, ocupando todos os espaços de ataque, defesa e organização da logística a fim de reduzir as pressões para que o governador de São Paulo, José Serra, assuma a condição de porta-voz da oposição no processo de sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva.

Trata-se, no dizer dos dirigentes, da "montagem de uma retaguarda" composta pelos parlamentares, diretórios e as estruturas das campanhas estaduais.

São eles os encarregados de falar sobre as posições do partido, comentar as notícias do dia a dia, criar fatos políticos, denunciar ações do governo que se prestarem a denúncias, enfim, chamar sobre si todas as atenções.

Com isso, atendem a uma reivindicação de Serra, que há tempos vinha aborrecido com o fato de o PSDB achar que a tarefa do embate caberia exclusivamente àquele que na eleição vai representar a voz e a face do partido.

Como isso o governador não queria nem podia fazer, inclusive porque havia outro pretendente (Aécio Neves), o campo oposicionista simplesmente não se mexia, vivia uma espécie de compasso de espera permanente.

A nova linha de ação foi facilitada por dois fatores que, na visão dos tucanos, fizeram o PSDB "fechar" 2009 em situação favorável: a desistência do governador de Minas, Aécio Neves, de pleitear a candidatura presidencial e a permanência do governador de São Paulo num primeiro lugar praticamente sem oscilações.

A retirada de Aécio livrou o PSDB da formalidade da dúvida sobre o candidato e a vantagem consolidada (até agora) dá ao partido desenvoltura para contrapor a versão do governo de que a ministra Dilma Rousseff está em situação privilegiada.

"Não está, com toda a popularidade de Lula, Dilma tem 23% no melhor cenário, aquém dos 30% previstos para o fim do ano pela expectativa divulgada pelo PT em meados de 2009", diz o deputado Jutahy Magalhães, que tem participado dessas avaliações sobre a agenda do PSDB nesse vácuo até a saída de Serra do governo de São Paulo, em 2 de abril.

Na pauta, além de "bater o bumbo" sobre a vantagem nas pesquisas, o PSDB inclui a "denúncia" dos comerciais de empresas privadas cujos textos são muito semelhantes ao discurso do governo.


Ou seja, não vendem seus produtos, mas o "mood" publicitário do governo.

Qual prejuízo isso imputaria ao campo do adversário?

Além de desvendar a manobra, "alertar", principalmente multinacionais como a Ambev e a GM, sobre a politização de suas filiais.

Nessa agenda há, no entanto, um tema interditado: a formação da chapa puro-sangue. Pergunte-se mil vezes a respeito ao presidente do partido, Sérgio Guerra, e mil vezes ele responderá: "Por enquanto é tempo de calar."

Processo (in)decisório

Para quem não gosta de arbitrar, preferindo pairar acima de qualquer conflito, Lula tem paradas duras para resolver antes de passar a faixa presidencial: a escolha dos novos aviões caças da FAB (ele prefere os franceses, a Aeronáutica os suecos), a querela entre os Ministérios da Defesa e Justiça sobre os crimes da ditadura e a extradição de Cesare Battisti.

Aos dois primeiros assuntos o presidente sempre poderá aplicar seu habitual método de impulsão com a parte mais protuberante do abdome.

Já sobre Battisti, a partir da publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal, prevista para fevereiro ou março, o presidente tem 40 dias para dar o veredicto.

Perdas e ganhos

Prefeito do Rio, Eduardo Paes começou se inspirando em projetos de ordenamento urbano de São Paulo, mas, pelo resultado de seu "choque de ordem" na cidade apinhada de turistas, pode terminar exportando tecnologia.

O projeto foi um sucesso na virada do ano e no cotidiano tem feito, pelo menos da zona sul, um espaço de convivência mais civilizada. Barracas de praia padronizadas, ambulantes uniformizados, guarda municipal em todo canto, frescobol, futebol e assemelhados banidos da beira do mar, aplicação rigorosa da lei seca, fiscalização das regras de estacionamento, presença do poder público, enfim, é o melhor remédio.

O governador Sérgio Cabral, cuja ação na ocupação dos morros livrou parte deles do domínio do tráfico, ficou em desvantagem no quesito menção honrosa por seu sumiço nas primeiras 24 horas da tragédia de Angra dos Reis, onde seis meses antes havia autorizado construções em área de proteção ambiental.

Se, como disse ele, a tragédia era "anunciada", Cabral é réu confesso do crime de omissão.

Fernando Rodrigues:: Os discursos de Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Há muita especulação e pouca certeza no comando PT sobre como deve ser o discurso de Dilma Rousseff nos primeiros seis meses deste ano.

As dúvidas aumentarão sobretudo quando a pré-candidata ao Planalto deixar a Casa Civil, no início de abril. Dilma passará três meses sem ser ministra e sem poder fazer campanha oficialmente. A curiosa lei brasileira só permite proselitismo eleitoral aberto depois de julho.

Até lá, os políticos fingem não ser candidatos, e a Justiça acredita. Por enquanto, a vida de Dilma foi tranquila. Adotou uma estratégia gradualista. Primeiro, colou-se em Lula. Depois, no final de 2009, começou a ensaiar o tom "é preciso avançar". Tudo temperado com alta dose nacionalista, numa intensidade inédita desde a volta do país ao regime democrático.

Basta assistir à enxurrada de comerciais do Planalto exaltando o Brasil na TV. Quando deixar seu cargo no governo federal, Dilma deve ou não insistir no discurso nacionalista? Não há consenso no PT. Nas eleições diretas recentes, essa não foi a linha mestra de nenhum candidato a presidente vitorioso. Funciona às vezes como tática eventual -como quando o PT chamou o PSDB de privatista na disputa de 2006. Mas esse não foi o tom constante nem central na campanha.

Outro aspecto sobre o qual há dúvidas é se vale a pena insistir na comparação entre os governos Lula e FHC. Os 20 e poucos pontos obtidos por Dilma até agora nas pesquisas resultam da inoculação da popularidade de Lula. É raro encontrar um eleitor dizendo:

"Votarei em Dilma porque ela é como o Lula e melhor do que FHC". Uma parcela dos petistas considera mais eficaz martelar os feitos do governo atual -sobretudo na área social- e deixar um pouco de lado a comparação com os tucanos. Uma disputa pelo marketing de Dilma está à porta do Planalto.

No DF, Cristovam é plano B de Serra após mensalão do DEM

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tucano aposta no PDT para montar palanque alternativo na capital federal

Christiane Samarco

BRASÍLIA - Com o governador José Roberto Arruda (sem partido) fora da disputa pelo governo do Distrito Federal - por causa do mensalão do DEM -, o PSDB do governador paulista e presidenciável José Serra faz planos para montar um palanque alternativo em Brasília. A ideia é fazer parceria entre os tucanos e o PDT do DF, com o senador Cristovam Buarque encabeçando uma chapa para disputar o governo local. Serra deve procurar Cristovam nos próximos dias, com o objetivo de sondá-lo sobre a candidatura ao Palácio do Buriti, sede do governo de Brasília.

Os dois se entendem bem desde 1994, quando Serra, então senador, subiu no palanque de Cristovam, na disputa pelo governo do DF contra o candidato do PMDB, Joaquim Roriz. O apoio do PSDB no segundo turno da corrida eleitoral, após a derrota de sua candidata Maria de Lurdes Abadia, foi decisivo para a vitória de Cristovam, que à época era filiado ao PT. Ainda hoje, o senador pedetista é grato pelo apoio do tucanato que, àquela altura, acabara de derrotar Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial.

A gratidão pelo apoio pretérito, porém, não é sinônimo de parceria futura. Não em se tratando do governo do Distrito Federal. "Não é isso que eu quero", afirma Cristovam. O projeto pessoal pelo qual o pedetista trabalha é a reeleição para o Senado. Mas o pedetista não fecha a porta para Serra trabalhar a montagem de palanque.

"Reconheço que, se o Roriz for candidato, vai ser muito difícil eu dizer não à população", diz o senador. "Onde vou, cobram minha candidatura e me dizem que eu não posso deixar o governo do DF na mão da mesma turma", afirma Cristovam, referindo-se à velha parceria entre Arruda e seu padrinho político Joaquim Roriz.

Não por acaso, Arruda mantinha antigos funcionários de Roriz no governo, entre os quais o autor das denúncias do mensalão do DEM, Durval Barbosa. Inquérito da Polícia Federal que apura o escândalo dá conta de que o esquema de arrecadação de propinas com empresas contratadas pelo governo do DF teve origem não na administração Arruda, mas no governo anterior de Roriz.

PT COM PMDB

Cristovam diz ter "ótima conversa com Serra" e que a relação do PDT paulista com o governador também é muito boa. "O Paulinho sempre foi próximo de Serra", afirma o senador, em referência ao deputado Paulo Pereira da Silva, dirigente pedetista e presidente da Força Sindical. Lembra, porém, que se o assunto é sucessão de 2010, Serra terá de procurar o PDT de São Paulo para conversar.

Ele também tem esperança de que Roriz desista da candidatura, livrando-o da pressão para disputar o governo. Embora o ex-governador tenha trocado o PMDB pelo PSC com objetivo de garantir legenda para disputar a corrida ao Buriti e esteja em campanha há três meses, Cristovam afirma que ele sempre destacou que sua maior motivação para entrar na briga local pela quinta vez era Arruda.

Na solenidade de filiação ao PSC, o próprio Roriz destacou que estava "quieto" em seu "canto", quando Arruda começou a criticar seu governo, para em seguida dizer que seu único temor era o de que o governador desistisse da briga. Como Arruda desistiu, Cristovam agora torce para que Roriz faça o mesmo. Seja qual for o cenário, também lhe causam incômodo as cobranças por dividir a "esquerda", na hipótese de se lançar contra o candidato do PT, Agnelo Queiroz.

Aliado ao PSB do deputado Rodrigo Rollemberg (DF), Agnelo mudou-se do PC do B para o PT exatamente para tentar encurtar o caminho até o Palácio do Buriti. A despeito da má vontade do presidente Lula, que não quer facilitar a vida de um crítico do governo no Senado, Agnelo e Rollemberg trabalham pela parceria com Cristovam, abrindo-lhe uma das duas vagas para senador. A segunda ficaria com o deputado petista Geraldo Magela. Isso, depois de ampliar a aliança atraindo o PMDB que já abandonou Arruda. Com a bênção de Lula, o PT de Brasília quer entregar a vaga de vice de Agnelo ao presidente do PMDB do DF, deputado Tadeu Filippelli.

Agenda tucana de 2010 abre com foco em Minas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partido fará primeiro encontro do ano no Estado, para prestigiar Aécio e fortalecer o palanque da oposição

Christiane Samarco

BRASÍLIA - A primeira reunião da Executiva Nacional do PSDB em 2010 será em Belo Horizonte, no final do mês. A decisão de prestigiar o governador mineiro, Aécio Neves, depois que ele renunciou à pré-candidatura presidencial, em dezembro, tem serventia dupla: mostrar que o ambiente interno é de "calma e normalidade" e impulsionar a candidatura do vice-governador Antônio Anastasia (PSDB) na corrida estadual, fortalecendo o palanque nacional da oposição no segundo maior colégio eleitoral do País.

Como o objetivo futuro é conquistar o apoio de Minas ao governador paulista, José Serra, que passou a ser o único pré-candidato tucano à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), adverte logo que a escolha do vice será "assunto proibido" na reunião.

Guerra sabe que o sonho de consumo do tucanato é a chapa puro-sangue, com Aécio como vice de Serra. Por isso, avisa que será uma "reunião normal", para a qual Serra nem será convidado a participar, e que o vice não será discutido agora.

"Antecipar o debate do vice quando nem pré-candidato oficial nós temos, não é bom para o nosso projeto político em Minas, nem para a campanha nacional do PSDB", defende o presidente do partido. Diante da enorme popularidade de Aécio e do desejo do eleitorado mineiro de vê-lo candidato a presidente, Guerra não tem dúvidas de que, "se fosse uma reunião para pressionar em favor da chapa puro-sangue, o último lugar para realizá-la seria Minas".

A recomendação de não tratar do assunto não é só dele. Dirigentes e líderes tucanos que se encontraram com Guerra na segunda-feira, no Rio, já se acertaram em torno disso. Foi nessa conversa que se decidiu a escolha de Belo Horizonte para sediar a reunião. Daqui para frente, as reuniões mensais da direção serão itinerantes. A escolha se dará na medida em que os palanques forem ajustados.

"Minas agirá com maior lealdade possível. Vamos ajudar na campanha nacional", afirma o secretário-geral do partido, deputado Rodrigo de Castro. "O PSDB mineiro está totalmente entrosado no PSDB nacional. Não tem isso de PSDB mineiro, paulista nem pernambucano", completa Guerra. "Estamos todos unidos na disposição de enfrentar essa avalanche de propaganda do governo".

PROPAGANDA SUBLIMINAR

A ideia é montar uma agenda que ajude a reforçar os palanques tucanos e a ganhar espaço no noticiário nacional. Presente ao encontro do Rio, o deputado Jutahy Júnior (PSDB-RJ) defendeu uma ação parlamentar sincronizada com o candidato, sobretudo diante da "propaganda escandalosa do governo". Para ele, pior que a propaganda oficial é a privada, transvestida de oficial. Ele citou até o nome de uma importante montadora que, na sua opinião, estaria "a serviço do governo".

Tucanos avaliam que a propaganda subliminar, com o conceito e a linguagem adotados por Lula em sua fala oficial de final do ano, está presente na publicidade de várias empresas. C.S.

Rosângela Bittar :: O Palácio observa seus adversários

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O panorama eleitoral que se descortina das janelas do Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, sede provisória da Presidência da República, é, como se poderia esperar, róseo para a campanha governista à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e bastante nublado para os adversários. No entanto, não está no ar, ali, o clima do já ganhou. Ainda há alguma tensão com o desenvolvimento da candidatura Dilma Rousseff (PT) à sucessão do presidente Lula e um certo respeito, embora o discurso seja o contrário, à candidatura José Serra (PSDB).

O olhar da campanha de Dilma sobre Aécio Neves e Ciro Gomes está impregnado de condescendência e simpatia, numa aposta evidente de que conta-se com um jogo que os inclua mais à frente, agora já cada um por si, uma vez abandonada a perspectiva fantasiosa, alimentada durante longo tempo, da chapa conjunta PSDB/PSB. Apesar da desistência de concorrer à Presidência, Aécio continua no campo oposto e é considerado uma ameaça caso aceite compor chapa pura do PSDB. Ciro está, circunstancialmente, também entre os adversários da candidatura única do governo, contra a vontade do presidente Lula.

Como Serra, a campanha da ministra Dilma não quer precipitar decisões e opções que pode fazer em abril ou em junho, quando estiverem mais claros os cenários da disputa, e por enquanto só observa os movimentos enquanto articula reservadamente.

No momento, o candidato a vice de Dilma, por exemplo, ainda é do PMDB. Ciro Gomes nunca teria manifestado ao presidente Lula o interesse em ser vice, embora se veja como legítimo ele vir a pleitear o posto. Lula fará uma reunião com grupo do PMDB, liderado por Michel Temer, tão logo volte das férias, e a promessa é tratar deste assunto.

Os argumentos de Ciro apresentados ao governo para seguir candidato a presidente são de que esta é a melhor opção porque acha José Serra um candidato muito forte, favorito, e uma eleição plebiscitária só o beneficiaria, podendo levá-lo até a vencer no primeiro turno. Para Ciro, sua candidatura dividiria o eleitorado de Serra, forçando um segundo turno de qualquer maneira, o que criaria uma segunda chance para Dilma ou para ele próprio se conseguir ultrapassar a ministra.

O presidente Lula, e todos os analistas políticos próximos a Dilma, discordam desta avaliação.

Mas acham que só dentro de três a quatro meses isto ficará mais claro para Ciro. Acham que, em três ou quatro meses, se Serra estiver crescendo e Dilma estacionada nas pesquisas, fica reforçada a posição de Ciro. Mas se, ao contrário, Dilma estiver crescendo, Serra e Ciro estacionados na preferência do eleitorado e começar a se evidenciar que a candidatura Dilma tem fôlego, Ciro verá que o grupo do Planalto é quem tem razão, preveem consultores da campanha. E poderá mudar suas opções. É isto que os mais próximos à candidatura da ministra acreditam que vai ocorrer.

Em que caso se poderá considerar a candidatura da ministra reforçada, para efeito destas avaliações? Segundo analistas próximos a ela, a candidatura Dilma se reforçará em março se ela estiver beirando os 25% da preferência do eleitorado, José Serra estiver com 30%, ou pouco mais, e o Ciro não conseguir sair dos 12 ou 13%. Se Ciro crescer na preferência do eleitorado e Serra também, a tese do deputado cearense ganha força, a de que sua candidatura impulsiona o segundo turno.

Quanto ao vice de Dilma, posto reservado ao PMDB, é algo que só vai se definir, assim como o vice de José Serra, por volta de junho, mais perto das convenções. Nas análises do Planalto, a Vice da candidatura do governo é do PMDB, embora todos considerem justo Ciro pleitear o posto, se realmente vier a fazê-lo como condição para abandonar a candidatura a presidente. "Ciro de vice não é a hipótese principal, tem-se trabalhado numa aliança com o PMDB e o PMDB quer ter o vice", explica um interlocutor político da ministra.

O que está implícito na opção até agora firme pelo PMDB é, principalmente, a governabilidade. "Não é só ganhar a eleição, não é só o tempo de televisão para propaganda, é governar no dia seguinte", assinala o mesmo analista. E o PMDB seria o partido que ajuda a governar, embora o governo continue a contar com PSB, PCdoB e PDT no seu grupo.

A articulação das alianças está ligada ao day after das eleições em que o resultado a ser considerado inclui as eleições parlamentares e também as de governador, ambas igualmente definidoras da correlação de forças entre os partidos. O PMDB pode até não ser o maior partido no dia seguinte às eleições, mas é hoje, e é com este dado que a candidatura tem que ser armada, raciocinam os estrategistas.

Quanto aos adversários definidos como tais, o Planalto tem também suas avaliações. Já esperava, como todos que trabalham diretamente a política partidária, que Aécio Neves desistisse por ora da candidatura a presidente e se voltasse para a campanha de Minas. Mas os analistas do presidente Lula não estão admitindo que Aécio opte pela Vice de Serra.

Acreditam que ele nada tem a ganhar com isto: "Se o Serra for eleito, Aécio, na chapa, será no máximo o vice de Serra; se Serra perder e ele for o vice, perde junto e fica sem nada; se o Serra for eleito e ele estiver no Senado, será o comandante do Senado, muito mais influente e com mais poder do que se fosse o vice; se o Serra perder e ele estiver no Senado, vai ser o chefe da oposição, com novo discurso".

Na verdade, embora exponha a argumentação de forma direta e clara, os pensadores do Planalto apenas desejam que as coisas aconteçam desta forma, pois trata-se de cenário mais favorável à candidatura governista. Inclusive as conjecturas sobre Aécio como chefe da oposição contemplam traços que favorecem o governo: "Ele terá um discurso novo, contra o confronto, de pacificação do país, de união, um chefe de oposição que vai fazer oposição como elas são na maioria dos países civilizados. Ele vai virar o chefe da oposição do pós-Lula", é claramente o desejo.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

José Nêumanne :: Eles não arriscavam a pele pela democracia

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Já que o secretário de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, está tão interessado em investigar a violação de direitos humanos pela ditadura militar que provocou uma crise interna no governo federal por propor a tal Comissão Nacional da Verdade, talvez fosse útil esclarecer algumas meias-verdades, que também são meias-mentiras, a respeito desse delicado assunto. A primeira delas é a motivação da iniciativa: conforme o proponente e seu patrono na Esplanada dos Ministérios, Tarso Genro, ministro da Justiça, não há intenção de ofender os militares nem de revogar a Lei da Anistia, que extinguiu os crimes políticos eventualmente cometidos na vigência do regime de exceção. A dificuldade para quem (como o autor destas linhas) não é fluente na algaravia ideológica de ambos é compreender como o dito cujo texto será blindado se ele vige desde 1979 e a proposta é revogar as leis que possam ter permitido tais violações entre 1964 e 1985.

"Criar a Comissão da Verdade é a favor das Forças Armadas, que são formadas por oficiais militares das três Armas, pessoas dedicadas à Pátria, ao serviço público, com sacrifícios pessoais, das suas famílias. Esses oficiais não podem ser misturados com meia dúzia, uma dúzia ou duas dúzias de pessoas que prendiam as opositoras políticas, despiam-nas e praticavam torturas sexuais, que ocultaram cadáveres. É um grande equívoco e eu tenho certeza de que o ministro da Defesa (Nelson Jobim) sabe disso", disse Vannuchi em entrevista à Agência Brasil (oficial). Circulam na internet manifestos pedindo a adesão dos brasileiros à iniciativa e citando os "verdadeiros" heróis militares, caso do líder da revolta contra o uso da chibata para punir infratores nos navios da Marinha brasileira, em 1910, o marujo João Cândido. Ainda bem que os autores de tal manifesto tiveram o cuidado de evitar citar outro marinheiro, o cabo fuzileiro naval Anselmo, um agitador que depois se descobriu ter sido agente provocador dos quadros da inteligência militar que lutava contra os grupos da esquerda armada na guerra suja travada com o regime nos anos 70 do século passado. Isso, contudo, não impede a observação de que essa lisonja às instituições armadas é um mero e sórdido truque retórico.

É difícil crer que o secretário de Direitos Humanos ignore um tema de sua pasta a esse ponto. Pois qualquer aluno iniciante de algum cursinho mambembe de História recente do Brasil sabe muito bem que os agentes da repressão nos órgãos encarregados de combater a guerrilha não eram loucos solitários e isolados das instituições militares. João Cândido, assim como o capitão Carlos Lamarca, que fugiu do quartel de Quitaúna, na Grande São Paulo, com um caminhão de armamentos para liderar um grupelho guerrilheiro, é que pode ser considerado à margem dos quadros fardados. A repressão à esquerda armada - e todas as suas consequências - foi uma decisão de governo, cumprida pelas Forças Armadas, e desconhecer essa verdade histórica só pode resultar de crassa ignorância ou asquerosa má-fé. Portanto, qualquer tentativa de investigar violações de direitos humanos no regime de exceção sob comando militar mexerá, sim, com vespeiros em muro de quartel. Se isso é necessário ou não, são outros 500 cruzeiros. Mas não nos venham os atuais detentores do poder com tantos borzeguins ao leito.

A reabertura dessas chagas neste momento pode até contemplar o princípio legal vigente em vários países e recentemente adotado no Brasil de que a tortura é um crime que nunca prescreve. A medida legal será até salutar se a denúncia dos torturadores impedir que tais práticas continuem sendo cometidas em delegacias de polícia contra presos comuns ainda hoje. Mas urge considerar outras questões, que vão além dessa meia-verdade, simplória apenas na aparência. Isso poderá suscitar um longo debate jurídico, histórico, político e ético. Pois a lei que torna a tortura um crime imprescritível é posterior à anistia, sem a qual não teria havido o arranjo institucional que permitiu a volta da democracia clássica e a ascensão da esquerda desarmada ao poder.

Só isso poderá encerrar o debate, que talvez nem devesse ter sido iniciado. Mas ainda há mais a considerar, já que a palavra verdade está sendo utilizada de maneira, digamos, leve na denominação da iniciativa, que mais parece retaliação ou um gesto comparável a urinar no poste para marcar posição. As vítimas da ditadura assenhorearam-se do poder e agora fazem questão de mostrar quem manda neste Brasil de uma democracia pouco solidificada, onde ainda vige uma norma consensual, não inscrita na tradição jurídica, mas perfeitamente adequada aos hábitos e costumes, segundo a qual "manda quem pode, quem tem juízo obedece".

Convicta de que a História é escrita por vencedores, em detrimento dos vencidos, o que justificaria até os atos bestiais de Hitler e Mussolini, por exemplo, a esquerda quer reescrever a ata deste nosso tempo porque perdeu a guerra suja, mas subiu ao poder. Ainda que não tenha êxito no Parlamento, pois, ao que parece, senadores e deputados não estão muito dispostos a remexer no lixo dos porões da ditadura, os patronos da Comissão Nacional da Verdade já conseguiram algumas conquistas. A primeira delas foi expor os atuais comandantes militares à humilhação pública de serem forçados a devolver seus cargos ao presidente. A segunda será refinar outro combustível para anabolizar a crescente popularidade de Lula, que poderá ostentar a láurea de "vingador dos torturados".

E a maior de todas será elevar ao panteão dos heróis da democracia militantes que não arriscavam a pele pela liberdade, mas por sua forma favorita de tirania. Se conseguir ungir tal mentira como verdade, a proposta terá prestado um imenso desserviço à história e à democracia.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Fernando de Barros e Silva:: O futuro do passado

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Há, em relação aos crimes cometidos pela ditadura brasileira, pelo menos duas grandes questões em jogo. A primeira diz respeito ao conhecimento da verdade sobre o período. A segunda envolve a possibilidade de julgamento e punição dos agentes do Estado, civis ou militares, responsáveis por torturas e assassinatos. São questões distintas, embora relacionadas, que voltam à tona nos debates suscitados pela proposta do governo de criar a Comissão da Verdade.

Saber quando, onde e como morreram e qual o paradeiro dos que foram assassinados pela ditadura é um direito inalienável das famílias. Não há justificativa para que o Estado democrático se furte ao dever de esclarecer essas circunstâncias.

O divisor de águas neste capítulo foi estabelecido em 1995, por FHC, quando a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos reconheceu, pela primeira vez, a responsabilidade do Estado pelos desaparecimentos e elaborou uma lista das vítimas. Casos controversos foram analisados e famílias foram indenizadas. Apesar do trabalho, ainda restam dezenas de mortes que aguardam a luz da verdade.

Já em relação ao julgamento dos torturadores, não há como fazê-lo sem rever a Lei da Anistia. Nenhuma lei é imutável, mas essa não é uma lei qualquer. Ela fixou os termos da nossa transição para a democracia. Trata-se de um problema político que envolve aspectos legais, e não o contrário. Não é um debate para juízes nem comissões, mas do Congresso e da sociedade.

Já estamos no ano eleitoral. Por acaso, os dois principais candidatos à sucessão de Lula, José Serra e Dilma Rousseff, foram diretamente atingidos pela ditadura. Presidente da UNE, o tucano viveu anos no exílio a partir de 1964. A petista integrou uma organização adepta da luta armada, foi presa e torturada.

Saber exatamente o que cada um dos dois pensa sobre o assunto talvez seja útil enquanto observamos a Comissão da Verdade cozinhar em fogo brando no caldeirão do Lula.

Militares criticam 'revanchismo'

DEU EM O GLOBO

Os presidentes dos clubes Militar, Naval e da Aeronáutica divulgaram ontem uma nota na qual criticam o lançamento da Comissão Nacional da Verdade, que teria amplos poderes para investigar crimes cometidos durante a ditadura.

O decreto assinado pelo presidente Lula, criando a comissão, provocou uma crise no governo que culminou com entregas de cartas de demissão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e dos comandantes militares.

Os presidentes se solidarizam com Jobim e atacam a possibilidade de reabertura de investigações.

Os três usam palavras como “revanchismo” e “mesquinharia” para falar dos riscos contra a democracia.

O texto diz ainda que, se os casos do passado fossem revistos, “teriam que examinar (...) também os atos dos militantes que protagonizaram cenas cruéis de terrorismo, sequestros, assassinatos (...)”. Os presidentes citam “compensações morais, políticas e financeiras generosas” concedidas aos militantes de esquerda.

Com a comissão, segundo a nota, “as sequelas viriam à tona”.

A nota é assinada pelo vice-almirante Ricardo Veiga Cabral (Clube Naval), general Gilberto Barbosa de Figueiredo (Militar) e pelo tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista (Aeronáutica).

Vagner Gomes de Souza* :: A Grande Política para o Rio de Janeiro

A gestão do Governo Estadual do Rio de Janeiro apresenta semelhanças com as contradições do Governo Federal. Falta um ano da atual gestão e a burguesia fluminense convive em plena harmonia com as lideranças dos trabalhadores da Indústria. Observamos que não há diferenças entre os dirigentes sindicais dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro (CTB), de Volta Redonda (Força Sindical), de Niterói e arredores (CUT) porque todos fazem parte de uma mesma ordem política do continuísmo que se faz pela conciliação.

Uma revolução passiva sem pressão das classes subalternas é o legado da atual gestão do Governo Estadual que reinventou o PMDB local numa concepção “neochaguista”. Diante da cooptação das lideranças políticas locais através de cargos públicos ou pelo adesismo de uma esquerda pragmática. A viabilidade desse programa político reformador burguês no Rio de Janeiro é sustentada não só pelo Governo Federal, mas também na ausência de uma oposição fluminense que tenha análise da conjuntura.

As forças oposicionistas do Rio de Janeiro estão paralisadas pela falta da reflexão política. Essa paralisação é uma avenida aberta para possíveis cooptações de seus setores mais fisiológicos que observam a política na lógica eleitoral. O vazio político pode ser ocupado pelas forças políticas da gestão anterior que já aderiu ao “lulismo”. O atual pré-candidato do PR é uma releitura do “amaralismo” fluminense com alianças nas novas camadas médias de economia autônoma que vivem o boom do calvinismo do Rio de Janeiro.

As forças oposicionistas não fortalecem uma alternativa democrática a medida que estabelecem uma leitura pouco ousada com a conjuntura nacional. Não se vinculam diretamente com o debate político nacional como se o Rio de Janeiro fosse secundário na disputa presidencial. Assim, não há ainda uma política que consolide um “palanque de oposição” no Rio de Janeiro, pois não há uma política que se faça na dependência de nomes ou “cálculos” de viabilidade eleitoral.

Vivemos um momento em que a oposição fluminense deve reconstruir o “centro democrático” para que a política de desenvolvimento industrial seja conduzida de forma mais fraterna entre as classes sociais. A divisão política das forças do Segundo Turno nas eleições da capital de 2008 não acrescenta nada na consolidação de uma radicalização da participação democrática. O Rio de Janeiro é singular na política nacional. Por isso, deve ser singular na forma de organizar as forças de oposição em forma de aliança. O núcleo PSDB, DEM, PPS deve e pode ser ampliado por uma política que demonstre que o continuísmo estadual não fará bem a democracia.

A grande política para o Rio de Janeiro deve ser uma Aliança Democrática por um Rio de Janeiro melhor na transparência política dos cargos públicos indicados. A presença da sociedade é fundamental na campanha para que renove a cultura política no estado do Rio de Janeiro e fortaleça um crescimento econômico ecologicamente sustentável. Por isso, há nomes de destaque na oposição fluminense na pré-campanha ao Senado tanto no DEM quanto no PV.

Agora, é o momento de consolidar essa alternativa com a viabilização de um nome ao Governo Estadual que unifiqNegritoue as forças democráticas. O PPS pode contribuir com essa grande política desde logo, pois passa por um processo de reformulação de seus quadros políticos no Rio de Janeiro.

*Militante do PPS-Campo Grande-RJ. Suplente do Conselho de Ética do Diretório Municipal do Rio de Janeiro. Mestre em Sociologia – UFRuralRJ.

Decreto de Cabral ajuda ricos, afirma procurador

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Governador do Rio autoriza ocupação de áreas em Angra

Raphael Gomide
Da Sucursal do Rio

Para o procurador da República Fernando Amorim, o decreto do governador Sérgio Cabral (PMDB) que facilita ocupação de terrenos em Angra dos Reis e suas ilhas foi "muito infeliz" porque "anistia" empreendimentos irregulares na Área de Proteção Ambiental (APA) Tamoios, além de gerar "sensação de impunidade".

"O governo foi muito infeliz porque o decreto representa uma espécie de anistia em um lugar com o histórico muito negativo de fiscalização", diz o procurador. Segundo ele, o decreto já foi usado como argumento de defesa para responsáveis por construções irregulares em áreas de conservação.

Ele afirma ainda que a medida beneficia essencialmente a "classe alta" e empreendimentos turísticos e imobiliários.

Amorim recomendou ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, uma ação de inconstitucionalidade contra a medida. Segundo ele, a Constituição só permite alteração de regras de unidades de conservação por lei, não por decreto -como ocorre nesse caso.

O deputado estadual Alessandro Molon (PT) fez projeto de decreto legislativo na Assembleia do Rio para anular a medida. Os procuradores Amorim e Daniela Masset requisitaram ao Inea (Instituto Estadual do Ambiente) que o órgão informe sobre toda autorização concedida, a fim de mover eventual ação de nulidade.

A medida permite mais construções nas zonas de Conservação da Vida Silvestre da APA e autoriza a ampliação de obras em até 50%, desde que não ultrapasse 20% da área. O decreto também autoriza novas construções em áreas não edificadas, em 10% do terreno, o que não era permitido.

O benefício abrange a faixa litorânea de 33 metros ao longo de 81 km no continente, além das ilhas.

Sérgio Cabral afirmou ter dobrado a área de conservação no início do mandato. Também falou em "radicalizar" nas políticas de ocupação do solo e propôs "revisão" das regras.

Vinicius Torres Freire:: Cidades mortas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Primeira semana do ano foi de tristezas para as cidades paulistas e fluminenses próximas ao velho Paraíba

Angra dos Reis parece o mais distante dos subúrbios do Rio. É um amontoado de puxadinhos, de construções inacabadas mas desde sempre em decadência encardida e confusa, a favela genérica típica das nossas cidades grandes. Os moradores ainda mais pobres vivem pendurados em morros e em cocorutos de final de serra.

A cidade é a imagem invertida de um lugar lindo, as baías, as angras, os sacos, as enseadas e a restinga que vão de Parati ao Rio. Quase todos os anos, pedaços de morro se esboroam, pedras despencam e fecham um trecho da Rio-Santos. Costuma morrer pelo menos uma dúzia dos habitantes do lugar. Quando não morrem em Angra, morrem nas pirambeiras de Petrópolis, onde os ricos têm mais bom gosto do que no litoral, o que ainda não resolve nada.

Neste ano, a nossa miséria atravessou o mar; houve a desgraça horrível da Ilha Grande. Angra é uma "cidade morta", a seu modo.

No caminho de São Paulo para Angra ou para a vizinha Mangaratiba, é simpático passar pelas cidades esquecidas do Vale do Paraíba, como São Luiz do Paraitinga. Como tantos outros lugares exauridos pelo fim do café, preservam algum casario antigo, costumes meio tropeiros, festas católicas populares, de rua, e trilhos de trem sem uso ou destino. São Luiz parecia salva em sua catatonia a quem parou para comer um afogado e tomar sua cachaça suave na segunda-feira anterior à catástrofe.

São Luiz do Paraitinga é outro gênero de cidade morta, aquelas de Monteiro Lobato: "A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje mortas, ou em via disso...: nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas... progresso de cigano, vive acampado. Emigra, deixando atrás de si um rastilho de taperas".

Nosso progresso de agora cria aglomerados de taperas, mas não é nômade. Que nome daremos a isso, nós que estamos tão satisfeitos com a nossa emergência?

Lobato tratava da ascensão e queda rápida do café vale-paraibano, do latifúndio ignaro que devastou matas e solo. No vale ficou a "morraria áspera", o gado pé duro, barões criadores de galinhas e netos farrapos, de pé no chão, "cantando em francês", para furtar a metáfora do poema de Francisco Alvim. Sobraram sedes de fazenda, "palácios mortos da cidade morta". Os fidalgos deixavam as paredes ruir e vendiam telhas a "30 mil réis o milheiro", como escreveu Lobato das "Cidades Mortas" paulistas.

Na terra devastada do Rio, não sobrou um chão para os quilombolas sem quilombos e os caboclos do lugar. A estrada de ferro entre Rio e São Paulo sugou o resto de sangue de Angra, Mambucaba, Itaguaí.

Alguns filhos dos deserdados do velho porto, das tropas, dos canaviais e cafezais improdutivos iriam se pendurar nos morros. Uns outros se espalharam por mocambos nas franjas alagadiças da Baixada Fluminense, onde se juntaram a imigrantes do norte do país atraídos pelas indústrias que empregavam poucos.

Itaguaí fica entre Mangaratiba e o Rio. Lá, "em tempos remotos vivera o dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas", o alienista que internou a cidade e um dia se descobriu demente, o do conto de Machado de Assis.