sábado, 15 de maio de 2010

Reflexão do dia – Karl Marx

Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrotam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada.

(Karl Marx, no livro “O 18 Brumário de Luiz Bonaparte”, pág. 7 - Editora Abril – Os Pensadores, São Paulo, 1988)

Ilegal, e daí? :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Provavelmente a repercussão do programa do PT, apresentado na quinta-feira em cadeia nacional de televisão, terá efeitos positivos nas próximas pesquisas eleitorais, mostrando crescimento da candidata oficial, Dilma Rousseff

Seria bobagem da oposição não admitir que o programa foi bem feito, e que o fato de o presidente Lula, com sua popularidade toda, ter servido de âncora para apresentar pela enésima vez sua candidata ao eleitorado brasileiro terá repercussão favorável.

Nem mesmo os exageros, cujo ponto alto foi a comparação absurda da história de vida de Dilma com a de Mandela, devem prejudicar a boa receptividade do programa junto ao eleitorado.

As distorções apresentadas, como a paternidade do programa Luz para Todos, que nada mais é do que a reciclagem do programa Luz no Campo, do governo FHC, terão que ser respondidas no programa da oposição.

Do ponto de vista pragmático da política, cujo único valor que importa é vencer a eleição, terá sido uma jogada de mestre. Mas terá acontecido graças a uma burla da legislação eleitoral e com ninguém menos que o presidente da República comandando a tramoia.

É um problema duplo marcando um retrocesso institucional perigoso: um presidente disposto a tudo para eleger sua escolhida, e uma Justiça Eleitoral ineficaz inapta a estabelecer os limites para que a disputa eleitoral se dê em condições de igualdade.

O abuso do poder político por parte do Executivo está sendo a tônica desta campanha, e o Tribunal Superior Eleitoral, apesar da retórica de seus membros, não tem condições de fazer cumprir as regras que todos deveriam respeitar, a começar pelo presidente da República.

Se a única punição que o TSE tem condições de determinar são as multas, e se elas não tem significado maior do ponto de vista pecuniário, somente o constrangimento moral poderia deter a escalada de desafios à lei.

Mas esse não é o caso do atual estágio da política brasileira, onde o presidente da República é o primeiro a debochar da legislação eleitoral, sem que o TSE faça alguma coisa.

A ineficiência do TSE fica claramente exposta no que aconteceu quinta-feira. Quatro meses depois de uma ação da oposição contra um programa do PT, em dezembro do ano passado, a vice-procuradora-geral eleitora Sandra Cureau remeteu ao TSE um parecer recomendando a punição do PT por fazer propaganda eleitoral ilegal em favor de Dilma Rousseff.]

A punição proposta pela procuradora era o cancelamento do programa oficial do Partido que iria ao ar na quinta-feira.

No programa anterior Lula apresentara a candidata como “responsável” por ações do governo com o PAC e Minha Casa.

Para a vice-procuradora eleitoral, a estrutura do programa “nitidamente revela seu cunho eleitoral, ao realçar as qualidades de gestora da representada (...) Configurando espécie de propaganda eleitoral extemporânea em sua forma subliminar”.

A procuradora, além do mais, considerou indevida a comparação do governo Lula com a gestão FHC. “Este tipo de comparação somente se presta a realçar o caráter eleitoral da propaganda sob análise (...) Pois cuida de atacar justamente o partido do adversário político mais evidente (José Serra) da segunda representada (Dilma)

Não se trata de querer que o TER faça uma censura prévia, proibindo um programa partidário do PT antes de ele ser exibido.

Com a punição proposta pela primeira transgressão era justamente a suspensão do programa deste ano, é evidente que o TSE deveria marcar o julgamento pelo menos um dia antes da data prevista da exibição, mais de quatro meses depois da ação dos partidos de oposição.

O que faz o TSE? Marca o julgamento para poucas horas antes da exibição, o que já é um absurdo, e faz melhor: adia o início da sessão para dar as boas vindas a um novo juiz, Marco Aurélio de Mello.

Muita gente não aceita que os senhores juízes não tenham noção de prioridades, e acredita que todas as manobras de postergação da decisão foram feitas de propósito, para que o fato consumado superasse as decisões que porventura o tribunal tomasse.

E foi o que aconteceu: o TSE aplicou sanções “severíssimas” ao presidente Lula, multado mais uma vez, à pré-candidata Dilma Rousseff, multada pela primeira vez na campanha, e , rigor dos rigores, suspendeu o programa eleitoral do PT em 2011.

Como certamente a oposição entrará com uma nova ação contra o programa apresentado na noite de quinta-feira, que, por todos os parâmetros, foi muito mais ilegal do que o primeiro, é previsível que o TSE volte a atuar com o máximo rigor e suspenda também o programa do PT de 2012.

Seria ridículo, se não fosse trágico para a democracia brasileira. Nos meios políticos é conhecida a lerdeza da justiça eleitoral, e é unânime a certeza de que vale a pena arriscar um programa que transgrida os limites legais, pois a punição virá sempre no ano seguinte, quando as eleições já se realizaram.

É verdade que, recentemente, dois ou três governadores eleitos em 2006 perderam seus mandatos por terem infringido a legislação durante a campanha eleitoral.

Mas é difícil imaginar que um presidente da República eleito pela maioria dos cidadãos venha a ter seu mandato cassado em meio ao governo por um delito cometido na campanha eleitoral, anos antes.

Não seria nem mesmo desejável que isso acontecesse, ainda mais que o TSE inovou na sua decisão de maneira absurda, dando o governo ao segundo colocado na eleição, na suposição de que esta seria a vontade do eleitor, burlada pelo abuso do poder político ou econômico.

Num tempo de noticiário em tempo real, com instrumentos de comunicação imediata como Twitter e internet, não é possível que a justiça brasileira continue atuando com a lerdeza que facilita a delinquência.

Reincidência deliberada:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O horário reservado aos candidatos para campanha eleitoral no rádio e na televisão começa no dia 17 de agosto. É o que determina a lei. Mas, como dizia Getúlio Vargas para caçoar dos empresários que transgrediam a legislação trabalhista, "a lei, ora a lei".

Seguindo à risca a essência desse preceito, o presidente Luiz Inácio da Silva inaugurou o horário eleitoral de 2010 na quinta-feira 14 de maio.

Usou o espaço reservado à propaganda do PT para apresentar a biografia, os feitos no governo da pré-candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff, e para estabelecer comparações com o governo anterior fazendo citações repetidas de Fernando Henrique Cardoso e José Serra.

Um modelo idêntico ao dos programas eleitorais. Não se pediu votos, mas nos programas mais bem elaborados tampouco há esse pedido explícito, a não ser nos últimos já às vésperas das eleições.

Isso tudo aconteceu no exato momento em que o Tribunal Superior Eleitoral condenava em termos duríssimos um outro programa do partido feito quase nos mesmos moldes, embora bem mais amenos, apresentado no fim de 2009.

A decisão de aplicar a multa de R$ 20 mil ao PT foi unânime. A maioria multou Dilma em R$ 5 mil, voto vencido do ministro Marco Aurélio de Mello, favorável à penalidade de R$ 20 mil também para a pré-candidata.

Estava especialmente perplexo. Disse nunca ter visto "nada parecido" em termos de transgressão nas três vezes em que acompanhou eleições na condição de magistrado, nos últimos 19 anos.

Pois o Brasil acabara de assistir a infrações bem mais explícitas no programa que, por atraso do TSE - provocado justamente pela posse de Marco Aurélio pela terceira vez como ministro do tribunal - acabou indo ao ar indevidamente.

Pelo seguinte: em função de ter transformado o programa partidário de dezembro de 2009 em programa eleitoral, a penalidade seria a perda do direito ao uso do mesmo espaço (10 minutos) no ano seguinte. Por causa do atraso, o PT perdeu o programa partidário de 2011.

Quer dizer, investiu no abuso e ganhou.

E ainda há entre petistas a versão corrente de que a Justiça impõe censura prévia ao partido quando, na realidade, acabou sendo beneficiado pelo atrevimento.

Ultrapassa o limite da legalidade à vontade, mas se é punido alega que há "judicialização" nas eleições, que o adversário quer ganhar "no tapetão". Não demora, haverá acusações de que a Justiça Eleitoral conspira contra a candidatura governista.

Um episódio dessa natureza já seria grave. Torna-se gravíssimo quando se apresenta como reincidência deliberada. Assume proporções escandalosas do ponto de vista institucional quando à frente desse tipo de ofensiva está ninguém menos que o presidente da República.

O homem que por duas vezes tomou posse como chefe da nação, jurou cumprir a Constituição do País, mas desobedece de maneira zombeteira a uma simples lei eleitoral.

Durante o julgamento de quinta-feira o ministro Marco Aurélio de Mello alertou que o somatório de infrações pode ter consequência mais à frente. Óbvio, o primário não é tratado pela Justiça com a mesma benevolência que o reincidente.

Se a candidatura de Dilma Rousseff vier a ser agravada, seus correligionários não podem se dizer surpresos, pois terão sido vitimados por seus reiterados desacatos à prudência, à lei e à Justiça do País.

E quando o pré-candidato de oposição, José Serra, diz que Lula está acima do "bem e do mal" avaliza suas atitudes e invalida as reclamações do PSDB contra o programa do PT, pois se considera o presidente superior a qualquer valor aceita também que esteja acima da lei.

Tudo entendido. O "caso" do filme Tropa de elite 2 e a Câmara dos Deputados é bem menos ruinoso do que parecia e está encerrado. Primeiro, o presidente da Casa, Michel Temer, não proibiu as filmagens no plenário por decisão autocrática.

É uma regra geral, explicada e devidamente aceita pelo cineasta José Padilha. Segundo, as reclamações do deputado Alberto Fraga a respeito do nome de um dos personagens do filme ("Fraga") foram encaminhadas à procuradoria da Casa como mero ato burocrático.

Mandela no liquidificador :: Fernando de Barros e Silva

DEU ENA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Lula comparou Dilma Rousseff a Nelson Mandela no programa de TV do PT, anteontem à noite. É um disparate. A comparação entre o próprio Lula e Jesus Cristo, de que ele tanto gosta, soa menos extravagante. Ou, para falar em lulês: Dentinho pode fazer um gol extraordinário, um gol de Pelé. Continuará sendo Dentinho...

Mandela e Dilma participaram nos anos 60 de grupos adeptos da luta armada em seus respectivos países -num caso contra o governo racista, no outro contra a ditadura. Ambos foram presos políticos. Fim das "coincidências". Mandela já era uma liderança contra o apartheid na África do Sul quando foi detido. Permaneceu quase três décadas na cadeia e saiu de lá para se consagrar como um dos mitos do século 20.

Ou, como disse Lula na TV: "O tempo passou e o que aconteceu? Mandela virou um dos maiores símbolos da paz e da união no mundo". E, no caso de Dilma, o tempo passou e o que aconteceu? Nada. Pelo menos nada que merecesse registro histórico até que Lula a retirasse do anonimato para inventá-la como candidata. Tudo isso a partir de 2006, depois que os nomes até então cotados no PT foram inviabilizados numa nuvem de escândalos.

Aproximar as biografias de Dilma e Mandela é mais ou menos como colocar no site oficial da candidata a foto de Norma Bengell durante a Passeata dos Cem Mil. A imagem induz quem olha a achar que aquela é a petista, e não a atriz. Inventa-se, assim, uma Dilma fictícia.

Disso Paulo Maluf entende. Sempre que é cobrado sobre Celso Pitta, ele jura que também se decepcionou muito com o afilhado. Mas faz questão de repetir o conselho que teria dado quando escolheu um sucessor negro: "Falei nos olhos do Pitta: se você for um bom prefeito, vai se eleger governador de São Paulo. Se for governador, vai se tornar o Nelson Mandela brasileiro".

Lula, é claro, não é Paulo Maluf. E Dilma, é óbvio, é bem diferente de Celso Pitta. E o leitor já deve estar perguntando o que é que Nelson Mandela tem a ver com tudo isso.

A dose do remédio :: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Quando José Dirceu, Antonio Palocci e tantos outros petistas ilustres foram alijados da linha sucessória de Lula, vários nomes surgiram para tentar preencher esse vácuo político.

Dilma Rousseff foi uma das opções. Havia outros petistas no páreo. Jaques Wagner, Marta Suplicy, Patrus Ananias e Tarso Genro eram alguns deles. Mas Lula preferiu escolher mesmo sua ex-ministra de Minas e Energia.

No programa partidário do PT nesta semana, o presidente apareceu enaltecendo sua candidata. Comparou-a a Nelson Mandela. Num dos trechos, deu a entender que deve quase tudo a Dilma: "Ela simplesmente foi exuberante na coordenação do meu governo. Eu digo, sem medo de errar: grande parte do sucesso do governo está na capacidade de coordenação da companheira Dilma Rousseff".

Trata-se de uma interpretação elástica da história. Tivesse sido outro o escolhido para ser o candidato a presidente pelo PT, a frase de Lula poderia ter sido assim: "Eu digo, sem medo de errar: grande parte do sucesso do governo está na capacidade de coordenação do companheiro Patrus Ananias". Surgiriam então imagens dos milhões de beneficiados pelo Bolsa Família.

Discurso eleitoral é assim mesmo. Não há surpresa no exagero dos partidos ao venderem seus candidatos, todos perfeitos.

No caso da estratégia do PT, o remédio está sendo usado em doses cavalares. O lulismo foi inoculado em grau máximo na biografia de Dilma Rousseff no programa de TV da quinta-feira. Essa nova interpretação do papel da petista nos últimos sete anos ao lado de Lula é considerada vital para haver chance de sucesso em outubro.

Há um risco. Remédio em dose muito elevada transforma-se em veneno. Mata o paciente. Os adversários do PT contam com essa calibragem exagerada de Lula. Na quinta-feira, na TV, o uso do medicamento aproximou-se do limite.

A biruta patusca do presidente Lula::Villas-Bôas Corrêa

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Não é emotivo para graça mas, ao contrário, para preocupação a estranha mudança no temperamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não está dizendo coisa com coisa, como uma biruta aloprada que aponta para todos os lados, com a leviandade de quem carrega o peso do cargo, com suas obrigações e responsabilidades no período de pré-campanha, por ele antecipada ao expor a sua candidata, Dilma Rousseff, ao constrangimento das críticas da oposição e da imprensa.

Ficou difícil acompanhá-lo no ziguezague das contradições.

Uma no cravo outra na ferradura. Ou no óbvio, como o dispensável conselho acaciano sobre a encruada escolha do vice da candidata que retirou do bolso do colete, que não usa: O melhor vice é quem se der bem com a Dilma. Vice é como casamento.

O Temer é um bom nome. Ora, a escolha do deputado Michel Temer, presidente da Câmara e do PMDB, está sacramentada desde o começo do ano. E dispensa o carimbo do presidente no contrato firmado e registrado no cartório da evidência. Sem o apoio do PMDB a candidatura de Dilma não existiria.

Adiante. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), supõe-se que como porta-voz do presidente Lula, afirmou que a prioridade para o governo é a votação dos projetos do pré-sal e não o da Ficha Limpa, que veta candidaturas de políticos com a condenação de um colegiado da Justiça. Trata-se, segundo o líder do governo, de um projeto que é da sociedade, mobilizada para conseguir mais de 1,7 milhão de assinaturas.

Mas Lula passou o recado ou apenas o palpite de que apenas o condenado em todas as instâncias será impedido de disputar um mandato. Em que ficamos? Por enquanto no ar, balançando no trapézio da confusão. Em cautelosa precaução, o senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB, sustenta que a prioridade da votação da proposta do Ficha Limpa é absoluta, pois, além da evidência da sua urgência e oportunidade, trata-se de um projeto de iniciativa popular. A aragem que sopra em Brasília chegou ao gabinete da juíza Gislaine Carneiro Campos Reis, da 8ª Vara da Fazenda Pública, que condenou o notório ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) e a sua vice Maria de Lourdes Abadia por improbidade administrativa. No caso, reincidentes.

E saiu barato para a dupla. A Justiça fisgou o ex-governador por ter aceitado carona no helicóptero oficial em maio de 2006 (é lenta a Justiça na capital e em todo o país) quando a vice Maria de Lourdes havia assumido o cargo. E, como a Viúva além de cega é perdulária, o ex-governador Roriz e a governadora em exercício voaram durante seis dias no helicóptero para levar a dupla a eventos sociais. Ao fim do dia, o ex-governador Joaquim Roriz era deixado de helicóptero em sua residência, em Brasília, ou em sua fazenda em Luziânia, Goiás.

Antes de embarcar para o Irã, em mais uma viagem internacional da sua agenda de um dos líderes mais populares do mundo, o presidente Lula deixou como tema para distração do público um cacho de declarações que batem cabeça no xadrez das contradições. No encontro com os companheiros do Grito de Terra 2010, que reúne pequenos agricultores ligados à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com a voz no tom emocionado, o presidente anunciou que após deixar o cargo, em 1º de janeiro de 2011, percorrerá o país fazendo política. E, na forma do costume, uma alfinetada no antecessor, FHC: Não vou dar pitaco no novo governo, porque eu quero que eles digam que nunca um ex-presidente na história deste país foi tão ex-presidente.

Como de boas intenções o inferno está cheio, as do presidente Lula duraram menos que uma rosa. Na entrevista ao SBT, Lula voltou ao natural. E bateu firme: É uma constatação de fato. Porque essa gente que vive com o nariz torto tentou destruir este país. Eu gostaria de ser economista. Acho chique. Eles sabem tanto número! E quando é oposição sabem mais ainda. O Serra agora está sabendo tudo que não sabia quando estava no governo.

No galeio para saltar a contradição reafirmou que quando deixar o governo não dará palpite sobre a administração de quem o substituir. Palavras, o vento leva...

Eu sou você ontem :: Guilherme Fiuza

DEU EM O GLOBO

Quando Dilma Rousseff traficou a foto da atriz Norma Bengell para seu site oficial, fazendo-se passar pela atriz numa passeata contra a ditadura, houve um certo mal-estar. Mas não foi tão absurdo assim.

Dilma, a candidata de Lula para governar o Brasil, anda dizendo por aí que tirou o país da inflação descontrolada.

Para uma mulher que se faz passar por Pedro Malan, convenhamos, roubar a identidade de Norma Bengell é o de menos.

Essas coisas são normais hoje em dia. Luiz Fernando Verissimo escreveu um texto genial contra o Big Brother Brasil, que logo se espalhou pela internet. O único problema era que o texto não era dele (e não era genial, mas isso é detalhe). O suposto autor ainda se atreveu a desmentir, mas a web não lhe deu bola, e o artigo-fantasma continuou bombando.

Dilma Rousseff está, de certa forma, sintonizada com seu tempo. Para o mau entendedor, tanto faz Malan, Norma Bengell ou Verissimo desde que a mensagem contenha o que ele quer ouvir. Ouçam Dilma em recente comício para militantes na Câmara de Vereadores de São Paulo: Lembro muito bem o que era o governo de transição. Ali tivemos o apoio de vocês, que nos deu a centralidade para fazer o que chamo de a passagem pelo deserto, porque este país estava com inflação descontrolada, de certa forma de joelhos, diante de sua dívida externa, do seu compromisso com o FMI. A passagem pelo deserto deve mesmo ter sido extenuante. Muito sol na cabeça não faz bem a ninguém.

Ali surgem as miragens, os delírios e, sabe-se agora, a mitomania.

É a construção de um novo Brasil, declarou a candidata do PT no mesmo discurso. Não há dúvida, novo em folha. E, para garantir, o jeito foi apagar tudo que é velho: o Plano Real, as metas de inflação, a responsabilidade fiscal, a política de superávit primário, a renegociação da dívida externa, o fim da farra dos bancos estaduais, a abertura da economia, a atração de divisas a partir do fim das moratórias populistas e da redução do risco-Brasil. Sumiu tudo na poeira do deserto petista.

Retocar a história é um clássico do stalinismo, mas com isso o Plano Dilma não compactua. É arriscado, sempre fica algum vestígio da manobra.

Melhor apagar tudo. Explicar que o governo de transição foi uma passagem de bastão de Pedro Malan para Antonio Palocci tornaria o novo texto confuso. O jeito foi sumir com o bastão.

Até aqui está dando tudo certo. O povo não parece muito interessado no pântano que era a economia brasileira uma década antes de 2003, o ano zero. É uma pré-história realmente repugnante. Tinha monstros à solta, como um dragão que devorava até metade do salário do trabalhador mesmo que ele não gastasse nada. A expressão poder de compra soava ridícula na boca de qualquer governante.

Prometer trazer de volta o ser amado em dois dias era mais seguro.

De 1993 a 2003 aconteceram as tais coisas velhas que o novo Brasil deixou para trás. Na economia pantanosa, onde tudo que se construía afundava lenta e gradualmente, surgiram pilares. (O PT foi contra todos eles, mas o pessoal botou assim mesmo).

O trabalhador, o pobre, descobriu enfim que o tal poder de compra não era ganhar na loteria, ou papo de bruxaria. Foi nessa pré-história horrenda que o Brasil entendeu o sentido da expressão dinheiro na mão.

É sobre esse chão de verdade que hoje evolui a DisneyLula, e seu divertido jogo dos sete erros. Empilhamos dois tijolos onde não havia nenhum! Nosso governo é 200% melhor que o deles! Os números não mentem! Não mentem mesmo. Quem mente é quem os recita, nessa aritmética deliberadamente ignorante, que o povo ama e aplaude. Guido Mantega, o ministro surfista, enteado do Banco Central a quem dirige sua rebeldia sem causa, anuncia para uma plateia da CUT um PIB de 6% para 2010. E tripudia, bradando que Lula priorizou o crescimento: É incorreto dizer que este governo manteve a política econômica anterior. Houve uma mudança na forma de o Estado agir. Ainda bem que a plateia contente não pergunta que mudança foi essa.

Teria sido o PAC? Não... Os números, se bem adestrados, até mentem um pouquinho. Mas Mantega sabe que, se ligar o PAC ao PIB, depois não arranja emprego nem de faxineiro da FGV.

José Dirceu, o homem, o mito e a consciência da companheira Dilma, já a instruiu para trombetear que a dívida interna explodiu no governo FHC. Segue o joguinho de sete erros.

Na abominável pré-história, a dívida pública era em grande parte clandestina, não contabilizada (expressão depois imortalizada por Delúbio) e devorava os investimentos. O governo anterior tirou-a do armário, trouxe à luz todos os seus zeros e começou a pagá-la. Foi um plano concreto de aceleração do crescimento que tragicamente não tinha sigla nem placa.

É claro que numa campanha eleitoral ninguém vai explicar um rolo desses.

Neste novo Brasil, ninguém se comove com o passado. Nem a Norma Bengell.

Guilherme Fiuza é escritor.

Jarbas: discurso do medo para Dilma

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sheila Borges

Um dia após declarar que não mudará a sua postura de crítico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o pré-candidato a governador de Pernambuco pelo PMDB, Jarbas Vasconcelos, mostrou ontem que, apesar de ser conhecido como um senador anti-Lula, seguirá a estratégia de campanha do presidenciável do PSDB, José Serra, e direcionará as críticas para a ex-ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT. Mesmo ressaltando que não pretendeu aterrorizar os eleitores, Jarbas recorreu ao discurso do medo para dizer que a ex-ministra não tem experiência sequer para controlar o PT, o que, segundo ele, pode levar o Brasil para o caminho do imponderável.

Isso porque há no PT várias correntes que disputam o controle da sigla e algumas delas se posicionam contra as diretrizes administrativas e econômicas adotadas por Lula. Dilma não tem competência política para governar. Por que o PT não aperreia Lula? Porque ele tem o controle do partido. É muito maior do que o PT. Dilma não tem essa condição. O País pode ir para o imponderável. Não sabemos o que poderá acontecer, disse, ao participar do programa de Samir Abou Hana, na TV Universitária, ontem à tarde.

Como líder maior do PT, o presidente tem conseguido contornar as crises internas da legenda, fazendo valer a sua opinião. Como Dilma não é petista histórica e sofreu resistência interna para ter o seu nome aprovado para a eleição deste ano, Jarbas considera que o PT, se Dilma for eleita, pode atuar de forma diferente. Alguns líderes petistas, inclusive, chegaram a afirmar que Dilma cresceu no vácuo da falta de nomes mais ligados à história do PT. Quem possuía tais credenciais se envolveu em escândalos. Lula então, com seu poder, chancelou a indicação da ex-ministra.

Ao ser indagado sobre o conteúdo de seu discurso, Jarbas explicou, após o programa, que não pretendeu aterrorizar as pessoas quando disse que o País, com a perspectiva de ter Dilma na Presidência, poderia tomar um caminho desconhecido. Não estou aterrorizando, mas Lula tem força e experiência. Dilma não. Ela não é PT de origem. Não estou falando da questão institucional, de governo, mas da parte administrativa. Com ela, o PT vai aparelhar ainda mais a máquina, comentou.

O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, endossou a tese de Jarbas. Segundo o tucano, coordenador-geral da campanha de Serra, Dilma não tem a força de Lula no PT. Uma coisa é o PT sem Lula. A outra é o PT com Dilma. É uma questão de liderança e capacidade de negociar, complementou. Essa posição lembra o embate entre governistas e oposicionistas na campanha de 2000. Na corrida pela Prefeitura do Recife, a equipe de marketing do então prefeito da cidade, Roberto Magalhães (DEM), que tentava a reeleição, criou peças vinculando o PT à baderna, uma vez que, na época, ocorriam greves protagonizadas por sindicatos ligados ao partido. O então candidato a prefeito era o deputado estadual João Paulo, que terminou derrotando Magalhães.

PE: Chapa completa será lançada em festa no dia 28

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O pré-candidato a governador do PMDB, o senador Jarbas Vasconcelos, informou ontem que a festa de lançamento de seu projeto político ocorrerá no próximo dia 28, às 15h30, no Chevrolet Hall, com a participação do presidenciável do PSDB, José Serra, e outras lideranças dos partidos que fazem oposição aos governos federal e estadual. No dia seguinte, Jarbas será homenageado pelo deputado federal José Mendonça (DEM), que vai oferecer um almoço ao senador em sua fazenda em Belo Jardim, no Agreste.

A reunião será emblemática porque vai registrar a reedição da União por Pernambuco, tendo como pano de fundo o mesmo local onde, em 1993, Jarbas se uniu ao ex-PFL para criar essa coligação e enfrentar as forças políticas situadas mais à esquerda, lideradas na época pelo ex-governador Miguel Arraes, avô do atual governador Eduardo Campos, falecido em 2005.

A expectativa é que o peemedebista aproveite a ocasião para anunciar os outros nomes que irão compor a chapa majoritária do grupo. O senador Marco Maciel (DEM) já confirmou a sua candidatura à reeleição, mas as outras duas vagas da chapa continuam abertas: a de vice-governador e a segunda de senador. O DEM e o PSDB estão cotados para indicar o nome do vice. Essa questão, no entanto, está pendente.

Os oposicionistas esperam uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre um assunto que tem sido muito discutido no Congresso. Eles querem saber, por exemplo, se Serra só pode aparecer no guia eleitoral de Jarbas se o PSDB estiver na vice. Se isso se confirmar, os tucanos ocupam a vice. Para o Senado, o nome deve partir mesmo do PPS. Raul Jungmann é o mais cotado.

PT subestimou papel de FHC, diz pesquisador

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Marcelo Neri, especialista em políticas sociais, programa petista exagerou ao qualificar como "insignificante" ascensão social no governo tucano

Daniel Bramatti

O pesquisador Marcelo Neri contesta a afirmação do programa do PT, exibido anteontem à noite, de que a ascensão social foi "insignificante" no governo Fernando Henrique Cardoso. O programa afirmou ainda que, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, 31 milhões de brasileiros entraram na classe média e 24 milhões saíram da pobreza absoluta.

"De 1993 a 2002, 9,1% da população ascendeu socialmente, De 2003 a 2008, o índice foi de 14,6%", disse Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do estudo A Pequena Grande Década: Crise, Cenários e a Nova Classe Média, que retrata as recentes transformações sociais.

"É verdade que houve mais ascensão social no governo Lula, mas eu não chamaria de insignificante o que aconteceu na gestão anterior", afirmou o pesquisador. "Se Lula é o pai da nova classe média, FHC é o avô."

Apesar de o governo tucano ter começado em 1995, Neri prefere incluir o período imediatamente anterior na comparação entre as duas "eras" porque FHC era o ministro da Fazenda quando o Plano Real foi lançado, em 1994. Além disso, há um "vácuo" estatístico referente àquele ano, quando, por falta de recursos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística não realizou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

TSE multa Apeoesp por ato contra tucano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Segundo decisão da ministra, sindicato usou expressões para prejudicar provável candidatura de Serra

Mariângela Gallucci / BRASÍLIA

A ministra Nancy Andrighi, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), multou em R$ 7 mil o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e a sua presidente, Maria Izabel Azevedo Noronha, por propaganda eleitoral negativa contra a pré-candidatura do ex-governador José Serra (PSDB) à Presidência da República.

Nancy Andrighi aceitou uma representação proposta pelo PSDB e pelo DEM contra o sindicato que, no dia 26 de março, promoveu um ato de protesto contra Serra em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Na ocasião, Maria Izabel teria feito um discurso criticando a candidatura de Serra ao Palácio do Planalto. Para os partidos, Serra foi ofendido de forma grosseira.

"As expressões utilizadas foram intencionalmente direcionadas a prejudicar a provável candidatura do então governador de São Paulo à Presidência da República. Não se concentraram na crítica à atividade do governador, nos atos do gestor público", afirmou a ministra.

Disse ainda que o direito dos sindicatos de se manifestarem sobre aspectos da política nacional não pode ser extrapolado. De acordo com ela, não é possível confundir liberdade de expressão e livre manifestação de pensamento com interferência negativa na imagem de um homem público.

Defesa. Em um dos trechos do discurso, destacado pela ministra em sua decisão, Maria Izabel teria dito: "Esse senhor que quer ser presidente da República. Não será! Serra, você não será presidente da República. E isso... você... está escrito nas estrelas: Você não foi e não será. É o bota fora Serra desse País."

Na defesa apresentada ao TSE, o sindicato afirmou que o evento tinha o objetivo de discutir os rumos do movimento grevista dos professores e não era um comício eleitoral. "O conteúdo das declarações não deixa dúvida de que não se tratou de temas de interesse da categoria, ou mesmo de questões nacionais de interesse político-comunitário", concluiu a ministra.

Vice: Aécio já reavalia decisão

DEU EM O GLOBO

O ex-governador Aécio Neves está reavaliando sua decisão de não ser vice de José Serra. Amigos de Aécio mantêm a expectativa de que ele anuncie a mudança de planos ao voltar de viagem ao exterior.

Aécio já considera ser vice, segundo aliados

Dificuldades para reeleger Anastasia em Minas levariam ex-governador tucano a desistir de disputar o Senado

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. A consolidação da aliança em Minas Gerais entre PT e PMDB que poderá dificultar a campanha à reeleição de seu candidato ao governo, o tucano Antonio Anastasia estaria levando o ex-governador mineiro Aécio Neves a reavaliar sua decisão de não ser vice na chapa encabeçada por José Serra.

Interlocutores de Aécio admitem que, nas últimas conversas antes de viajar para o exterior, ele teria dado sinais de que ainda não tomou uma decisão definitiva sobre seu futuro. A expectativa de alguns deles é que Aécio anuncie mudança de planos na volta ao país, prevista para a última semana de maio.

Outro fator que poderá pesar numa eventual mudança de planos do ex-governador mineiro é a constatação de que sua presença na chapa de Serra seria essencial para garantir uma vitória do PSDB em outubro. Ele levará em conta também os benefícios pessoais que poderia ter com a troca de sua candidatura ao Senado pela vaga de vice. Nos bastidores, seus aliados destacam que Aécio não só ampliaria a projeção de seu nome no cenário político nacional, como levaria Serra a dividir com Aécio os méritos de um eventual sucesso na candidatura presidencial.

A avaliação de PSDB e aliados é que um eventual anúncio de Aécio como vice de Serra, às vésperas do início oficial da campanha eleitoral, poderia desestabilizar mais a campanha da petista Dilma Rousseff. Ela já enfrenta dificuldades para manter o PMDB em sua aliança por inúmeros confrontos entre peemedebistas e petistas nos estados.

Para tirar todos os dividendos políticos disso, há quem defenda que o PSDB faça duas convenções em junho. A primeira, dia 12 de junho, para oficializar a candidatura de Serra, e outra, à frente, para formalizar a suposta indicação de Aécio como vice.

Um encontro esta semana entre o governador Antonio Anastasia e representantes do PDT para tratar de aliança teria alimentado ainda mais os rumores, uma vez que ele deixou claro que, por enquanto, não tinha condições de prometer vaga para o Senado, em sua chapa, para o PDT.

Foi o suficiente para que alguns vinculassem isso à eventual mudança de plano de Aécio.

Por sua assessoria, porém, Anastasia garantiu que nunca cogitou a hipótese de Aécio não ser candidato ao Senado em sua chapa. E que ainda não poderia assumir compromissos com o PDT por negociações mantidas com vários partidos.

Tucanos rebatem Dilma

DEU EM O GLOBO

PSDB diz que Luz no Campo começou com FH

Luiza Damé

BRASÍLIA. Os tucanos contestaram ontem o discurso da pré-candidata Dilma Rousseff, sobre o Luz para Todos, no programa do PT. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse que o Luz para Todos teve origem no Luz no Campo, criado no governo Fernando Henrique, e que, em quase oito anos do governo Lula, houve um irrisório crescimento de 6% nas famílias atendidas pelo Luz para Todos. Dados diferentes dos apresentados pelo governo.

O PSDB resgatou no portal do Ministério de Minas e Energia notas da época em que o Luz no Campo foi criado.

Em dezembro de 1999, o governo anunciava: Luz no Campo vai levar energia para um milhão de famílias. No período FH, segundo o PSDB, o índice de casas com luz foi de 70% para 90% e, no final de 2002, o projeto chegou a 419 mil famílias, beneficiando 2,08 milhões de pessoas.

Segundo o ministério, 11,1 milhões de brasileiros são atendidos pelo Luz para Todos, cuja meta inicial de fazer duas milhões de ligações foi atingida em maio de 2009. Lula tem dito que o programa dos foi lançado em 2004 para atender duas milhões de residências e foi ampliado em mais um milhão de ligações.

Serra critica loteamento das agências federais

DEU EM O GLOBO

"As agências reguladoras, avanço na substituição do Estado interventor do passado, foram pervertidas", diz ele

Chico Otavio e Rafael Galdo

O ex-governador José Serra, pré-candidato do PSDB à sucessão presidencial, criticou ontem, em três momentos de sua visita ao Rio, o aparelhamento político da administração federal. Ele disse que as agências criadas durante a sua passagem pelo Ministério da Saúde (no segundo governo Fernando Henrique Cardoso) a Agência Nacional de Saúde (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foram desmoralizadas quando os critérios para preenchimento de cargos passaram a seguir a lógica política.

Serra, que deu entrevistas para programas de rádio e TV e almoçou na Associação Comercial do Rio, afirmou ainda que o atual governo desacelerou os avanços na saúde e destruiu a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Para ele, o loteamento político no Brasil inferniza tudo.

As agências reguladoras, um avanço na substituição do Estado interventor do passado, foram pervertidas, simplesmente porque foram loteadas politicamente lamentou.

Serra disse que, quando criou as agências, não acolheu indicações políticas, optando por nomear gente que não conhecia, mas de comprovada qualidade técnica critério que ele considera abandonado pelo governo Lula.

Todas as agências passaram a ser focos de loteamento.

Não é a questão da qualidade.

O indicado pode até ser bom, mas deve a indicação dele a um setor político. Ele tem de ser leal a um setor. E isso se generalizou na administração pública criticou.

Em entrevista à Rádio Tupi e, mais tarde, em discurso na Associação Comercial, o tucano disse que a Funasa foi praticamente destruída, o que considerou gravíssimo.

A Funasa ficou no chão.

Nós tínhamos melhorado. Dá uma pena... O (ministro da Saúde, José Gomes) Temporão não pode fazer muita coisa lá, porque é tudo prato pronto.

Está toda loteada disse o pré-candidato do PSDB.

Tucano promete reforma administrativa Para solucionar o que chamou de loteamento, Serra disse que, se eleito, vai fazer uma reforma administrativa no governo.

Ele não descartou, nesse esforço, o enxugamento da estrutura federal. Para o tucano, há muita gordura para se eliminar.

O estado, entidade, tem de ser musculoso, forte, mas não precisa ser obeso. O único esporte que valoriza a gordura é o sumô.

O pré-candidato também prometeu empreender uma reforma política no Brasil: Temos que ter distritos ou listas partidárias (para as eleições). O sistema eleitoral do país é o pior do mundo. Vamos fazer uma reforma administrativa de cara. Mas vou começar pela reforma política.

Outro alvo de Serra foi a área de educação. Para ele, o governo federal apresentou um plano bom para o ensino fundamental, mas não conseguiu tirá-lo do papel.

As resistências corporativas são muito grandes e não há disposição de se enfrentar isso disse o tucano.

Serra questiona corte anunciado por Mantega

DEU EM O GLOBO

Ministro da Fazenda reage dizendo que governo "não costuma fazer onda" e critica período do tucano FH

Rafael Galdo

O pré-candidato à Presidência pelo PSDB, José Serra, perguntou ontem, no Rio, se não passa de espuma o corte de R$ 10 bilhões no Orçamento anunciados anteontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, com objetivo de conter pressões inflacionárias. A expressão foi usada pelo tucano ao dizer que não sabia onde seria aplicado o contingenciamento.

Não sei onde vão cortar.

Precisa ver se é corte de verdade ou se é espuma. Só então vou poder analisar disse Serra: Se tiver desperdício para cortar, tudo bem. Mas cortar coisas essenciais, não.

As declarações de Serra provocaram forte reação de Mantega, que aproveitou para fazer críticas ao governo Fernando Henrique. Em nota, o ministro afirmou que Serra podia ficar tranquilo, pois a redução era para valer, num momento de aquecimento econômico. Até o fim deste mês a pasta divulgará detalhes do corte de gastos.

Nós não costumamos cortar espuma, nem fazer onda. Tratase de um movimento anticíclico semelhante ao que fizemos em 2008, quando criamos o Fundo Soberano e poupamos R$ 14 bilhões, porque a economia já estava crescendo satisfatoriamente.

(...) O ex-governador de São Paulo deveria estar feliz por nosso governo estar fazendo superávit primário há sete anos e meio seguidos, ao contrário do governo anterior, do qual ele foi ministro do Planejamento, quando não se fez nenhum superávit primário, diz a nota.

Em março, o governo já havia anunciado contingenciamento de R$ 21,8 bilhões, diante da preocupação com a inflação.

Em entrevista à Rádio Tupi, Serra lembrou o período em que lutou contra o regime militar, apenas um dia após a propaganda partidária do PT na televisão ter destacado a participação de sua pré-candidata, Dilma Rousseff, na luta contra a ditadura.

Serra nega semelhança com a adversária Dilma O assunto surgiu após o radialista Francisco Barbosa afirmar que, pela primeira vez na história recente, o Brasil tinha candidatos a presidente (Dilma e Serra) com origens parecidas, por terem participado dos movimentos de resistência à ditadura.

O tucano questionou a semelhança, e continuou dizendo que foi no Rio que viveu alguns dos momentos mais difíceis de perseguição do regime, quando era presidente da UNE.

Sobre mudanças na Lei de Anistia para que os torturadores sejam punidos, rejeitadas mês passado pelo Supremo Tribunal de Justiça, Serra disse que o essencial é abrir as informações sobre o período. Disse que modificar a lei implicaria novas investigações contra os oposicionistas do regime que tivessem cometido atos de violência.

Já quanto à manutenção de seu tom cordial com o presidente Lula, Serra seguiu lembrando o período da ditadura e fez menção à música Nervos de aço, de Lupicínio Rodrigues.

Já ouviu Lupicínio Rodrigues? Eu tenho nervos de aço disse: Fui interrogado na ditadura e fui condenado.Voltei ao Brasil depois que prescreveu minha condenação. Depois, quando queria sair de novo do país, precisava de passaporte.

Para isso, fui interrogado dois, três dias seguidos, por 12 a 16 horas, imaginando que eu cairia em contradição. Impossível eu cair em contradição.

Serra chama PNDH-3 de 'tortos' humanos

DEU EM O GLOBO

Tucano diz que projeto criminalizava quem é contra aborto

Chico Otavio e Ludmilla de Lima

O ex-governador José Serra, pré-candidato tucano à sucessão presidencial, atacou ontem, em entrevista à emissora Rede Vida, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) proposto pelo governo federal. Ao afirmar que, em vez de se chamar programa de direitos humanos, deveria ser tortos humanos, por representar retrocesso, ele disse que o projeto só foi retirado e reapresentado porque o governo temia uma repercussão eleitoral negativa.

O projeto criminaliza, no fundo, quem é contra o aborto.

Há pessoas com posições diferentes (sobre o assunto).

Você não pode considerar contrário aos direitos humanos quem é contra o aborto. É inacreditável disse.

O plano, em primeira versão, propôs mecanismos de monitoramento dos serviços de atendimento ao aborto legalmente autorizado, garantindo seu cumprimento e facilidade de acesso, além de recomendar ao Legislativo a adequação do Código Penal para a descriminalização, situação que abriria espaço para a punição de profissionais de saúde que se recusassem a atender os casos.

O ex-governador também atacou as propostas do projeto, em sua primeira versão, para o fomento dos direitos humanos na mídia. Segundo ele, o programa foi o pretexto encontrado para estabelecer um controle político sobre a imprensa brasileira.

Serra disse que a sociedade brasileira não pode aceitar que 14 mil pessoas, reunidas em Conferência Nacional de Comunicação, deliberem em nome de milhões: É uma ameaça à liberdade de imprensa, intervenção, aquela coisa de comitês.

Embora afirme ser partidário dos direitos humanos, por ter sido perseguido e exilado duas vezes, no Brasil e no Chile, Serra considera o programa uma tentativa de partidarizar o assunto e atender a interesses corporativos de grupo de interesses.

Serra destaca violência de região da Bahia Ao defender, também na Rede Vida, a atuação no governo federal no combate à segurança pública, particularmente no combate ao tráfico de drogas e de armas, ele destacou os índices de homicídios de determinada região (não citada) da Bahia, estado administrado pelo PT.

Sobre segurança e a Força Nacional, ele disse: É o problema mais grave do Brasil. Ameaça sair de controle. O governo federal tem que entrar de corpo e alma.

A Força Nacional é inoperante.

Para mobilizar demora semanas. Você não mobiliza na prática.

'Não sou cria do Fernando Henrique', diz tucano

DEU EM O GLOBO

Pré-candidato lembra que já disputou oito eleições, e que Dilma é apoiada por Collor e Sarney

Pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra negou ontem, em entrevista à Rádio Manchete, no Rio, que seja cria política do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

O radialista perguntou sobre a relação de Serra com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de Dilma Rousseff, pré-candidata do PT ao Planalto, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Serra disse que Dilma, do ponto de vista político, é cria de Lula.

Não sou cria do Fernando Henrique. A Dilma é, do ponto de vista político, cria do Lula.

Eu tenho uma história. Já disputei oito eleições. Fernando Henrique vota em mim, me apoia. Collor e Sarney, que também são ex-presidentes, apoiam Dilma. Mas o povo não está votando no passado, vota em quem achar melhor para conduzir o Brasil.

Durante a entrevista, o tucano voltou a dizer que pretende criar o Ministério da Segurança Pública e que o Brasil pode fazer mais em saúde, segurança e educação.

A saúde não avançou tudo o que podia. (Vou focar) na educação, principalmente a educação profissionalizante.

Em São Paulo, aumentei duas vezes o número de vagas.

Serra também comentou o reajuste de 7,7% aprovado pela Câmara: Só o governo pode dizer se tem (dinheiro para cobrir).

Posso dizer que os aposentados merecem mais, mas o importante é ter dinheiro para pagar disse Serra, que aproveitou para dizer o país deveria fazer uma nova reforma previdenciária.

O pré-candidato também disse não temer que as centrais sindicais, que apoiam Dilma, criem problemas para ele, caso vença as eleições.

Elas representam sindicatos.

Em São Paulo, sempre tive boa relação e diálogo com as centrais. E fiz coisas importantes para os trabalhadores do Brasil. Criei o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Ao ser perguntado se fora irônico ao dizer anteontem que Lula está acima do bem e do mal, Serra disse que não, e explicou que o presidente não é candidato.

Ironia? De jeito nenhum.

Lula não é candidato. Ele está fora, não vai governar nem se conseguir eleger a candidata dele. Ele não vai ocupar o cargo de presidente.

À tarde, em entrevista à rede Vida, ligada à Igreja Católica, Serra também falou de política externa. Disse que o governo deve defender a autodeterminação dos povos e os direitos humanos. Sobre as polêmicas relações do presidente Lula com o Irã, o pré-candidato do PSDB comentou: Eu não teria uma relação fraterna de amigos queridos, porque trata-se de uma ditadura que condena à forca manifestantes contra o governo.

Da mesma forma, Serra criticou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que já admitiu sua preferência pela vitória da petista Dilma Rousseff: Não simpatizo com o regime de Chávez. Ele já disse que não é meu eleitor, embora não vote no Brasil. Eu também não votaria nele. Mas isso não implica não ter relações de países.

Na área de segurança, Serra voltou a propor, na Rádio Tupi, a criação do Ministério da Segurança Pública e de uma Polícia Federal fardada. Segundo o tucano, seria uma espécie de guarda nacional, para combater o contrabando de armas e drogas.

Para o Estado do Rio, ele propôs tirar do papel o projeto de levar o metrô aos municípios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. Foi neste momento que cometeu uma pequena gafe, chamando de balsas as barcas que fazem a travessia Rio-Niterói.

Gabeira: 'Prezo pelo apoio do Serra'

DEU EM O GLOBO

Verde divide mesa em almoço com tucano, que o cita em discurso

Rafael Galdo

Após negar que compartilharia agendas com o pré-candidato à Presidência José Serra (PSDB), o postulante ao governo do Rio Fernando Gabeira (PV) participou ontem do primeiro encontro público com o tucano na pré-campanha. Gabeira foi ao almoço oferecido a Serra pela Associação Comercial do Rio, sentou-se na mesma mesa do presidenciável e, no fim, recebeu os cumprimentos do ex-governador de São Paulo.

Duas semanas atrás, porém, Gabeira havia ratificado que faria campanha apenas com a précandidata de seu partido à Presidência, Marina Silva (PV), e que os representantes das demais legendas de sua coligação (PSDB, DEM e PPS) iriam aos compromissos de campanha de Serra no Rio. O verde justificou a ida ao almoço pela importância do evento para os interesses do Rio. Mas não escondeu o apreço pelo apoio do tucano.

Minha presença é a de um pré-candidato ao governo do Rio, apoiado pelo pré-candidato que veio falar (Serra), muito interessado no diálogo com a Associação Comercial. Entendemos ainda nesse encontro a questão do Rio disse Gabeira.

Vou pedir voto para Marina.

Mas prezo pelo apoio do Serra também. Sempre que houver um momento em que eu puder me beneficiar disso, estarei.

Gabeira lembrou que seu adversário, Sérgio Cabral (PMDB), e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), também enviaram representantes ao encontro. E disse que estará presente quando Marina for convidada para a Associação Comercial. No discurso aos empresários, Serra citou Gabeira três vezes.

No dia 23, será a vez do lançamento da pré-candidatura de Gabeira. Nem Marina nem Serra foram convidados. A decisão foi tomada pelo PV para afastar especulações sobre o apoio de Gabeira ao tucano ou a Marina.

Imbroglio agora entre PV e PPS

DEU EM O GLOBO

Alessandra Duarte

A coligação PV-DEMPSDBPPS no Rio não surpreende quando o assunto é impasse. A vereadora Aspásia Camargo (PV) disse que, agora, verdes teriam começado a negociar com o PPS a opção de ela entrar na vaga do PPS para disputar o Senado, hoje de Marcelo Cerqueira.

Procurei o PPS e recebi mensagens positivas dele quanto a isso. Ainda é um início de conversa, mas estamos felizes com a resposta que temos recebido disse Aspásia, afirmando que, em troca, o PV, fora da coligação na eleição para deputado federal e estadual, poderia entrar na aliança também nas proporcionais.

Cerqueira, porém, nega que deixará a vaga, e diz que o presidente do diretório do PPS/Rio, Roberto Percinoto, também. Já o presidente regionall do PPS, Comte Bittencourt, diz que, se o PV ampliar a presença na coligação, nas proporcionais, a questão do Senado pode voltar ao debate. Perguntado se o PPS abriria mão da vaga ao Senado, respondeu: Não falo nem que sim, nem que não.

Ministro alerta para punição pior a Dilma

DEU EM O GLOBO

O ministro do TSE Marco Aurélio Mello alertou para o risco de que as condenações do PT por propaganda antecipada deem margem a novas investigações e punições mais graves contra Dilma Rousseff; Perfil partidário é uma coisa, apologia de alguém é outra, disse o ministro. O TSE multou o PT pelo programa de dezembro, por achar que ele promoveu Dilma.


O risco da campanha antecipada

Ministro alerta para possibilidade de punição por abuso; PT reage e diz que cumpre lei

Isabel Braga e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA e SÃO PAULO - As condenações por propaganda eleitoral antecipada que o PT vem sofrendo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderão dar margem a futuros pedidos de abertura de investigação judicial contra a pré-candidata Dilma Rousseff, com base na Lei 64/90, a lei das inelegibilidades.

O entendimento de especialistas eleitorais foi reforçado anteontem pelo ministro Marco Aurélio Mello, durante julgamento, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do programa veiculado pelo PT em dezembro passado. A consequência extrema de uma investigação judicial com base na Lei 64/90 é a perda do registro eleitoral que só é concedido pela Justiça Eleitoral após a oficialização do candidato em convenção partidária.

Por unanimidade, o TSE considerou que o programa de dezembro promoveu Dilma, e aplicou multa de R$ 20 mil ao partido e de R$ 5 mil à pré-candidata, além de suspender o próximo programa do partido o de anteontem já tinha sido exibido, e a punição então será aplicada ao programa previsto para ir ao ar em 2011, com o novo presidente já eleito. Em seu voto, Marco Aurélio alertou que condenações por propaganda antecipada podem se somar a outras cometidas na campanha e ensejar abertura de investigação com base na Lei 64/90.

O somatório de desvios de conduta pode robustecer uma representação futura. O caminho anterior à escolha do candidato pode se somar a outros e se configurar o abuso de poder econômico, político e dos meios de comunicação. A decisão (de anteontem) do Tribunal é uma certidão de transgressão! Que os candidatos em geral coloquem as barbas de molho disse Marco Aurélio ontem.

Para o ministro, a lei partidária é clara ao definir o teor de programas dos partidos: Perfil partidário é uma coisa, apologia de alguém é outra completamente diferente disse, enfatizando que se referia ao programa do PT do ano passado, e que não havia visto o exibido anteontem.

Marco Aurélio disse que, se houver comportamento semelhante por parte do PSDB ou de outro partido, a atitude do Tribunal será a mesma.

Ex-ministro do TSE Fernando Neves prefere não falar sobre casos concretos.

Mas lembra que, com base em investigações eleitorais e irregularidades ocorridas antes de o candidato ter o registro, muitos prefeitos já tiveram seus mandatos cassados. Um dos advogados do PSDB, Marcelo Toledo, destacou que o descumprimento sistemático da legislação eleitoral poderá motivar, no futuro, processo por abuso de poder político contra Dilma: Esse foi o caso do (ex-governador do Maranhão) Jackson Lago.

Mas é preciso ver se o caso do PT comporta uma ação semelhante.

O PSDB deverá ingressar com nova ação no TSE contra o programa do PT que foi ao ar anteontem.

Para o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, o Ministério Público deveria agir: Quando o presidente da República descumpre a lei sistematicamente, ele está pregando a desobediência civil. Se Dilma conseguir ser eleita, terá o mandato cassado por abuso de poder político.

O líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), disse que o TSE deveria ter agido com mais rapidez: Lula, Dilma, o PT deram um tapa na cara de cada ministro do TSE ontem. E eles, ao não julgarem antes as irregularidades do programa exibido em dezembro, acabaram sendo esbofeteados em rede pública.

Para especialistas em Direito Eleitoral, a falta de sanções mais eficazes contribui para que candidatos desrespeitem a legislação eleitoral. Punições tardias e baixo valor das multas levam os partidos e postulantes a confrontar a lei, aumentando uma sensação de impunidade no país, dizem.

Quando um partido infringe a lei, como neste caso, está optando pelo risco calculado. Afinal, quanto vale a imagem de um candidato no horário nobre de TV? indaga o primeiro-secretário do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral, Gustavo Severo, para quem é difícil trabalhar com punição que gere efeito prático na campanha: Hoje tem campanha de 80, 100 milhões. A lei não prevê sanção eficaz capaz de coibir essa prática.

Segundo o advogado, a veiculação do programa de anteontem do PT transbordou os limites, uma vez que Dilma, pré-candidata, foi enaltecida durante todo o tempo.

O advogado Alberto Rollo também defendeu maior rigor da lei. Ele lembrou que o artigo 22 da lei 64/90 prevê até cassação de mandato.

O custo benefício de uma propaganda dessa é completamente favorável ao partido. Na verdade, nem tem sentido aplicar pena, já que não tem o contexto real de inibi-la.

Dilma diz que não foi afronta ao TSE

Dilma ontem disse que a decisão da Justiça será respeitada, mas lamentou a interpretação de que o PT passou dos limites e desafiou a lei. Ela negou que tenha sido uma afronta ao TSE e refutou acusação da oposição de que o PT infringe a lei porque considera que compensa pagar a multa.

Nós não concordamos com isso de maneira alguma (de que compensa).

Tanto que pagamos a multa e vamos olhar direito o que está acontecendo para não ter repetição.

O secretário nacional de comunicação do PT, André Vargas (PT-PR), já sabia que o conteúdo do programa provocaria a reação dos adversários. Logo após a veiculação, ele comentou no Twitter: Estou no trânsito em SP, ouvi o programa no rádio do PT, Lula é Dilma, Dilma é Lula, o programa foi de primeira. Aí vem a gritaria !!!.

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, reagiu às criticas da oposição: Nosso programa não tem ilegalidade.

Se não pode comparar modelos, a oposição não pode fazer programas batendo no governo. Temos o direito de nos defender, e a forma de realçar as ações do nosso governo é a comparação.

A oposição fica dando uma de indignada com o que chama de ilegalidade, mas o programa deles foi a mesma coisa. Nosso mal foi não ter entrado na Justiça, porque não quisemos judicializar a disputa. A oposição quer resolver a eleição no tapetão?

PT sumiu do programa do PT na televisão

DEU EM O GLOBO

Nome do partido foi dito uma única vez, e pelo último dos participantes

BRASÍLIA. Nos dez minutos do programa de TV que o PT exibiu na noite de anteontem, em rede nacional, a palavra PT foi verbalizada uma única vez, e pelo último dos seis petistas que participaram do vídeo. Isso quando faltava um minuto e meio para o fim do programa. As bandeiras vermelhas e as faixas também vermelhas com o número 13 foram excluídas da primeira grande peça da campanha presidencial da ex-ministra Dilma Rousseff, a candidata do PT.

Em respeito à legislação eleitoral, o programa exibiu a inscrição mostrando que se tratava de uma propaganda partidária do PT. E o símbolo do partido, uma estrela vermelha com o 13 no centro, também apareceu ao lado dos nomes dos petistas sempre que eles falavam. Mas era mínima. Além do presidente Lula e de Dilma, que dominaram mais de 80% do programa, tiveram participações especiais os ministros Guido Mantega (Fazenda), Fernando Haddad (Educação) e Paulo Bernardo (Planejamento), além do presidente nacional do partido, o ex-senador José Eduardo Dutra o único que lembrou de citar o nome do PT.

A propaganda partidária petista que acabou sendo uma peça de campanha de Dilma inovou logo de entrada.

As primeiras imagens em nada lembravam os tradicionais programas coloridos do partido, com a cor vermelha em profusão. Eram imagens de alguns brasileiros, com umas pequeninas estrelas vermelhas ao fundo, sem o nome nem o número do partido. E as primeiras palavras do locutor expressas na tela foram dirigidas à candidata: Uma grande brasileira.

Em seguida, aparece Lula iniciando uma extensa lista de elogios à sua candidata, citando experiência, competência, lealdade e dignidade. As falas de Lula foram intercaladas com falas de Dilma. Ele diz por que a escolheu.

Ela entra em cena e também fala dessa escolha.

Quando o locutor assume a condução do programa, em off (só a voz), são mostradas imagens de Minas e do Rio Grande do Sul, estados onde Dilma nasceu e se profissionalizou como economista, respectivamente.

São narradas a biografia e a história de Dilma, que se filiou ao PT em 2001. Mais uma vez, o nome e o número da legenda não aparecem.

Nenhum dos ministros convocados se lembrou do nome da legenda. E quando a palavra PT foi verbalizada, ela foi citada depois dos nomes de Lula e Dilma: O Brasil cresce com inclusão social e distribuição de renda. Este é o modelo de gestão de Lula, de Dilma e do PT , disse José Eduardo Dutra.

Dilma tenta explicar, com dificuldade, a comparação com Mandela

DEU EM O GLOBO

Ontem, pré-candidata foi tanto a uma missa como a um ritual de candomblé

Maria Lima

BRASÍLIA e RIO. O que a presidenciável petista Dilma Rousseff tem a ver com o líder sul-africano Nelson Mandela, comparado com ela pelo presidente Lula, anteontem à noite, durante o programa partidário do PT? A oposição chamou a comparação de um escárnio, e nem mesmo Dilma soube explicar direito: Acho que o presidente queria destacar duas características similares das ditaduras: que elas deixam pouca opção para as pessoas. Então quando você, de fato, quer combater as ditaduras efetivamente, não tem muitas opções e recorre aos meios de que dispõe naquele momento.

Perguntada se considerava proporcional e legítima a comparação, disse: Se você for olhar o tempo de prisão, não. Ele ficou 27 anos e eu fiquei 3 anos e meio. Mas o sentido não é esse.

O sentido é o de comparação: o que se faz diante de ditaduras.

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, também rebateu as críticas sobre a comparação feita por Lula das trajetórias de Dilma e Mandela.

Hoje estou vendo líderes da oposição dizendo que a comparação com Mandela foi um escárnio. Os falsos liberais se esquecem de um ensinamento básico de um dos principais formuladores do liberalismo, que foi Voltaire. Ele dizia: Não concordo com nada do que dizem, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo. Podem achar absurda a comparação, mas não podem tirar de Lula o direito de fazê-la.

Sem entrar na polêmica da comparação que Lula fez, no programa do PT, sobre a história de Dilma e Mandela, o fundador da Educafro, frei David Santos, disse acreditar que o governo e os pré-candidatos podem estar percebendo que estão omissos em relação à questão do negro: A fala de Lula ligando Nelson Mandela a Dilma Rousseff é uma tentativa de atender à pressão da comunidade negra.

Para nós, se todos os políticos tentassem se espelhar em Mandela, teríamos um país mais ético, mais honesto e mais respeitável com a pluralidade de seu povo.

Em tempo de campanha, proteção nunca é demais. Dilma Rousseff começou o dia ontem recebendo a bênção de d. Claudio Hummes, enviado do Papa Bento XVI ao Congresso Eucarístico Nacional para participar da Missa dos Excluído , e terminou o dia, de visual novo, numa bênção de mães de santo, conhecidas no candomblé como Ialorixás.

Ao lado dos católicos, Dilma afirmou que é católica, apesar de há cerca de, três meses, em entrevista à revista Época, ela ter dito que não tinha uma religião específica.

Ao final da missa, Dilma falou de assuntos polêmicos para a igreja católica, como o aborto, que chegou a comparar à extração de um dente.

Eu não acredito que mulher alguma queira abortar. Não acho que ninguém quer arrancar um dente e ninguém tampouco quer tirar uma vida de dentro de si disse.

Ela cometeu algumas gafes evidenciando sua pouca intimidade com a Igreja.Trocou os nomes e chamou por três vezes o cardeal Hummes de d.Paulo. Também classificou o XVI Congresso Eucarístico Nacional de um congresso internacional, que mostra a importância da religião no Brasil. Perguntada se era católica, Dilma foi enfática: Eu sou. Eu fui educada no Colégio Nossa Senhora de Sion. Na minha época, a missa era em latim.

Depois a missa evoluiu e ficou mais bonita.

Novamente perguntada sobre a partir de que momento passou a ser católica e ir à missa, disse: Uai, no mesmo momento em que cada um dos brasileiros.

A gente nasce, é batizado, crismado, estuda em colégio de freira e, ao longo da vida, você vive as suas experiências.

Eu acho que é esse respeito que você deve ter pelo Deus de todas as religiõe afirmou.

Ao lado do chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, Dilma não comungou mas ficou ajoelhada, abraçou fiéis durante ritos da comunhão e não conseguiu escapar mais uma vez de ter falar sobre o aborto. Disse que, por uma questão de foro íntimo, considera uma violência. E que do ponto de vista político, é um problema de saúde pública. Ao final da missa, ela ainda defendeu o projeto Ficha Limpa, mas lamentou que ele não possa ser aplicado nesta eleição. Disse que o acordo na Câmara era consistente.

Foi a homenagem a Oxalá que levou Dilma ao ritual de candomblé à noite.

Na cerimônia, realizada durante encontro do Coletivo de Negras e Negros do PT contra o racismo num hotel de Brasília, ela recebeu passes e um jarro de barro com água de cheiro. Os organizadores do evento pediram que ela não usasse roupas vermelhas a cor do PT ou pretas. Ela foi de branco, com um colar azul, que combinou com o novo visual: cabelos cortados, escovados e com mechas bem louras a la Marisa Letícia e Marta Suplicy.

Ao som de tambores e de cantorias, Dilma foi convidada a participar de uma pequena procissão organizada pelo grupo de candomblé da Bahia Axé Opá Afonjá. Além da botija com água de cheiro ganhou um berimbau e uma fita de Nosso Senhor do Bonfim no pulso.

Em seu discurso, Dilma prometeu aprofundar a política de cotas, inclusive para doutorado, e ampliar a entrada de diplomatas negros no Itamaraty.

Vamos fazer mais políticas afirmativas e de cotas, queiram eles ou não afirmou ao prometer também batizar um outro navio da Petrobras com o nome de Zumbi dos Palmares.

A incógnita Dilma :: Almir Pazzianotto Pinto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A História revela que nada é tão rodeado de incerteza quanto o resultado de uma eleição direta. Políticos experientes ensinam: mineração e eleição, somente após a apuração.

Quando Franco Montoro disputou o governo do Estado de São Paulo, em 1982, com o governo militar declinante, era fácil prever a vitória esmagadora do PMDB. Em 1974, entretanto, no apogeu do regime autoritário, não se imaginava que o fraco MDB, com candidatos anônimos, elegeria 16 senadores, impondo acachapante derrota à Arena.

Em passado mais distante, após a queda da ditadura Vargas, o malogro do brigadeiro Eduardo Gomes nas eleições de 2 de dezembro de 1945 surpreendeu o País. O general Eurico Dutra, ministro da Guerra durante o Estado Novo, fora lançado pelo Partido Social Democrático (PSD), contra o candidato da União Democrática Nacional (UDN).

Em desfavor de Dutra pesava o fato de ser fechado, de poucas palavras, impopular em meio ao povo. O brigadeiro, porém, era um dos heroicos tenentes do Forte de Copacabana, na epopeia de 1922. Vinha respaldado pelo apoio de todos os que se aliaram na luta contra a permanência de Getúlio Vargas no poder, após 15 anos de governo. Dotado de simpatia, embora de temperamento austero, cativava o eleitorado feminino com o bordão "vote no brigadeiro, é bonito e é solteiro".

Os comícios de Eurico Dutra eram vazios. Já os da UDN sinalizavam a vitória, com a agitação de milhares de lenços brancos. Jovens, estudantes e intelectuais apoiavam Eduardo Gomes; os velhos coronéis conservadores, formadores da coluna dorsal do PSD, desiludiam-se da vitória de Dutra.

Sentindo o odor da derrota, dois aliados de Dutra, Amaral Peixoto e Hugo Borghi, partiram ao encontro de Getúlio Vargas, proscrito na longínqua estância de São Borja (RS) desde 29 de outubro. Após horas de insistência, convenceram-no de que, não obstante se sentisse atraiçoado por Dutra, chefe da rebelião que o destronara da Presidência, tinha o dever de apoiá-lo. Argumentaram que a vitória da UDN abriria as portas à apuração de acusações de crimes cometidos durante o Estado Novo e daria início à perseguição de membros da família Vargas, ao fim do trabalhismo e à inevitável tentativa de demolição das recentes conquistas do operariado.

Vargas admitiu, então, escrever carta de apoio ao inimigo. O documento, redigido em poucas linhas, foi lido por Hugo Borghi no último comício, realizado em 27 de novembro no Rio de Janeiro. Divulgado amplamente pela imprensa, tornou-se conhecido, em todo o Brasil, como "ele disse".

Cinco dias depois, em 2 de dezembro, as urnas receberam 3,25 milhões de votos para Eurico Dutra (55% do total) e cerca de 2 milhões para Eduardo Gomes. Em menos de uma semana Vargas gravou a marca da excepcional popularidade, mudou o rumo das eleições e alterou a História do Brasil.

Dilma Rousseff jamais disputou cargo eletivo. Nem simples cadeira de vereador em município do interior. Foi retirada do anonimato pelo presidente Lula, que lhe entregou a Casa Civil, um dos três Ministérios mais importantes da República. Pouco se conhece da sua vida pregressa, além das informações que circulam pela internet. Carente de nomes do PT, depois do assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel, dos acontecimentos nebulosos atribuídos a Antônio Palocci e de ver José Dirceu cassado pela Câmara dos Deputados, o presidente Lula optou por jogada de elevado risco, ao procurar converter dona Dilma em candidata previamente vitoriosa. Cristã-nova nas fileiras do PT, por analogia à hierarquia militar dona Dilma não seria mais do que primeiro-sargento.

Hábil articulador, o ex-metalúrgico atraiu o PMDB com a oferta da Vice-Presidência. Ao PDT concedeu o Ministério do Trabalho. À Força Sindical - rival histórica da CUT - conferiu prestígio e crédito "nunca antes vistos neste país". Busca, agora (quem poderia imaginar?), atrair o PTB de Roberto Jefferson e o PP de Paulo Maluf. Para evitar riscos isolou Ciro Gomes, após seduzi-lo com impossível candidatura ao governo de São Paulo.

Resta saber se os pesados investimentos terão retorno. A interrogação ganha força a partir do momento em que dona Dilma, ausente do Ministério, se esforça para alçar voo, obrigada a participar de eventos públicos e a dar entrevistas a jornais, revistas, emissoras de rádio e TV.

Em artigo anterior, observando a calmaria reinante no PSDB, considerei inevitável a eleição de dona Dilma. Deixei registrado, entretanto, que o prognóstico poderia ser invalidado pela ocorrência de fato capaz de neutralizar o capital político acumulado pelo presidente. Hoje, reconhecidas as diferenças entre personagens, situações e circunstâncias, a razão determinante de nova análise do cenário eleitoral chama-se Dilma Rousseff.

A bipolaridade do pleito desfavorece a representante do Planalto e do PT, cujo atestado de pobreza política lhe foi passado pelo presidente, que, segundo se propala, lhe recomendou evitar aparições públicas e permanecer algum tempo submersa em aulas de construção de frases, articulação de ideias, objetividade de exposição e de como se postar diante das câmeras de televisão.

Como a excelente candidata Marina Silva não dispõe de partido nem de recursos para enfrentar as despesas exigidas por disputa de caráter nacional, e o imprevisível Ciro Gomes foi privado da chance de concorrer à Presidência, a eleição caminha, de maneira inexorável, para o confronto da jejuna dona Dilma com o experiente e frio José Serra.

Resta aguardar e ver se Lula conseguirá, em cinco meses, repetir o prodígio realizado por Getúlio Vargas em cinco dias.

Advogado, foi Ministro do Trabalho e Presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Círculo do medo:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Aumentam as incertezas em relação ao futuro do euro. O que era há poucas semanas a crise de um país que havia fraudado suas estatísticas e que tem déficit e dívida gigantes virou uma crise de confiança no euro. Uma semana depois de a Europa ter aprovado a criação de um gigantesco fundo de estabilização, o medo voltou. Hoje, a Grécia decretar moratória é o de menos.

A semana abriu em euforia, depois do pânico que havia fechado a semana anterior, e terminou em depressão.

Entre esses estados de ânimo radicalmente opostos, houve um pacote de US$ 1 trilhão. A ciclotimia dos mercados, principalmente na Europa, mostra que a crise derivada da desconfiança em relação às dívidas dos países europeus vai continuar.

Ontem, as bolsas da Europa chegaram a ter quedas de 6%, o euro bateu na pior cotação desde a crise do Lehman Brothers, o ouro que já subiu 33% em um ano disparou e o petróleo caiu. Essa corrida do euro ao ouro pode se repetir nos próximos dias. No Dow Jones, houve um momento em que só uma ação não estava em queda. O economistachefe da Austin Rating, Alex Agostini, explicou que as maiores quedas foram de ações de bancos europeus porque está em curso um processo de mudança regulatória, que exigirá mais deles.

A desconfiança dos mercados é circular. As bolsas caíram, e os juros das dívidas dos países mais endividados da Europa subiram porque havia a avaliação de que sem ajuste fiscal eles não conseguiriam honrar suas dívidas.

Agora, os analistas temem que os cortes de gastos e aumentos de impostos impeçam os países de crescer.

Ontem, saiu o primeiro sinal de deflação na Espanha.

Sem crescimento, eles não conseguem honrar suas dívidas. Ou seja, as bolsas caem e a dívida sobe porque os países precisam de ajuste fiscal; e quando o ajuste é iniciado a avaliação é que ao tirar renda dos consumidores, ele vai prolongar a estagnação dos países europeus.

Mais circular ainda é a própria crise: os governos aumentaram seus gastos para resgatar os bancos; os bancos passaram a duvidar da sustentabilidade das dívidas e déficits dos países; os governos tiveram que gastar de novo para criar um fundo de estabilização que, em última análise, resgatará os bancos, pela segunda vez em dois anos, do risco de quebrarem. Antes, o risco de colapso do sistema financeiro vinha de devedores privados, agora, é pelo peso das dívidas emitidas pelos governos para resgatar os bancos das encrencas que entraram.

O ataque de pânico que dominou todos os mercados na quinta e sexta-feira da semana passada foi cortado no domingo pelo esforço dos governos da União Europeia de criarem mecanismos para debelar a crise. A euforia da segundafeira, em que bolsas chegaram a subir até 14%, foi derivada da constatação de que os grandes países europeus, principalmente a Alemanha, estão dispostos a pagar o preço da sua escolha pela unificação monetária.

Deveria bastar para afastar os temores. Mas ontem começou a circular o rumor de que o presidente da França, Nicolas Sarkozy, poderia anunciar a saída do país do sistema monetário europeu. Só o fato de um rumor como esse circular já é um sintoma da crise de confiança na moeda única.

O que ficou claro nesta crise é que o euro não está preparado para crises. A moeda virou alavanca para os países periféricos do sistema.

Pagando juros europeus, todos puderam se financiar e crescer. Na hora da crise, a moeda virou camisa de força que impede a terapia tradicional de desvalorização da moeda.

No boom, foi fácil conviver com a inconsistência apontada por vários eurocéticos: o fato de países com níveis de produtividade inteiramente diferentes viverem com a mesma moeda.

Isso igualava artificialmente a máquina de exportar que é a Alemanha a países de baixa produtividade do continente. Na crise, as diferenças parecem irreconciliáveis.

Os cidadãos alemães se sentem os pagadores da promessa da unificação; os portugueses, espanhóis e os gregos acham que estariam melhores se tivessem escudos, pesos e dracmas e liberdade para fazerem política cambial e monetária.

O presidente do Deutsche Bank, Joseph Ackermann, disse à televisão alemã que há dúvidas sobre a capacidade da Grécia de pagar sua dívida mesmo com o pacote de ajuda da Europa e do FMI. Na verdade, começa a haver certeza de que a Grécia em algum momento fará a reestruturação da sua dívida. A projeção do FMI já mostrou que antes de começar a cair, a dívida grega chegará a 150% do PIB.

Hoje, a Grécia paga 300 pontosbase mais que a Espanha e 200 pontos mais que Portugal para rolar sua dívida.

Quanto mais cara fica, mais impagável se torna. A corrida dos últimos dias de anúncio de pacotes de ajuda à Grécia é a forma de apostar num cenário de reestruturação negociada e não um colapso de sua capacidade de honrar a dívida.

Com todo o noticiário negativo, os protestos e greves, os turistas se afastaram das ilhas gregas, e o turismo é a grande fonte de receita do país. A crise tem seu círculo vicioso.

No país mais rico da UE, a Alemanha, o eleitorado puniu a coalizão de centrodireita que governa o país com a derrota nas urnas da Renânia do Norte-Westfalia, o que tirou do governo maioria na Câmara Alta. Há oposição a pacotes de ajuda a outros países. A mais ousada experiência monetária do mundo começa a enfrentar os choques que seus críticos previram quando ela foi lançada. O medo não é mais em relação à Grécia, nem mesmo em relação à Espanha. O euro é que está preso no círculo do medo.

"Oropa, França e Bahia" :: Ascenso Ferreira

(Romance)

Para os 3 Manuéis:
Manuel Bandeira
Manuel de Souza Barros
Manuel Gomes Maranhão

Num sobradão arruinado,
Tristonho, mal-assombrado,
Que dava fundos prá terra.
( "para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar").

...Morava Manuel Furtado,
português apatacado,
com Maria de Alencar!

Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitiços.
Ah! os seus braços roliços!
Ah! os seus peitos maciços!
Faziam Manuel babar...

A vida de Manuel,
que louco alguém o dizia,
era vigiar das janelas
toda noite e todo o dia,
as naus que ao longe passavam,
de "Oropa, França e Bahia"!

— Me dá uma nau daquelas,
lhe suplicava Maria.
— Estás idiota , Maria.
Essas naus foram vintena
Que eu herdei da minha tia!
Por todo o ouro do mundo
eu jamais a trocaria!

Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim...

Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
"De Oropa, França e Bahia"...

— Ó Maria, hoje nós temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
só prá tu te distraire
desse pensamento ruim...
— Seu Manuel, isso é besteira!
Eu prefiro macaxeira
com galinha de oxinxim!

"Ó lua que alumias
esse mundo de meu Deus,
alumia a mim também
que ando fora dos meus..."
Cantava Seu Manuel
espantando os males seus.

"Eu sou mulata dengosa,
linda, faceira, mimosa,
qual outras brancas não são"...
Cantava forte Maria,
pisando fubá de milho,
lentamente no pilão...

Uma noite de luar,
que estava mesmo taful,
mais de 400 naus,
surgiram vindas do Sul...
— Ah! Seu Manuel, isso chega...
Danou-se de escada abaixo,
se atirou no mar azul.

— "Onde vais mulhé?"
— Vou me daná no carrosé!
— Tu não vais, mulhé,
— mulhé, você não vai lá..."

Maria atirou-se n´água,
Seu Manuel seguiu atrás...
— Quero a mais pichititinha!
— Raios te partam, Maria!
Essas naus são meus tesouros,
ganhou-as matando mouros
o marido da minha tia !
Vêm dos confins do mundo...
De "Oropa, França e Bahia"!

Nadavam de mar em fora...
(Manuel atrás de Maria!)
Passou-se uma hora, outra hora,
e as naus nenhum atingia...
Faz-se um silêncio nas águas,
cadê Manuel e Maria?!

De madrugada, na praia,
dois corpos o mar lambia...
Seu Manuel era um "Boi Morto",
Maria, uma "Cotovia"!

E as naus de Manuel Furtado,
herança de sua tia?

— continuam mar em fora,
navegando noite e dia...
Caminham para "Pasárgada",
para o reino da Poesia!
Herdou-as Manuel Bandeira,
que, ante a minha choradeira,
me deu a menor que havia!

— As eternas naus do Sonho,
de "Oropa, França e Bahia"...