domingo, 1 de agosto de 2010

Cara ou coroa? :: Fernando Henrique Cardoso

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em pouco mais de dois meses escolheremos o próximo presidente. Tempo mais do que suficiente para um balanço da situação e, sobretudo, para assumirmos a responsabilidade pela escolha que faremos. É inegável que a popularidade de Lula e a sensação de "dinheiro no bolso", materializada no aumento do consumo, podem dar aos eleitores a sensação de que é melhor ficar com o conhecido do que mudar para o incerto.

Mas o que realmente se conhece? Que nos últimos 20 anos melhorou a vida das pessoas no Brasil, com a abertura da economia, com a estabilidade da moeda trazida pelo Plano Real, com o fim dos monopólios estatais e com as políticas de distribuição de renda simbolizadas pelas bolsas. Foi nessa moldura que Lula pregou sua imagem.

Arengador de méritos, independentemente do que diga (quase nada diz, mas toca em almas ansiosas por atenção), vem conseguindo confundir a opinião, como se antes dele nada houvesse e depois dele, se não houver a continuidade presumida com a eleição de sua candidata, haverá retrocesso.

Terá êxito a estratégia? Por enquanto o que chama a atenção é a disposição de bem menos da metade do eleitorado de votar no governo, enquanto a votação oposicionista se mantém consistente próxima da metade. Essa obstinação, a despeito da pressão governamental, impressiona mais do que o fato de Lula ter transferido para sua candidata 35% a 40% dos votos. Assim como impressiona que o apoio aos candidatos não esteja dividido por classes de renda, mas por regiões: pobres do Sul e do Sudeste tendem a votar mais em Serra, assim como ricos do Norte e do Nordeste, em Dilma. O empate, depois de praticamente dois anos de campanha oficial em favor da candidata governista, tem sabor de vitória para a oposição. É como se a lábia presidencial tivesse alcançado um teto. De agora para a frente, a voz deverá ser a de quem o País nunca ouviu, a da candidata. Pode surpreender? Sempre é possível. Mas pelos balbucios escutados falta muito para convencer: falta história nacional, falta clareza nas posições; dá a impressão de que a palavra saiu de um manequim que não tem opiniões fortes sobre os temas e diz, meio desajeitadamente, o que os auditórios querem ouvir.

Não terá sido essa também a técnica de Lula? Até certo ponto, pois este, quando esbraveja ou quando se aferra pouco à verdade, o faz "autenticamente": sente-se que pode assumir qualquer posição porque em princípio nunca teve posição alguma. Dito em suas próprias palavras: "Sou uma metamorfose ambulante." Ora, o caso da candidata do PT é o oposto (essa é, aliás, sua virtude). Tem opiniões firmes, com as quais podemos ou não concordar, mas ela luta pelo que crê. Este é também seu dilema: ou diz o que crê e possivelmente perde eleitores por seu compromisso com uma visão centralizadora e burocrática da economia e da sociedade ou se metamorfoseia e vira personagem de marqueteiro, pouco convincente.

Não obstante, muitos comentaristas, como recentemente um punhado de brasilianistas, quando perguntados sobre as diferenças entre as duas candidaturas, pensam que há mais convergências do que discrepâncias entre os candidatos. Será? As comparações feitas, fundadas ou não, apontam mais para o lado psicológico. O que está em jogo, entretanto, é muito mais do que a diferença ou semelhança de personalidades. O quadro fica confundido com a discussão deslocada do plano político para o pessoal e, pior, quando se aceita a confusão a que me referi inicialmente entre a situação de desafogo e bem-estar que o País vive e Lula, que dela se apossou como se fosse obra exclusiva sua. Se tudo converge nos objetivos e se estamos vivendo um bom momento na economia, podem pensar alguns, melhor não trocar o certo pelo duvidoso. Só que o certo foi uma situação herdada, que, embora aperfeiçoada, tem a marca original do fabricante, e o duvidoso é a disposição da herdeira eleitoral de continuar a se inspirar na matriz originária. O candidato da oposição, esse, sim, traz consigo a marca de origem: ajudou a construir a estabilidade, a melhorar as políticas sociais e a promover o progresso econômico.

Não nos iludamos. O voto decidirá entre dois modelos de sociedade. Um mais centralizador e burocrático, outro mais competitivo e meritocrático. No geral, ambos os oponentes levarão adiante o capitalismo. Estamos longe dos dias em que o PT e sua candidata sonhavam com o que Lula nunca sonhou: o controle social dos meios de produção e uma sociedade socialista. Mas estamos mais perto do que parece de concretizar o que vem sendo esboçado neste segundo mandato petista: mais controle do Estado pelo partido, mais burocratização e corporativismo na economia, mais apostas em controles não democráticos, além de maior aproximação com governos autoritários, revestidos de retórica popular.

A escolha a ser feita é, portanto, decisiva. Como tudo indica, o teatro eleitoral está-se organizando para esconder o que verdadeiramente está em discussão. Há muita gente nas elites (vilipendiadas pelo lulismo nos comícios, mas amada pelos governantes e beneficiada por suas decisões econômico-financeiras) aceitando confortavelmente a tese de que tanto dá como tanto deu. Dê cara ou dê coroa, sempre haverá "um cara" para desapertar os sapatos. Ledo engano. Há diferenças essenciais entre as duas candidaturas polares. Feitas as apostas e jogado o jogo, será tarde para choramingar: "Ah, eu nunca imaginei isso." Melhor que cada um trate de aprofundar as razões e consequências de seu voto e escolha um ou outro lado.

Há argumentos para defender qualquer dos dois. Mas que não são a mesma coisa, não são. E não porque num governo haverá fartura e noutro, escassez, para pobres ou ricos. E sim porque num haverá mais transparência e liberdade que no outro. Menos controle policialesco, menos ingerência de forças partidário-sindicais. E menos corrupção, que mais do que um propósito é uma consequência.


Sociólogo, foi Presidente da República

Vamos ao que interessa? :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Até agora, o que se vê, lê e ouve é Dilma e o PT dizendo que José Serra deslizou para a direita e vai ter "um fim melancólico", e José Serra chamando Dilma e o PT de "trogloditas de direita" por apoiarem o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

Um candidato chama o outro de feio, de chato, de bobo, de direitista, numa profusão de adjetivos pejorativos. E nós com isso?

Enquanto eles ficam nesse rame-rame, o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) divulga relatório colocando o Brasil no terceiro pior nível de desigualdade de renda do mundo, melancolicamente empatado com o Equador. Aliás, dos 15 países com maior concentração de renda, dez são da América Latina.

Enquanto os candidatos trocam adjetivos e quebram a cabeça com estratégias mirabolantes e pegadinhas espertas, fica-se sabendo que o Brasil tem uma nota anual de 4,6 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e que muito dificilmente vai atingir a meta de chegar à nota 6 em 2021.

E, enquanto eles pensam em cabelo, maquiagem, empostação de voz e qual a próxima maldade contra o adversário, vem a informação de que 8 milhões de eleitores são analfabetos e 19 milhões declararam saber ler e escrever, mas nunca pisaram numa sala de aula.

A pior situação é no Nordeste, mas é chocante por toda a parte. Dê um pulo ali na escolinha de Sobradinho dos Melo, a meia hora do centro da capital da República, e pergunte quantos pais e mães sabem ler e escrever...

Quando o dado do analfabetismo saiu do TSE e inundou o país de vergonha, o que se perguntou é se o analfabeto (um a cada cinco eleitores) tem discernimento para votar. Mas a pergunta é outra: como os candidatos e candidatas pretendem tornar o país mais justo e quitar essa dívida com os cidadãos?

A resposta não comporta adjetivos e sim compromisso.

Sobre avacalhações:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acha que acaba virando uma esculhambação se algum país desobedecer suas leis para atender pedidos de presidentes.

E daí, presidente? Se as leis são primitivas, medievais, como a que prevê a lapidação de adúlteros e adúlteras no Irã, viva a avacalhação. Ditadura é mesmo para ser avacalhada.

O presidente sabe disso. Tanto sabe que, em seus tempos de sindicalista, deu valiosa contribuição para avacalhar a ditadura militar, ao desafiar suas leis e, mais ainda, o arbítrio não previsto nem mesmo nas leis de exceção.

Além disso, não achava avacalhação pedir a solidariedade de sindicatos e autoridades estrangeiras.

Inúmeros companheiros seus, na época, também recorreram a governantes estrangeiros para tentar pressionar a ditadura. Ou avacalhá-la, se o que vale é a nova e atual versão de Lula.

Conheço pelo menos um caso de ex-preso político, torturado, que agradece até hoje a ação do então presidente norte-americano Jimmy Carter para afrouxar as regras da ditadura (ou avacalhá-las, diria o Lula-2010) e preservar a sua vida.

Os militares rangeram os dentes, reclamaram, espumaram, mas a vida seguiu, as relações diplomáticas, econômicas e comerciais só fizeram melhorar com o passar dos anos, até porque, como diz o chanceler Celso Amorim, "negócios são negócios". Princípios, bom, aí é outra história.

Ditaduras são, se o leitor me perdoa a incorreção política, como se dizia ser a mulher do malandro: a gente pode até não saber porque está batendo, mas elas sempre sabem porque estão apanhando.

Logo, Lula não precisa ter medo de perder negócios se fizer com a ditadura iraniana, como presidente, o que fazia com a brasileira, como opositor. Ajudaria a não avacalhar a sua própria biografia.

Ronda ostensiva :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não adianta a candidata Dilma Rousseff fazer profissão de fé pública em prol da liberdade de imprensa nem será convincente o ato do PT de retirar do programa para o próximo governo a instituição de controles sobre os meios de comunicação, se o presidente do partido gesticula no sentido oposto.

Imagina-se que falando em nome do PT e da campanha da qual é um dos principais coordenadores – integrante do grupo chamado “G-7” para designar os mandachuvas –, José Eduardo Dutra anuncia que está vigilante em relação ao que é publicado ou veiculado em jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão.

Tudo aquilo, avisa, que “extrapolar a liberdade de expressão” será questionado pelo partido na Justiça.

Todos os dias há gente esquadrinhando tudo o que é dito e escrito. Já como fruto do pente-fino, há dois pedidos de direito de resposta à revista Veja e uma solicitação – frustrada – de censura a um vídeo (o que mostra o vice de José Serra dizendo que o PT tem parte com terroristas colombianos) do portal Folha.com.

Causa espécie não o recurso à Justiça.

Este está aí à disposição de quem quiser exatamente para que os ofendidos acorram a ele e a Justiça arbitre quem tem razão.

O que chama atenção é a concepção petista de liberdade de expressão. Pelo que se depreende desta e de outras manifestações de José Eduardo Dutra a respeito do tema, tudo o que fugir do estritamente informativo, tudo o que recender a opinião, interpretação, exercício de discernimento e lógica pode ser enquadrado à categoria do que “extrapola a liberdade de expressão”.

De onde é possível observar também a concepção petista sobre liberdade. É tudo aquilo que não condiz com o interesse do partido. O que sai fora desse limite, extrapola.

O mesmo José Eduardo Dutra, ao defender o ponto de vista da necessidade de se instituir controles sobre os meios de comunicação, disse há 15 dias que as cadeias de rádio e televisão são “pouco afeitas” ao pluralismo. Citou como exemplo a revista Veja, que na visão dele não tem sido “plural”.

Quer dizer, tem externado pontos de vista que desagradam ao PT. Na ocasião, Dutra acrescentou: “Isso é uma constatação. O que vamos fazer, vamos censurar? Claro que não, mas tenho também a liberdade de poder expressar minha opinião. O fato é que a liberdade de imprensa é irrevogável, ponto.”

Sim, é irrevogável não porque o senhor Dutra tenha determinado, mas porque assim garante a Constituição.

Constituição esta vilipendiada quando o presidente da República, filiado ao PT, extrapola e usa o cargo para fazer política partidária.

Pois esse partido que mal consegue se manter na legalidade é que se arvora em patrulheiro dos limites da liberdade de expressão. Diz Dutra sobre sua contrariedade com os que não assentem ao seu partido: “Vamos censurar? Claro que não.”

Se tivessem nas mãos o tal conselho para fiscalizar a imprensa que tentaram instituir no início do primeiro mandato de Luiz Inácio da Silva, claro que sim, certamente iriam restringir a publicação daquilo que, no entendimento do conselho, extrapolasse. Não alguma lei, note-se, mas o conceito petista de liberdade de expressão.

E isso não é uma ilação, é – para usar palavras de José Eduardo Dutra – uma constatação.

Se não, para que a insistência nos controles? Por que ao falar sobre eles o presidente do PT invoca justamente o espírito crítico da imprensa?

Poderia falar a respeito de coisas que deseducam a população, sobre agressões ao idioma, linguagem chula. Ainda que equivocado, mas bem-intencionado, poderia abordar a distorção dos melhores princípios, os excessos do consumismo, o desrespeito ao próximo, mas não.

Ataca apenas um ponto: o senso crítico exercido de maneira contrária ao que seria de interesse do PT.

Não é por acaso. Inclusive porque durante toda a trajetória de Lula e do PT, em especial na campanha presidencial de 2002 e logo após a posse antes dos primeiros escândalos, enquanto a impressa fez vista grossa às peripécias petistas e ajudou a construir e exaltar o mito Lula – depois exportado mundo afora –, o partido nunca reclamou.

Primeira lição de economia:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Ainda em Pernambuco, na juventude que ficou para trás, conta o presidente Lula que comprava cerveja em supermercado, punha as garrafas num balde, deixava-as resfriar num poço e se beneficiava da diferença de preço, para mais, quando as revendia. Quando chegou ao Planalto, aplicou o princípio em escala social e alavancou as categorias sociais D e E ao nível que permite ao pessoal botar o pé na letra C (que deve querer dizer consumo). Lembra que (com ele) o Brasil melhorou, e hoje existem geladeira e energia elétrica, sem esquecer a cerveja, nos pontos mais distantes da geografia nacional.

O presidente antecipa, em cinco meses, que vai deixar ao seu sucessor um país infinitamente mais sólido, justo e democrático. Não explicou o que quer dizer mais sólido e se esqueceu do aumento da produção de cerveja, que deixou o Brasil ainda mais líquido. Mais justo, sem ofensa à Justiça, no plano social, sim. Mostrou resignação democrática por três candidaturas sem sucesso e aceitou a reeleição, à qual era visceralmente contrário, antes de ter o mandato na mão.

Não foi por nenhuma razão menos digna que o eleitorado estranhou Lula por tanto tempo, mas por certa culpa, mais do petismo do que do lulismo. Também não teve a ver com o passado sindical, nem com o viés de esquerda que costurava o sindicalismo mais rico do Brasil. A desconfiança data do exercício entediado do mandato de constituinte. A velha retórica de luta de classes e a recusa da bancada petista em assinar a Constituição (e depois assinando na moita) caíram mal. Assim sendo, o fator oculto que o elegeu e com o tempo vai ficar mais claro foi a inércia do PSDB em estampar o selo da social-democracia nas transformações de natureza econômica e social que trouxeram alívio geral. A democracia, por sua vez, veio a eleger Luiz Inácio Lula da Silva já vacinado contra radicalismos, conforme a carta mais importante depois daquela de Pero Vaz de Caminha remetida aos brasileiros, e que deixou mal a própria direita. Se Lula se farta de popularidade, pode agradecer à apatia da oposição, que nada percebeu quando estava no governo e, de fora, nem sabe mais onde está.

Ao revelar como venceu a última crise internacional que parecia gripe e sabe-se agora não passou de resfriado (graças à diferença de preço entre a cerveja quente e a gelada) Lula estabeleceu que o que vale no Nordeste, vale em qualquer outra parte (exceto nos polos Norte e Sul, onde a cerveja fria pede tratamento inverso). A eleição de Lula destravou a democracia e balizou o caminho em que a política e a economia não perdem de vista o consumo, a razão de ser que o capitalismo inventou antes da teoria. O presidente Lula provou que, mesmo pela direita, é possível ir longe sem fechar o caminho de volta.

Gilberto Freyre e FHC :: Joaquim Falcao

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Fernando Henrique vai fazer a conferência de abertura da Festa Literária de Paraty este ano em homenagem a Gilberto Freyre. Esta conferência está atrasada mais de vinte anos. Na verdade, em início dos anos oitenta, quando do Seminário de Tropicologia, Gilberto convidou Fernando Henrique para ser um dos conferencistas, em data que lhe aprouvesse. Fernando Henrique nunca veio. Naquela época Gilberto, com mais de 80 anos, se preocupava com o futuro de sua obra. Queria ampliar a base do reconhecimento intelectual, que fosse a mais ampla possível, mesmo entre os contrários, ou quase contrários, ou não aficionados, diria ele.

É nesta época que aceita e vem outro grande intérprete do Brasil, Raymundo Faoro, falar no mesmo seminário. É desta época também que Gilberto começa, bem a seu estilo, a dar mais ênfase, a alardear, talvez, que o melhor dos prefácios de Casa Grande e Senzala é o de Darcy Ribeiro para a edição venezuelana. Não somente porque é uma explosão de inteligência, mas também por ser paradigma de grande generosidade entre contrários, própria do verdadeiro cientista social que Darcy sempre foi, ambos Gilberto e Darcy unidos pelo pés encharcados de Brasil. Darcy, cientista de matriz marxista, esquerdista capaz de superar os limites das paixões ideológicas e políticas. Um libertário de si próprio. A vinda, que não veio, de Fernando Henrique, seria um momento importante na estratégia da pluralização da base de reconhecimento de Gilberto. Sobretudo em seu próprio país.

Veio, porém o importante antropólogo sociólogo Luiz Fernando Baeta Neves, que a certa altura afirmou, na sala cheia, que o importante para Gilberto Freyre, ele de corpo e atenção presentes, não era ter mais homenagens, tanto já as tinha. O importante era ter seguidores. Jovens pesquisadores, cientistas sociais dos mais diversos matizes capazes de continuar, aperfeiçoar, modernizar, contradizer dialeticamente, buscando novas sínteses e olhares de sua pioneira interpretação do Brasil.

Gilberto prestava toda atenção, curvo assentado na cadeira como de seu feitio, cabeleira branca, braços apoiados e longos dedos entrelaçados, com ouro anel fidalgo, saboreando a fecunda e ousada tese de Luiz Felipe. Quando na sala, houve quem em voz alta, e com autoridade familiar, logo interrompesse o conferencista: Gilberto precisa sim de muito mais homenagens. Foi um lapso silêncio constrangedor. Gilberto continuou impávido.

As homenagens passam, os seguidores continuam. Desdobram-se, revivem e vivificam. Homenagens enchem vitrines, currículos e criam museus. Os seguidores fazem a pauta do futuro. A glória antecipada de um intelectual é experimentar ainda vivo a sensação de que seu pensamento, sua inovação, seu insight, seu esforço físico e mental vai se continuar e se desdobrar para além de si. Seja nas instituições que ajudou a criar seja nas ideias que trouxe às gerações. Homenagem é efeméride, isto é, efêmero, dura um dia só. Voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar.

Sua ambição aos oitenta anos era além das ressurgências e insurgências, a permanência diante de sua pressentida iminente e definitiva ausência. Gilberto bem sabia. O intelectual, o pesquisador, o cientista social, sua ambição não era mais a insurgência ou ressurgência. Era a permanência. A presença de sua ausência, diria Proust.

Fernando Henrique sempre integrou a marxista USP. Mas Gilberto bem o poupou. Em seu novo livro De Menino a Homem, é explicito. Critica os cientistas sociais de São Paulo por seus submarxismos sectariamente ideológicos. Mas ressalva: O que de modo algum inclui um marxista do tipo de Fernando Henrique Cardoso. Gilberto provavelmente intuiu e distinguiu o marxismo democrata e pacificador de Fernando Henrique, formador de gerações, encaminhador de nações e de mundos, dos submarxismos acadêmicos. Não poderia nunca desdialogar com ele.

Fernando Henrique retribuiu vários dos acenos de Gilberto em sua direção. Acabou por escrever o prefácio da 47ª edição de Casa Grande e Senzala, com o sugestivo título de Um Livro Perene. Edson Nery da Fonseca, responsável, tudo confirma, pelas excelentes notas bibliográficas, ou melhor, autobiobibliográficas. Notas biobibliográficas de Edson sobre Gilberto no fundo são notas autobiobibliográficas tanto que juntos são, foram e sempre serão.

Em Paraty, nesta semana, teremos um momento de ressurgência para usar palavra tão cara a Gilberto. Resta saber se teremos os de convergência, que ele tanto ainda espera. Olhares vivos, de lá a espiar, como menino quase moleque.


» Joaquim Falcão é professor da Escola de Direito da FGV-RJ

Lendo o passado:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Dias atrás, Roberto da Matta e eu concordamos sobre a frase que mais gostamos no livro Paris é uma festa, de Hemingway: todas as gerações são perdidas. No contexto, a frase ganha em beleza e significado. Minha geração se perdeu entre dois horrores: a ditadura e a hiperinflação. Vivemos entre eles nossa infância, adolescência e juventude. Já éramos maduros quando a inflação foi derrubada.

A maioria dos brasileiros de hoje não viu a ditadura que tornava qualquer pequena rebeldia em ato contra a segurança nacional.

Tem apenas vagas lembranças, ou relatos da família, sobre a hiperinflação que tornava cada ato banal da vida, como fazer as compras do mês, pagar as escolas das crianças, planejar as férias de fim de ano, um enorme tormento que exigia cálculos, perícia e capacidade de prever o imprevisível. Hoje, quando a preocupação que mobiliza os analistas é se a inflação do ano ficará um ponto ou 0,75 ponto percentual acima dos 4,5% da meta, parece delirante aquele cotidiano.

Mês passado, na cidade em que nasci, me encontrei com sete amigos de adolescência.

Éramos nos anos 70 jovens românticos com a dose certa de rebeldia e inquietação de uma juventude saudável. Nosso maior desafio à ordem vigente era ler tudo o que conseguíamos ler, e passar horas em discussões infindáveis sobre como enfrentar o poder militar, como se tivéssemos essa força. Nos relatos dos serviços secretos do regime, fomos definidos como o grupo Caratinga, e tratados como ameaça ao regime.

Tempos depois fomos todos presos; alguns sofreram muito. O reencontro foi para uma delicada homenagem da cidade. Na praça principal foi colocada uma placa com nossos nomes e a frase: Para que não se esqueça e nunca mais aconteça. O difícil foi explicar para os jovens o que o grupo tinha feito de tão ameaçador.

Eles não entendiam como nossos pequenos atos de contestação poderiam ter levado alguém à prisão. Pois é. Era outro tempo, felizmente findo.

Saímos do horror político para o econômico. No início do período democrático a inflação disparou chegando à hiperinflação.

Outro dia, vi um ministro do atual governo acusar um dos seus críticos de ter criado a hiperinflação. É preciso não ter entendido coisa alguma do complicado processo para achar que aquela longa doença foi imposta pela ação de uma só pessoa. Ela nasceu dos equívocos cometidos ano após ano na economia brasileira. Uma de suas raízes foi, sem sombra de dúvida, a desordem fiscal deixada como herança pelos militares. Eles achavam que o Estado tinha o poder de forçar o crescimento econômico através da distribuição de favores, subsídios e dinheiro público a algumas empresas escolhidas. Eles achavam que era inofensivo criar atalhos na contabilidade do dinheiro público, através dos quais se gastava muito sem que isso aparecesse nas contas públicas. Eles estavam convencidos de que bancos públicos e empresas estatais devem ser braços do governo para políticas públicas discutíveis, e que podem emprestar dinheiro umas às outras na base da camaradagem.

O país perdeu anos para entender o mal feito e sanear os enormes e intrincados passivos que ficaram desse período do voluntarismo econômico e de descuido fiscal. Uma lição foi que a conta não aparece de imediato. Num primeiro momento, tudo parece até meritório já que o país cresce em marcha forçada. A segunda lição é que a conta sempre chega.

A economia não aceita desaforos.

Ela os devolve em forma de inflação, recessão, desequilíbrios.

O pior que pode acontecer a uma geração é não saber onde foi que ela se perdeu. Na política, o erro foi a falta de respeito à democracia representativa.

Com todos os defeitos que tenha, seus rituais têm que ser seguidos rigorosamente.

Decisões da Justiça têm que ser cumpridas. Limites à ação do governante têm que ser respeitados.

Palavras dos líderes de menosprezo às instituições devem ser evitadas.

O cientista político Jorge Castañeda, no debate com Roberto da Matta que mediei, disse que o governo da Venezuela não pode ser descrito como uma ditadura, como aquelas que a América Latina viveu nos anos 70, mas não é mais uma democracia. O entendimento de quanto Hugo Chávez está minando as bases democráticas é fundamental para se saber que erros evitar. Seu ataque sistemático à independência dos poderes, à liberdade de imprensa são perigosos demais num continente onde a democracia é recente e de presença errática.

Não por acaso é a Venezuela que vive a maior inflação do continente. Pode chegar a 40% este ano.

Não por acaso é o país onde o presidente decide que empresas devem viver, atuar, investir; ou que empresas terão seus bens estatizados.

O Brasil sabe o que deve evitar. Em alguns dos seus atos, o governo atual tem perigosamente repetido o intervencionismo econômico, a distribuição de favores às empresas, a criação de atalhos fiscais que nos levaram à longa doença econômica. Hoje, tudo parece festa. O Brasil é uma festa. Só não vê os riscos os muito jovens.

Os que repetem hoje os erros de ontem nem podem alegar desconhecimento.

Eles viram o resultado.

Pertencem às gerações que perderam anos no esforço de corrigir o legado dos equívocos econômicos.

Uma geração pode ser considerada definitivamente perdida quando comete duas vezes o mesmo erro. É o que me assusta quando vejo velhos desvios repetidos no tempo presente.

Entrevista: Fernando Henrique Cardoso

DEU EM O GLOBO

"No poder, o PT virou social-democrata"

Em livro, o ex-presidente FH diz que a diferença ideológica entre petistas e tucanos é "pequena e simbólica"

Em seu novo livro Xadrez Internacional e Social-Democracia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso discorre sobre as transformações mundiais das últimas décadas para destacar como os programas de bem-estar social típicos da social-democracia foram aplicados por governos de todas as orientações políticas. Quando a discussão chega ao Brasil, ele busca derrubar uma tese petista: a de que o governo Lula é do povo e o governo FH foi neoliberal. Chama o PT e o presidente Lula de social-democratas à moda latino-americana.

As críticas de FH não poupam o candidato de seu partido, José Serra. Para ele, a campanha presidencial foi sequestrada pelos marqueteiros, os discursos dos principais candidatos se uniformizaram e não há debate intelectual sobre o Brasil do futuro: São só imagens, imagens, e não se acha nada. Não tem política.

Gilberto Scofield Jr.

O GLOBO: Qual é, afinal, o papel da social-democracia no xadrez internacional?

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO: O bem-estar do continente e do mundo em parte se deve às políticas social-democratas, que acabaram sendo absorvidas como políticas de Estado. Não é tanto o Estado produtor, mas o socialmente provedor, que ainda tem um efeito enorme em toda a Europa Ocidental.

E aqui?

FERNANDO HENRIQUE: Nenhum partido aqui, durante esta campanha eleitoral, fala em social-democracia. Nem o PSDB, cujo nome leva a socialdemocracia.
E muito menos o PT, que tem horror, ou pelo menos tinha, historicamente. Hoje, o partido pratica a social-democracia, mas ele tinha horror ideológico, porque achava que não era revolucionário.

As políticas atuais de transferência de renda não são políticas da esquerda típica?

FERNANDO HENRIQUE: O mais curioso é que essas políticas, essas bolsas todas, foram desenhadas pelo Banco Mundial. Não são políticas que vêm da esquerda. Mesmo as teorias do Suplicy de renda mínima sempre foram apoiadas pelos economistas mais liberais. Aqui, ninguém nem fala se é liberal ou não, mas o fato é que 15 países da América Latina aplicam essas políticas. O ideal não é prorrogá-las ad infinitum. É você criar emprego, educação e saúde. Não se pode deixar de lado as universais políticas europeias de bem-estar. Então, tem que se ter uma combinação entre políticas universais e políticas específicas. Está acontecendo isso no Brasil. Atabalhoadamente, mas está acontecendo. E o resultado é positivo.

Mas a utilização desses programas ocorre hoje independentemente da natureza política dos governos.

FERNANDO HENRIQUE: Isso é o mais interessante. Essas políticas de inspiração socialdemocrata passaram a ser patrimônio (dos governos).

Em seu livro, o senhor diz: "Nas correntes de esquerda latinoamericanas, a questão democrática sempre foi minimizada pelo desafio maior do crescimento econômico e, sobretudo, pelo da redução das desigualdades". A julgar pelo que acontece na Venezuela e, em menor escala, na Bolívia e no Equador e até mesmo na Argentina essa concepção ainda persiste, certo?

FERNANDO HENRIQUE: O PT e o Lula eram um pouco assim. No passado, a questão fundamental para eles era o trabalho. Depois, com o tempo, eles evoluíram. Hoje, são social-democratas à moda latinoamericana. Todos nós somos, e a diferença ideológica é pequena e simbólica. O que ocorre na Venezuela e na Argentina são escorregões democráticos fenomenais. Mas isso eu não chamo de socialdemocracia, porque a socialdemocracia aceitou o mercado com limite, a democracia como valor e a necessidade imperativa de políticas sociais para melhorar a qualidade de vida da população.

E o que a América do Sul vive hoje, afinal?

FERNANDO HENRIQUE: Esses regimes são uma espécie de recaída num estatismo com certo autoritarismo. Acreditam na supressão do movimento da sociedade como motor.
E na crença de que o Estado ou o partido são o motor, minimizam o mercado, minimizam a democracia e fortalecem o Estado, numa espécie de capitalismo burocrático. É curioso que nenhum deles propõe realmente o socialismo.
Ninguém propõe o controle social dos meios de produção e nem mesmo se fala em classe operária.

Mas, em alguns países, há uma tentativa de controle do Estado sobre os meios de comunicação.

FERNANDO HENRIQUE: É verdade, mas note que é pelo Estado, não é pela sociedade.

No livro, o senhor afirma: "Com o tempo, mantidas as regras do jogo, haverá uma distinção cada vez maior entre as democracias capazes de oferecer resultados concretos à população, as democracias formais tradicionais e os regimes baseados na discricionaridade dos chefes de Estado ou do partido dominante, tenham eles ou não preocupações sociais mais fortes". Onde se insere o Brasil?

FERNANDO HENRIQUE: Acho que estamos no primeiro grupo. O problema é nos mantermos ali. E que não tenhamos tendências regressivas. Porque há surtos. Nós caímos neste primeiro grupo porque o mercado brasileiro é forte, assim como as empresas e a sociedade.
Tanto é que, uma vez no poder, o PT virou social-democrata. Não assume que é.

No capítulo seis do livro, o senhor faz enfática defesa do Programa Nacional de Desestatização, das agências reguladoras e da profissionalização das estatais, três itens que não apenas per deram importância no governo atual, como vêm sendo ferozmente criticados pelos partidos da situação na campanha eleitoral.

FERNANDO HENRIQUE: Perderam importância. As agências reguladoras acabaram.
E o que está acontecendo na área financeira governamental, advindo disso, é uma coisa complicada. Como você quer financiar o pré-sal, o trem-bala, (a usina de) Belo Monte, dar aumento de salário, financiar o BNDES com o Tesouro em operações subterrâneas, tudo ao mesmo tempo? Vão criar problemas no futuro.

"Precisamos pensar as mudanças no Brasil"

O senhor comenta no livro a necessidade de o Brasil dar a virada que vai levá-lo a uma outra etapa de desenvolvimento. Qual a mensagem?

FERNANDO HENRIQUE: Vamos trocar os recursos do présal por neurônios. Vamos educar, porque, se não tivermos gente com capacidade criativa, não temos como competir no mundo do futuro. Acho que temos chance, mas a virada vai depender menos do motor da economia, que já temos, e muito mais de coisas menos perceptíveis, como segurança, jurídica e pessoal, aperfeiçoamento das instituições políticorepresentativas, melhora na governança do país, fortalecimento dos órgãos regulatórios, reforma educacional com mudança no que se ensina. Ainda falta uma compreensão mais clara do que os americanos chamam de tipping points, aqueles pontos que, mexendo ali, desencadeiam processos cumulativos. Precisamos pensar as mudanças no Brasil.

E por que não se está discutindo isso na campanha?

FERNANDO HENRIQUE: O que você tem hoje é uma espécie de camisa de força, criada pelas campanhas passadas, que é a obrigatoriedade de fazer pesquisas, saber o que as pessoas querem e repetir na campanha os pontos que o povo quer. Todo o esforço dos marqueteiros é não discutir problemas que possam dividir. E toda a discussão intelectual divide. Então, é um teatro onde as pessoas vêm devidamente maquiadas, fantasiadas, para dizer, como se fossem ventríloquos, aquilo que se acha que o povo quer ouvir. Cadê a liderança política? Com liderança, você não tem que repetir o que os outros querem. Você tem que convencer os outros da importância dos seus valores. Tenho dito isso para meu candidato, o Serra, que ele tem condição de falar na TV o que acha. Porque as pessoas não estão mais acostumadas a saber o que os outros acham. Ninguém acha nada. No fundo, todos os discursos ficam iguais. São só imagens, imagens, e não se acha nada.Não tem política.

Serra diz que Cesar Maia fez falta na questão dos royalties

DEU EM O GLOBO

Duilo Victor

O candidato à Presidência José Serra (PSDB) esteve ontem em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, onde dividiu pela primeira vez, desde o início oficial da campanha, palanque com Fernando Gabeira (PV), candidato a governador, e elogiou e pediu votos para candidato ao Senado Cesar Maia (DEM).

Ao defender a candidatura de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio que lidera com Marcelo Crivella a pesquisa Ibope para o Senado , Serra criticou a atuação do Congresso Nacional na discussão da emenda que propôs a redivisão dos royalties de petróleo.

O companheiro de chapa de Cesar, Marcelo Cerqueira (PPS) não foi ao evento, no salão do Campo Grande Atlético Clube.

Tivéssemos o Cesar lá, já como senador, não teria o Rio enfrentado esse absurdo que é o projeto que corta praticamente os royalties do petróleo do estado.

Faltou, no Congresso Nacional, por que não dizer, uma defesa adequada e firme dos parlamentares disse Serra.

Ao lado do vice, Indio da Costa, e da candidata a deputada estadual Lucinha (PSDB), que tem reduto eleitoral na região, Serra prometeu construir um ambulatório, instalar programa de atendimento pré-natal e uma escola técnica. Gabeira, que há dois anos havia chamado a candidata de analfabeta política, dividiu palanque com a vereadora.

Ao lado de Zito, tucano pede votos na Baixada

DEU EM O GLOBO

Em Caxias, candidato à Presidência evita ataques a Lula e Dilma

Natanael Damasceno

Pela manhã, o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, participou de uma caminhada em Duque de Caxias organizada pelo prefeito do município, o tucano José Camilo Zito. Numa mudança de postura desde o início da campanha, o candidato não atacou o governo Lula ou a candidata do PT, Dilma Rousseff. Serra pediu votos, fez promessas para a Baixada Fluminense e minimizou os resultados da pesquisa Ibope, encomendada pela TV Globo e pelo jornal O Estado de S. Paulo, divulgada anteontem.

Não analiso pesquisa nenhuma porque é um vaivém.

Cada dia tem uma pesquisa, cada dia tem um resultado. Eu não comento. O importante é a pesquisa da urna e a nossa campanha disse Serra.

A pesquisa mostrou a adversária Dilma Rousseff, do PT, com 39% das intenções de voto; Serra, com 34%, e Marina Silva (PV), com 7%.

Serra e Zito caminharam por mais de uma hora, acompanhados do vice, o deputado federal Indio da Costa (DEM), e por centenas de pessoas. O tucano prometeu levar para a Baixada, se eleito, quatro Ambulatórios Médicos de Especialidades (AME), uma delas em Caxias. Serra defendeu ainda a instalação do Instituto Nacional do Câncer (Inca) no município, a transformação da malha de trem urbano em metrô de superfície e a criação de faculdades.

Serra diz que não fala de 'vaivém' das pesquisas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Alfredo Junqueira

O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, recusou-se a comentar o resultado da pesquisa do Ibope, encomendada pelo jornal "O Estado de S. Paulo" e pela TV Globo, divulgada na noite de sexta-feira e que o deixou a cinco pontos porcentuais de sua principal adversária, a petista Dilma Rousseff. Pela primeira vez, o tucano aparece atrás da candidata do PT em uma sondagem do instituto, fora a margem de erro de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo. De acordo com o Ibope, Dilma está com 39% nas intenções de voto, contra 34% de Serra.

Ao contrário do presidente de seu partido, Sérgio Guerra, que ontem mostrou preocupação com o resultado, Serra disse que não comenta "pesquisa em nenhuma situação, porque é um vaivém. Cada dia tem uma pesquisa, cada dia é um resultado. Eu não comento porque pesquisa vai, pesquisa vem, e o importante é a pesquisa da urna". Serra participou de caminhada na periferia da cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ele estava acompanhado do prefeito do município e presidente do PSDB fluminense, José Camilo Zito, e de seu candidato a vice, o deputado federal Indio da Costa (DEM).

O candidato do PSDB prometeu que, se eleito, vai instalar policlínicas na região, criará unidades específicas para realização de exames médicos, transformará os trens urbanos que atendem a Baixada Fluminense em metrô de superfície e investirá em programas de ensino técnico e profissionalizante.

A caminhada foi organizada por Zito, que em um trio elétrico pedia votos para sua mulher e filha, candidatas à Assembleia Legislativa e à Câmara dos Deputados, respectivamente, e para Serra. Apesar do PSDB no Rio oficialmente apoiar a candidatura do deputado federal Fernando Gabeira (PV) ao governo, Zito não citou o nome dele nenhuma vez. Mesmo o material de campanha espalhado pelas ruas não fazia qualquer alusão ao candidato verde. Os aliados do prefeito e a estrutura do PSDB na cidade estão a serviço da candidatura de Sérgio Cabral Filho (PMDB), que busca a reeleição apoiado pelo presidente Lula. Serra chegou quando a caminhada já percorria as ruas da cidade há mais de duas horas. Ficou no local durante pouco mais de uma hora. O tucano não quis falar no microfone e passou o tempo todo cumprimentando moradores que acompanhavam o evento da porta de suas casas.

Maia afirma não crer em vitória de Serra no 1º turno

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DO RIO - Em evento de campanha do DEM no Rio com a presença de José Serra, o ex-prefeito Cesar Maia (DEM), que disputa o Senado, disse que não acredita mais que o candidato do PSDB à Presidência vença no primeiro turno.

A afirmação foi feita após perguntas de jornalistas sobre a presença de Fernando Gaveira (PV), candidato da aliança ao governo do Estado e aliado de Marina Silva (PV), no palanque de Serra.

Para o ex-prefeito, com um cenário de disputa entre o tucano e Dilma Rousseff (PT) no segundo turno, deixa de fazer sentido a crítica de que Serra não teria um candidato a governador a apoiá-lo exclusivamente no Rio.

Anteontem, uma pesquisa Ibope mostrou Dilma cinco pontos à frente de Serra.Mais cedo, ao participar de caminhada ao lado do vice, Índio da Costa, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Serra minimizou os dados. "Cada dia é um resultado. O que importa mesmo é a pesquisa de urna."

Serra: aposta no currículo

DEU NA ZERO HORA (RS)

Um governante inovador, avesso a apadrinhamentos políticos e com sensibilidade social. Assim Serra será apresentado nos primeiros programas da propaganda eleitoral no rádio e na TV. Além de destacar a experiência acumulada pelo tucano como ex-governador e ex-ministro, a equipe de marketing do PSDB irá mostrar depoimentos de pessoas beneficiadas por iniciativas de Serra.

A propaganda irá enfatizar a biografia dele, mas também mostrar como ele criou formas de ajudar as pessoas resume um auxiliar da campanha tucana.

Nas imagens já coletadas em 10 Estados, há manifestações de pacientes operados nos mutirões das cirurgias de catarata, doentes crônicos beneficiados pelos medicamentos genéricos e por outros programas criados na gestão de Serra no Ministério da Saúde.

Durante passagem por Curitiba, na semana passada, o tucano gravou imagens na Pastoral da Criança. A equipe comandada pelo marqueteiro Luiz González pretende usar o material como antídoto à exaustiva exploração que o Bolsa-Família terá na propaganda do PT. A ideia é mostrar que Dilma nunca gerenciou programas sociais.

Os dois estão aí para serem comparados. De Dilma, não se conhece nenhuma grande atuação afirma o presidente do PSDB, Sérgio Guerra.

A propaganda tucana também pretende convencer o eleitor de que, no governo Lula, Dilma não conseguiu destravar gargalos na infraestrutura do país. Boa parte das críticas será direcionada ao PAC, uma das principais grifes da petista.

Jarbas: Não contesto números

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Ao comentar pesquisa do Ibope, peemedebista admite que demora em anunciar candidatura pesou negativamente, mas aposta em reverter a situação

Roseanne Albuquerque

PETROLINA. Diante da nova pesquisa Ibope, divulgada na sexta-feira, que registrou uma acentuada vantagem do governador-candidato Eduardo Campos (PSB) na disputa estadual 60% contra 24% o candidato do PMDB, Jarbas Vasconcelos, se mostrou tranquilo. Ele disse ter consciência que os resultados refletem um momento, e que durante a campanha, com as caminhadas e o reforço do guia eleitoral de rádio e TV, os números podem ser revertidos. Faltam 64 dias para a eleição. O guia começa dia 17 e estamos preparando um material bonito e competente, propositivo. Se esse guia não for assimilado pela população, paciência. Eu não posso arrumar bode expiatório. Eu demorei a me definir, reconheceu.

No seu segundo dia de visita ao Sertão do São Francisco, ontem, Jarbas lembrou que uma pesquisa divulgada na semana passada revelou que 25% do eleitorado do Recife não sabia que ele era candidato, enquanto Eduardo Campos tem todas as forças, usa muito a mídia e tem um amplo palanque. É normal que os números apareçam contra mim, não contesto. Mas pesquisa para valer tem que vir depois de dez, quinze dias do guia. Tenho tempo para reverter a situação, acrescentou Jarbas, pouco antes de seguir para a festa de lançamento da campanha do aliado Oswaldo Coelho (DEM) a deputado federal. Antes, ele conversou com feirantes da Cohab Massangano, e tomou um reforçado café da manhã no Galinhódromo, acompanhado da candidata a vice, Miriam Lacerda (DEM), e ao Senado, Marco Maciel (DEM) e Raul Jungmann (PPS).

Jarbas advertiu sobre a necessidade de uma reforma política urgente para o País, porque enquanto não houver coerência, fidelidade partidária, vamos continuar presenciando essas legendas de aluguel. Qualquer um vai fazer base parlamentar na base da negociata. Sobre o PMDB, ele foi categórico. É um aglomerado de pessoas, algumas comandadas por Michel Temer e José Sarney. Não tem nada pior para mim, senador da República, que sentar na minha cadeira e olhar Sarney presidindo o Senado, como se nada tivesse acontecido, disparou.

Após as andanças pelo sertão, Jarbas criticou a paralisação de obras de irrigação e de outras financiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Lula esteve por dois dias no sertão com Dilma. Eu visitei os mesmos locais e encontrei as obras paradas, disse. A saúde por onde se anda é um caos. A educação, em relação ao Nordeste, está numa das piores situações. E na segurança, a redução de homicídios acontece aqui como tem acontecido em todo o país, até mesmo por conta do estatuto do desarmamento. Mas pergunta aqui (em Petrolina) e no Recife, se a pessoa está segura ao sair de casa. Os índices de sequestros relâmpagos, assaltos e roubos não estão aparecendo. É mídia. Quando começar a mostrar no guia, a população vai saber que não está bem, avaliou.

Dilma e Serra tentam tirar diferença

DEU NO ESTADO DE MINAS

Denise Rothenburg, Izabelle Torres

Brasília Os candidatos a presidente da República aproveitam o período anterior aos debates e ao horário eleitoral gratuito de rádio e TV para tentar tirar a diferença onde o adversário predomina. Na última semana, por exemplo, a candidata do PT, Dilma Rousseff, investiu pesado no Sul do país, única região em que ela apresentou uma queda na pesquisa de intenção de voto divulgada na sexta-feira pelo Ibope. Enquanto isso, o tucano se dedicou a caminhadas em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, onde a petista aparece com uma vantagem de 19 pontos sobre Serra.

No Sul, Dilma caiu de 35% para 31% segundo o Ibope, enquanto Serra subiu de 42% para 46%, o que elevou de sete para 15 pontos percentuais a diferença entre os dois candidatos. Coincidentemente, o presidente Lula concentrou a sua agenda em cidades sulistas na semana que passou. O presidente foi a Santa Cruz do Sul (RS), onde visitou microusinas de biodiesel e falou da produção de alimentos. De lá, seguiu para Porto Alegre, onde participou de um comício com Dilma. Ontem, Lula e Dilma apareceram juntos novamente em Curitiba, no Paraná, onde o presidente prometeu ajudar ainda o candidato a governador, Osmar Dias (PDT).

Nos dois discursos nos palanques sulistas, Lula criticou as elites e fez apelos ao voto feminino. "O Paraná poderia contribuir e ser um estado que ajudou a vencer o preconceito contra a mulher. Afinal, o governo da Dilma não terá a minha cara. Terá a cara dela e mais mulheres no governo", afirmou. "Somos diferentes do outro candidato, que representa as elites. Se alguém tem simpatia por mim, é só comparar o que somos hoje com o passado", comentou Lula.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, Serra caminhou por mais de três horas ao lado do prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito dos Santos (PSDB), e do candidato a vice-presidente, deputado Índio da Costa (DEM-RJ).

Estratégias. Articuladores políticos dos candidatos afirmam que a ideia é aumentar o número de visitas aos estados em que as pesquisas mostram alguma desvantagem e nos discursos tentar buscar uma identidade entre eles e a região. Foi o que fizeram ontem. Dilma lembrou das suas visitas ao Paraná na época da ditadura e disse que a região lhe trazia muitas lembranças. O PT estadual tratou de divulgar fotos em que Lula aparecia na região da Boca Maldita nos anos 80 quando tentava divulgar o recém-nascido PT. Serra por sua vez frisou diversas vezes durante a caminhada que se preocupa com o Rio e que demonstrou isso ao escolher um vice fluminense. Nas conversas com os cariocas, o candidato garantiu que pretende prestigiar o estado e que a chapa com Índio da Costa é a prova disso.

Os analistas políticos consideram normal o fato de os candidatos escolherem terrenos onde o adversário está melhor. "Serra ainda tem o que crescer no Sul, assim como Dilma tem um palanque melhor no Rio. É natural que trabalhem agora para reduzir as diferenças e reforçar onde estão bem", diz o cientista político Antônio Lavareda, da MCI, que tem analisado as pesquisas com uma lupa.

Fatia do Tesouro nos recursos do BNDES cresce mais de 500%

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Proporção de dinheiro federal passa de 6% em 2001 para 40% em 2009

Presente nos grandes negócios fechados no País nos últimos meses, o BNDES depende cada vez mais do Tesouro, informa Lu Aiko Otta. A proporção de recursos dos cofres federais, que era de 6% em 2001, chegou a 40% em 2009, num total de R$ 144,3 bilhões, um salto de 566%. A fatia deverá ser ainda maior neste ano, porque foram injetados mais de R$ 80 bilhões de dinheiro público. Para fortalecer o BNDES, o Tesouro emitiu títulos pelos quais paga taxa de mercado, mas esse dinheiro é emprestado pelo banco pela Taxa de Juros de Longo Prazo, bem mais baixa. A diferença configura subsídio, bancado pelos cofres federais e cujo valor é desconhecido.

Parcela do Tesouro nos empréstimos do BNDES cresce 566% em oito anos

Expansão tende a se acelerar este ano, com a injeção de mais de R$ 80 bilhões de recursos públicos; economista critica falta de transparência

Lu Aiko Otta

BRASÍLIA - Presente em todos os grandes negócios fechados no País nos últimos meses, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) depende cada vez mais do Tesouro Nacional para continuar emprestando. A proporção de recursos originários dos cofres federais, que era de 6% em 2001, chegou a 40% em 2009, num total de R$ 144,3 bilhões. Foi um salto de 566%.

O porcentual deverá ser ainda maior neste ano, porque foram injetados mais R$ 80 bilhões dos cofres públicos no banco. "Essa dependência aumenta o grau de interferência do Tesouro no banco e diminui a transparência", avalia o economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou os dados nos balanços do banco. "Tudo isso vem sendo feito com pouco debate pela sociedade."

Para fortalecer o BNDES, o Tesouro emitiu títulos pelos quais paga a taxa de mercado, mas esse dinheiro é emprestado pelo banco pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), bem mais baixa e atualmente em 6% ao ano. Essa diferença entre taxas de juros é bancada pelos cofres federais, num subsídio cujo valor é desconhecido e que virou o debate do momento entre especialistas.

"Estamos aumentando a dívida pública para tentar suprir a carência de recursos do BNDES para fazer política industrial, dar crédito de longo prazo, financiar obras públicas etc", observa Mansueto. "Mas essa política tem um custo, por isso é preciso que a sociedade discuta o que quer do BNDES." A Petrobrás, por exemplo, tomou R$ 25 bilhões do banco. "Mas essa é uma empresa que consegue crédito em qualquer lugar do mundo."

Segundo o economista, não haveria razão para criticar o empréstimo se o BNDES tivesse dinheiro de sobra. "Mas não é o caso, pois ele está pegando recursos no Tesouro", diz. "A sociedade se beneficia da arrecadação de impostos gerados pelo setor de petróleo e gás, e não do fato de a participação do governo ser maior ou menor na Petrobrás."

Falso problema. Em defesa do empréstimo à estatal, o assessor da presidência do BNDES Marcelo Miterhofdiz que a operação ocorreu em meio à crise, num momento em que as linhas de financiamento eram escassas. "Apesar de a Petrobrás ter mais facilidade para tomar empréstimo, se tivesse recorrido ao mercado de crédito privado provavelmente haveria uma drenagem nos recursos para pequenas e médias empresas."

Ele classifica o aumento de dependência do BNDES em relação ao Tesouro como "falso problema", pois a injeção de dinheiro, que chegou a R$ 180 bilhões, foi uma manobra decorrente da crise. "Seria problema se continuasse crescendo (a dependência em relação ao Tesouro), o que não é verdade." Miterhof afirma não dispor do valor do subsídio embutido na operação.

"Está-se discutindo muito isso, sem olhar os benefícios", comenta. Ele observa que muitos países injetaram bilhões em recursos públicos na economia a fundo perdido (sem retorno), enquanto o que ocorreu no Brasil foram empréstimos que ajudaram a atenuar os efeitos da crise.

"Se o governo quisesse aumentar gastos em R$ 500 milhões com educação ou saúde, o debate teria sido mais amplo do que foi em relação a esses empréstimos do BNDES", diz Mansueto. Isso porque, para aumentar despesas do Orçamento, é preciso apontar a fonte de financiamento, por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa discussão se dá no Congresso. Já para elevar a dívida, como no caso do BNDES, não há restrição.

Petistas fazem dossiê contra ministro do PT

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Documentos acusam Marina, filha de Mantega, de tráfico de influência no BB; ela nega, e titular da Fazenda não comenta

Na briga por cargos e poder no governo Lula, até o ministro Guido Mantega (Fazenda) foi alvo de dossiê apócrifo que o próprio governo identifica como feito pela ala do PT egressa do sindicalismo bancário. O material obtido pela Folha, contém acusações de tráfico de influência no Banco do Brasil contra Marina, filha de Mantega. O objetivo era forçar o ministro a desistir de nomear Paulo Caffarelli, vice-presidente do BB, para a chefia do fundo de pensão Previ.

O dossiê diz que Marina se reuniu com o vice do BB e fez pedidos, o que ele confirma e ela nega. Caffarelli foi preterido da Previ, mas os bancários não emplacaram seu nome. Petists apontados como culpados pelo dossiê negam; Mantega não comentou.

Mantega foi alvo de dossiê atribuído a bancários do PT

Documento acusa a filha do ministro de tráfico de influência no Banco do Brasil

Objetivo seria minar indicação de vice do BB para Previ; petistas apontados como os responsáveis negam

Leonardo Souza

DE BRASÍLIA - Na briga por cargos e poder na administração do presidente Lula, até o ministro Guido Mantega (Fazenda) foi alvo de um dossiê apócrifo que o próprio governo identifica como elaborado pela ala do partido egressa do sindicalismo bancário.O material, obtido pela Folha, traz acusações de tráfico de influência no Banco do Brasil contra a filha de Mantega, a modelo Marina. No final de abril, o papel foi enviado para a presidência do BB, para o gabinete de Mantega e para a Casa Civil.

O objetivo era forçar o ministro a desistir de nomear o vice-presidente do BB Paulo Caffarelli para a presidência da Previ (fundo de pensão dos funcionários do banco), um colosso de R$ 150 bilhões de patrimônio.

Caffarelli acabou preterido por ordem do Planalto, mas os bancários também saíram enfraquecidos. O nome por eles defendido para assumir a presidência da Previ, Joílson Ferreira, não foi escolhido.

Além disso, os dois principais expoentes do grupo, o ex-presidente do PT Ricardo Berzoini e o ex-presidente da Previ Sérgio Rosa, perderam espaço no governo e foram alijados da campanha de Dilma Rousseff à Presidência.

ENCONTROS

O papel traz dados inverídicos. Diz, por exemplo, que Caffarelli autorizou, quando esteve na Previ (foi gerente de investimentos imobiliários entre 1999 e 2000), aplicações em títulos e ações desastrosas para o fundo. Sua área, porém, não tinha relação com renda variável.Mas o documento relata também que Marina esteve com Caffarelli para encaminhar pleitos por diversas vezes na sede do BB em São Paulo. Segundo Caffarelli, os encontros realmente ocorreram. Marina nega.

Caffarelli disse à Folha que a recebeu em três ocasiões e contou, de forma genérica, quais foram os pedidos. Mas afirmou que nenhum foi levado adiante.

Na versão dele, o primeiro pedido foi para a abertura de conta para a loja de uma amiga. Na segunda ocasião, ela teria solicitado informações sobre uma linha de crédito para exportação de frango. Na terceira, queria renegociar dívidas de uma empresa.

No último caso, segundo a Folha apurou, tratava-se da Gradiente. Marina namora um dos sócios da empresa, Ricardo Staub. Mas o banco manteve as medidas judiciais contra a empresa.Apenas pessoas de dentro da máquina pública saberiam dos encontros de Marina com Caffarelli.

Nas últimas quatro semanas, a Folha ouviu nove pessoas que fazem parte da estrutura do governo. Todas confirmaram que, para o Planalto, a cúpula do BB e a Fazenda, partiu dos bancários a produção do dossiê.

PT

Nas conversas, foram apontados dois supostos autores, ambos filiados ao PT e muito próximos de Berzoini.

O primeiro se chama Alencar Ferreira, secretário-executivo do Ministério do Trabalho na gestão de Berzoini, que comandou a pasta entre 2004 e 2005. Ele nega quaisquer irregularidades.

Quando Caffarelli foi alçado a vice-presidente do banco, no final de 2009, bateu de frente com Ferreira, que na época estava na Companhia de Seguros Aliança do Brasil, uma coligada do BB. Caffarelli tirou Ferreira da empresa.

O segundo suspeito, para integrantes do governo, é José Luís Salinas, que perdeu o cargo de vice-presidente de tecnologia do BB em junho.

Salinas testemunhou, segundo executivos do banco ouvidos pela Folha, encontros de Marina com Caffarelli no prédio da Paulista.

As suspeitas do governo chegaram ao conhecimento dos bancários. Em meados de maio, Alencar Ferreira ligou para dois vice-presidentes do BB para dizer que nada tinha a ver com o dossiê.

Sérgio Rosa também quis se desvincular do episódio. No dia 21 de maio, pediu para ser recebido por Mantega, que o atendeu, em São Paulo, fora da agenda oficial.

Rosa solicitou a audiência a pretexto de fazer um balanço de sua gestão, que se encerraria no dia 31 daquele mês. Mas aproveitou o encontro para dizer pessoalmente a Mantega que não teve participação no dossiê.

Além de não ter conseguido emplacar Joílson como seu sucessor, o ex-presidente da Previ também não foi convidado a participar da campanha de Dilma, ao contrário do que se cogitava no começo do ano, e não recebeu uma oferta de cargo.

No final do ano passado, havia a especulação em círculos governistas de que Rosa poderia ocupar uma diretoria na Vale ou a presidência de alguma empresa de grande porte na qual a Previ tivesse participação.

Mas foi oferecida a ele a presidência da Brasilprev, uma coligada do BB de menor peso. Rosa ainda não disse sim ao convite.

Berzoini, por sua vez, perdeu no começo de julho os últimos cargos de sua indicação na direção do BB. Após a saída de Salinas, seu apadrinhado, caíram os diretores José Raya (tecnologia) e Sebastião Brandão (logística). Ele também não participa do comando da campanha de Dilma, como foi cogitado.

Governo não fiscaliza repasses de R$ 162 milhões a sindicatos

DEU EM O GLOBO

Investigação sobre destino dos recursos públicos recebidos por centrais se arrasta há 9 anos

O governo federal repassou pelo menos R$ 162 milhões às grandes centrais sindicais do país - Força Sindical, CUT e outras quatro entidades - e até hoje não se sabe se esses recursos foram gastos corretamente, apesar de os convênios terem sido firmados de 2001 a 2009. Uma amostragem do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) revela que as prestações de contas referentes a R$ 54,9 milhões nem foram analisadas. Nos demais casos, a prestação de contas não foi apresentada ou contém irregularidades, informa Regina Alvarez. A Força, que passou a apoiar o governo Lula e sua candidata à Presidência, Dilma Rousseff, aparece como inadimplente em três convênios entre 2001 e 2003 e, somados, chegam a R$ 101,9 milhões. Todos são alvo de tomadas de contas especiais devido a irregularidades identificadas. O TCU já alertou o governo sobre as falhas na fiscalização.

Dinheiro sindical sem controle

Convênios de R$ 162 milhões com CUT, Força e mais 4 entidades têm irregularidades e pendências nas prestações de contas

Regina Alvarez

BRASÍLIA - Em campanha explícita pela candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, as grandes centrais sindicais e sindicatos ligados a essas entidades recebem tratamento complacente do governo, em relação ao controle e à fiscalização do uso do dinheiro público. Amostragem extraída do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) aponta irregularidades e pendências em, pelo menos, R$ 162 milhões repassados à CUT, à Força Sindical e a mais quatro entidades, por convênios. Desse montante, R$ 54,9 milhões são de repasses que sequer tiveram as prestações de contas analisadas pelos órgãos federais até o momento, embora os convênios tenham sido encerrados entre 2001 e 2009. O restante se refere a prestações de contas que não foram apresentadas ou contêm irregularidades.

As grandes centrais sindicais e sindicatos ligados a essas entidades receberam milhões em recursos do governo para aplicar em treinamento e capacitação de trabalhadores, cursos de aperfeiçoamento e outras atividades inerentes ao movimento sindical.

Uma parte das irregularidades na aplicação dos recursos destinados às centrais sindicais foi detectada ainda no governo anterior, a partir de auditorias feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A Força Sindical, por exemplo, que apoiava o governo anterior e agora defende a candidata do presidente Lula, aparece no Siafi como inadimplente em três convênios firmados com o Ministério do Trabalho, encerrados entre 2001 e 2003.

Somados, esses convênios (inadimplentes) da Força chegam a R$ 101,9 milhões e são objeto de tomadas de contas especiais pelos órgãos de fiscalização, mas ninguém foi punido até o momento, porque os processos não foram concluídos.

Outros três convênios entre o ministério e a Força Sindical aparecem no Siafi com prestações de contas sem análise. Um deles, no valor de R$ 4,2 milhões, foi encerrado em fevereiro de 2001. Outro, no valor de R$ 13,2 milhões, em março de 2006. Somados, os recursos repassados à Força e que apresentam algum tipo de pendência na prestação de contas irregularidades ou falta de análise chegam a R$ 123,5 milhões.

Maioria da verba transferida é do FAT

A maioria dos recursos transferidos às entidades é do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), administrado pelo Ministério do Trabalho.

Só do Fundo, são R$ 145,7 milhões sem prestações de contas aprovadas. O levantamento feito no Siafi abrange 23 convênios firmados com órgãos do governo, que apresentam pendências diversas.

Além de CUT e Força Sindical, o balanço inclui outros dois braços da CUT: Escola Sindical São PauloCUT e Escola Sindical Amazônia (CUT-PA); Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FetrafSul-CUT) e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, este último ligado à Força Sindical.

No caso da CUT, há registro de dois convênios, encerrados em 2006 e 2007, que ainda não tiveram as prestações de contas analisadas pelos órgãos federais. Um com o Ministério do Trabalho, via FAT, de R$ 5,2 milhões; outro com o Ministério da Educação, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), de R$ 7,8 milhões.

A Escola Sindical Amazônia-CUT deixou de apresentar as prestações de contas de convênios com o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) encerrados em 31 de dezembro de 2007, no valor de R$ 308 mil, e aparece como inadimplente no Siafi.

A Escola Sindical São Paulo-CUT tem uma prestação de contas sem análise de um convênio com o Ministério do Trabalho encerrado em abril de 2007, no valor de R$ 5 milhões. E não apresentou prestação de contas de outro convênio, com o Ministério da Cultura, de R$ 150 mil.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ligado à Força Sindical, tem um convênio de R$ 12,9 milhões com o Ministério do Trabalho, encerrado em fevereiro de 2001, que aparece no Siafi com a prestação de contas sem análise.

A Federação de Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Sul-CUT) não apresentou prestações de contas de quatro convênios firmados com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). E outros quatro convênios, encerrados em 2007, não tiveram até o momento as prestações de contas analisadas. No total, são R$ 3,7 milhões repassados pelo governo à federação, e com pendências nas prestações de contas.

O Tribunal de Contas da União considera falha a fiscalização dos convênios com as chamadas entidades sem fins lucrativos, onde se enquadram as entidades sindicais, e já fez diversos alertas ao governo sobre o acúmulo de prestações de contas sem análise.

Em maio, o TCU aprovou acórdão que contém advertência à ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, e ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sobre o atraso na implantação plena do Siconv (sistema de convênios) e do Portal de Convênios.

Os sistemas foram criados pelo governo para o acompanhamento e fiscalização das transferências de recursos do Orçamento da União, por exigência do TCU.

Quando estiverem funcionando plenamente, prometem maior transparência e controle efetivo do uso do dinheiro público. A implantação começou em 2007, mas se arrasta, e o cronograma já foi adiado várias vezes, a pedido do governo.

Os sucessivos atrasos no cronograma de implantação do Siconv e do Portal de Convênios estão postergando a conclusão dessas ferramentas e, em consequência, impedindo uma melhor gestão dos recursos públicos federais descentralizados, comprometendo os custos e os resultados de parcela dos programas de governo, e propiciando a ocorrência de irregularidades na gestão orçamentária desses recursos(...), afirma o ministro Augusto Sherman, relator do acórdão do TCU.

Os órgãos que repassam os recursos têm estruturas muito precárias.

Não têm recursos humanos nem materiais para fazer trabalho eficiente disse o ministro ao GLOBO.

Metade:: Ferreira Gullar


Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é plateia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
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