domingo, 4 de setembro de 2011

Opinião do dia - José Serra : juros

"Achei a decisão do Banco Central de diminuir os juros em 0,5 ponto percentual correta. Os juros futuros estavam caindo, a pressão das commodities sobre a inflação, diminuindo em razão da crise internacional, e a economia desacelerando. Não vejo nenhum problema especial quanto à da taxa de credibilidade do Banco Central. Quer dizer que um BC só ganha credibilidade, ou a mantém, quando promove o aumento dos juros?"

José Serra, ex-prefeito e ex- governador de S. Paulo. Queda dos juros e, em alguns casos, do juízo. Blog do José Serra, 2/9/2011

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
A Justiça que tarda e falha - Estado do Rio arquiva 96% dos inquéritos de homicídio
Banido, padre Vito quer voltar
Ex-diretor critica BC por inflação alta

FOLHA DE S. PAULO
Brasil perdeu uma Bolívia em desvio de cofres públicos
Justiça manda União pagar R$ 1,6 mi por abusos da PF
Pressão dos EUA atrasou lei contra drogas no Brasil

O ESTADO DE S. PAULO
Varejo adota cautela e já prevê Natal moderado
BC fez ação preventiva
Aeroporto no Piauí consome R$ 25 milhões e ainda não existe
Ministro apoia regulação da mídia em Congresso do PT

ESTADO DE MINAS
Importados vão garantir mais vendas no natal
R$ 134 bi: É quanto o brasileiro deixou de pagar com o fim da CPMF
Política passada de pai para filho

CORREIO BRAZILIENSE
Planos de saúde com cara de SUS
PT vai tentar recriar CPMF e controlar a mídia

ZERO HORA (RS)
Corrupção: o lobby leva a culpa
Estágio promissor

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Matemática vale por 25% do Enem
Petistas aprovam ataque à imprensa

Banido, padre Vito quer voltar

Um personagem dos tempos da ditadura baterá à porta da presidente Dilma: o padre Vito Miracapillo, expulso do Brasil em 1980 por se recusar a rezar missa pelo Dia da Independência. Ele irá ao Ministério da Justiça e ao STF para recuperar o visto de permanência no país.

Padre expulso do país pela ditadura tenta voltar

Italiano busca há quase uma década reaver visto de permanência para retornar a paróquia em Pernambuco

Letícia Lins

RECIFE. Expulso do Brasil em 1980 - em um polêmico processo que contribuiu para agravar ainda mais o conflito entre Igreja e Estado -, o padre italiano Vito Miracapillo tenta inutilmente, há quase uma década, reaver o visto de permanência no país, onde pretende retomar o trabalho pastoral interrompido durante o regime militar.

O padre quer voltar ao município de Ribeirão, a 87 quilômetros de Recife, do qual foi pároco. E residir na Zona da Mata de Pernambuco, onde se concentra a agroindústria açucareira do estado, considerada área de tensão social pelos órgãos oficiais.

Em plena ditadura no Brasil, o padre foi incluído na Lei de Segurança Nacional e atingido pelo então recém-promulgado Estatuto do Estrangeiro, por ter se recusado a atender pedido da prefeitura para que celebrasse missa comemorativa da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1980 - alegando que o Brasil, sob ditadura, não era independente. Num ofício ao prefeito de Ribeirão, Salomão Correia Brasil (PDS), o padre justificou a recusa, entre outros motivos, devido "à não efetivação da independência do povo", reduzido "à condição de pedinte e desamparado dos seus direitos".

Tido como subversivo por usineiros e donos de engenho, foi criticado na Assembleia Legislativa pelo então deputado estadual Severino Cavalcanti (PDS) - o mesmo que mais tarde se tornaria presidente da Câmara dos Deputados e renunciaria com o escândalo do mensalinho, acusado de obter propina.

Severino invocou o Estatuto do Estrangeiro pela primeira vez no país, quando fez um apelo ao então ministro da Justiça, Ibrahim Abi Ackel, para que expulsasse o padre:

- Esses padres subversivos precisam ser observados - disse na época.

A expulsão envolveu uma batalha jurídica, com ordens e contraordens, que mobilizou advogados da CNBB e chegou ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela expulsão do sacerdote. O decreto também mobilizou o clero no Nordeste, que promoveu em Ribeirão uma missa de desagravo ao italiano que terminou em pancadaria. Donos de engenhos, fornecedores de cana e usineiros exibiram armas na igreja e usaram o mastro de uma bandeira do Brasil para dissolver a multidão de fiéis.

FONTE: O GLOBO

Até hoje, constrangimento ao vir ao Brasil

Severino: "Não me arrependo, ele merecia punição"

RECIFE. O decreto de expulsão, assinado pelo então presidente João Baptista Figueiredo, foi revogado em 1993 pelo presidente Itamar Franco. Mas isso não livrou o sacerdote de constrangimentos quando vem ao Brasil e precisa passar pelo visto da Polícia Federal. Nunca deram baixa do decreto de expulsão na PF. Os agentes lhe perguntam os motivos da expulsão, fazem indagações e ratificam para ele tomar cuidado. Só pode ficar três meses, como turista.

Hoje com 64 anos, o padre não entende por que o governo cria tantas dificuldades para ele, mas concede asilo a Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália.

- São dois casos muito diferentes, mas não consigo ver como ele (o ativista) conseguiu logo a solução do caso. Realmente não entendo essa situação - afirmou ele por telefone, de Andria, onde reside atualmente.

Na próxima semana, seus advogados, Pedro Eurico de Barros e Albézio Farias, vão a Brasília encaminhar a solicitação do padre diretamente ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Caso o impasse permaneça, vão apelar às cortes superiores.

Miracapillo acha estranho não terem dado baixa do decreto de expulsão na PF. Lembra que o Brasil mudou, que o próprio Estatuto do Estrangeiro foi alterado e que os exilados voltaram.

- É o último exilado - ironiza Pedro Eurico, que reclama dos entraves burocráticos e da falta de interesse do governo.

Os dois advogados ressaltam que não vão pedir novo visto de permanência, mas que o anterior seja revalidado.

- Houve revogação do decreto de expulsão, então, que se devolvam a ele as condições anteriores, o status quo que tinha - diz Farias.

A reação foi liderada na época pelo Sindicato dos Cultivadores de Cana. Hoje, o seu presidente, Gerson Carneiro Leão, afirma não temer mais o padre:

- Junto de outras coisas que aconteceram no Brasil, como o MST, ele pode ser considerado um pinto (algo insignificante). É bem-vindo hoje. Na época, éramos aliados do governo militar, e ele insuflava os trabalhadores nos canaviais; gostava dos pobres e era tido como incendiário. Mas a mentalidade hoje é outra. Podem vir dez Vito Miracapillos. A gente tinha medo do governo Lula e ele foi o melhor presidente para nossa categoria. Por que ter medo desse padre?

Responsável pela confusão que terminou em expulsão, o hoje prefeito de João Alfredo, Severino Cavalcanti (PP), também não se opõe ao seu retorno. Mas diz que não se arrepende:

- Já se passaram muitos anos, ele deve ter refletido muito sobre a atitude que tomou, desvalorizando o Brasil. É bom que venha agora para ver como mudou o país que tanto criticou. Não me arrependo do pronunciamento, nem de ter pedido a expulsão, porque ele merecia punição diante da tentativa de desestabilizar o governo.

FONTE: O GLOBO

Falta de comando na base alarma o governo

Desgaste dos líderes partidários leva Planalto a mudar de estratégia e negociar diretamente com os parlamentares

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Com o racha nos partidos da base aliada e ameaças diárias de assinatura de CPIs e dificuldades nas votações no Congresso, como a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), o Palácio do Planalto decidiu mudar de estratégia no seu relacionamento com os parlamentares governistas: a ordem é intensificar o contato individual.

Na semana passada, articuladores políticos do governo fizeram um diagnóstico que preocupou o Planalto: praticamente todos os líderes da base aliada estão esvaziados e enfraquecidos. Resultado: as bancadas dos partidos aliados estão sem comando. E até os líderes do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), e no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), perderam a influência no Congresso.

Nos últimos dias, a presidente Dilma Rousseff recebeu recados de que os aliados continuam insatisfeitos. Por isso, a ordem é abrir um canal direto de negociação entre os parlamentares e o Planalto. Diante desse quadro, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, recebeu a missão de atuar para amenizar as queixas. Nas palavras de um auxiliar da presidente, a ordem é conversar não só com os líderes, mas com todas as lideranças partidárias.

Missão de Temer é domar PMDB

Nesse quadro de rebelião permanente, o PMDB passou a ser um foco de preocupações para o Planalto. Dilma decidiu usar mais o vice-presidente Michel Temer e sua influência no partido para conversar com todas as facções. O Planalto quer que Temer enquadre o partido e chame o PMDB à responsabilidade.

- O PMDB também é governo. Por isso, precisa ter responsabilidade de garantir a governabilidade no Congresso Nacional - ressaltou um ministro.

Os líderes temem que essa nova estratégia palaciana enfraqueça ainda mais a influência deles nas bancadas. Mas, num momento em que o Planalto vai precisar muito do Congresso, a ordem é diminuir os riscos. A principal queixa no Congresso é que os líderes perderam o comando de seus liderados por causa da frustração generalizada com o atraso no empenho de emendas, liberação de restos a pagar e no loteamento dos cargos de segundo escalão. Essa rebelião ficou evidente, recentemente, nas rebeliões das bancadas do PMDB, do PP e do PR.

- Há um vácuo nessa relação com os partidos. Mas esse problema começa a ser resolvido. A própria presidente Dilma está gastando mais tempo com isso. A expectativa é que haverá uma execução maior do Orçamento. Esse é o melhor fermento para melhorar a relação política. As demandas do Congresso estavam travadas. Essa primeira fase foi difícil. Mas Dilma vai ganhar lastro, ao começar a liberar as emendas. E isso vai fortalecer os líderes - reconheceu o senador Jorge Viana (PT-AC).

A avaliação no Palácio do Planalto e de parte de seus aliados no Congresso é que Dilma virou refém da limpeza ética iniciada no Ministério dos Transportes, com a demissão de 36 pessoas, que ganhou uma dinâmica própria e saiu do controle do governo. Por isso, Dilma deu um freio na chamada faxina.

- Se por um lado a faxina fez sucesso com a população, e permitiu que a presidente se desvencilhasse logo de ministros que ela já planejava tirar em sua primeira reforma ministerial, por outro desorganizou sua base parlamentar e ganhou vida própria. Para retomar o controle da situação, a presidente já começou a dar marcha a ré, mas corre o risco de ser acusada de conivência com o malfeito - diz um parlamentar da base.

Segundo um auxiliar direto da presidente, o governo quer uma espécie de armistício com a base, pelo menos até a virada do ano, quando deverá ocorrer uma reforma ministerial. O Planalto identificou que, depois das primeiras demissões no Ministério dos Transportes, houve uma avalanche de denúncias.

Dilma procura agenda positiva

Há o reconhecimento de que o ministro das Cidades, Mário Negromonte, já deveria ter caído, após seus ataques aos aliados e à própria presidente. Mas Dilma aproveitou o episódio para interromper a faxina e, com isso, tentar recuperar uma agenda propositiva.

Muitos resistem a admitir publicamente que isso seja um recuo da presidente.

- Não é recuo. Essas coisas (a faxina) não podem ser a primazia da agenda da presidente - pondera o senador Walter Pinheiro (PT-BA).

- A presidente fez e fará qualquer mudança que seja necessária em sua equipe. Mas é preciso que fique claro que não há uma ação deliberada de caça às bruxas - emenda o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Novas pesquisas que estão em poder do Palácio do Planalto identificam que, depois de um primeiro momento de forte aprovação com as iniciativas da faxina, principalmente na classe média, a população deseja ações concretas. Por isso, a estratégia do governo é ressaltar essa ação de boa gestora do governo daqui para frente. Foi isso que justificou o argumento de Dilma de que sua faxina era para erradicar a miséria no país.

Já há consenso no núcleo do governo que a demissão constante de ministros começa a ser mal avaliada pela população. Outra sinalização negativa é de uma paralisia administrativa nos primeiros meses de gestão. Por isso, a tentativa de um armistício com os aliados por alguns meses. A determinação é segurar a briga interna entre facções dentro dos partidos da base.

Para Guerra, não há faxina

Além disso, a pauta da faxina deu munição para o discurso da oposição. Embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tenha se manifestado a favor da limpeza deflagrada por Dilma, e tenha mesmo sugerido que o PSDB revisse sua estratégia de criar a CPI da Corrupção, prevalece entre os tucanos a opinião de que a oposição não pode baixar a guarda. Até porque muitos consideram que o governo está fazendo mais marketing do que agindo efetivamente para conter a corrupção.

- A presidente Dilma reagiu nas áreas que explodiram na imprensa. Fez uma intervenção forte no Ministério dos Transportes, contra um partido fraco, o PR, mas se calou diante das acusações de que o Ministério do Planejamento autorizava os aditivos na pasta. Já as ações nas outras pastas foram limitadas. Portanto, não há faxina nenhuma. E a sociedade já começou a perceber isso - avalia o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).

FONTE: O GLOBO

Oposição tenta ajustar discurso

BRASÍLIA. A faxina ética deflagrada pela presidente Dilma Rousseff provocou estragos não só em sua base parlamentar como também na oposição, que vem patinando diante da crise instalada dentro do governo. Na tentativa de unificar o discurso pelo menos dos tucanos, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) entrou em campo.

Numa conversa com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que vinha sugerindo o apoio às ações de Dilma no combate à corrupção e fez um apelo para que o PSDB desistisse da estratégia de instalar uma CPI para investigar as denúncias no governo, Aécio conseguiu convencê-lo a rever sua postura. Mas não foi o suficiente para apaziguar os demais partidos oposicionistas que se irritaram com a postura de FH.

Fernando Henrique recuou em sua crítica à iniciativa da oposição de criar a CPI Mista da Corrupção diante dos argumentos de Aécio de que a faxina ética teria se transformado em peça de marketing do governo e já foi freada diante da pressão dos partidos aliados. Mas, para evitar que os tucanos sejam acusados de estar tentando tirar a governabilidade de Dilma, ao pressionar por uma CPI, Aécio e FH decidiram propor um pacto em favor das reformas consideradas essenciais para o país. A oferta, porém, não foi bem recebida pelo presidente nacional do PPS, deputato Roberto Freire (PE), que considerou que a iniciativa "beira o adesismo".

Setores da oposição têm considerado discreta a atuação de Aécio no Senado e cobram postura mais crítica em relação ao governo. Mas o mineiro teme que postura muito agressiva, neste momento, possa comprometer seus planos de disputar a sucessão presidencial de 2014. Ele já tem admitido nos bastidores ajustar seu discurso.

No Congresso, a atuação da oposição tem oscilado. PSDB, DEM e PPS têm batido cabeça nas convocações de ministros envolvidos em denúncias. A apatia da oposição é evidente. No depoimento do ministro do Turismo, o peemedebista Pedro Novais, no Senado, por exemplo, só dois oposicionistas compareceram, e um deles sequer ficou para escutar as respostas do depoente. (G.C.)

FONTE: O GLOBO

Ministro apoia regulação da mídia em Congresso do PT

Ministro retoma tese de regular a mídia

No congresso do PT, Gilberto Carvalho diz que medida não significa autoritarismo

Eduardo Bresciani

BRASÍLIA - O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, insistiu ontem na defesa da regulamentação da atuação da mídia, afirmando que ela favorece a liberdade de imprensa. Carvalho afirmou que não se pode confundir democratização da comunicação com autoritarismo.

"Eu estranho que toda discussão de democratização seja tomada como autoritarismo. Todo país tem regulamentação. É bom para o Brasil, é bom para os veículos, é bom para a liberdade de imprensa", disse o ministro, durante o segundo dia do 4º Congresso Nacional do PT, em Brasília, onde o assunto foi um dos temas em debate.

Para Carvalho, a atuação dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff nesta seara não permite o carimbo de autoritário à proposta de regulamentação. "O governo Lula e esse início de governo Dilma não nos autoriza a permitir qualquer tentativa de nos tratar como autoritários", disse, destacando que ambos os governos têm recebido críticas da imprensa.

Na mesma linha, a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) também falou rapidamente sobre o tema.

"Porque todos os setores têm marco regulatório e a comunicação no Brasil não, quando a maior parte dos países tem? Qual é o limite? Quais os direitos na área de cominicação? É isso que tem que ficar estabelecido e decidido pelo poder que define isso, que é o Congresso Nacional." Ileli afirmou ainda que a liberdade de imprensa tem de ser mantida "a qualquer preço" e que não há contradição entre esta premissa e a regulamentação.

Faxina. O ministro Gilberto Carvalho comentou ainda a "faxina" no governo Dilma Rousseff. Seguindo o discurso da presidente, Carvalho minimizou a demissão de ministros e o afastamento de envolvidos em casos de corrupção. Ele ressaltou que a "faxina" não é o principal objetivo do governo.

"Faxina é comi quando você está cultivando um pé de alface, você não pode é deixar a erva daninha crescer, só isso. O que importa é o nosso projeto", ressaltou.

"É enganação" fazer emenda 29 sem financiar, diz Maia

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), classificou como "enganação" a aprovação da regulamentação da Emenda 29 sem uma nova fonte de financiamento para a área da saúde. A votação do projeto foi marcada pelo próprio Maia para o dia 28.

"Seria enganação aprovar apenas a Emenda 29 e não dizer onde vai se tirar os recursos para a saúde", disse, ao participar ontem, em Brasília, do Congresso do PT.

Maia espera até que a data da votação seja apresentada uma proposta para o financiamento da área. "Nós podemos aprovar a emenda e definir um prazo para que se vote o financiamento."

Ele afirmou que a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), prevista no projeto que tramita na Câmara não deverá ser aprovada.

A votação da regulamentação da emenda sem fonte de financiamento vem sendo criticada pela presidente Dilma Rousseff.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Brasil perdeu uma Bolívia em desvio de cofres públicos

Dados de órgãos de controle revelam desfalque de pelo menos R$40 bilhões em recursos federais em sete anos

Em sete anos, o Brasil perdeu pelo menos R$40 bilhões em recursos desviados dos cofres federais.

O valor, equivalente ao PIB da Bolívia, inclui os repasses as unidades federativas, mas não os desvios em Estados e municípios, que têm orçamentos próprios.

Corrupção faz Brasil perder uma Bolívia

Estudo revela que recursos desviados poderiam reduzir à metade o número de casas sem saneamento no país

Mariana Carneiro

SÃO PAULO - Pelo menos o valor equivalente à economia da Bolívia foi desviado dos cofres do governo federal em sete anos, de 2002 a 2008.

Cálculo feito a partir de informações de órgãos públicos de controle mostra que R$ 40 bilhões foram perdidos com a corrupção no período -média de R$ 6 bilhões por ano, dinheiro que deixou de ser aplicado na provisão de serviços públicos.

Com esse volume de recursos seria possível elevar em 23% o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família -hoje quase 13 milhões.

Ou ainda reduzir à metade o número de casas sem saneamento -no total, cerca de 25 milhões de moradias.

O montante apurado faz com que escândalos políticos de grande repercussão pareçam pequenos.

Na Operação Voucher, que no mês passado derrubou parte da cúpula do Ministério do Turismo, por exemplo, a Polícia Federal estimou o prejuízo em R$ 3 milhões.

Apesar de elevada, a quantia perdida anualmente está subestimada, pois não considera desvios em Estados e municípios, que possuem orçamentos próprios.

A estimativa, feita pelo economista da Fundação Getulio Vargas Marcos Fernandes da Silva, contabiliza apenas os desvios com recursos federais, incluindo os recursos repassados às unidades da federação.

Durante seis meses, o economista reuniu dados de investigações de CGU (Controladoria-Geral da União), Polícia Federal e TCU (Tribunal de Contas da União).

São resultados de inspeções em gastos e repasses federais para manter serviços de saúde, educação e segurança pública, por exemplo.

Os dados servem de base para inquéritos policiais e ações penais, além da cobrança judicial do dinheiro público desviado.

Para o autor, esses desvios têm custo social e econômico. "Privar as pessoas de saúde é privá-las de crescer, de aprender, de competir com igualdade. Para o Brasil, isso é perda de produtividade."

Em outra comparação, o pesquisador estima que, se os R$ 40 bilhões fossem aplicados na redução da desigualdade só por meio do Bolsa Família, a expectativa de vida do brasileiro poderia aumentar em dois anos e cinco meses em uma década.

Os desvios também afetam a capacidade de o país crescer e gerar empregos.

Tomando como base apenas o último ano do levantamento (2008), os recursos perdidos para corrupção equivalem a quase 20% dos investimentos do governo federal (R$ 28,2 bilhões).

Para o setor privado, que enfrenta dificuldades com os gargalos de infraestrutura, o prejuízo é evidente. No dia a dia das empresas, isso significa redução de competitividade em relação a concorrentes estrangeiros.

"Se as estradas não ficaram prontas ou estão em péssimo estado, fazendo com que os caminhões quebrem com frequência, é mais difícil entregar o produto", diz Marina Araújo, pesquisadora da Fundação Dom Cabral.

"Se não há escolas de qualidade, não há mão de obra pronta para trabalhar."

A fundação é a avaliadora do Brasil em duas pesquisas internacionais, do Fórum Econômico Mundial e do IMD (International Institute for Management Development), com sede na Suíça.

A opinião corrente dos cerca de 200 executivos brasileiros entrevistados, segundo Araújo, é que os políticos não merecem confiança, que há desperdício do dinheiro público e que a corrupção é fonte de dispersão de recursos.

Entre 139 países, o Brasil conseguiu apenas a 127ª posição no quesito confiança nos políticos.
Em 2010, a nota brasileira para esse item foi 1,8, sendo que a avaliação mais baixa é 1, e a mais alta, 7.

Com essa pontuação, o Brasil ficou atrás de um país como o Sri Lanka no quesito.

"Considerando a estabilidade econômica e política que temos no Brasil e a visibilidade do país, o resultado é muito ruim", diz Araújo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

PT vai tentar recriar CPMF e controlar a mídia

Resolução de Congresso do PT, em Brasília, defende a volta de fonte de recursos “negados” a Lula na saúde, prega a “regulamentação” da imprensa e deve votar hoje moção de apoio a Dirceu, apontado como chefe do mensalão.

Carta inclui controle da mídia

Resolução do 4º Congresso do PT pede a regulamentação da imprensa, a aprovação da Emenda 29 e faz ode a José Dirceu

Denise Rothenburg e Josie Jerônimo

O controle da mídia, a politica de alianças do partido para as eleições de 2012 e o financiamento da saúde dominaram os debates no primeiro dia do 4º Congresso do PT. Logo no fim da manhã, os petistas aprovaram uma resolução que, contraditoriamente, defende a liberdade de imprensa e, ao mesmo tempo, prega o controle da mídia. "O jornalismo marrom de certos veículos, que às vezes chega a práticas ilegais, deve ser responsabilizado toda a vez que falsear os fatos ou distorcer as informações para caluniar, injuriar ou difamar", diz o documento que conta com apoio do governo: "A proposta do partido é a do Poder Executivo", disse o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). "O Congresso é o local para que isso seja feito de forma transparente, mas é impossível que o Executivo não participe do debate. Não temos sequer uma lei que trate do direito de resposta", completou a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti.

O texto do PT, que ainda pode ser emendado hoje, segue dizendo que "a inexistência de uma lei de imprensa, a não regulamentação dos artigos da Constituição que tratam da propriedade cruzada de meios, o desrespeito aos direitos humanos presentes na mídia, o domínio midiático por alguns poucos grupos econômicos tolhem a democracia, silenciam vozes, marginalizam multidões, enfim, criam um clima de imposição de uma versão única para o Brasil". O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, também defende que isso seja debatido: "Todos os países têm regulamentação. Acho estranho que toda as vezes que se levante essa história de regulamentação já venham dizer que é autoritarismo e censura por parte do governo", comentou.

O tema mídia ocupou dois dos 110 pontos do documento. Depois da declaração de Dilma em favor do financiamento da saúde, os petistas voltaram atrás e incluíram na resolução um ponto específico sobre a necessidade de defesa do Sistema Único de Saude (SUS) e a aprovação da Emenda 29 "e o consequente retorno ao orçamento da saúde dos recursos a ela negados pela oposição ao governo Lula que extinguiu a CPMF (o imposto do cheque) para impedir a plena consolidação do SUS no país", diz o texto. "O Congresso orienta nossas bancadas na Câmara e no Senado a buscarem fontes suplementares de recursos para recomposição do orçamento do SUS e viabilização da Emenda 29", completa.

Financiamento

O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, é um defensor desse item: "Não se tiram R$ 40 bilhões da saúde sem consequências. É preciso que se tenha uma receita nova para a saúde. Damos apoio irrestrito a presidente Dilma nessa questão", defendeu ele, propondo um movimento dos governadores em prol desse financiamento. "Essa não é uma conta e nem uma luta apenas da presidenta. Todos devem participar", afirmou.

Os petistas definiram uma linha para as eleições do próximo ano, com candidatura própria nas maiores cidades do país, e recomendaram a seus filiados não se aliarem com o PSDB, DEM e PPS (leia detalhes abaixo). Também não deixaram de render suas homenagens ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Em conversas com amigos, Dirceu não escondeu sua alegria com o PT, mas desabafou dizendo estar cansado do que classifica como uma perseguição. Nessas conversas, ele reclamou ainda da demora do julgamento do mensalão por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). "Minha esperança era a de que fosse julgado no ano que vem, mas já ouvi dizer que pode ficar para 2013", disse a um interlocutor. Depois do episódio da Veja e a suposta tentativa de invasão da suíte em que ele se hospeda em Brasília, o ex-ministro pretende submergir. Vai fazer uma cirurgia dentária e aproveitar para viajar. Hoje, entretanto, ele não deixará de ir ao 4º Congresso do PT. Afinal, está prevista a aprovação de uma moção de apoio a ele na festa de encerramento.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Crônica de um tempo difícil :: Fernando Henrique Cardoso

"As forças da corrupção estão mais enraizadas no poder do que parece"

Às vezes me dá vontade de ser mais cronista do que articulista. Explico-me: espera-se de um articulista que argumente lógica e concatenadamente sobre um assunto qualquer. Já o cronista pode divagar. Estou ficando cansado de argumentar, e com mais vontade de discorrer sem pretensões do que ter de demonstrar a lógica de meus argumentos.

Começo por fazer uma confissão. Na quinta-feira, dia 1º de setembro, depois de um prazeroso almoço com bons amigos que ainda se dão ao trabalho de continuar a celebrar meus já batidos 80 anos, cheguei ao Instituto às cinco e meia da tarde. Recebi um antigo colaborador e amigo, que não via há muito tempo (por sinal hoje general do Exército) e, ainda, me dispus a mostrar-lhe a exposição sobre o Brasil de antes e depois do Plano Real que o Acervo do iFHC preparou para servir às novas gerações e, quem sabe, despertar o interesse de algum pesquisador. Às sete da noite, terminada a visita à exposição, recebi um recado de uma das minhas assessoras: não me esquecer do artigo para o primeiro domingo de setembro!

Mais grave ainda: devia sair de casa para o aeroporto na sexta feira às sete e meia da manhã para ir a Montevidéu, a convite de meu amigo o ex-presidente Julio Sanguinetti. Que fazer? Tinha em mente dois temas para este domingo. Algumas reflexões sobre a crise da economia dos países ricos e nossa experiência em lidar com a questão ou, algo mais quente, os limites da "faxina" da presidente Dilma e minhas declarações a respeito. Temas sérios. Confesso, faltou-me energia para discutir a fundo essas questões em duas horas - que é o que me restava -- embora não me faltasse apetite para dar alguns palpites como cronista (sem querer ofender os brios dos verdadeiros cronistas).

Vamos lá. Primeiro, a crise financeira deles e nosso "legado", palavra pretensiosa e tão mistificadora como a expressão que andou na moda, herança maldita. No caso dos países ricos, é indiscutível, o que causou a crise foi mais o desregramento do sistema financeiro e a crença cega nas autocorreções do mercado do que a gastança governamental, a crise fiscal, embora esta exista também. Em nosso caso, foram as agruras nas contas externas e, sobretudo, as especulações contra a moeda nacional - o "contágio" - acrescidas, também, de fragilidades fiscais. Lá como aqui, com as mesmas razões ou sem razões aparentes, as agências avaliadoras de risco jogaram papel importante para desencadear dúvidas sobre a liquidez e a solvência.

Mas param por ai as similitudes. Nem tínhamos a possibilidade de picotar e transformar as hipotecas em "derivativos", pois o crédito imobiliário era pequeno, nem de empurrar para o Banco Central o desastre financeiro dos bancos e quejandos. Entre nós, também houve alguma "socialização das perdas", isto é o Tesouro (eu, você e todos os contribuintes) acabou pagando algo dos desatinos dos banqueiros e especuladores. Mas em pequena proporção: o grosso foi pago pelos próprios banqueiros audaciosos. Tiveram seus bens indisponíveis e perderam seus bancos. Isso foi o Proer. E, os bancos públicos estaduais, quando governadores tomavam dinheiro emprestado e não pagavam, foram privatizados ou fechados. Nesses casos também houve algum aumento da Dívida Pública federal, justificável para barrar de vez a possibilidade de desregramentos futuros. Isso foi o Proes.

Nos Estados Unidos e na Europa o que vemos? Inundação de dinheiro público via bancos centrais para salvar o sistema financeiro, sem qualquer penalização dos responsáveis e, ainda por cima, cortes drásticos nos orçamentos, sem aumento de impostos, fazendo com que os menos aquinhoados paguem os desvarios dos mais ricos! Pior: tudo isso sem que a economia retome seu dinamismo. Na Europa, um empurra-empurra para ver se algum país paga pelos empréstimos, que seus bancos fizeram aos países ora em penúria, ou se o Banco Central Europeu, quer dizer, todos, vão pagar. Sempre, além disso, há cortes drásticos no orçamento para pôr as contas fiscais em ordem. Resultado: poucas chances de crescimento nos próximos anos. Dá para entender?

Quando daqui gritávamos contra a desregulação (cheguei a apoiar a taxa Tobin, um imposto às transações financeiras internacionais, que quase todos os economistas condenam, para criar um fundo de solvência dos países endividados), vinham-nos com a mesma receita: aperto fiscal e nada mais, salvo um ou outro empréstimo do FMI quando a situação já era desesperadora. Quem com ferro fere, com ferro será ferido.

A confusão, agora, é "deles" e, como é "deles" e já não há mais eles sem nós, barbas de molho porque a recessão em marcha acabará por nos atingir. Enquanto isso, os sonhos de um G-20 ativo tratando de regular o mercado financeiro morre na praia. Não aprenderam nossa lição: além do apregoado aperto fiscal, seguimos as regras da Basiléia, isto é, nosso Banco Central pôs freio à especulação e à irresponsabilidade no sistema financeiro, desde os tempos do Proer e do Proes. E não descuidamos de ter um BNDES ativo nem dos programas de transferência de renda aos mais pobres e de aumentos reais do salário mínimo desde 1994 até hoje.

Em contrapartida deveríamos aprender com os países ricos que com corrupção pública não se deve brincar. Na Alemanha, o grande consolidador da União Europeia, Helmut Kohl, pagou alto preço por não querer dizer quem o ajudou em eleições e, recentemente, um importante ministro foi demitido por denúncia de plágio acadêmico. Assim, agora que se começou a falar em faxina creio que devemos apoiar as iniciativas neste sentido (desde uma CPI até os atos da Presidente, estimulando-a a ir mais longe), sem deixar que o governo ou um partido, mesmo que de oposição, se apodere da bandeira da moralização. Isso seria logo visto como manobra política e perderia apoios na sociedade, que cansou de tanta impunidade.

Daí a pensar, como alguns pensam, que estamos querendo apoiar governos ou ficar bem na foto, é desconhecimento das reais motivações ou insensatez de quem não vê mais longe: as forças da corrupção estão mais enraizadas no poder do que parece. Sem tática, persistência e visão de futuro, será difícil barrá-las.

FONTE: O GLOBO

Abrindo caminho:: Merval Pereira

Certamente não foi por acaso que o ministro Gilberto Carvalho, percebido como o representante de Lula no Ministério de Dilma, passou a dizer nos últimos dias que o PT não deve cultivar saudosismo do ex-presidente, e sim trabalhar para criar as condições para que a presidente possa se candidatar à reeleição em 2014.

Logo ele, que avisava à oposição que Lula está no banco de reservas pronto para entrar em campo e que não perdia a oportunidade de ressaltar a saudade que tem do ex-presidente.

Tudo indica que os movimentos que a presidente Dilma vem fazendo, reorganizando a maneira de lidar não apenas com os demais partidos da base aliada, mas, sobretudo, com o PT, estão sinalizando uma determinação de alterar certos relacionamentos mais forte do que supunham seus companheiros de empreitada política.

O documento petista a ser divulgado nesse IV Congresso tem nas entrelinhas, apesar do apoio explícito ao governo Dilma, críticas à sua iniciativa de barrar comportamentos políticos desviados, sob a alegação de que os apoios que vem recebendo de amplos setores da sociedade e da "imprensa burguesa" nada mais são do que tentativas de intrigá-la com seu antecessor, que ficaria marcado como conivente com a corrupção e os malfeitos.

Na verdade, ao demarcar as ações do governo Dilma e reorientar suas prioridades, recolocando entre elas o que chamam de "controle social da mídia", o PT tenta retomar as rédeas de um governo que considerava seu e que, aos poucos, vai se mostrando mais independente do que poderiam supor setores petistas empenhados em tutelar a presidente, principalmente aqueles ligados ao ex-ministro José Dirceu, que classificou ainda na campanha presidencial o futuro governo Dilma como sendo o verdadeiro governo do PT, já que Lula era maior que o PT, e Dilma dependeria do partido para sua ação política.

O exercício da independência política inesperada tem sido demonstrado nos episódios da "faxina", que não teria sido suspensa, segundo pessoas próximas a ela, mas obedeceria a uma nova estratégia, de menos confronto, para ter mais eficiência.

A maneira como está tratando o orçamento do Judiciário é outro exemplo de como a presidente é capaz de confrontar interesses quando os considera alheios ao que identifica como interesse público.

No fim do texto que enviou ao Congresso como adendo ao Orçamento, Dilma deixa claro que não incluiu as propostas do Judiciário que têm um impacto de R$7,7 bilhões porque elas prejudicariam "a efetiva implementação de políticas públicas essenciais como as da Saúde, Educação e redução da miséria".

Diz que só as encaminha "em respeito ao princípio republicano da separação dos poderes e cumprindo dever constitucional", mas deixou para o Congresso definir o que será cortado para que a verba do Judiciário seja aprovada.

É claro que expor o Poder Judiciário ao crivo da opinião pública da maneira como fez é sinal de arrogância que muito já a prejudicou nos relacionamentos políticos, mas demonstra também que ela está disposta a usar até o limite seus poderes constitucionais para criar constrangimentos aos setores que considera estarem constrangendo sua ação presidencial, sejam eles políticos, o Banco Central ou o Judiciário.

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, em seu recente livro "A modernização sem o moderno", lamenta que o governo Lula não tenha aproveitado a conjuntura favorável para avançar nas relações políticas. "(...) apesar dessa conjunção favorável das circunstâncias para a renovação da política, o governo Lula, ao invés de interpelar criticamente a nossa experiência republicana, trouxe de volta, por ensaio e erro, alguns de seus aspectos mais recessivos.

(...) mas as opções feitas, aprofundadas particularmente no segundo mandato, redundaram na solução imprevista de ele se apresentar como contínuo aos ciclos anteriores de nossa modernização, todos, reconhecidamente, levados a cabo por políticas de um Estado disposto assimetricamente quanto à sociedade"

(...) "Comprometeu-se, em nome de um pragmatismo que não apresenta suas razões, o moderno à modernização", escreve o sociólogo.

Pois ele, em recente artigo, identifica nos movimentos do governo Dilma de aproximação com novas forças políticas uma possibilidade de se chegar à modernidade.

De fato, há indicações de sobra de que a presidente Dilma está buscando um caminho próprio dentro do presidencialismo de coalizão que submete os governos, a pretexto da governabilidade, a constrangimentos que podem ser inaceitáveis para quem não se satisfaz só com o pragmatismo da política.

Ou para quem quer marcar sua passagem pela Presidência não como mera tutelada.

Certas atitudes da presidente Dilma podem estar surpreendendo os aliados, acostumados a uma atitude mais condescendente do ex-presidente Lula, que, na definição recente do governador Jaques Wagner, é mais "tolerante" e "palanqueiro", enquanto Dilma é mais "dura" e "gestora".

Desse embate entre modos diferentes de gerir o poder político petista, que não significa discordâncias de conteúdo, mas de forma, pode surgir rumo novo para a eleição 2014.

Se o governo Dilma superar os problemas políticos que a crise econômica internacional já está colocando em seu caminho, com a necessidade de conter gastos correntes que ela mesma dizia que representavam "vida", poderá se firmar como liderança política.

Mesmo assim, terá de ser franca favorita para se impor ao PT como candidata natural à reeleição e manter a aliança política em torno de si.

Caso a situação não lhe seja tão favorável, é possível que a aliança política se desmorone e surjam diversos postulantes à sua sucessão, dentro do PT e nos principais partidos, como o PMDB e o PSB.

Ou mesmo que novas alianças sejam formadas entre a oposição e partidos hoje na base aliada. Toda essa movimentação, no entanto, depende de uma variável: a decisão de Lula de concorrer.

O que pode ser visto como a salvação do PT ou também como um empecilho a que as lideranças da base aliada - como os governadores petistas Jaques Wagner, Tarso Genro, Marcelo Deda, o líder do PSB Eduardo Campos - deem curso ao seu destino político.

FONTE: O GLOBO

Sob medida:: Dora Kramer

Em seu libelo contra o apoio geral à faxina que foi sem nunca ter sido, o PT mais uma vez levanta a tese da "conspiração midiática" à falta de argumentos para defender o indefensável, propõe censura e aponta a reforma política como solução para os males da corrupção.

Em resumo é a pauta do 4.º Congresso do partido que começou na sexta-feira e se encerra hoje em Brasília. Graças às garantias coletivas e individuais da Constituição, cada um discute o que bem entende. Inclusive quando escolhe debater o retrocesso e por mais que a agenda se localize a léguas do que seja relevante para o País.

O partido detentor da Presidência da República, pelo terceiro período consecutivo, de fato não está preocupado com o destino do Brasil: dedica-se exclusivamente a cuidar de si.

Se a ofensiva por razoável asseio moral remete à condescendência de Lula com a degradação dos costumes na política e relembre ao público as incursões do PT pelo terreno da transgressão, criminalize-se a ética como fruto de campanha referida em golpismos do passado.

Se a imprensa livre faz seu papel de fiscalizar, investigar e denunciar evidenciando a negligência governamental, restrinja-se a liberdade, ainda que isso rebaixe o Brasil à condição de não democracia.

Não há a menor importância, desde que o PT se safe e possa prosseguir na consecução de seu projeto de poder a qualquer custo. Ainda que o preço seja pago por todos na conta do atraso.

A opção preferencial pelo próprio umbigo não se traduz só na pauta de um congresso partidário, cujas decisões dificilmente sobrevivem à realidade, mas se expressa também nas ações com alguma chance de produzir malefícios na prática.

O PT vê que o "núcleo do combate à corrupção" está em duas reformas: política e do Estado. Sobre esta última prega no vazio, pois nem o partido nem seu governo dão sinais de insatisfação com o statu quo.

Quanto à reforma política os desejos do partido estão contidos na proposta que começa a tramitar na Câmara sob os auspícios do relator Henrique Fontana (PT-RS).

E quais são esses anseios? Pelo que diz a proposição, resumem-se a atender aos interesses do PT com concessões ao PMDB a fim de facilitar a maioria que faltou ao partido no Senado para aprovar o voto em lista fechada e o financiamento público de campanhas eleitorais.

A fórmula encontrada favorece os maiores partidos, em nada facilita a vida do eleitor, muito menos na essencial aproximação entre representantes e representados, não confere transparência ao processo e aprofunda os vícios do financiamento.

A atual sistemática do voto proporcional, de difícil compreensão, fica ainda mais confusa. O eleitor vota duas vezes: no partido e em um candidato de sua preferência, não necessariamente da mesma legenda escolhida para o voto em lista, sendo que os eleitos serão escolhidos alternadamente entre os mais votados nominal e partidariamente.

Se hoje dificilmente alguém lembra em quem votou, depois disso o eleitor nem sequer saberá quem escolheu, mas as cúpulas partidárias reforçarão suas posições.

De todos os defeitos o mais grave é o dito "financiamento público exclusivo" que prevê a criação de um fundo composto por dinheiro do Orçamento, mais doações de pessoas físicas e jurídicas. Ou seja, ao sistema atual acrescenta-se o dinheiro público.

A ser distribuído de que maneira? Uma pequena parte (5%) para todas as legendas, 15% para os partidos com representação no Congresso e 80% proporcionalmente ao tamanho das bancadas eleitas no pleito anterior.

Tudo feito na medida para fortalecer os mais fortes (PT e PMDB) e dificultar o fortalecimento dos mais fracos.

Pato pagador. Quando o governo fala em novas "fontes de recursos" fala do bolso do público pagante. E o Congresso, a fim de não parecer "irresponsável", embarcará na onda do discurso que habilmente a presidente constrói.

Férias. De partida para a segunda etapa. Até a volta, em 27 de setembro.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Colhendo o que plantou:: Ferreira Gullar

Lula deixou uma herança maldita: para não passar por conivente, Dilma teve de demitir "companheiros"

Como disse aqui na ocasião em que Lula deixava o governo, não pretendia voltar a escrever sobre ele. Principalmente porque deixava o governo. Sucede que não se sabe ao certo se ele o deixou e, se o deixou, atua como se não o tivesse deixado -outro dia inaugurou um hospital na Bahia- e se preparasse para reassumi-lo de fato em 2014.

Infelizmente não dá para falar bem dele, mesmo porque o que me traz de volta ao tema é, por um lado o que ele anda fazendo e dizendo e, por outro, a avaliação que a distância dele me possibilitou.

Não tenho prazer nenhum em falar mal de ninguém, particularmente quando se trata de uma figura nacional em quem tanta gente acredita. Pode parecer má vontade ou rancor, mas não é nada disso.

Penso como simples cidadão, atento ao que fazem os políticos e às consequências disso na sociedade. Tanto mais se esse político tem o peso e a influência de um líder como Lula.

Basta ver o que conseguiu quando presidente da República, usando de carisma, habilidade e falta de escrúpulos para montar uma máquina de poder difícil de enfrentar.

Não discuto a legitimidade de um partido ou de um líder pretender governar o país por mais de um mandato ou voltar ao poder, já que a lei o permite. A meu juízo, quanto mais alternância, melhor, já que dificulta a manutenção de feudos no organismo do Estado. Se a permanência prolongada já oferece esse risco, tanto pior é quando se trata de um partido ou líder pouco confiáveis.

E, se meu juízo a respeito de Lula já não era bom, o distanciamento e a revelação de novos fatos só vieram agravá-lo.

Lula é, sem dúvida, um fenômeno. Poucos líderes possuem, como ele, tanta sagacidade aliada à falta total de escrúpulos. Hoje entendo por que Brizola, referindo-se a ele, disse que era "capaz de pisar no pescoço da mãe". Com isso, não quis apontá-lo como um sujeito de temperamento violento, e sim destituído de qualquer compromisso com os valores morais. Só lhe importa o poder. De modo que, para conquistá-lo e mantê-lo, tudo vale.

Não me esqueço da expressão que vi no olhar de Lula, em 2005, quando eclodiu o escândalo do mensalão: era um misto de pavor e perplexidade. "Fui traído", afirmou então, tentando safar-se, e o conseguiu, jogando a culpa sobre seus auxiliares imediatos. Pouco depois, dizia que o mensalão era uma espécie de caixa dois. Hoje afirma que tudo não passou de uma conspiração para tirá-lo do poder. Isso muito embora o procurador-geral da República tenha aceito denunciar 34 dos 40 acusados no processo.

Esse é o Lula, que se apropriou dos programas do seu antecessor, muito embora tudo tenha feito para impedir que fossem implantados.

Forçado pelas circunstâncias, rendeu-se à aliança com o PMDB, mas manteve o pacto com a arraia miúda, já não a troco de grana, mas de cargos públicos e vista grossa para a corrupção que, em seu governo, se instalou nos ministérios.

Enfim, posso ter hoje uma compreensão melhor de quem é Lula e quais os seus propósitos. Ele é produto deste momento histórico, quando o fim dos partidos comunistas e do revolucionarismo guerrilheiro abriu caminho para líderes neopopulistas que, arvorando-se em defensores dos pobres, negociam com os ricos a paz social em troca de apoio material e político.

É o que Lula fazia como presidente, aliando o discurso antiamericano à oferta de empréstimos subsidiados do BNDES a grandes empresários. Se estava de acordo com as falcatruas praticadas por seus nomeados, pouco importava. Fez que de nada sabia, como convinha.

Eis a herança maldita que ele deixou para Dilma: para não passar por conivente, teve ela de demitir dezenas de "companheiros", envoltos em falcatruas.

No entanto, para ficar bem com os partidos da base, diz que a demissão dos corruptos não é faxina, que lembra sujeira. Aliás, corrupção também mudou de nome: agora se chama "malfeitos", como traquinagens de crianças... Haja eufemismos! E logo da parte de Dilma, que é a finesse em pessoa.

Mas os escândalos não param e em apenas oito meses. Já imaginou o que acontecerá em quatro anos? O lulismo está colhendo o que plantou. Independentemente do nome que Dilma dê a isso, talvez seja o começo do fim da aventura neopopulista, a que o país foi arrastado nestes últimos oito anos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO/ILUSTRADA

Irene e juros :: Alberto Dines

Nova zoada no terreiro: a pressão do governo em cima do Banco Central para baixar a Selic está alimentando o novo frisson na agenda nacional. Na realidade o que se pretende discutir não é a questão dos juros, mas o papel do Estado como regulador dos mercados. E isto não ocorre apenas em nossas bandas.

É a pauta do momento em todos os quadrantes mesmo que a ganância irracional dos agentes financeiros e de seus cúmplices políticos já tenha sido identificada como a responsável pelo empurrão que levou a economia mundial para o brejo em setembro de 2008. A questão dos juros no Brasil envolve um elenco variado de ingredientes, não pode ser discutida de forma simplista, linear ou emocional. Em 2010, o ex-candidato da oposição, José Serra, alertou para os perigos de depender exclusivamente da taxa de juros para combater o dragão da inflação. Agora quando o coro de cassandras pseudo-liberais começa a ensaiar um protesto contra o fim da "autonomia" do Banco Central, o mesmo José Serra sentenciou: a decisão do Copom foi correta.

Prova disso foram os sinais emitidos pelo próprio mercado antes da quarta-feira apontando para uma queda nos juros futuros. No dia seguinte à ousada decisão do BC os tais mercados reagiram na direção contrária ao que vaticinavam os seus porta-vozes: as ações valorizaram-se, o dólar subiu e os juros futuros caíram ainda mais.

O Estado tem o dever de antecipar-se, cabe a ele precaver-se e zelar pelo bem-estar e a segurança da sociedade. Como lembrou o venezuelano Moisés Naím no artigo reproduzido nesta sexta pela Folha, o furacão Irene embora rebaixado para "tempestade tropical" foi recebido pelo setor público americano com um rigoroso plano de prevenção de efeitos de calamidades.

O vilipendiado Estado, origem de todos os males do mundo contemporâneo – conforme apregoam em uníssono o magnata Murdoch, o monstro de Oslo e o Tea Party – desempenhou papel fundamental. A ação do governo (em todos os níveis) foi firme, eficiente, sobretudo visível. Irene poderia produzir uma catástrofe – os fados foram camaradas, mas o Estado cumpriu um papel insubstituível: preveniu-se. Este mesmo Estado cujos orçamentos o Tea Party quer reduzir drasticamente. Dos três males que afligem a economia americana, um foi criado diretamente pelos mercados – a débâcle da indústria imobiliária que arrastou as demais – e os dois restantes por um governo simplório, fundamentalista, que se acreditava defensor dos mercados empurrando uma superpotência mundial para duas guerras regionais previamente perdidas (Iraque e Afeganistão).

Ao defender o papel precursor do poder público, deve-se imediatamente imaginá-lo como sustentáculo do estado de direito, garantidor das liberdades, intransigente defensor da isonomia. Este Estado não existia na Era Bush quando desabou o furacão Katrina (agosto de 2005). Este Estado passou a existir seis anos depois na Era Obama (agosto de 2011) quando surgiu a ameaça do Irene. O Estado é o único ente político capaz de controlar e extinguir a corrupção desde que todas as suas partes e poderes se associem na mesma direção e adotem igual empenho. Sem um Executivo competente e decente, sem um Legislativo representativo e decente e sem um Judiciário ágil e decente o Estado claudica. Decência é a questão central.

Um Estado que assiste pachorrento e inapetente à absolvição da deputada Jacqueline Roriz perde a credibilidade. O plenário da Câmara Federal comportou-se de forma indecorosa ao inocentá-la, mas o Estado conta com outros poderes para restabelecer a confiança da sociedade. A faxina contra a corrupção não é contra o presidente Lula. É contra a corrupção que há dois séculos suga os recursos e depaupera o Estado nacional.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O juro caiu. E aí?:: José Roberto Mendonça de Barros

O cenário para o crescimento mundial continua sendo revisto para pior. Na realidade, hoje restam apenas duas possibilidades para o mundo desenvolvido: um crescimento muito lento, por pelo menos dois ou três anos, ou, em caso de um evento de crédito que detone uma reação forte dos mercados, a temida segunda recessão em três anos.

Nossa percepção é que os EUA não terão um evento de crédito, a despeito das pressões sobre os bancos (amenizadas pelo investimento feito por Warren Buffet no Bank of America). Entretanto, as autoridades fiscais e monetárias estão claramente sem saber o que fazer. Na Europa, por outro lado, existe um rumo: o euro será mantido, o ajuste na Grécia segue um caminho que, embora pedregoso, leva a um acordo do tipo Brady, que os países latino-americanos fizeram nos anos 80.

Além disso, os esforços para manter Itália e Espanha fora do fogo seguirão intensos. Um avanço mais decidido na direção de um federalismo fiscal ainda está difícil no curto prazo e embora o rumo esteja sendo construído, o risco de um evento de crédito segue existente, o que garante muita incerteza e volatilidade.

As projeções mais recentes sugerem, portanto, um crescimento bem mais lento no mundo desenvolvido e uma leve desaceleração na expressiva expansão do mundo emergente. Por exemplo, o Banco Goldman Sachs reviu os números para 2012 da seguinte forma: o PIB mundial deve crescer 4,4%, e não 4,6%; a expansão das economias desenvolvidas passou de 2,8% para 2,3%; China e Índia manteriam o mesmo ímpeto, de 9,2% e 7,8%, respectivamente. Mesmo os mais pessimistas ainda não consideram a segunda recessão como o cenário mais provável.

No cenário básico, aquele no qual ocorre desaceleração, mas não recessão, nos países desenvolvidos e bom crescimento na Ásia, os principais efeitos para o Brasil serão:

- O dólar seguirá fraco e a liquidez elevada.

- Os juros americanos, especialmente, e europeus seguirão baixos, tanto pela liquidez abundante como pela busca de segurança na compra de papéis do Tesouro dos EUA e da Alemanha.

- Os preços de alimentos seguirão elevados, dada a manutenção de uma forte demanda na Ásia e um reduzido nível de estoques. Na verdade, eles subiram em agosto. Mais ainda, a safra americana de grãos está sendo revisada para baixo e ainda apresenta riscos climáticos consideráveis.

A primeira consequência desse cenário é que o real deverá se manter apreciado pela entrada de recursos externos. Mais importante é que não haverá importação de recessão vinda do exterior enquanto a China e o remanescente da Ásia continuarem a crescer de forma acelerada, como deverá ser o caso. Entretanto, essa não é a visão das autoridades brasileiras consubstanciada na decisão, surpreendente para muitos, do Banco Central em reduzir abruptamente a taxa de juros em 0,5 ponto e sinalizar a continuidade desse movimento nas próximas reuniões.

É importante refletir sobre o que representa essa decisão. Em primeiro lugar, foi feita uma reversão sem precedentes no curso dos juros, enterrando de vez qualquer comunicação do BC com os mercados. Basta comparar as notas liberadas após as duas últimas reuniões do Copom: teria sido preciso não uma, mas duas falências do Lehman Brothers para justificar a radical mudança de visão de mundo lá embutidas.

Ademais, o comunicado do BC assume claramente um mandato duplo. O desempenho do produto industrial (pois é apenas lá que se encontra desaceleração na atividade) vai dividir com a inflação a atenção do BC. Nesse sentido, o regime de metas de inflação tal como concebido está morto e acabado.

Em segundo lugar, é evidente que a decisão do BC foi do governo, e cuidadosamente planejada. Basta lembrar que, após anos de expansionismo fiscal (reafirmado na proposta orçamentária para o próximo ano), o recente discurso de consolidação teve pouca repercussão, até porque o próprio superávit primário deste ano é quase que totalmente explicado por um inesperado crescimento da arrecadação, especialmente no último mês, quando houve o pagamento de uma só vez, pela Vale, de um disputado tributo. Em consequência, o anúncio do bloqueio de R$ 10 bilhões feito na segunda-feira teve uma morna reação, o que levou à elaboração de um cozido fiscal rápido em panela de pressão, que foi vazado para alguns jornalistas como "Plano Dilma" na terça-feira, seguido por declarações de que os juros poderiam cair "quando o BC assim o decidisse", o que foi realizado na quarta-feira.

Essa brusca mudança de rumo da política monetária, afora o até aqui colocado, tem duas dificuldades adicionais, ligadas à inflação futura e à atividade industrial.

Quanto ao primeiro ponto, não vejo efeitos deflacionários fortes vindos de fora enquanto China, Índia e o resto da Ásia (exceto Japão) crescerem bem. Nosso BC sonha com isso desde quando a inflação estava próxima de 4%, há um ano, até os 7% de hoje, com o mundo desenvolvido já cheio de problemas.

Além disso, a renda das famílias e o seu acesso ao crédito vão continuar crescendo. O crescimento acumulado em 12 meses do salário médio dos admitidos já está na casa de 10%. O recente reajuste dos metalúrgicos de São Paulo foi de 10% mais R$ 2.400, o que dá algo entre 14% e 18% de ganhos nominais.

Finalmente, os preços dos serviços seguirão subindo e a inflação de 2011 e 2012 vai flutuar na faixa de 6%. Só uma grande catástrofe mundial puxará a inflação para baixo, e isso não está visível. Daí porque o risco assumido pelo governo e pelo BC é bastante elevado.

O que está tirando o sono das autoridades é a evidente perda de dinamismo da indústria, que passou a ampliar intensamente componentes e produtos importados, como já falamos inúmeras vezes neste espaço. Ora, a perda de competitividade da produção local é sistêmica (tributos, infraestrutura, custo da energia, má regulação, custo da mão de obra e do capital), e não será revertida ou muito amenizada pela queda de juros apenas, embora ela seja parte da solução. Basta lembrar que a recorrente elevação de tributos continua com o IOF, a revisão do Código Mineral, e agora, pela volta da conversa da CPMF.

O que está por trás da perda de competitividade é o modelo de crescimento atual: o governo eleva o gasto de custeios e transferências, que aumenta o consumo; para financiar essa expansão, eleva os tributos e ainda mantém juros altos para conter a resultante pressão inflacionária. Como o investimento público é mínimo, a energia é cara e a infraestrutura é deplorável. Como o governo gasta mal, a qualidade da nossa educação é triste (embora possa produzir candidatos a prefeito).

É este o conjunto que mata a competitividade do país, bem diverso do que a tão admirada China faz. Enquanto essa estrutura de política for mantida, assentada num projeto de poder que precisa de muito dinheiro para se manter e expandir, não iremos competir com ninguém, apenas importar cada vez mais. Até os setores mais produtivos estão sendo afetados pela doença dos custos elevados, como está evidente hoje no caso do complexo da cana de açúcar.

O futuro vai dizer se essa gigantesca aposta vai dar certo. Não acredito.

PS: Perdemos recentemente o professor Antônio Barros de Castro. Tinha por ele a maior admiração, construída ao longo de muitos anos. Antônio foi uma daquelas raras pessoas que vão crescendo e ganhando sabedoria ao longo da vida. Foi uma honra tê-lo conhecido.

Economista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Entortando o torno:: José de Souza Martins

O novo acordo dos metalúrgicos do ABC indica a desideologização das lutas operárias

O recente acordo dos metalúrgicos do ABC, negociado com as montadoras, é obra de engenharia e prudência políticas que pode indicar inflexão numa história tendencialmente conflitiva nas relações laborais de uma região emblemática da política brasileira. Talvez seja marco de um fim de era nas relações trabalhistas da indústria, iniciada com as grandes e movimentadas assembleias no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, nos anos 70. A distância das maneiras de pensar e reivindicar entre este momento e aquele é enorme. Parece vencida, também, a época das lutas operárias dominadas por nomes referenciais de lideranças. O fim do messianismo sindical representa um progresso social e político.

Não se trata de supor demais, mas de reconhecer que esta última década tem sido uma década de declínio na vitalidade dos movimentos sociais e da organização sindical, especialmente daqueles mais reivindicativos e mais influentes. O MST está hoje muito aquém do que foi em tempos recuados, embora a questão agrária ainda esteja pendente e a questão da agricultura familiar e alternativa indique carências sociais reais e possibilidade política válida e legítima. A UNE e o movimento estudantil estão muitíssimo aquém do que se deveria esperar num momento em que a questão educacional se agrava, com o declínio dos padrões de ensino e de escolaridade. A própria questão trabalhista está longe de justificar a calmaria dos pactos laborais de setores prósperos do operariado, como se vê por denúncias recentes de sobre-exploração do trabalho e de uso de trabalho escravo na indústria de confecções em cidades densamente urbanas, como São Paulo. A relação promíscua com o poder responde por esses declínios e por uma tendência ao conformismo. Mas responde, também, o esvaziamento histórico das reivindicações propriamente políticas que têm se nutrido, ao longo dos anos, de movimentos e reivindicações ditados por necessidades sociais que não eram e não são, propriamente, necessidades radicais.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC parece ter se adiantado na compreensão e aceitação dessa nova circunstância histórica, dos limites que contém e das possibilidades diferentes que abre. Conseguiu fixar um piso salarial de R$ 1.500 para novas contratações e um teto de R$ 8 mil, mais abono e incrementos reais de salários pelos próximos dois anos sem apelo a espetáculos manipulativos da opinião dos trabalhadores.

Os sindicalistas levaram em conta que estamos entrando em conjuntura de crise econômica internacional e de insegurança social. No episódio de agora, procuraram os trabalhadores antecipar-se aos efeitos potenciais da crise para a massa operária desse setor da economia, assegurando-lhe o nível dos salários. Evitaram reivindicações postiças. O crescimento antecipado do mercado ainda neste ano se deverá à introdução do novo motor Euro5 para caminhões, com elevação de 15% nos custos, crescimento, porém, que deve ser descontado do previsto para o próximo ano em face das antecipações de compras. O novo motor atende a exigências legais de redução da poluição ambiental. O acordo de agora indica o refluxo das lutas operárias para o plano negocial e contratual e sua desideologização, o que em princípio atenua a tradição do confronto de classes.

Mais importante do que o acordo salarial, têm os metalúrgicos consciência de que problema maior é o da importação de industrializados. Uma certa devastação se anuncia com o avanço dos produtos chineses no mercado brasileiro. Um sindicalista mencionou a inviabilização de 110 mil empregos pela entrada dos importados. Além do que, os salários chineses, mais baixos que os nossos, puxam para baixo os salários brasileiros quando se dá o confronto entre o produto nacional e o importado. O incremento das ocorrências de trabalho escravo aqui, em setores industriais urbanos, já reflete a concorrência entre modelos de relação laboral em que o Brasil não tem como enfrentar o concorrente sem degradar os salários de seus próprios trabalhadores. Mesmo que os salários chineses continuem melhorando, a demora afetará empregos e salários aqui.

Não só a indústria chinesa tem padrões tecnológicos superiores aos nossos, como tem a China um nível de produção de conhecimento científico e técnico superior ao nosso. Com o acordo, os trabalhadores querem tranquilidade para a batalha contra os importados e em favor de tecnologia, engenharia e inovação aplicados à indústria, como declarou o presidente do sindicato. Na verdade, as universidades brasileiras já há algumas décadas dão passos importantes nesse sentido, desde muito antes da China representar um risco para o equilíbrio econômico de países como o nosso. Em São Paulo, a Fapesp e as três universidades estaduais - USP, Unicamp e Unesp - têm uma longa história de dedicação ao desenvolvimento científico e tecnológico. Os trabalhadores é que não têm entre nós tradição de valorizar a produção do conhecimento e a função das instituições acadêmicas.

José de Souza Martins, sociólogo e professor emérito da USP, é autor de Uma Arqueologia da Memória Social

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

O centenário bonde de Lisboa continua ladeira acima, ao contrário das linhas de Santa Teresa

Fabíola Gerbase

RIO - Enquanto o embarque no bonde centenário de Santa Teresa mistura a sensação de uma viagem no túnel do tempo ao de uma aventura perigosa, os passageiros desses veículos históricos em Lisboa, capital portuguesa, desfrutam de um serviço que, além de charmoso, é confiável. A experiência na cidade, cheia de ladeiras e curvas como Santa Teresa, mostra que é possível preservar a história desse meio de transporte sem deixar que o tempo de vida dos veículos pese a ponto de fazê-los despencar morro abaixo. Os bondes de Lisboa mantêm sua aparência original, mas passaram por remodelações que os tornaram mais seguros para moradores e turistas.

Ironicamente, a operação do sistema por lá teve origem no Rio. Em 1872, foi fundada aqui a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, que até hoje administra os elétricos - como são chamados os bondes pelos portugueses -, além de uma frota de ônibus. Um dos donos da nova firma, o português Francisco Cordeiro de Souza, era cônsul no Rio e, por isso, a sede da empresa ficou aqui por quatro anos. Mas as atividades da Carris foram desenvolvidas só além-mar, e o primeiro elétrico ganhou as ruas de Lisboa no dia 31 de agosto de 1901. O aniversário de 110 anos do sistema de lá caiu na última quarta-feira, véspera da data em que os bondes de Santa Teresa completaram 115 anos. Só que as coincidências param por aí. Os moradores de Lisboa têm motivos para comemorar. Já os cariocas assistem ao auge da crise dos bondes, evidenciada com o acidente do fim de semana passado que matou cinco pessoas e feriu 57.

Decadência teve início nos anos 60

Na capital portuguesa, a reforma geral de 45 elétricos foi feita pela própria Carris entre 1995 e 1996. Morador de Santa Teresa, o chef de cozinha André Barreto viveu por quatro anos em Portugal e pôde sentir a diferença entre as experiências de viajar de bonde em seu bairro de origem e em Lisboa.

- Lá em Portugal, você vê que o sistema é bem cuidado. Fico até com certa raiva, porque você percebe que é plenamente possível a coisa funcionar bem. É uma questão de manutenção. Aqui, os trilhos estão muito abandonados, estragam os pneus dos carros. Os fios da rede elétrica caem a toda hora. O bonde, além de ser um transporte barato, não polui e tem tudo a ver com Santa Teresa. É meio como uma viagem no tempo. Precisa ser recuperado. Assim, ainda ficaríamos livres da correria dos ônibus - imagina Barreto.

A frota de elétricos da Carris, que opera ainda três planos inclinados de Lisboa, tem também dez veículos modernos, os chamados elétricos articulados, e dez elétricos originais, que não foram remodelados. Esses últimos não são usados no serviço normal, mas apenas em situações isoladas, como a de aluguel para empresas que queiram oferecer um passeio típico a visitantes. Comentando quais são os maiores desafios de operar um sistema centenário de bondes, o engenheiro Antônio Martins Marques, diretor da área de elétricos da Carris, na qual trabalha há 30 anos, destacou a importância da manutenção.

- Os elétricos remodelados tiveram mudanças em todas as partes elétricas e mecânicas. Mas eles usam tecnologias antigas também e, por isso, precisam de verificações diárias. Nos elétricos articulados, a frequência da manutenção não é tão grande - explicou Marques, que afirmou nunca ter visto um acidente grave, com mortes, em seu tempo de trabalho na área. - É importante ainda dar treinamento aos condutores. Temos 160 deles.

Segundo o engenheiro da Carris, para que um elétrico perca totalmente os freios, como aconteceu em Santa Teresa, seria preciso falharem três sistemas distintos, além do freio manual. O bonde que se acidentou no Rio, um dos sete que não passaram pela mo$ção da frota de 14 veículos encomendada pela Secretaria estadual de Transportes entre 2005 e 2009, dispunha de duas opções de freio e do recurso manual, de acordo com o engenheiro Luiz Cosenza, coordenador da Comissão de Análise e Prevenção de Acidentes do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ). Os bondes remodelados têm mais um sistema, o chamado "homem morto".

- Se o motorneiro passa mal ou deixa o bonde, o veículo é travado automaticamente - diz Cosenza. - $acidente que houve em 2009 com um desses bondes foi causado pela destruição da caixa de freio, depois de uma colisão. Pedimos que se mudasse a posição da caixa, muito exposta, mas decidiram colocar barras de ferro como proteção.

Após o acidente de 2009, que provocou a morte de uma professora, Fábio Tepedino, diretor de engenharia de transporte da Central Logística, que administra os bondes do bairro, disse que o sistema de freios dos veículos remodelados era muito $ao antigo. Agora, por meio de nota, afirmou: "jamais questionamos a segurança do sistema de freios dos bondes tradicionais".

A decadência dos bondes em Santa Teresa começou com a extinção do serviço no resto da cidade, em 1968, e se acentuou na década de 80. Mecânico dos bondes do bairro há 37 anos, João Carlos Lopes da Silva trabalhou com funcionários que vivenciaram a época da Companhia Ferro Carril Carioca, que criou em 1896 a linha ligando o Largo da Carioca a Santa Teresa. $1963, a companhia, administrada pela Light, entregou as linhas do bairro ao governo do então Estado da Guanabara. Esse foi o destino de todas as linhas da Light. Depois disso, elas foram gradualmente extintas, até 1968, ano em que os ramais de Santa Teresa se tornaram os únicos do Rio e ficaram órfãos da estrutura da Light, que, em 1962, mantinha o vaivém de 600 bondes. O primeiro desses veículos elétricos circulou no Rio em 1892.

- Entrei nos bondes em 1974 e ainda havia muita gente da Carril. Nós éramos muito mais respeitados. Os antigos diziam que, quando o último deles saísse, a coisa ia mudar. E mudou mesmo. Quando comecei, muitos deles ainda trabalhavam na fundição da Light, em Triagem. Lá, eram fabricadas as peças de reposição para todos os bondes do Rio - conta o mecânico João Carlos. - Nunca faltava peça. Depois, começaram a fazer fora. Só que o fornecedor precisava de um molde para fundir a peça. Isso encarecia o produto. Começou a faltar material. No fim dos anos 80, não havia mais ninguém da Carril. Aí, só piorou, até chegar à situação atual.

Uma tentativa de reerguer o charmoso meio de transporte foi feita a partir de 1997, com a reforma de bondes e a reativação do ramal do Silvestre, em cuja reinauguração esteve presente o historiador Milton Teixeira.

- Foi feito um bom trabalho, mas a situação já era muito grave. Com o fim do bonde no resto da cidade, as linhas de Santa Teresa passaram a viver de improviso e canibalismo (peças de um veículo sendo usadas no conserto de outros), com um trabalho artesanal - resume Teixeira.

FONTE: O GLOBO