terça-feira, 4 de maio de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna


A democracia de massas não pode abdicar da república, uma vez que, sem ela, é presa fácil para intervenções messiânicas, quando a decisão de um pode se justificar em nome do interesse geral de que ele seria o intérprete privilegiado. As eleições que se avizinham, mais uma vez, vão confrontar programas dos candidatos em torno de questões substantivas de relevância indiscutível, como educação, saúde, emprego e renda, mas a eles não pode faltar mais, como nas eleições anteriores, o tema da república e da auto-organização da cidadania. Já são décadas de modernização, chegou a hora do moderno.


(Luiz Werneck Vianna, no artigo, “Direito, democracia e república”, publicado, ontem, no jornal Valor Econômico)

Querer é poder?:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A grande incógnita dessa eleição é o alcance do poder de influência do presidente Lula sobre os eleitores. A se levar em conta suas atitudes públicas e notícias que saem em pílulas sobre seu estado de espírito, ele parece convencido de que tem força suficiente para fazer o que quiser, mesmo chegando ao fim do mandato, o que aliás não está lhe fazendo muito bem. O presidente Lula, que prometera voltar para São Bernardo do Campo quando saísse da Presidência da República, já está anunciando que continuará na política, e parece disposto a tudo para fazer sua sucessora.

Agora mesmo, na comemoração sindical do 1° de maio, onde mais uma vez afrontou a Justiça Eleitoral, Lula fez questão de ressaltar que os trabalhadores sabiam quem ele quer para suceder-lhe.

Ora, ao contrário do dito popular, querer não é poder.

Lula no máximo pode achar que Dilma é mais talhada para o cargo, e indicá-la como a melhor opção, mas não pode dar uma ordem ao eleitorado; no máximo, pode tentar convencê-lo de que ela é a candidata ideal para continuar seu projeto.

Mas impô-la como sua escolha, basta o que já fez com o PT, que teve que engolir sua decisão imperial. Levar para o palanque essa mesma determinação pode não dar resultado, porque do outro lado há eleitores que têm que ter o direito de escolher recebendo as informações corretas, e não ordens de um guia político que tudo sabe.

Além do mais, as pesquisas indicam que os membros das classes emergentes são conservadores e pragmáticos, e votarão no candidato que considerarem mais capaz de continuar as políticas que os levaram a melhorar de vida, e não por mero agradecimento.

Partiram, por mera coincidência, de dois músicos as explicações mais plausíveis para a eleição estar como está, equilibrada, mas com a oposição consistentemente na frente nas pesquisas eleitorais.

O compositor Guarabira comentou que não há nenhum incoerência no fato de Lula ter 80% de aprovação e o candidato oposicionista Serra continuar na frente.

Segundo ele, muitos desses 80% que consideram o governo Lula ótimo ou bom são eleitores tucanos, que gostam de ver que Lula prosseguiu as políticas econômica e social do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Por sua vez, Chico Buarque declarou que votará em Dilma porque gosta de Lula.

Mas fez uma ressalva: Dilma ou Serra, dá no mesmo.

É esse sentimento de que qualquer dos dois candidatos pode prosseguir no projeto de Lula, que é uma continuação do projeto de FH, que permite um ambiente tranquilo, quase modorrento na eleição, e dá margem a que o candidato oposicionista consiga fazer a comparação entre ele e Dilma, e não entre Lula e FH, como querem os petistas.

Ao atuar como um candidato que não confronta sua adversária, e muito menos o popularíssimo presidente Lula, o candidato tucano José Serra desmobilizou, pelo menos no momento, a expectativa governista de radicalizar as posições para colocá-lo no córner, caracterizando-o como o representante do retrocesso.

Ao contrário, ele se coloca como o mais capacitado para dar continuidade ao projeto, e somente os militantes petistas e tucanos são capazes de levar a campanha para comparações desqualificantes, ou agressões radicais.

Atribui-se a Lula a decisão de assumir a tarefa de “desconstruir” Serra e mostrar aos seus seguidores que o candidato oposicionista não pode ser sua continuidade.

Vai ser difícil Lula atacar Serra gratuitamente, ainda mais que o tucano não perde ocasião para elogiá-lo. Dilma tentou o confronto com aquela história de “lobo em pele de cordeiro”, mas não deu muito certo.

A face radical dessa eleição está na internet, enquanto os dois candidatos comem feijoada juntos na mesma mesa em Uberaba.

O sociólogo Rudá Ricci considera que analisar as diferenças e proximidades entre gestões FHC e Lula pode ser útil para ter-se “uma visão mais clara da trajetória e tendência que o país vem adotando”.

A análise tem que ser feita, porém, “não pelo foco dos resultados, como pretendem os petistas”, ressalva Ricci, mas pelos conteúdos.

Nessa perspectiva, a política econômica foi similar, diz ele. Já a política social, na sua visão, foi apenas uma vertente da política econômica de Lula.

A questão central, para o sociólogo Rudá Ricci, foi apenas a ampliação do mercado interno — salário mínimo, o Bolsa Família e o crédito consignado — enquanto as políticas de educação e saúde “foram muito marginais e quase insignificantes, erráticas para ser mais preciso, nas gestões Lula”.

Os quatro pilares das gestões Lula, principalmente a segunda, foram, segundo o sociólogo: política econômica (com base monetária monitorada pelo BC); orientação para o desenvolvimento não sustentável (PAC e BNDES); ampliação do mercado interno (também não sustentável, ou seja, a ausência da ação de Estado não garante minimamente a permanência dos emergentes de classe média ou sua projeção social), e fortalecimento do presidencialismo de coalizão (a política, dentre todas, diretamente administrada por Lula).

Rudá Ricci lembra que Fernando Henrique Cardoso também se concentrou na política econômica e, talvez, um pouco mais em saúde e educação, com Paulo Renato à frente.

Ele considera o ex-ministro da Educação injustiçado, “já que Serra apareceu mais que ele, embora tenha feito muito mais que o candidato a presidente”.

O sociólogo Rudá Ricci considera que Fernando Henrique “foi muito frágil na construção de um projeto de poder, além de não ter tido tempo para definir uma orientação para o desenvolvimento”.

Pelo que conhece e leu de FHC, se recusa a aceitar a tese de que que ele “teria se jogado nos braços do liberalismo clássico”.

Nos temas mais sensíveis, como reforma agrária, “os dois tergiversaram, justamente porque refutam esta política.

Eles são muito iguais”, finaliza Rudá Ricci, que considera que nos próximos dez anos haverá uma união de forças de PT e PSDB.

Egotrip presidencial:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva pede calma aos correligionários prometendo entrar em campo depois da Copa do Mundo para dar uma "virada" na campanha de Dilma Rousseff e passa a ordem unida a milhares de trabalhadores reunidos para comemorar o 1.º de Maio: "Vocês sabem quem eu quero."

Não obstante o discurso ao molde de código para fugir à vigilância da Justiça Eleitoral - em tempos distantes Lula nessa data afrontava a durindana -, chama atenção nos dois atos descritos acima a centralidade exclusiva que o presidente atribui ao seu papel no resultado dessa eleição.

Substituindo-se à candidata e ao livre arbítrio de seus admiradores. "Eu quero" tanto pode ter sido uma licença inadequada de linguagem como uma manifestação até involuntária daquela viagem aludida por Ciro Gomes quando, no auge da irritação por ter sido preterido sem aviso prévio, disse que o presidente navegava "na maionese", se sentindo o "todo-poderoso", capaz de simplesmente ungir sua escolhida.

Não há novidade no comportamento autorreferido do presidente Lula, cujo bordão "nunca antes neste País" não só foi incorporado à cena como, a julgar por seus altos índices de popularidade, é muito bem aceito pela maioria.

Isso diz respeito a Lula e ao exercício de seus dois mandatos presidenciais. Um sucesso de bilheteria, nem tanto de crítica, mas questão vencida e resolvida.

O ponto em aberto passou a ser a sucessão. Como Lula escolheu disputar de novo por intermédio de candidata sem histórico político, eleitoral ou partidário, o problema posto inicialmente foi a sua capacidade de transferir votos para Dilma Rousseff.

Lula precisou tomar a frente do processo a fim de transmitir ao eleitor o recado de que era ela a escolhida. Fez isso durante dois anos, desde fevereiro de 2008 quando do batizado da "mãe do PAC", e conseguiu tirar Dilma de 2% para a casa de 30% de intenções de votos nas pesquisas.

Não adianta discutir os métodos. Nessa altura trata-se de examinar os fatos. E estes expõem o seguinte: a oposição à frente nas pesquisas, com uma situação política mais favorável inicialmente, sem que isso tenha tido reflexo comprovado nas intenções de voto. Ainda não saíram novas pesquisas.

Portanto, a vantagem que se observa agora para a oposição pode ou não ter ultrapassado do campo político para o terreno eleitoral.

Ou seja, o presidente se baseia na realidade quando pede que seus correligionários não se deixem tomar pela ansiedade.

Conviria, porém, que ele também contivesse a ânsia do ego inflado e deixasse algum espaço para que as qualidades de Dilma Rousseff aparecessem.

Evidente que o presidente como principal arquiteto da própria sucessão precisa ter papel ativo na campanha. O problema é a calibragem. Saber o momento em que essa atividade ultrapassa o limite e passa a ser uma arriscada hiperatividade.

Por exemplo, quando diz que depois da Copa do Mundo ele entra em campo e tudo se resolve, Lula praticamente está dizendo que Dilma sozinha não dá conta do recado.

Outro exemplo: no afã de ganhar terreno em relação ao adversário - contrariando o apelo à serenidade - acaba criando oportunidades, como aconteceu no 1.º de Maio, de a oposição recorrer à Justiça Eleitoral. E é claro que o risco para o governo é sempre maior, porque se de um lado em tese a posse da máquina pública possa favorecê-lo esse é um fator que o deixa mais vulnerável nos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral.

Esse tipo de contestação na fase atual, se aceita, no máximo rende multa. Depois do início oficial da campanha pode significar cassação do registro de candidaturas.

Além disso, há carência de celebração à candidata. Até agora não se ouviu de Lula uma explanação séria e fundamentada sobre as razões pelas quais os brasileiros deveriam escolher Dilma para presidir o Brasil.

Seu último pronunciamento sobre isso foi artificial - "se eu soubesse antes que ela era tão boa não teria sido candidato" -, quase jocoso. Seria um bom começo: parar de falar de si, que deixará a Presidência e logo será passado, e começar a falar dela que sinaliza uma representação do futuro.

Dono da bola ::Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - "Se eu for multado, vou trazer a conta para vocês. Quem é que vai pagar a minha multa? Levanta a mão aí, que eu vou cobrar". Adivinhe quem foi que falou isso? Acertou. Foi "o cara".

Dias antes de brincar desse jeito com o público, no final de março, em Osasco, na Grande São Paulo, Lula já havia sido multado em R$ 5 mil por fazer propaganda antecipada de Dilma Rousseff. Naquele mesmo dia, receberia a notícia de outra multa, desta vez no valor de R$ 10 mil, pela mesma razão.

As multas da Justiça Eleitoral não constrangeram o presidente. Pelo contrário, parecem ter lhe servido como desafio. No mês passado, ele disse que "nós não podemos ficar subordinados a cada eleição a um juiz que diga o que a gente pode ou não pode fazer".

Neste fim de semana, no 1º de Maio, voltou a tratar a legislação no registro da galhofa.

A lei eleitoral em vigor tem sérios problemas, é fato. Ela é um convite à hipocrisia quando diz que os candidatos estão proibidos de pedir votos antes das convenções partidárias, em junho. Da data de desincompatibilização, no início de abril, até lá, criou-se um vácuo, como se não existissem campanhas.

Sabemos que Dilma estava atrás de votos quando participou da festa do Dia do Trabalho; sabemos também que Serra não estava exatamente interessado em orar com os evangélicos em Santa Catarina.

Sabemos, portanto, que Lula não é o único político a infringir as leis. Todos fazem ou tentam fazer isso. Mas, sendo quem é, quando zomba das multas ou desafia a competência do juiz, Lula talvez seja o único a mandar descaradamente às favas as regras do jogo. Parece sugerir ao país que as leis são menores, ou valem menos, do que ele próprio.

Lula prestou um grande serviço à democracia quando rejeitou a tentação do terceiro mandato. Os tucanos fizeram o oposto ao inventar o casuísmo da reeleição. Mas Lula presta um desserviço à democracia quando age como se mandasse no jogo só porque é o dono da bola.

Tão iguais, tão diferentes:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O que Lula, Michelle Bachelet e Alvaro Uribe têm em comum? Lula é classificado como "de esquerda" e seu governo vive alfinetando os EUA. Bachelet é de "centro esquerda" e convivia razoavelmente bem com Washington. E Uribe é "de direita" e dependia de Bush como depende de Obama.

Mas os três têm altos índices de popularidade, mais de 70%. Quando o candidato de Uribe, Juan Manuel Santos, é ultrapassado pelo adversário Antanas Mockus a um mês das eleições do dia 30, na Colômbia, isso remete ao que ocorreu no Chile e projeta ainda mais dúvidas na sucessão no Brasil.

Santos era ministro justamente da Defesa num país em que o combate às Farc é quase uma obsessão e catapultou Uribe à condição de um dos presidentes mais populares da região. Apesar disso, quem dispara é Mockus, do PV, matemático, filósofo, ex-reitor de universidade e duas vezes prefeito de Bogotá.

Repete-se assim, mas com sinal trocado, o que aconteceu com Bachelet, que era a queridinha do Chile, mas não fez o seu sucessor. Eduardo Frei, ex-presidente da República, perdeu para o grande empresário Sebastián Piñera. E Lula? Vai eleger sua ex-ministra Dilma Rousseff ou passar a faixa para José Serra ou Marina Silva?

Petistas e agregados têm certeza de que a popularidade de Lula fará o que a de Bachelet não fez e a de Uribe não está sendo capaz de fazer, porque Lula é Lula. E os tucanos creem que a eleição brasileira vá seguir o rastro das do Chile e da Colômbia, porque Dilma é "pesada", como Frei e como Santos, e os mais de 70% do presidente contam, mas não definem.

Depende.

Nem Bachelet nem Uribe, apesar de igualmente aprovados, chegam a ser tão endeusados quanto Lula se faz no Brasil. E nenhum dos dois mergulhou na campanha como Lula na de Dilma. Logo, há traços coincidentes e práticas diferentes. O que ocorre lá pode até se repetir aqui, mas não necessariamente.

O fator Dilma :: Almir Pazzianotto Pinto

DEU NO CORREIO BRASILIENSE

Diz a sabedoria mineira que “eleição, como mineração, somente depois da apuração”. São comuns os casos de eleições surpreendentes, cujos resultados desmentem reputados institutos de pesquisa, autorizados analistas e doutores em ciências políticas.

Getúlio Vargas foi deposto pelos militares em 29 de outubro de 1945. À frente dos sediciosos encontrava-se o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra durante o Estado Novo. O ex-presidente viu-se remetido à estância da família, em São Borja, onde permaneceu confinado.

Como candidatos à Presidência da República, se apresentaram dois nomes, com chances de sucesso. Pela UDN, concorreu o brigadeiro Eduardo Gomes, herói da Força Aérea e de quem a propaganda dirigida ao eleitorado feminino dizia: “Vote no brigadeiro; é bonito e é solteiro”. Como adversário, o próprio Dutra, do PSD. Outros dois surgiram, mas na posição de figurantes: Yedo Fiúza, do PCB, e Rolim Telles, pelo PAR (Partido Agrário Nacional).

Contra o general dizia-se ter sido coautor do golpe de 37 e ministro da Guerra de Getúlio. Não bastasse, Dutra era calado e não irradiava simpatia. Logo estava convertido em motivo de desespero para desanimados companheiros de campanha.

A eleição de Eduardo Gomes parecia inevitável, e a UDN já se considerava detentora do poder. Em 27 de novembro, contudo, no derradeiro comício realizado no Rio de Janeiro, cinco dias antes das eleições marcadas para 2 de dezembro, foi lida breve mensagem de apoio de Getúlio a Dutra, em nome da defesa dos direitos outorgados às classes trabalhadoras. A carta, conhecida como “ele disse”, conseguiu o que parecia impossível: a súbita transferência de milhões de votos, que deram a vitória ao general, tido, até então, como derrotado.

Em lance marcado pela ousadia, o presidente Lula assumiu a paternidade da candidatura de Dilma Rousseff. A confiança ilimitada — para não dizer arrogante — na vitória resultaria não do perfil da ex-ministra-chefe da Casa Civil, pouco conhecida e inexperiente em disputas eleitorais, mas da presença de Lula à frente do governo; da aliança celebrada com o PMDB (a quem foi ofertada a Vice-Presidência); do Bolsa Família; da melhoria da qualidade de vida das camadas populares; e, sobretudo, da capacidade do presidente de se conservar ligado às massas, dizendo-lhes aquilo que esperam ouvir, com palavras simples.

Em artigo anterior, previ a vitória de Dilma. Deixei, todavia, a ressalva de que o prognóstico poderia ser invalidado pela ocorrência de fato novo, capaz de neutralizar o capital político acumulado pelo presidente. Lembro-me das eleições municipais de 1988, quando candidatos dos grandes partidos foram derrotados por integrantes do PT, em consequência da morte de metalúrgicos confrontados com soldados do Exército, durante movimento grevista em Volta Redonda. Cidades como São Paulo, Campinas, Porto Alegre, tornaram-se palcos de repentinas guinadas do eleitorado, indignado com aquilo a que a imprensa denominou de massacre.

Pois bem, reconhecidas as diferenças entre personagens, situações e circunstâncias, em 2010 o fator determinante da mudança, no cenário eleitoral, tem o nome Dilma. Dilma Rousseff. Tão logo deixou a Casa Civil, para empreender carreira solo distante do padrinho, a candidata passou a dar demonstrações de não estar à altura do desafio representado pela disputa da Presidência da República, sobretudo tendo por adversário político experiente como José Serra.

A bipolaridade do pleito desfavorece a representante do Planalto e do PT, cujo atestado de pobreza política teria sido passado pelo próprio presidente que, segundo se divulga, recomendou-lhe a redução das aparições públicas, enquanto permanece imersa no aprendizado de construção de frases, articulação de raciocínio, clareza de exposição e postura diante das câmeras de televisão.

Como a excelente candidata Marina Silva não dispõe, até onde se sabe, de meios para enfrentar as gigantescas despesas impostas por disputa de caráter nacional, e o independente Ciro Gomes viu-se privado, por razões metapartidárias, de concorrer à Presidência, a eleição caminha, de maneira inexorável, para a bipolaridade. O fator Dilma poderá determinar a eleição de José Serra. É aguardar e ver se Lula conseguirá, em cinco meses, repetir o prodígio realizado por Vargas, em cinco dias.


Almir Pazzianotto Pinto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

O ''sequenciamento'' de Lula:: Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para atrair multidões às festas do 1.º de Maio, centrais sindicais promovem sorteios, contratam cantores populares e animadores carismáticos. É bem verdade que o fazem sobretudo com dinheiro alheio, desembolsado por estatais como Petrobrás, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e espertas empresas privadas. Ainda assim, em retrospecto, pode-se argumentar que o gasto foi em ampla medida desnecessário. Afinal, quem conta com um dos maiores artistas de palanque do mundo, o presidente Lula, no auge da forma, tem sucesso assegurado, com a vantagem de que ele não cobra cachê ? apenas pede votos.

Desde que ascendeu ao Planalto, esta foi a primeira vez que Lula resolveu abrilhantar os shows do sindicalismo cujos resultados, por sinal, podem ser medidos pelo número de companheiros premiados com empregos na máquina federal. Mas este não é um ano igual aos outros. Em 2010, a prioridade confessa do presidente, "a coisa mais importante do meu governo", como não se pejou de dizer no congresso do PT, é fazer da ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff a sua sucessora. Para tanto, ele irá a todos os palanques que estiverem disponíveis e aos muitos mais que continuarão a ser erguidos somente com essa finalidade. Trata-se, invariavelmente, de uma operação em dois tempos encadeados.

Um é o da autolouvação, encarnada no mote do "nunca antes na história deste país". O exemplo da hora é o de sua fala no espetáculo da Força Sindical, o primeiro dos quatro a que compareceu no sábado. "Eu duvido que em alguma parte do mundo um presidente depois de sete anos teve coragem de ir a um ato encarar os trabalhadores", vangloriou-se. O segundo tempo é o da pregação da continuidade, agora rebatizada de "sequenciamento", como disse no evento da CUT, logo se voltando para a candidata, num tom que escancarou a relação hierárquica entre criador e criatura: "Dilma, você ouviu o que eu disse?"

Ele se dá a requintes de atrevimento quando desmoraliza em sequência a legislação eleitoral, fazendo campanha antecipada com os meios ao alcance do seu cargo, pelo que já foi multado duas vezes ? outro ineditismo de Lula. "Quero que quem venha depois, e vocês sabem quem eu quero, saiba que vai ter de fazer mais e melhor", discursou na festa da Força, como se a omissão do nome não servisse de deixa para o coro entrar com o hit da temporada, "olê, olê, olá, Dilmaaa, Dilmaaa". Em outro momento, lembra que "a legislação não me permite falar de candidatos" ou que "só posso falar de candidato depois de julho". É uma fraude rudimentar. Lula age como o jogador que passa uma rasteira no adversário e de imediato ergue as mãos em sinal de inocência.

Já no pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, que antecedeu as comemorações do Dia do Trabalho, ele saiu-se com isso: "Algo me diz que este modelo de governo está apenas começando. Algo me diz, fortemente, em meu coração, que este modelo vai prosperar. Sabe por quê? Porque este modelo pertence ao povo brasileiro, que saberá defendê-lo e aprofundá-lo, com trabalho honesto e decisões corretas." O problema de Lula é que a sua escolhida não tem se mostrado capaz de induzir parcelas crescentes do eleitorado a tomar as tais "decisões corretas".
A dependência do padrinho-presidente só aumenta a propensão dele para o vale-tudo.

A citação do nome é o de menos. O que a lei visa a coibir, em defesa do princípio da oportunidade de igualdades entre os candidatos, é a subordinação das instituições políticas aos interesses eleitorais dos seus titulares e partidos. Isso inclui o chamado capital simbólico dos ocupantes de funções executivas: não é por deter o recorde brasileiro de popularidade política que Lula desfrutaria de uma atenuante para os seus delitos; ao contrário, a exploração eleitoral do seu prestígio agrava a transgressão. A oposição pode ficar rouca de tanto protestar. Mas ou o Tribunal Superior Eleitoral aplica ao presidente sanções proporcionais ao seu desdém pelas regras do jogo ou contribui para o escárnio.

D. Marisa usa avião oficial para campanha

DEU EM O GLOBO

A primeira-dama Marisa Letícia usou um avião da Presidência para ir a um encontro da Associação das Mulheres Rurais (Amur) de Uberaba na 1ª ExpoZebu. No evento feminino, a presidenciável petista, Dilma Rousseff, fez discurso de candidata. Auxiliares justificaram o uso do avião dizendo que dona Marisa fora homenageada pela Amur e, depois, que estava representando Lula na ExpoZebu. Presente à exposição, o vice José Alencar falou em nome do presidente.

D. Marisa usa avião oficial para ajudar Dilma

Primeira-dama viaja em aeronave reserva da Presidência para participar de feira com a candidata

UBERABA (MG). A primeira-dama, Marisa Letícia, usou um Embraer 190, um dos aviões reservas da Presidência da República, para participar de um encontro promovido pela Associação das Mulheres Rurais de Uberaba (Amur), numa das barracas da 76 ª ExpoZebu, ao lado da ex-ministra e presidenciável petista Dilma Rousseff. O encontro, no qual Dilma fez discurso de candidata, se transformou num ato de apoio à pré-candidata petista. Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se confundiram no momento de justificar a viagem da primeira-dama, acompanhada apenas de alguns seguranças, num avião de alto custo.

Primeiro surgiu a explicação de que dona Marisa Letícia viajou de São Paulo a Uberaba apenas para receber uma homenagem da Amur. Em seguida, assessores do Palácio do Planalto divulgaram que a primeira-dama estava em Uberaba como representante do presidente Lula. Ela iria entregar uma carta do presidente aos dirigentes da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), patrocinadora da exposição. Mas, logo depois da explicação, o vice-presidente José Alencar fez um discurso no palco central da exposição para dizer que ele estava ali como representante do presidente.

- Esta questão do uso do avião está definida desde os tempos de dona Ruth Cardoso. O uso do avião faz parte dos critérios de segurança e transporte do presidente e de seus familiares - disse um dos auxiliares da Presidência.

De olho no voto feminino, a ex-ministra Dilma destacou, no encontro, as ações do governo Lula em prol da mulher e enalteceu as qualidades femininas. Segundo Dilma, muita gente diz que as mulheres não sabem tomar decisões. Mas, de acordo com ela, isso é um tremendo equívoco. Numa referência indireta a si mesma, a pré-candidata disse que as mulheres estão prontas para o poder.

- Aprendi que as mulheres estão prontas para governar o Brasil. Não porque uma ou outra mulher só se destaca. Mas, sobretudo, porque o Brasil tem um conjunto de mulheres de expressão na sociedade. Acho que não só as mulheres estão preparadas para governar o Brasil como o Brasil está preparado para ser governado por mulheres em todas as instâncias - afirmou Dilma para uma plateia de aproximadamente cem mulheres.

De acordo com dados da última pesquisa Datafolha, o pré-candidato tucano, José Serra, tem vantagem em relação a Dilma junto ao eleitorado feminino - 35% a 25% das intenções de votos das mulheres.

Durante a reunião, a mulher do prefeito Anderson Adauto (PMDB), Ângela Mairink, declarou apoio a Dilma. Ela disse que trabalhará em favor da ex-ministra durante a campanha eleitoral. Dona Marisa não falou na solenidade.

Já o candidato tucano José Serra, depois de participar da abertura da ExpoZebu e do almoço coletivo numa fazenda, se reuniu a portas fechadas com um grupo de dirigentes da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu. (Jailton de Carvalho, enviado especial)

Comparar Serra com Dilma é inevitável:: Orestes Quércia

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Os petistas insistem tanto em falar de FHC e Lula porque sabem que é um risco insuportável instalar Dilma na Presidência

O presidente Lula e o PT pretendem que as próximas eleições sejam uma comparação entre Lula e FHC.

É curioso como, na ânsia de ganhar a eleição e manter o padrão de vida conquistado, dirigentes e parlamentares do PT parecem se esquecer de que sua candidata se chama Dilma Rousseff. Nem sequer citam a ex-ministra em artigos e declarações.

Essa omissão poderia ser considerada uma descortesia com Dilma, mas, na verdade, revela o terror dos petistas: a comparação realmente inevitável é entre Serra e Dilma, que são os candidatos à Presidência.

E não há dúvida de que essa comparação é francamente favorável ao ex-secretário do Planejamento, ex-deputado federal, ex-constituinte, ex-senador, ex-ministro do Planejamento e da Saúde, ex-prefeito e ex-governador José Serra.

Política, como toda atividade humana, precisa ser desenvolvida com o sentido de carreira. As pessoas precisam aprender em níveis de responsabilidade menor para que possam desempenhar satisfatoriamente desafios maiores. Caso contrário, o risco do desastre é grande.

Esse raciocínio é elementar. Nenhum alpinista começa pelo Everest, a maior montanha do mundo.

Senti isso com clareza na minha própria carreira. A experiência de vereador foi fundamental para o sucesso da minha gestão como prefeito de Campinas. Desta, amadureci na política para representar São Paulo no Senado num momento de luta intensa pelas liberdades democráticas.

Do Senado, parti para ser vice-governador, onde aprendi como se comanda uma estrutura como o governo de São Paulo, que desempenhei com forte aprovação popular no momento seguinte. A vida é assim, etapa por etapa, aprendendo sempre para errar pouco e acertar muito.

Na política, a experiência é ainda mais importante. É fundamental disputar eleições, ganhar e perder, pois apenas assim se aprende a liderar, construir maiorias, vislumbrar consensos, arbitrar conflitos, persuadir, fazer impor o interesse público e administrar crises.

É desnecessário ressaltar a dimensão da Presidência. O presidente tem como primeira responsabilidade a garantia da governabilidade num ambiente adverso: dezenas de partidos, ausência de fidelidade, tendência à dispersão. A liderança de quem ocupa a Presidência é essencial para impor o interesse público.

Da mesma forma, o presidente tem a responsabilidade de manter a inflação sob controle e fazer a economia crescer mais, gerando mais emprego e renda para as pessoas.

E há muitas outras responsabilidades, como melhorar a saúde e a educação, aumentar o investimento na infraestrutura, melhorar a segurança.

O presidente tem que ter, obrigatoriamente, visão, liderança, ascendência, respeitabilidade, experiência, interlocução, preparo e vivência.

A Presidência da República não é local para amadores ou novatos em eleição. O país não pode pagar o preço, na melhor das hipóteses, do aprendizado do novo líder. No pior cenário, o país não pode cair na crise causada pela falta de liderança, de visão e de capacidade de seu presidente.

Os petistas insistem tanto em falar de FHC e Lula porque sabem, e toda a sociedade começa a perceber, que é um risco insuportável para o Brasil instalar Dilma Rousseff na Presidência.

Com todo o respeito à ex-ministra, falta-lhe tudo em experiência política, pois ela não disputou até agora uma única eleição e não exerceu nenhum mandato popular.

Percebe-se claramente, em sua fala belicosa e na completa ausência de tato na abordagem de questões políticas, que faltam eleições e mandatos em sua biografia.

Essa falta de experiência seria fatal na hora de construir maiorias, administrar interesses, formar consensos, administrar crises e fazer preponderar o interesse público.

Todos sabem que o presidente Lula contava para a sua sucessão com outros nomes mais qualificados, mas o PT perdeu esses quadros por conta dos muitos escândalos em que se meteu, em especial no célebre mensalão.

Dilma é o nome que sobrou, uma mulher trabalhadora e íntegra. Mas querer que sua primeira experiência como mandatária popular seja a Presidência da República é um desacato ao Brasil.

O eleitor, que não é bobo, já começa a perceber que Serra é infinitamente mais preparado para ocupar a Presidência. Daí o PT querer esconder Dilma atrás de Lula.

Evidentemente, não vai dar certo, pois os candidatos são Serra e Dilma.

É essa a comparação inevitável que o eleitor fará, para desespero dos petistas.

ORESTES QUÉRCIA é presidente estadual do PMDB de São Paulo. Foi governador do Estado de São Paulo (1987-91), senador pelo MDB de São Paulo (1975-83) e candidato à presidência da República nas eleições de 1994.

Do Nordeste para o Brasil

DEU EM O GLOBO

Em entrevista em seu site sobre o filme “Vidas Secas”, a pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, cometeu mais uma gafe: falou do Nordeste como se a região fosse fora do Brasil. ”Em ‘Vidas Secas’ tá retratado o problema da miséria, da pobreza, da saída das pessoas do Nordeste para o Brasil, disse.

Nordeste no exterior

Ao falar de filme que trata de retirantes, Dilma comete gafe

Maria Lima

BRASÍLIA. Criado para treinar a candidata diante das câmeras, o programa de entrevistas inaugurado no site da petista Dilma Rousseff provocou nova polêmica. Numa entrevista sobre cultura, Dilma, ancorada pelo coordenador de internet da campanha, Marcelo Branco, e pela apresentadora Carla Bisol, cometeu mais uma gafe: ao citar o filme “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, Dilma falou como se o Nordeste não fizesse parte do Brasil. O filme, baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos, retrata uma família de retirantes em luta constante contra os donos das terras e fugindo da seca.

A resposta foi a uma pergunta de Marcelo Branco sobre a experiência da pré-candidata nos cineclubes, em Belo Horizonte.

Depois de hesitar um pouco, ela respondeu que era ousado e até subversivo naquela época discutir sobre a pobreza retratada no filme.

— Você imagina as discussões que saíam, porque em Vidas Secas está retratado todo o problema da miséria, da pobreza, da saída das pessoas do Nordeste para o Brasil.

Para passar informalidade, Dilma é mostrada de forma relaxada, com postura pouco elegante. As respostas eram ensaiadas, sobre temas como cinema, música e programas do governo para incentivar o setor.

A entrevista foi dividida em dois blocos.

Nas primeiras perguntas, Dilma parece que está lendo as respostas no teleprompter. Ao seu lado, Marcelo Branco aparece pronunciando baixinho, com movimentos labiais e de cabeça, as palavras que Dilma diria em seguida. Ao final das perguntas, ele acompanhava as respostas rindo. A certa altura, o coordenador pergunta se o vale cultura pode ser usado em lan houses: — Pode sim, aliás, é muita rica a experiência das lans houses — responde Dilma, escorregando no plural.

— Boa notícia! — responde Branco.

Na entrevista, que promete ser semanal, com temas variados, Dilma diz que o governo Lula elevou o orçamento da cultura de antigos R$ 300 milhões para R$ 2,2 bilhões.

Presidente é popular mas tem limites: Raymundo Costa

DEU NO VALOR

Além de escalar a equipe jurídica da campanha da ex-ministra Dilma Rousseff a presidente, o advogado Márcio Thomaz Bastos será o consultor especial de Lula nas eleições. Ele já dá pitacos no conteúdo dos programas de tevê da candidata do PT, mas sua principal missão será a blindagem da participação do presidente na campanha eleitoral de Dilma, que deve ser intensificada nos 45 dias de propaganda gratuita no rádio e na televisão.

Thomaz Bastos e Lula formaram uma parceria de sucesso no primeiro mandato do presidente.

O advogado foi decisivo em alguns dos principais percalços legais do governo. Lula, por exemplo, queria recusar a renovação do visto no passaporte do jornalista Larry Rother, correspondente do The New York Times, o que na prática correspondia à expulsão do repórter do país e um ataque à liberdade de expressão assegurada pela Constituição. Os argumentos de Thomaz Bastos foram decisivos para Lula recuar da decisão.

O criminalista também deu o tom da reação do governo ao escândalo do mensalão. Thomaz Bastos releva sua participação na operação em que o governo classificou o mensalão dos pecados veniais. Segundo alegava, qualquer advogado de porta de cadeia não teria dificuldade para explicar a dinheirama que circulou entre os partidos como um esquema de caixa 2, prática "comum" aos partidos a qual sucumbiu também o PT, como diria mais tarde o próprio presidente da República.

Na prática, Thomaz Bastos teve um papel no mensalão que transcendeu a simples consultoria jurídica. É do conhecimento público que o advogado serviu como mediador entre Lula e os principais líderes da oposição, na crise de 2005. Menos conhecida é sua articulação com os líderes partidários no Congresso para evitar a convocação de testemunhas para depor nas CPIs.

Thomaz Bastos ficou conhecido mais como advogado do que como ministro da Justiça do governo. Por isso é importante precisar agora por que Lula recorre novamente aos serviços de um advogado que conhece como poucos os meandros do poder em Brasília.

Uma explicação é que o presidente da República está preocupado com a condenação que sofreu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por fazer campanha eleitoral antes do prazo permitido pela legislação eleitoral (a oposição, aliás, prepara outra enxurrada de ações). Preocupado, na realidade, é pouco para descrever a reação do presidente à decisão do TSE. Ele parou de reclamar publicamente, diante da condenação geral, mas em particular não poupa adjetivos poucos lisonjeiros aos juízes eleitorais. Lula acha que está sendo usado como "exemplo pedagógico" pelo TSE. Se já é multado agora ao apenas "insinuar" que sua candidata é Dilma, como será quando entrar pra valer na campanha?

O fato é que Lula está prestes a se envolver mais ainda na campanha de sua ex-ministra. O presidente deixou sua candidata solta durante quatro semanas, e o PT não gostou do que viu e se convenceu de que será preciso o presidente empenhar sua gigantesca popularidade, "entrar de cabeça" na campanha para assegurar a transferência de votos para uma candidata que, a menos de seis meses da eleição, não superou a barreira dos 30% do eleitorado, como era esperado de alguém com um padrinho tão forte.

Entre os conselheiros mais próximos de Lula também formou-se o consenso de que o presidente não aceita a ideia de perder a eleição de outubro e está disposto a fazer o que for preciso para eleger Dilma. Essa é a questão: até que ponto é conveniente e legítimo o envolvimento do presidente da República na campanha eleitoral, um ambiente de normal exacerbação de ânimos, sem que isso leve à divisão do país. Lula é presidente do Brasil. Do PT, é apenas o presidente de honra. E ninguém imagina que seja algo mais que figura de retórica ele dizer que não aceita perder as eleições de outubro.

Existe ainda a questão do uso da máquina. O pronunciamento que o presidente fez no 1º de Maio, em cadeia nacional de rádio e televisão, pouco ou quase nada difere dos discursos pelos quais foi repreendido pela Justiça Eleitoral. Contornando as bordas da lei, sem muita sutileza, Lula pediu para a população tomar "decisões corretas" para manter o atual "modelo de governo". O poder de Lula hoje no PT é ilimitado. Politicamente falando, porque como presidente, mesmo popular como nenhum outro, no país seu poder tem o limite da lei.

Pode ser que o PSDB veja fantasmas ao estranhar que o pronunciamento de 1º de Maio, no rádio e na TV, tenha ido ao ar no dia 29 de abril, o dia em que se divulgou que ele era um entre os 25 principais líderes mundiais, de acordo com pesquisa da revista Time. O PT também estranhou as vinhetas do 45º aniversário da TV Globo, que pareciam remeter ao número do PSDB na urna eletrônica. Ossos do ofício. Esse é o clima de campanha eleitoral, e ela nem sequer começou oficialmente.

Lula e José Serra, o candidato tucano que ameaça a eleição de Dilma, têm um histórico exemplar de campanha. Em 2002, emissários do petista procuraram o então candidato tucano para saber se ele usaria um suposto material sobre a vida pessoal de Lula que chegara ao PSDB. Serra ainda não sabia do material, mas se declarou ofendido com a simples suposição dos emissários de que ele pudesse usar acusações pessoais contra Lula na campanha, sem falar que se tratava de denúncia de origem duvidosa.

Na campanha de 2006 para o governo de São Paulo, Serra ficou sabendo que a campanha de Aloísio Mercadante (PT) armara um falso dossiê sobre irregularidades em sua gestão no Ministério da Saúde.

Por meio de um amigo comum, Serra fez chegar a Mercadante o seguinte raciocínio: Ele perdeu em 2002 para Lula e aceitou o resultado sem criar confusão. Por que então Mercadante não poderia perder uma eleição para ele, José Serra, sem causar problemas? Ficou sem resposta, o suposto dossiê foi publicado e os advogados tiveram muito trabalho. O que se espera agora é que a campanha não chegue a esse extremo.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Brasil tem problemas de liberdade de imprensa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Análise apresentada pela entidade Repórteres Sem Fronteiras destaca que País sofre com decisões judiciais que limita trabalho da mídia

Wilson Tosta / RIO

Em um mapa da entidade Repórteres Sem Fronteiras sobre a situação da liberdade de imprensa no mundo em 2010, dividindo 175 países em um espectro de cores que vai do branco (boa) ao preto (muito grave), o Brasil aparece coberto de laranja claro (com problemas sensíveis).

O desenho foi exibido ontem pelo presidente emérito do Grupo RBS, Jayme Sirotsky, no seminário Liberdade de Expressão, e mostra que, se o País não chega ao laranja escuro (difícil) de Venezuela e Equador e está muito distante do preto da Arábia Saudita, está longe da liberdade clara de Canadá, Austrália, Bélgica, países escandinavos e outros.

Entre os motivos, decisões judiciais vetando reportagens - como a que há 277 dias impôs ao Estado censura em relação à Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. "Aqui são praticadas algumas formas veladas de censura e outras explícitas, com base em interpretações equivocadas da lei", disse Sirotsky, em sua palestra, intitulada O cerceamento às liberdades de expressão - visão histórica da evolução dos abusos pelo mundo, no evento promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e entidades do setor, no Dia da Liberdade de Imprensa.

"São decisões judiciais sob o argumento de que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, de proteção da intimidade. O ministro (do Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello diz claramente que a nova forma de censura prévia é a tutela antecipada (contra reportagens) que alguns juízes estão concedendo." Sirotsky destacou a "inexplicável e longa" censura enfrentada pelo Estado, lembrou que a liberdade de imprensa é respaldada em tratados internacionais e na Constituição e classificou a situação brasileira como de "liberdade relativa".

Ele também criticou propostas de "controle social" da mídia, levantadas por representantes de partidos de esquerda e movimentos sociais, denunciando-as como tentativas de controlar a imprensa pelo Estado. "Ora! Controle social da mídia... São 8.621 emissoras de rádio, 497 estações de televisão, 3.079 jornais que circulam e informam no nosso País", disse. "A sociedade tem cada vez mais poder de fiscalizar e de usar as novas tecnologias para exigir qualidade, isenção e para produzir seus conteúdos."

Mesmo no campo da segurança física para jornalistas, a situação do Brasil não é a ideal. Até 2009, frisou Sirotsky, o País era um dos 14 piores locais para a imprensa trabalhar sob esse ponto de vista, de acordo com a organização Comitê para a Proteção de Jornalistas. Em 2010, o Brasil saiu da relação, devido a condenações de criminosos que mataram profissionais da área.

O problema é mais grave em outros países da América Latina. "Honduras chegou a ser considerado o país mais perigoso do continente para jornalistas, com seis profissionais assassinados somente em 2010", declarou Sirotsky.

Denúncias. Representantes de órgãos de comunicação da Venezuela, da Argentina e do Equador denunciaram no seminário iniciativas dos governos de seus países para limitar cada vez mais a autonomia de jornalistas e empresas jornalísticas.

Um dos exemplos foi o do presidente do canal venezuelano Globovisión, Guillermo Zuloaga, preso ao voltar ao país após participar de reunião da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) em Aruba, no Caribe, acusado de ter "vilipendiado" no encontro o governo do presidente Hugo Chávez.

Embora já libertado, o diretor da TV não pôde participar do evento de ontem, por estar impedido de sair da Venezuela, e foi representado pelo filho, Carlos Zuloaga. Venezuela, Argentina, Bolívia, Honduras e México são citados negativamente no relatório de 2010 da World Association of Newspapers and News Publishers (WAN).

Mediador de um debate que reuniu Zuloaga, Hernán Verdaguer, do grupo argentino Clarín, e Emílio Palacios, do jornal equatoriano El Universo, sobre O cerceamento às liberdades de expressão na América Latina, o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, citou estudo do analista Andrés Cañizalez, que apontou um padrão comum de perseguição a órgãos de comunicação na América Latina. Segundo Cañizalez, esse padrão é formado por quatro fatores: valorização direta da comunicação do Poder Executivo com o povo; fortalecimento dos veículos estatais; formação e sistematização de novos marcos regulatórios para a comunicação; e o discurso agressivo dos governantes em relação à mídia.

"Eu chamaria a atenção para um aspecto adicional: o risco de, num país emergente como o Brasil, passarmos a confundir o conceito de progresso com apenas o progresso econômico", declarou Gandour. "Há o risco de a sociedade brasileira se deixar anestesiar pelo progresso econômico e deixar de zelar por todos os demais valores que devem sustentar a democracia. O convívio com o contraditório, a fluidez de ideias de várias formas, várias origens, têm que ser preservados." Segundo ele, o Brasil vive situação de plena de liberdade de imprensa, embora com problemas sensíveis e ameaças periódicas.

O ministro Carlos Ayres Britto, homenageado por ter relatado no STF a ação que resultou no fim da Lei de Imprensa imposta pela ditadura, atribuiu as decisões de primeira instância vetando reportagens a uma certa "perplexidade" de juízes com mudanças recentes.

"Estamos passando de uma cultura restritiva da liberdade de imprensa para uma cultura de plenitude da liberdade de imprensa. Então há um certo negaceio, uma certa perplexidade. É como está no livro de Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser. De repente, o que pesa sobre os nossos ombros não são as dificuldades de vida, e sim as facilidades da vida. Estamos hoje em pleno gozo da liberdade de imprensa e paradoxalmente nos sentimos mal", afirmou.

Além da Emerj, promoveram o encontro a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). a Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) e o Forum Permanente do Direito à Informação e de Política de Comunicação Social do Poder Judiciário.

Aliança de Gabeira terá Marina e Serra

DEU EM O GLOBO

Cesar Maia é confirmado na chapa como pré-candidato ao Senado

Cássio Bruno

Em encontro ontem, na sede do PPS no Rio, para formalizar a coligação PV-PPS-DEM-PSDB, os partidos anunciaram que o pré-candidato ao governo fluminense pelo PV, deputado federal Fernando Gabeira, apoiará, no primeiro turno, dois pré-candidatos à Presidência: Marina Silva (PV) e José Serra (PSDB). Os dois participarão juntos, em junho, da convenção da aliança no estado. Foi anunciada ainda a chapa de Gabeira para o Senado, que terá o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) e o ex-deputado federal Marcelo Cerqueira (PPS).

- O Serra tem agora um palanque bom, forte, no Rio. A Marina também tem. Nossa coligação está montada. Foi adotada por todos universalmente e vai fazer uma bela campanha para presidente da República. Tanto do Serra, quanto da Marina. O Gabeira não é mais candidato do PV. Ele é candidato da coligação - afirmou Márcio Fortes, um dos coordenadores da campanha de Serra no Rio e provável vice na chapa de Gabeira.

Coordenador da campanha de Marina, o presidente do PV no Rio, vereador Alfredo Sirkis, lembrou da atual situação no Acre:

- Existe uma situação similar no Acre. A Marina apoia a candidatura do (senador) Tião Viana (PT) ao governo. É claro que ele tem todo o interesse de recebê-la (Marina), embora a sua candidata não seja ela. Mas Gabeira vota na Marina.

O lançamento da candidatura de Gabeira deverá ocorrer em 23 de maio. O pré-candidato, no entanto, disse que Serra e Marina só estarão juntos na convenção:

- Os dois (Serra e Marina) estão convidados e estarão presentes. Isso foi conversado aqui (na reunião).

Mesmo com resistência, os partidos confirmaram Cesar Maia para concorrer a uma das duas vagas ao Senado. O PV, que lançou a vereadora Aspásia Camargo como pré-candidata ao Senado, dependerá de uma resposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a viabilidade da chapa com mais de dois nomes a senador. O ex-prefeito não foi à reunião.

- Qualquer problema no caminho não comprometerá a coligação - disse Gabeira, referindo-se a uma suposta negativa à consulta do PV para lançar Aspásia.

Participaram ainda do encontro o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, o ex-governador Marcello Alencar e a vereadora Lucinha, pelo PSDB, e os deputados federais Solange Amaral e Índio da Costa, pelo DEM. O presidente regional do PSDB, José Camilo Zito, deixou a reunião logo no início.

Gabeira acerta palanque duplo no Rio com Serra e Marina

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Deputado confirma sua candidatura ao governo do Rio e fecha aliança com o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) para o Senado

Alfredo Junqueira / RIO

Após seis meses de impasse, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) confirmou ontem sua candidatura ao governo do Estado do Rio e oficializou a aliança com PSDB, DEM e PPS. O acordo, sacramentado depois de três horas de reunião, também prevê a participação do parlamentar em atos de campanha do candidato tucano à Presidência, José Serra.

Até o encontro de ontem, Gabeira e lideranças do PV do Rio mantinham firme a posição de que só fariam campanha para Marina Silva, nome do partido à sucessão do presidente Lula.

Os compromissos de Serra no Rio seriam acompanhados apenas pelos candidatos a vice e ao Senado da coligação - indicados pelos demais partidos. O pré-candidato do PV ao governo do Rio confirmou que Serra e Marina participarão da convenção que oficializará seu nome, em junho.

"Pretendemos lançar no dia 23, de manhã. Vamos começar a mobilização. Não será ainda com a presença dos candidatos à Presidência porque nós preferimos que eles venham na convenção", explicou Gabeira.

Indicado como candidato a vice na chapa de Gabeira, o ex-deputado federal Márcio Fortes (PSDB) confirmou que o acordo possibilitará a elaboração de uma agenda de pré-campanha de Serra no Rio. Fortes confirmou a presença de Gabeira nos eventos de Serra no Estado.

"O Gabeira anda com ele", disse Fortes. "O Serra tem um palanque. A Marina também tem.

Mas o Serra tem um palanque bom, uma candidatura vitoriosa, que pode ganhar a eleição e não terá limites. Nossa coligação é adotada por todos universalmente e fará uma bela campanha à Presidência da República. Tanto para o Serra quanto para Marina", avaliou o tucano.

Senado. Pivô da crise que se instaurou entre os partidos, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia (DEM) teve sua candidatura ao Senado confirmada na reunião de ontem. O PV do Rio resistia em formalizar a aliança tendo ele como representante dos Democratas. Apesar do acordo, os verdes também confirmaram que a vereadora Aspásia Camargo concorrerá ao Senado.

Caso a Justiça Eleitoral se manifeste contrariamente ao lançamento desse tipo de candidatura independente, o partido não criará embaraços para a coligação - de acordo com o presidente da legenda no Rio, Alfredo Sirkis. O outro nome da aliança ao Senado será o advogado Marcelo Cerqueira, do PPS.

"Gabeira já disse que o melhor candidato ao Senado é o Cesar Maia e confirmou que fará campanha para ele", disse a deputada federal Solange Amaral (DEM), representante do partido e do ex-prefeito na reunião.

Apesar do acordo, Gabeira terá de lidar com resistências veladas. O próprio presidente regional do PSDB, o prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito, saiu da reunião logo no início. Com ar contrariado, confirmou a aliança, mas disse que a prioridade era a eleição de Serra.


Eleitorado

O Rio é terceiro maior o colégio eleitoral do País

14,2 milhões é o número de eleitores do Estado

10% é quanto representa o Rio no eleitorado nacional

Gabeira lança chapa sob fogo amigo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Apoio a Serra num eventual 2º turno contra Dilma causa incômodo no PV

Anunciado pré-candidato ao governo do RJ com apoio de PSDB, DEM e PPS, verde justifica fala pró-tucano e responde a correligionários

DA SUCURSAL DO RIO
DA REPORTAGEM LOCAL

No dia em que foi anunciado oficialmente como pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) virou alvo de críticas de aliados por declarar apoio a José Serra (PSDB) num eventual segundo turno contra Dilma Rousseff (PT).

Ele disse ao Blog do Noblat que votaria no tucano após apoiar Marina Silva (PV) no primeiro turno. A declaração gerou incômodo entre aliados da senadora. O ex-deputado Luciano Zica classificou a fala como "lamentável".

"Foi uma declaração infeliz. Causa estranheza, porque Gabeira é um cara experiente. Não temos o direito de escorregar agora", disse à Folha. "Não perguntamos ao Gabeira quem ele vai apoiar no segundo turno do Rio. E se a disputa for entre Serra e Marina, ele também vota no Serra?", provocou Zica.

Obrigado a se explicar, Gabeira disse ter respondido a uma pergunta "bem específica": "Faz parte de um acordo meu com ele [Serra]. Eles [PSDB] me apoiam aqui no Rio, e eu apoio a candidatura da Marina. Caso haja um segundo turno em que ela não esteja presente, eu o apoio".

O presidente do PV, José Luiz Penna, tentou contemporizar: "Estamos trabalhando para vencer. Temos que ser generosos com quem escorrega nas cascas de banana".

Segundo Gabeira, Marina e Serra participarão de seu programa de TV. "Vou fazer a campanha da Marina. Eventualmente posso me encontrar com o Serra, dependendo das circunstâncias",disse.

A chapa ao governo do Rio foi confirmada ontem, em aliança com PSDB, DEM e PPS. O ex-deputado tucano Márcio Fortes, tesoureiro de Serra na eleição de 2002, deve ser o vice.

O ex-prefeito Cesar Maia (DEM) tentará ao Senado, e a outra vaga deve ser de Marcelo Cerqueira, do PPS. O PV ainda tenta emplacar a vereadora Aspásia Camargo.

Em entrevista à TV Gazeta, Marina Silva disse ter tido "divergências sérias" com Dilma no governo Lula, mas negou ressentimentos: "Disputávamos de igual para igual".

Mais prática do que discurso:: José Serra e José Roberto Afonso

DEU NO VALOR ECONÔMICO

"Prática ao invés de promessa" foi o título do artigo que assinamos no dia em que foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o único na mídia nacional e publicado na terceira edição do Valor. Tempos do grande jornalista econômico Celso Pinto, que deu forma ao jornal. Poucos acreditavam que, dez anos depois, estaríamos comemorando o sucesso da LRF como um divisor de águas nas finanças públicas brasileiras e internacionalmente reconhecida por sua abrangência e resultados.

Hoje aproveitamos a oportunidade do décimo aniversário da lei para falar do seu passado e opinar sobre o futuro da responsabilidade fiscal em nosso país. Sobre o presente, não faltarão avaliações positivas diante dos fatos e números incontestáveis, reconhecidos até pelos que votaram contra a lei e depois tentaram derrubá-la na Justiça.

A ideia da LRF surgiu durante a Assembleia Constituinte (1987/1988). Os autores deste artigo atuaram, respectivamente, como relator e assessor técnico da comissão que tratou de orçamento, tributação e finanças. Uma das inovações propostas pelo relator foi prever na Constituição um código de finanças públicas para reunir as normas gerais sobre receitas, gastos, dívida e patrimônio, a fim de lhes dar um fio condutor e garantir sua aplicação aos três níveis de governo. Não fosse o mandamento constitucional, a LRF, numa federação como a nossa, não se aplicaria a Estados e municípios. Este é um grande diferencial da LRF brasileira; em outros países, ela geralmente se restringe ao governo central.

O propósito de induzir um maior e mais sustentado equilíbrio nas contas públicas foi retomado dez anos depois, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso um projeto de lei complementar coordenado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, sob comando de Martus Tavares. O projeto abria caminho para uma mudança estrutural destinada a substituir os ajustes fiscais até então baseados em sucessivos "pacotes" tributários de fim de ano e cortes indiscriminados do Orçamento, além das heranças fiscais malditas não raramente deixadas por um governo ao seu sucessor.

Muitos se surpreenderam com a boa acolhida à iniciativa. Afinal, ela ia na contramão da cultura política dominante até então, segundo a qual déficit era problema exclusivo do Executivo e austeridade fiscal, um assunto da "direita" - como se no Brasil o populismo fiscal não fosse patrimônio comum de todo o espectro político, incluído seus extremos. Bons tempos em matéria de seriedade fiscal...

Dentre outras alterações, os parlamentares definiram que a responsabilidade começa na arrecadação de tributos, tratando a renúncia de receita como um gasto, e se preocuparam com os vínculos entre a política fiscal e a monetária e cambial, exigindo prestações de contas periódicas e inovando ao proibir o Banco Central de emitir títulos por conta própria e fora do Orçamento. A propósito, a LRF detalhou o dispositivo constitucional, oriundo do nosso relatório na Constituinte, que proíbe o Banco Central de financiar o Tesouro, já sacramentando em lei (e complementar) o preceito que assegura à autoridade monetária condições de atuar sem pressões diretas do governo.

O enfoque adotado pela LRF em relação ao federalismo também merece destaque pois permitiu que, após mais de um século de República, a federação brasileira atingisse finalmente sua maioridade fiscal. Os três níveis de governo, do federal à menor prefeitura do país, são iguais perante a lei, sujeitos às mesmas normas, limites e condições. A União não pôde mais assumir dívida que foi contraída por um Estado ou um município - agora cada um tem que cuidar muito bem de suas contas, porque somente seus moradores são premiados ou punidos pelos acertos ou erros de seus administradores e legisladores. Lembramos que a LRF foi editada tão logo completada mais uma rodada de renegociação de dívidas de Estados e municípios e assim fez um corte radical na antiga prática que transferia para os moradores do resto do país o ônus da má gestão de um ente federado.

Poucos sabem que o Brasil foi a primeira economia emergente a adotar uma lei desse tipo e, mesmo em relação aos países ricos, é a mais abrangente. Ela define princípios (à moda anglo-saxônica) e fixa limites e regras (à moda dos norte-americanos e latinos). As metas fiscais são móveis, com cláusulas de escape precisas e detalha mecanismos de correção de rota em caso de eventual ultrapassagem dos seus limites. Mesmo privilegiando a prudência, são previstas sanções amplas e duras, tanto institucionais quanto pessoais. Em termos de transparência, não há outro país que divulgue a evolução das contas públicas tão rápida e detalhadamente, ainda mais se tratando de uma federação com milhares de unidades de governo.

Mas é possível avançar ainda mais. Dez anos depois, é natural que a LRF enfrente novos desafios. É urgente completar sua regulamentação. Também cabe aperfeiçoar e ampliar seu alcance.

O governo anterior enviou propostas ao Congresso poucos meses depois de editada a lei e que, até hoje não foram votadas. Falta instalar o conselho de gestão fiscal, concebido como uma instância representativa (com integrantes das diferentes esferas de governo e também poderes) que pode contribuir para padronizar relatórios e interpretações. Ainda perdura a ausência de limites para a dívida federal, consolidada e mobiliária, cuja fixação cabe à resolução do Senado e à lei ordinária, respectivamente, por mandamento constitucional. Só foram estabelecidos limites, e bem rígidos, para Estados e municípios.


A responsabilidade federativa precisa ser plena. O governo federal permaneceu em certa medida à margem da LRF, num falso paraíso, à custa de saltos da carga tributária, enquanto os governos estaduais e municipais apresentaram um desempenho espetacular: elevaram o superávit primário, reduziram a dívida e ainda empreenderam um maior esforço relativo de investimento.
Nada justifica que governadores e prefeitos fiquem expostos aos rigores da lei, caso se endividem em excesso, e o presidente da República passe imune. Também não há por que fugir de divulgar claramente e discutir quanto custam para os cofres públicos as ações na área de crédito e de câmbio. Curiosamente, esses alertas, cada vez mais frequentes, ainda não produziram nenhum efeito prático. Como sempre nesta matéria impera a máxima: austeridade é uma coisa boa... para os outros praticarem.

A responsabilidade orçamentária continua sendo uma frente de batalha aberta. É preciso reformar a lei geral dos orçamentos, que data de 1964. A lei de diretrizes (LDO) e a do plano plurianual (PPA), outras inovações da nossa comissão na Constituinte, nunca foram regulamentadas nacionalmente. A definição da receita nos orçamentos precisa ser mais transparente para evitar a criação de espuma em vez de arrecadação efetiva. A grande maioria das emendas parlamentares traduz pleitos pertinentes de diferentes Estados e municípios, mas precisam ser formuladas com mais rigor técnico e econômico e liberadas sem discricionariedade política. Para garantir a credibilidade da contabilidade pública, é preciso antes de tudo acabar com truques como o cancelamento de empenhos de despesas essenciais no fim do mandato, o que impõe ao governo sucessor um orçamento desequilibrado.


A responsabilidade na gestão pública exige uma nova postura em relação aos gastos, pois o novo cenário macroeconômico não permitirá seguir aumentando indefinidamente a carga tributária.
Os governos, como as famílias, também precisam se guiar pelo princípio de fazer mais com os mesmos recursos. Isto implica fomento aos investimentos em modernização da gestão. Muito que já se avançou no lado da arrecadação (hoje quase todas as declarações de imposto de renda são entregues por meio digital), precisa ser estendido para o lado do gasto.

Os investimentos do setor público devem ser aumentados e remodelados para eliminar os gargalos da infraestrutura que florescem pelo Brasil afora. Caímos num desconfortável paradoxo: comparado a outros países, o Brasil é líder em carga tributária dentre os emergentes, campeão mundial de taxa de juros reais, e penúltimo colocado em matéria de taxa de investimentos governamentais.

Apesar das brechas e arranhões aqui e ali, do que falta completar e dos avanços possíveis, a responsabilidade fiscal virou mais do que uma lei em nosso país. Plantou a semente de uma nova cultura na administração pública. Não por acaso, a LRF made in Brazil é um sucesso admirado e estudado em outros países.

Tão relevante quanto a lei em si foi a mudança de mentalidade que a viabilizou. A LRF continua sendo aprovada pela opinião pública e mídia, e as tentativas de driblá-la têm recebido reprovação nacional. Apesar do vai e vem (agora estamos na fase do "vem"), se firmou no país a consciência da necessidade do equilíbrio macroeconômico. Isso aconteceu em grande parte graças à Lei da Responsabilidade Fiscal. Um pique-pique para ela.

José Serra e José Roberto Afonso são economistas, respectivamente, professor e doutorando da Unicamp

Prendam os suspeitos de sempre:: Luiz Gonzaga Belluzzo

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O pacote de 120 bilhões de euros apresentado como a "salvação da Grécia" é apenas o início de seu calvário. As condições do ajustamento impostas ao país mediterrâneo são quase as mesmas já conhecidas dos periféricos abalroados por desastres financeiros e cambiais. A diferença, não desprezível, está na impossibilidade de desvalorização cambial, circunstância que certamente lançará o país num doloroso processo de deflação de salários e preços, queda do PIB, desemprego e revolta social.

Os gregos podem figurar seu destino ao observar as agruras da desditosa Letônia. Enredados num regime de taxa fixa com o euro, os letões foram abençoados por um turbilhão de crédito externo que, nos "bons tempos", alimentou uma eufórica valorização de ativos (surpresa!, sobretudo imobiliária). O país acabou no Irajá da deflação: três anos de queda do PIB (-17,5% em 2009), contração da capacidade produtiva, desemprego de 25% da PEA, com fuga da mão de obra qualificada. As previsões para 2010 apostam em mais do mesmo.

Ainda assim, os porta-vozes do mundo financeiro celebram a experiência "bem sucedida" da Letônia e recomendam os métodos da "desvalorização interna" para a Grécia. A revista The Economist comemorou: "a despeito de uma queda do PIB de 17,5%, a Letônia conseguiu aquilo que parecia impossível: uma desvalorização interna. Isso significa recuperar competitividade, não mediante uma desvalorização da moeda, mas através de duros cortes de salários e do gasto público." Yarkin Cabeci do JPMorgan escreveu no New York Times: "Os investidores internacionais estão agora confiantes na Letônia e apresentam o país como um exemplo para outros que precisam "entregar a mercadoria" na política fiscal". Salvos da bancarrota, os senhores do universo exigem que se cumpra a sentença prolatada pelo Captain Renault, o inspetor de polícia de Casablanca, personagem de Claude Rains no filme protagonizado por Humphey Bogard e Ingrid Bergman: "Prendam os suspeitos de sempre".

Diante dessas e outras, o jornal alemão Berliner Zeitung entrou na contramão do fluxo de crueldades e bateu duro nas hesitações da liderança alemã no encaminhamento de soluções para a tragédia grega. O jornal diz que a crise bancária chegou ao auge no final de 2008. Os governos e seus parlamentos tomaram medidas extraordinárias para conter o colapso do sistema financeiro global. Políticos como Ângela Merkel proclamaram que a política, finalmente, recuperou o poder diante dos mercados desaçaimados e dos malabaristas financeiros.

"Quanta decepção. Agora, no caso da Grécia, o mercado está caçando os políticos que correm como um rebanho de ovelhas assustadas. Os mercados financeiros "não dão bola" para a primazia da política. Muito ao contrário, apostam e ganham contra os esforços desesperados dos políticos para manter as coisas sob controle."

O mundo da finança viveu uma relativa calmaria, nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Há quem sustente que a escassez de episódios críticos deve ser atribuída, em boa medida, à chamada "repressão financeira". Esta incluía a prevalência do crédito bancário sobre a emissão de títulos negociáveis (securities), a separação entre os bancos comerciais e os demais intermediários financeiros, controles quantitativos do crédito, tetos para as taxas de juros e restrições ao livre movimento de capitais.

As políticas anticíclicas da era keynesiana cumpriram o que prometiam ao sustar a recorrência de crises de "desvalorização do capital". Mas, ao garantir o valor da riqueza já existente, as ações de estabilização ex-post ampliaram, sem dúvida, o chamado "risco moral". Os episódios de valorização excessiva e desvalorizações catastróficas dos estoques de riqueza se multiplicaram, mas os Bancos Centrais desprezaram a sucessão de crises financeiras e cambiais, sempre atribuídas à imperícia e imprudência de governos ineptos e gastadores da periferia. Quanto aos financiadores da orgia, bico calado.

O descaso das autoridades com a adoção de medidas prudenciais e a confiança dos mercados nas técnicas de proteção mediante o uso de derivativos levaram à alavancagem abusiva e à recorrência dos processos de inflação de ativos, assim como à ampliação das oportunidades de ganhos patrimoniais mediante fusões e aquisições. As massas de capital financeiro, concentradas sob o comando de grandes investidores institucionais - fundos de pensão, fundos mútuos e fundos de hedge - moveram-se celeremente entre as economias nacionais, na busca de oportunidades de arbitragem ou de ganhos especulativos, sempre envolvendo apostas quanto aos movimentos de preços dos ativos.

A visão convencional supõe que as decisões privadas são "estabilizadoras". As expectativas são racionais e, portanto, os "erros" de avaliação são residuais e absorvidos pela capacidade dos agentes - diante das informações disponíveis- de decidir de acordo com o modelo "correto". Isso quer dizer: conforme as leis universais - válidas em qualquer tempo e lugar - que regem a trajetória de longo prazo da economia de mercado competitiva.

Quem tem um mínimo conhecimento do assunto sabe que, na história da economia mercantil-capitalista, as incessantes transformações nos regimes monetários e financeiros resultam do conflito permanente, entre as "regras" do jogo e a compulsão dos possuidores de riqueza para transgredi-las. Não há, portanto, um "modelo" e muito menos um conjunto de regras de gestão que possam ser tomados como absolutos.

Nos dia de hoje, é impossível ignorar que as inovações financeiras, a liberalização das contas de capital e a desregulamentação dos mercados tornaram inviável a pretensão conservadora de se deixar aos mercados os cuidados da prudência e da disciplina.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

A crise só acaba quando termina:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Empréstimo-monstro grego não dá cabo da crise; BCE dá mãozinha a bancos; tumulto grego ainda pode se espalhar

Remendar AS contas de um país pequeno como a Grécia com US$ 145 bilhões, ou R$ 250 bilhões, é impressionante, embora nem isso assente a crise. Mas extravagante mesmo foi o fato menos notado de que o Banco Central Europeu resolveu aceitar os títulos públicos gregos como garantia mesmo que todas as agências de avaliação de risco chamem de "podre" a dívida da Grécia. Parece um assunto estrambótico, relevante apenas para "nerds" financeiros. Mas não é, não.

O Banco Central Europeu insinua é que pode imprimir dinheiro para tapar um rombo grego ou outros.

Do que se trata? Bancos emprestam dinheiro ao governo grego: compram títulos públicos da dívida grega. Usam esses títulos como garantia para o dinheiro que eventualmente tomam no BCE.

Em tese, se todas as agências de risco relevantes dissessem que esses papéis são "podres", o BCE não poderia aceitá-los como garantia. Teria de pedir mais garantias ou dinheiro aos bancos. Isso é problema. Reduz o capital dos bancos. Coloca-os sob suspeita. Etc.

Se a Grécia dá calote, os primeiros caloteados são bancos que compraram títulos, decerto.

Mas tais títulos estão no BCE. Se o BCE aceita papéis gregos "podres", pode ficar com a conta. Basta o BCE não exigir que os bancos privados fiquem com o mico, o que o BCE pode ter de fazer a fim de evitar "problemas sistêmicos". Isso é um cenário limite, de monetização da dívida grega. Mas, após a crise de 2008/9, essas probabilidades parecem menos remotas.

De imediato, o que o BCE está fazendo é evitar que os bancos gregos acabem no vinagre. Os bancos gregos são os principais detentores de títulos gregos. Se esses títulos não servirem para nada, como garantias para operações compromissadas com o BCE, podem ter "crise de liquidez". E até quebrar.

Enfim, a Europa faz gato e sapato de suas normas financeiras a fim de evitar o calote grego.

Que pode vir mesmo com a dinheirama ofertada.

A fim de receber o dinheiro, a Grécia terá de produzir recessão e crise social. Se conseguir cortar na carne econômica, pode não resistir politicamente. O tumulto social pode derrubar o governo. E o acordo financeiro com o FMI e a UE.

Os governos português e, em menor medida, espanhol já estão sendo discretamente instados a arrochar suas contas. Vão aguentar politicamente? A Espanha já tem 20% de desemprego. E se os mercados decidirem que pode ser uma boa ideia especular com a baixa dos papéis ibéricos? Isto é, demandando juros mais altos desses governos a fim de rolar as dívidas deles.

A crise da dívida europeia não acabou. Seu destino, em parte, vai ser decidido no conflito político e social grego. Por ora, apenas sindicatos de servidores estão em combate. Com a continuidade da recessão, mais gente pode entrar na liça. Se o governo e o acordo gregos caírem, vai haver confusão além das ruas gregas.

Os investidores, gente com dinheiro grosso, "os mercados", podem começar a pedir juros estratosféricos para financiar a dívida portuguesa. E daí? Portugal vai cortar ainda mais gastos para honrar o serviço da dívida? O quanto vai aguentar?

Vai pedir água? Se pedir, como a União Europeia negaria ajuda?

Riscos cruzados:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O maior perigo da Europa é a exposição cruzada de riscos. O maior carregador da dívida grega são os bancos europeus. Aliás, os bancos das maiores economias, Alemanha e França, são exatamente os que mais emprestaram aos países que hoje estão em risco. E até os que estão em dificuldade também devem uns aos outros. O pacote de resgate não é o fim da crise da zona do euro.

Quando a Alemanha e a França emprestam para a Grécia, estão na verdade ajudando seus próprios bancos.

O mundo está vendo o início de um segundo salvamento de bancos em dois anos. Se a Grécia decreta moratória, os bancos da Europa estariam em grande dificuldade. A situação é tão intrincada que a Espanha, que é um dos paísesalvo dessa crise, está sendo forçada a participar do rateio emprestando C 9,8 bilhões para a Grécia, quando a própria Espanha não sabe como vai pagar seus empréstimos de curto prazo. No país, há uma reação contrária ao empréstimo, até porque os espanhóis vivem os rigores de um avassalador desemprego.

Para piorar: os países em crise têm dívida cruzada: a Espanha é grande credora da dívida de Portugal, que é o segundo país da lista dos encrencados.

Por isso é que a economista Monica Baumgarten de Bolle, da Galanto Consultoria, acha que a notícia mais tranquilizadora do fim de semana não foi nem o pacote em si, mas uma decisão do Banco Central Europeu (BCE): — O BCE decidiu aceitar como colateral para empréstimos bancários os títulos da dívida grega. A regra era não aceitar papéis de países que não têm grau de investimento.

A Grécia acabou de ser rebaixada e portanto os bancos que têm títulos da dívida grega não poderiam, nos empréstimos juntos ao BCE, usar os títulos gregos.

No gráfico abaixo, note a confusão. De um lado, estão os bancos dos grandes países (Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos, Holanda) e o quanto eles emprestaram para os países em crise. No outro lado, estão os países com maiores dificuldades financeiras no momento (Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda) e o tamanho total da dívida deles só com os bancos dos grandes países. Os empréstimos dos bancos da Alemanha e da França são mais concentrados em Espanha e Irlanda. Há tanta confusão que nem cabe num gráfico.

É só para dar uma pálida ideia dos riscos cruzados. Se a Grécia não for salva, derruba Portugal, que derruba a Espanha, que derruba todos porque apenas com esses países do gráfico ela tem uma dívida de US$ 781 bilhões. E a Itália, que tem uma dívida maior ainda, também tem credores por toda a Europa.

O pacote ajuda a Grécia a continuar honrando seus pagamentos, mas não afasta a sombra de o país ter que fazer uma reestruturação de dívida, chamando os bancos para dar mais prazo e descontos.

Isso levará os bancos europeus a terem perdas.

E essas perdas acabarão sendo cobertas pelos próprios governos.

— Se a Grécia chamar uma reestruturação no futuro, isso pode provocar uma nova onda de insegurança dos credores em relação aos outros países — disse Monica.

O grande problema está nas contas do governo grego, que em 2009 teve déficit de 14% do PIB. Trazer essa taxa para a casa dos 3% em 2014 é uma tarefa praticamente impossível para um país em recessão.

O governo estima que o PIB cairá 4% este ano, mas há previsões piores, como a do Morgan Stanley, que prevê um mergulho de 5%. A pior contração da Grécia aconteceu em 1983, quando o PIB caiu 2,3%. Com isso, a dívida grega, que hoje está em 115% do PIB, chegará a 140%, antes de começar a cair.

“Claramente, não se pode ter uma estabilização da dívida em um ano ou em um curto período. O risco de longo prazo permanece”, afirma o Morgan Stanley.

O economista Sérgio Vale, da MB Associados, acredita que essa crise tem potencial para trazer de volta o pânico no sistema financeiro.

“O problema de um default grego é que imediatamente outros países teriam suas avaliações de risco elevadas.

O contágio pode ser muito maior do que em crises no passado, como a asiática ou a russa, pois trata-se de uma mesma moeda que interliga o sistema financeiro europeu e uma série de países potencialmente em crise”, disse.

É preciso ainda combinar com os gregos, os alemães, os franceses, os espanhóis e todos os outros. A União era aceita quanto tudo estava dando certo. Agora, tudo está dando errado. É o grande teste do euro.

O socorro deixa dúvidas:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O pacote de socorro à Grécia ficou em US$ 146 bilhões, em três anos, quase quatro vezes maior do que inicialmente calculado. Mas as dúvidas que ficaram são tantas que em vez do alívio desejado continua trazendo apreensão.

Prova disso é que, depois do anúncio oficial, os preços do euro continuaram ladeira abaixo (veja gráfico). Só ontem perdeu 0,76% em relação ao dólar, a menor cotação em mais de um ano.

A primeira dúvida: o povo grego aguenta o tranco que vem aí? Redução de salários e aposentadorias, aumento de impostos, recessão e provavelmente dolorosas reformas internas. Ou é isso aí ou é a catástrofe, como ousou anunciar o primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou. Além disso, haverá notória perda de soberania. O FMI e os demais países da área do euro passarão a determinar o que o governo grego pode ou não pode fazer.

Dúvida número 2: trata-se, em grande parte, de solução do problema grego com aumento do problema dos vizinhos. Um bom número de países da área terá de aumentar sua dívida no mercado para dar cobertura ao rombo de Atenas. Em boa medida, é o roto cuidando do rasgado. Imagine-se Portugal, Irlanda, Itália e Espanha, que notoriamente não vão bem das pernas, tendo que buscar recursos nos bancos para socorrer a Grécia que já não consegue crédito bancário.

Outra dúvida consiste em saber como será neutralizado o chamado risco moral. Fica definido que, em última análise, administrar irresponsavelmente as finanças públicas não é tão grave porque o socorro sempre acabará chegando. Quando um sócio deixa a austeridade pra lá, são tantos os problemas que atingem a moeda comum que o mais barato continua sendo socorrer quem pintou e bordou. A União Europeia terá de ver se, com resgates assim, não está desestimulando a desejada austeridade e a vida espartana.

Haverá para todos? Se a Grécia, que é um nanico econômico dentro da área do euro (detém apenas 2,6% do PIB do bloco), está precisando de US$ 146 bilhões, de quanto não precisarão Irlanda, Espanha e Itália, se também vierem a ter de passar o chapéu?

Finalmente, a questão de fundo. Ficou claro que o euro tem pés de barro e precisa de sustentação para não desmoronar. Falta uma autoridade central com mandato para garantir unidade fiscal, de maneira a impedir administrações irresponsáveis das finanças públicas em cada país.

O retorno às moedas nacionais é impraticável. Elas voltariam fortemente desvalorizadas, o que, por si só, implicaria aumento do endividamento e a impossibilidade de contar com socorro dos demais países do euro. E, enquanto essa fragilidade não for superada, não há como pensar em fazer do euro uma moeda internacional de reserva de valor.

Isso parece anunciar que não há volta à situação anterior. No entanto, o euro está exigindo alguma forma de união política, que uniformize as políticas macroeconômicas e imponha o cumprimento das regras do jogo entre os membros da área. Mas, afinal, qual seria o preço?

Obviamente seria perda ainda maior de soberania. Mas, a rigor, não é o que está acontecendo agora? Não está a Grécia perdendo soberania por não ter cumprido regras primárias do jogo e mantido a disciplina fiscal?

CONFIRA

Encolheu

Este é o mais baixo saldo comercial em 1º trimestre desde 2002. No período, as exportações cresceram 25,0% e as importações, 41,8%. São números consistentes com o aumento do consumo interno (de 10% ao ano).

Manufaturados

Os manufaturados vêm perdendo participação nas exportações. No 1º trimestre de 2009 eram de 45,0% e, neste ano, de 42,5%. Três são as causas: redução da demanda externa; redução do excedente exportável por causa do maior consumo interno; e a queda do dólar.

Pedro Ivo:: Castro Alves



Sonhava nesta geração bastarda
Glórias e liberdade!
....................................................


Era um leão sangrento, que rugia,
Da glória nos clarins se embriagava,
E vossa gente pálida recuava,
Quando ele aparecia.

ÁLVARES DE AZEVEDO



I

Rebramaram os ventos... Da negra tormenta
Nos montes de nuvens galopa o corcel...
Relincha — troveja... galgando no espaço
Mil raios desperta co'as patas revê

.É noite de horrores... nas grunas celestes,
Nas naves etéreas o vento gemeu...
E os astros fugiram, qual bando de garças
Das águas revoltas do lago do céu.

E a terra é medonha... As árvores nuas
Espectros semelham fincados de pé,
Com os braços de múmias, que os ventos retorcem,
Tremendo a esse grito, que estranho lhes é.

Desperta o infinito... Co'a boca entreaberta
Respira a borrasca do largo pulmão.
Ao longe o oceano sacode as espáduas
— Encélado novo calcado no chão.

É noite de horrores... Por ínvio caminho
Um vulto sombrio sozinho passou,
Co'a noite no peito, co'a noite no busto
Subiu pelo monte, — nas cimas parou.

Cabelos esparsos ao sopro dos ventos,
Olhar desvairado, sinistro, fatal,
Diríeis estátua roçando nas nuvens,
P'ra qual a montanha se fez pedestal.

Rugia a procela — nem ele escutava!...
Mil raios choviam — nem ele os fitou!
Com a destra apontando bem longe a cidade,
Após largo tempo sombrio falou!...

..........................................................................

II

Dorme, cidade maldita,
Teu sono de escravidão!...
Dorme, vestal da pureza,
Sobre os coxins do Sultão!...
Dorme, filha da Geórgia,
Prostituta em negra orgia
Sê hoje Lucrécia Bórgia
Da desonra no balcão!...

Dormir?!... Não! Que a infame grita
Lá se alevanta fatal...
Corre o champagne e a desonra
Na orgia descomunal...
Na fronte já tens um laço...
Cadeias de ouro no braço,
De pérolas um baraço,
— Adornos da saturnal!

Louca!... Nem sabes que as luzes,
Que acendeu p'ra as saturnais,
São do enterro de seus brios
Tristes círios funerais...
Que o seu grito de alegria
É o estertor da agonia,
A que responde a ironia
Do riso de Satanás!...

Morreste... E ao teu saimento
Dobra a procela no céu.
E os astros — olhar dos mortos —
A mão da noite escondeu.
Vê!... Do raio mostra a lampa
Mão de espectro, que destampa
Com dedos de ossos a campa,
Onde a glória adormeceu.

E erguem-se as lápides frias,
Saltam bradando os heróis:
"Quem ousa da eternidade
Roubar-nos o sono a nós?"
Responde o espectro: "A desgraça!
Que a realeza, que passa,
Com o sangue de vossa raça,
Cospe lodo sobre vós!..."

Fugi, fantasmas augustos!
Caveiras que coram mais
Do que essas faces vermelhas
Dos infames pariás!...
Fugi do solo maldito...
Embuçai-vos no infinito!
E eu por detrás do granito
Dos montes ocidentais...

Eu também fujo... Eu fugindo!...
Mentira desses vilões!...
Não foge a nuvem trevosa
Quando em asas de tufões,
Sobe dos céus à esplanada,
Para tomar emprestada
De raios uma outra espada,
À luz das constelações!...

Como o tigre na caverna
Afia as garras no chão,
Como em Elba amola a espada
Nas pedras — Napoleão,
Tal eu — vaga encapelada,
Recuo de uma passada,
P'ra levar de derribada
Rochedos, reis, multidões... !

III

"Pernambuco! Um dia eu vi-te
Dormido imenso ao luar,
Com os olhos quase cerrados,
Com os lábios — quase a falar
Do braço o clarim suspenso,
— O punho no sabre extenso
De pedra — recife imenso,
Que rasga o peito do mar...

E eu disse: Silêncio, ventos!
Cala a boca, furacão!
No sonho daquele sono
Perpassa a Revolução!
Este olhar que não se move
"Stá fito em — Oitenta e Nove —
Lê Homero — escuta Jove...
— Robespierre — Dantão.

Naquele crânio entra em ondas
O verbo de Mirabeau...
Pernambuco sonha a escada
Que também sonhou Jacó;
Cisma a República alçada,
E pega os copos da espada,
Enquanto em su'alma brada:
"Somos irmãos, Vergniaud."

Então repeti ao povo:
— Desperta do sono teu!
Sansão — derroca as colunas!
Quebra os ferros — Prometeu!
Vesúvio curvo — não pares,
lgnea coma solta aos ares,
Em lavas inunda os mares,
Mergulha o gládio no céu.

República!... Vôo ousado
Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta
Que beija a fronte ao Tabor!
Deus! Por qu'enquanto que o monte
Bebe a luz desse horizonte,
Deixas vagar tanta fronte,
No vale envolto em negror?!..
.Inda me lembro... Era, há pouco,
A luta! Horror!... Confusão!...
A morte voa rugindo
Da garganta do canhão!...
O bravo a fileira cerra!...
Em sangue ensopa-se a terra!...
E o fumo — o corvo da guerra —
Com as asas cobre a amplidão...

Cheguei!... Como nuvens tontas,
Ao bater no monte — além,
Topam, rasgam-se, recuam...
Tais a meus pés vi também
Hostes mil na luta inglória...
...Da pirâmide da glória
São degraus... Marcha a vitória,

Porque este braço a sustém.

Foi uma luta de bravos,
Como a luta do jaguar,
De sangue enrubesce a terra,
— De fogo enrubesce o ar!...
... Oh!... mas quem faz que eu não vença?
— O acaso... — avalanche imensa,
Da mão do Eterno suspensa,
Que a idéia esmaga ao tombar!...

Não importa! A liberdade
É como a hidra, o Anteu.
Se no chão rola sem forças,
Mais forte do chão se ergueu...
São os seus ossos sangrentos
Gládios terríveis, sedentos...
E da cinza solta aos ventos
Mais um Graco apareceu!...
.....................................................

Dorme, cidade maldita!
Teu sono de escravidão!
Porém no vasto sacrário
Do templo do coração,
Ateia o lume das lampas,
Talvez que um dia dos pampas
Eu surgindo quebre as campas
Onde te colam no chão.

Adeus! Vou por ti maldito
Vagar nos ermos pauis.
Tu ficas morta, na sombra,
Sem vida, sem fé, sem luz!...
Mas quando o povo acordado
Te erguer do tredo valado,
Virá livre, grande, ousado,
De pranto banhar-me a cruz!... "

IV

Assim falara o vulto errante e negro,
Como a estátua sombria do revés,
Uiva o tufão nas dobras de seu manto,
Como um cão do senhor ulula aos pés...
Inda um momento esteve solitário
Da tempestade semelhante ao deus,
Trocando frases com os trovões no espaço
Raios com os astros nos sombrios céus...

Depois sumiu-se dentre as brumas densas
Da negra noite — de su'alma irmã...
E longe... longe... no horizonte imenso
Ressonava a cidade cortesã!...

Vai!... Do sertão esperam-te as Termópilas
A liberdade ainda pulula ali...
Lá não vão vermes perseguir as águias
,Não vão escravos perseguir a ti!

Vai!... Que o teu manto de mil balas roto
É uma bandeira, que não tem rival.
— Desse suor é que Deus faz os astros...
Tens uma espada, que não foi punhal.

Vai, tu que vestes do bandido as roupas,
Mas não te cobres de uma vil libré
Se te renega teu país ingrato
O mundo, a glória tua pátria é!...
....................................................................

E foi-se... E inda hoje nas horas errantes,
Que os cedros farfalham, que ruge o tufão,
E os lábios da noite murmuram nas selvas
E a onça vagueia no vasto sertão.

Se passa o tropeiro nas ermas devesas,
Caminha medroso, figura-lhe ouvir
O infrene galope d'Espectra soberbo,
Com um grito de glória na boca a rugir.

Que importa se o túm'lo ninguém lhe conhece?
Nem tem epitáfio, nem leito, nem cruz?...
Seu túmulo é o peito do vasto universo,
Do espaço — por cúpula — as conchas azuis! ...

... Mas contam que um dia rolara o oceano
Seu corpo na praia, que a vida lhe deu...
Enquanto que a glória rolava sua alma
Nas margens da história, na areia do céu!...


(Do livro Espumas Flutuantes)