segunda-feira, 8 de outubro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso: ‘o mensalão maculou a República’ (LVX)


 Dizendo de outra maneira, há um déficit de cidadania entre nós. Nem as pessoas exigem seus direitos e cumprem suas obrigações nem as instituições têm força para transformar em ato o que é princípio abstrato. Ainda recentemente um ex-presidente disse sobre outro ex-presidente, numa frase infeliz, que diante das contribuições que este teria prestado ao País não deveria estar sujeito às regras que se aplicam aos cidadãos comuns... O que é pior é que essa é a percepção da maioria do povo, nem poderia ser diferente porque é a prática habitual.

Pois bem, parece que as coisas começam a mudar. Os debates travados no Supremo Tribunal Federal e as decisões tomadas até agora (não prejulgo resultados, nem é preciso para argumentar) indicam uma guinada nessa questão essencial. O veredicto valerá por si, mas valerá muito mais pela força de sua exemplaridade. Condenem-se ou não os réus, o modo como a argumentação se está desenrolando é mais importante que tudo. A repulsa aos desvios do bom cumprimento da gestão democrática, expressada com veemência por Celso de Mello e com suavidade, mas igual vigor, por Ayres Britto e Cármen Lúcia, é uma página luminosa sobre o alcance do julgamento do que se chamou de "mensalão". Ele abrange um juízo não político-partidário, mas dos valores que mantêm viva a trama democrática. A condenação clara e indignada do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia. Assim como a independência de opinião dos juízes mostra o vigor de uma instituição em pleno funcionamento.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo. Foi presidente da Repúbica. Artigo ‘Sinal de vida’. O Estado de S. Paulo, 7/10/2012

Manchetes dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Rio reelege Paes com votação histórica de 65%
PSB é o maior vendedor do primeiro turno, com vitórias em Belo Horizonte e Recife; PT só garantiu Goiânia
Serra e Haddad tiram Russomanno do 2º turno
Venezuela vive incerteza com bocas de urna divergentes
Suprema celebridade

FOLHA DE S. PAULO 
Serra e Haddad estão no 2° turno; Dilma cobra apoio de Russomanno
Na Venezuela, Chávez é eleito pela 4ª vez seguida

O ESTADO DE S. PAULO 
Serra e Haddad farão 2º turno; tucano ataca e PT acena à base
Cai investimento em infraestrutura
Mensalão terá semana decisiva para Dirceu
Chávez é reeleito com 54% para o quarto mandato

VALOR ECONÔMICO 
Voto pulverizado marca 1º turno
Elétricas não cumprem metas
Ministério vai conter criação de sindicatos
Dilma busca reaproximação com o PMDB para o 2º turno
Nulos e brancos são recorde em S. Paulo

BRASIL ECONÔMICO
Eleição fortalece posição de petistas e tucanos nas capitais

CORREIO BRAZILIENSE
PT e PSDB vão à guerra. PMDB e PSB faturam
Dezessete capitais terão segundo turno
Hugo Chávez ganha em disputa dramática

ESTADO DE MINAS 
Vantagem de 152.570 votos reelege Marcio Lacerda
Renovação de 54% na Câmara
Cartão de crédito: Crescem queixas contra programas de fidelidade

ZERO HORA (RS) 
Fortunati reeleito - "Meu governo não será uma mera continuidade"

JORNAL DO COMMERCIO (PE) 
Vitória de Eduardo. Geraldo é o prefeito

Eleitor não se preocupa com mensalão, diz Lula


Para ex-presidente, população quer "síndico" que cuide da rua e do bairro

Petista faz costumeira citação ao futebol, dizendo que situação do Palmeiras chama mais atenção que julgamento

José Ernesto Credendio, Bernardo Mello Franco e Luiza Bandeira

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ontem que o julgamento do escândalo do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) pudesse afetar o voto nos candidatos do PT no primeiro turno das eleições. Para ele, a população está preocupada com outros assuntos.

Com a costumeira citação ao futebol e associando as eleições municipais aos interesses mais diretos do eleitor, Lula procurou afastar o escândalo dos resultados do pleito de ontem.

As declarações de Lula foram dadas de manhã, antes da confirmação da ida de Fernando Haddad (PT) ao segundo turno com José Serra (PSDB) em São Paulo.

"A população não está preocupada com isso [mensalão], o povo está preocupado se o Palmeiras vai cair e se Fernando Haddad vai ganhar", disse Lula, após tomar café com o candidato em um hotel em São Paulo.

Além de Haddad, Lula estava acompanhado pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Aloizio Mercandante (Educação) e outros apoiadores de Haddad.

Mais tarde, o ex-presidente voltou a falar do escândalo após votar em uma escola da periferia de São Bernardo do Campo (Grande ABC) com a mulher, Marisa Letícia.

Indagado sobre possíveis efeitos do julgamento no pleito de ontem, Lula declarou que o eleitorado votaria pensando somente em escolher seus candidatos buscando uma espécie de "síndico".
"Não, o povo é muito inteligente, sabe a diferença das coisas. O povo sabe o que é julgamento e o que é votação. O povo está querendo um prefeito que cuide de sua rua, seu bairro, sua vila, sua cidade. Fora disso o povo não quer saber se tem mensalão, sé é corintiano, se é santista, se é Palmeiras."

Ministros

O ministro da Justiça concordou com Lula e fez uma leitura semelhante à do ex-presidente sobre as repercussões do caso. Cardozo declarou que a votação de Haddad não seria prejudicada.

"Francamente, é muito difícil você avaliar isso [influência do julgamento]. A impressão que eu tenho é que a população sabe bem separar as coisas", afirmou.

Ainda em relação a Haddad, segundo Cardozo, os eleitores "sabem que o que está em discussão neste momento é um programa para a cidade de São Paulo".

Sucessor de Haddad no Ministério da Educação e possível candidato do PT a governador de São Paulo em 2014, Mercadante deu uma interpretação diferente, também antes do resultado de ontem.

O ministro disse pela manhã que todos os candidatos do partido, incluindo os de São Paulo, sofreriam com a coincidência de datas entre a eleição municipal e o julgamento do mensalão.

"Você ter um julgamento que começou quando a eleição começou, com o espaço que o julgamento teve, e que está terminando a eleição em nada contribuiu com a eleição dele [Haddad] ou de quem quer que seja do PT. Mas o PT é muito maior que isso", declarou o ministro Cardozo.

Fonte: Folha de S. Paulo

FHC reage e afirma que petista deveria se importar com caso


Frederico Vasconcelos e Elvis Pereira

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou as declarações de seu sucessor sobre o mensalão. "Ele [Lula] pode achar isso, mas como líder devia estar preocupado. E não fingir que não houve mensalão."

O tucano vê dois sinais vitais, recados que a população está enviando nesta eleição às lideranças políticas: o primeiro é o impacto da ação penal do mensalão entre os eleitores; o segundo é que "o povo hoje tem muita independência, escolhe, não adianta ter padrinho".

Ao votar nesse domingo no Colégio Sion, em Higienópolis, FHC disse esperar que o mensalão influencie o voto dos eleitores.

"Quanto mais a população perceba o que é o mensalão, como símbolo, e que o PT está muito metido nele, melhor. É um fato grave. O PT tem suas virtudes, mas é preciso corrigi-lo", disse.
Segundo o tucano, "o STF está tomando uma posição de vanguarda, ao mostrar que a lei é igual para todos. Uns vão ser absolvidos, outros condenados. Disseram, "ah, não vai acontecer nada". Vai acontecer, é um marco histórico".

Para o governador Geraldo Alckmin (PSDB), o ex-presidente Lula está equivocado. "A população está, sim, acompanhando com atenção [o julgamento]", disse.

"Essa é uma mudança cultural importante no país. O que estimula o malfeito? A impunidade. Encerrar o ciclo de impunidade tem um sentido pedagógico."

Fonte: Folha de S. Paulo

Mensalão: Joaquim tem dia de estrela


Lewandowski não comenta processo; Dirceu se cerca de petistas e Genoino ofende imprensa; Jefferson não vota

Roberto Kaz, Leandra Lima, Thiago Herdy, Marcia Abos e Thais Britto

RIO e SÃO PAULO - Para quem olhasse de longe, o pequeno alvoroço - com pedidos de autógrafo, foto, beijo e abraço - poderia dar a impressão de que havia, ali no meio, uma estrela do rock. Para quem olhasse de perto, uma palavrinha, ao fim de cada elogio gritado ("Parabéns!", "Sou sua fã") mostraria que não: "ministro". A celebridade em questão era ele mesmo, o ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, relator do mensalão, que votou às 11h15min no Clube Monte Líbano, na Lagoa, onde fica 17ª Zona Eleitoral do Rio. O revisor do processo, Ricardo Lewandowski, e réus do mensalão também chamaram a atenção dos eleitores ontem.

Barbosa aguardou por um minuto na fila, antes de votar. Foi o tempo para que surgisse um grupo de tietes entre 50 e 80 anos. A primeira a se aproximar foi a professora aposentada Leonor Carvalho, que após pedir o combo abraço/foto/autógrafo, parabenizou o ministro "pela honestidade e pelo belo trabalho".

- Quero que meus filhos (advogados) sejam assim que nem ele: dureza.

Leonor estava com a tia, Altair Masplê, que diz ver o julgamento todos os dias, como novela:

- Acho ele excepcional.

Perguntado pela imprensa se estava se habituando à vida de estrela, o ministro desconversou:

- As pessoas me acompanham há muito tempo. Não sou estrela. É carinho - disse Barbosa, ao lado de um segurança e de um motorista.

O supervisor da 17ª Zona, Luiz Henrique Leão Vieira, de 49 anos, tirou uma foto com o ministro, e postou no Facebook. Escreveu: "Esse me dá orgulho de ser brasileiro!!".

- Hoje ele é "o" cara - disse Vieira.

"segundo turno é sempre bom"

Nos quinze minutos em que ficou no local, Barbosa não negou um único pedido de foto. Disse que seu voto atual é secreto. Perguntado se gostaria que houvesse segundo turno na cidade, disse:

- Segundo turno é sempre bom.

Perguntado onde iria comemorar seu aniversário - por coincidência, ontem - respondeu que já o havia feito, na noite anterior, com a família (seu filho Felipe, de 26 anos, mora no Rio).

A advogada Claudia Beauclair se emocionou e mandou mensagem aos filhos: "Uau!!! Votei, e quem estava na minha seção? O meu herói! O ministro Joaquim Barbosa!!! Tirei foto com ele num gesto de tietagem explícita!!!"

Eleitor em São Paulo, o revisor do processo, o ministro do STF Ricardo Lewandowski disse estar com a consciência tranquila quanto a seus votos - ele foi o único dos quatro ministros que já votaram a absolver os petistas José Dirceu e José Genoino da acusação de corrupção ativa. O ministro pediu esquema de segurança e entrou pelos fundos do colégio onde vota, no Brooklin, na zona sul de São Paulo.

- Estou com a consciência absolutamente tranquila, cumpri meu dever. Críticas fazem parte do processo democrático - disse.

Dois dos principais réus do mensalão tiveram reações diferentes ao votar, em São Paulo. Logo cedo, o ex-presidente do PT José Genoino perdeu o controle e xingou jornalistas. Já o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu trocou de domicílio eleitoral e cercou-se de militantes. Esta semana, deve ser concluída no Supremo parte do processo que diz respeito a Genoino e Dirceu.

Antes de votar, Genoino respondeu a perguntas de jornalistas gritando. A irritação o fez ir embora de seu colégio eleitoral, no Butantã, zona oeste de São Paulo, sem votar. Meia hora depois, voltou e votou.

- Vocês são urubus que torturam a alma humana. Não podem ficar aqui. Não falo com urubus. Vocês fazem igual aos torturadores da ditadura. Só que agora não têm pau de arara, têm a caneta - gritou, com as mãos trêmulas.

Pizzolato "sob efeito de remédios"

Sob o aplauso da militância petista e cercado por seguranças, Dirceu votou no fim da tarde no Bosque da Saúde, região sul da capital paulista. Ele trocou o domicílio eleitoral para evitar ser hostilizado. O novo local fica numa região de classe média-baixa, reduto petista, segundo assessores. O ex-ministro foi cercado por militantes que cantavam mensagens de apoio. Seguranças e aliados empurraram jornalistas.
Já João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, votou em Osasco, na Grande São Paulo. Entrou e saiu rapidamente da sala de votação, sem dar declarações. Cunha era candidato a prefeito pelo PT na cidade, mas desistiu após ser condenado por corrupção e peculato.

Também já condenado (corrupção passiva, peculato e lavagem), o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato votou na Escola Municipal Cícero Pena, em Copacabana, no Rio. Apático, entrou e saiu sem chamar atenção dos eleitores, que não o reconheceram.

- Ele não está em condições de falar, está sob efeito de remédios- disse uma mulher que o acompanhava.

Aguardado na 3ª Zona Eleitoral, em Botafogo, no Rio, o ex-deputado Roberto Jefferson, também réu e com condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não votou. Segundo sua assessoria, o presidente do PTB não se sentiu bem durante a semana e, após alguns dias com febre, resolveu ficar em casa, em Levy Gasparian.

Fonte: O Globo

Mensalão terá semana decisiva para Dirceu


O julgamento de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares será retomado amanhã no STF. Já há três cotos pela condenação de Dirceu e Genoino e quatro para Delúbio. A tendência é de que Dirceu seja condenado por placar dilatado

Ministros do Supremo devem condenar Dirceu por corrupção ativa nesta semana

Hora da sentença. Integrantes da Corte preveem placar de oito votos pela condenação contra dois pela absolvição do ex-ministro do governo Lula acusado de comandar o esquema de compra de votos no Congresso; crime de formação de quadrilha será analisado depois

Mariângela Gallucc

A densidade dos primeiros três votos favoráveis à condenação do ex-ministro da Casa Civil Jo­sé Dirceu aumentou, entre os ministros do Supremo Tribu­nal Federal, a convicção de que ele será condenado por corrup­ção ativa por um placar dilata­do. A expectativa é que oito mi­nistros votem pela condena­ção e dois pela absolvição.

Junto com o ex-capitão do ti­me do primeiro mandato do en­tão presidente Luiz Inácio Lula da Silva devem ser considera­dos culpados pelo crime o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Deúbio Soares. O julgamento será retomado amanhã e a previsão é que o resultado sobre os casos dos políticos que integravam a cúpula petista no governo Lula saia ainda esta semana.

Além da pena que deverá ser fixada pelo STF aofim do julgamento, os condenados passarão a ser considerados "fichas-sujas". Ou seja, como consequência da deci­são, ficarão inelegíveis pelo perío­do de oito anos, conforme estabe­lece a Lei da Ficha Limpa.

Até agora, 4 dos 10 ministros do STF já votaram. Por enquan­to, existem 3 votos para conde­nar José Dirceu e Genoino e 4 para punir Delúbio Soares.

O julgamento será retomado com os votos dos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello e do presidente, Carlos Ayres Britto. A expectati­va é de que a maioria siga a conclu­são do relator, Joaquim Barbosa, que aceitou as acusações do Mi­nistério Público Federal segun­do as quais José Dirceu foi a prin­cipal figura e o autor intelectual do mensalão. Para ele,o escânda­lo ocorreu dentro do Planalto.

"O conjunto probatório sobre os pagamentos efetuados por Delúbio e Marcos Valério a parla­mentares coloca o então minis­tro da Casa Civil na posição central da organização e da prática, como mandante das promessas de pagamento das vantagens in­devidas a parlamentares para apoiar o governo", concluiu Joa­quim Barbosa em seu voto.

A expectativa também entre os integrantes da Corte é que um segundo voto pela absolvição de Dirceu seja dado pelo ministro Dias Toffolli, que foi advogado do PT e subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil durante a gestão do petista.

O advogado José Luís de Oli­veira Lima, que representa José Dirceu, sustenta que "não há nenhuma prova" contra seu clien­te, "conforme disse o próprio procurador-geral da República (Roberto Gurgel) ao afirmar que as provas eram tênues", afirmou o criminalista.

Após mais de doismeses de julgamento, 20 dos 37 réus acusa­dos de envolvimento no esque­ma do mensalão já foram conde­nados pelos ministros do STF por um ou mais crimes. Entre os sete mais investigados, lavagem de dinheiro e corrupção passiva são responsáveis pelo maior nú­mero de condenações. Outros delitos pelos quais os réus também foram condenados são corrupção ativa, formação de quadrilha, pe­culato e gestão fraudulenta. Até agora, nenhumréufoi punidopor evasão de divisas.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Gurgel quer ações preventivas contra fuga de condenados


Procurador-geral diz que se preocupa com a "efetividade" da prisão que, para ocorrer, os réus devem estar no País

Eduardo Bresciani Mariângela Gallucci

BRASÍLIA - Escaldado com a viagem ao exte­rior durante o julgamento do mensalão do ex-diretor de Mar­keting do Banco do Brasil Henri­que Pizzolato e do precedente do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, o procurador-geral da Re­pública, Roberto Gurgel, em sin­tonia com ministros do Supre­mo Tribunal Federal, busca meios de neutralizar eventuais tentativas de fuga.

A estratégia principal dese­nhada por Gurgel e assessores é pedir, ao fim do julgamento do mensalão, que o STF deter­mine medidas de cautela para evitar que os réus condenados escapem do cumprimento da pena de prisão. "A minha preo­cupação é com a efetividade da decisão. A efetividade passa por estarem os réus em territó­rio brasileiro. Estou examinan­do o assunto", afirmou Gurgel, na sexta-feira.

O procurador quer que ao fim do julgamento o Supremo deter­mine a prisão dos condenados, mas, se isso não ocorrer, ele deve requerer que o tribunal tome medidas como a proibição de viagens para o exterior, a necessidade de pedir autorização do juiz para sair da cidade e a apreensão de passaportes. "Estou analisan-do as cautelas que devem ser adotadas de um modo geral para assegurar o cumprimento da deci­são. Ainda não defini quais seriam as cautelas", disse, Gurgel afirmou que ainda não tomou nenhuma medida contra o ex-diretor de Marke­ting do BB, que foi condenado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Ele viajou para a Itália em julho, antes do início do julgamento, e só retornou na sexta-feira.

O fato de Pizzolato ter cidadania italiana fez com que Gurgel se lembrasse de Gacciola, que é italiano e fugiu para o seu país para escapar do risco de prisão após ser condenado por crime contra o sistema financeiro. "Se não voltar é um problema. Em princípio, nenhum país extradi­ta seus nacionais. Tem de espe­rar ele ir para Mônaco", afirmou o procurador, numa referência a Gacciola, que foi preso ao viajar para o principado.

Mandados. Com as condena­ções da maioria dos réus no pro­cesso do mensalão, o STF se aproxima do debate sobre a pri­são imediata dos que forem con­siderados culpados. A expedição imediata de mandados de prisão não é uma praxe na Corte. O en­tendimento é que somente após os embargos, que são recursos à disposição dos réus, estaria con­cluída a culpa dos mensaleiros. O Ministério Público, porém, sustenta que neste caso os recur­sos teriam efeitos meramente protelatórios, uma vez que, em regra, embargos de declaração não têm o condão de mudar o mérito de decisões.

"O que o Ministério Público sustenta é que a execução das pe­nas eventualmente fixadas de­vem se fazer logo em seguida à conclusão do julgamento, mas is­so é uma tese que será debatida ainda pela corte", disse Gurgel.

Outro tema que causa incômo­do é o fato de deputados federais condenados continuarem no exercício do cargo. Já foram con­siderados culpados João Paulo Gunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Gosta Ne­to (PR-SP). Pela Constituição, eles só perderiam o mandato no final do processo, após os embar­gos, e caberia à Câmara, em ple­nário, votar a cassação.
Diante destes fatos, o pedido do Ministério Público de prisão imediata deve provocar emba­tes no tribunal. Alguns minis­tros, vistos como mais "garantis-tas", refutam essa ideia, mas a expectativa é que a tese tenha defensores na Corte.

Fonte: O Estado de S. Paulo

O dito pelo não dito - Ricardo Noblat


"De uma vez por todas, é preciso que, no Brasil, a lei valha para todos" (Roberto Gurgel, procurador-geral da Republica)

No início de 2006, quando o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), da CPI dos Correios, divulgou seu relatório final sobre o caso do mensalão denunciado por Roberto Jefferson em meados do ano anterior, jornalistas de Brasília procuraram Lula para ouvi-lo a respeito. Diante de assunto incômodo, como é do seu feitio, Lula se esquivou. E disse: "Não vou ler. Aguardarei o pronunciamento final da Justiça"

Alguns meses antes, Lula ocupara rede nacional de televisão para, aparentemente constrangido, pedir desculpas aos brasileiros. Lamentou tudo o que tinha ocorrido, numa admissão velada de que algo de muito grave tinha ocorrido de fato. Ora olhando para a câmera, ora para o teto, se disse traído. E apunhalado pelas costas. Não revelou o nome dos traidores. Nem de quem o apunhalara.

Se o tivesse feito daria margem para que seus desafetos alardeassem: "Estão vendo? Tanto ele sabia da existência do mensalão que não teve dificuldade em identificar os mensaleiros." De lá para cá, Lula tratou o caso de duas maneiras. A primeira: garantindo que tudo seria apurado pela Justiça, e os culpados punidos. A segunda: afirmando que o mensalão não passara de uma farsa. De uma grande farsa.

A primeira maneira serviu para que Lula atravessasse como um coitadinho os meses que faltavam para a eleição de 2006. Reeleito, adotou a segunda maneira. O que existira, o que fora chamado de Caixa 2, o que resultaria em punições, cedeu lugar à teoria da farsa. E se fora uma farsa ... Bem, nada mais lógico do que deduzir que ninguém pagaria por ela. Sem crime, sem culpados.

Lula bateu à porta de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) empenhado em convencê-los a adiar o julgamento do processo do mensalão. Não porque temesse a punição dos seus comparsas. Como eles seriam punidos, se Lula e Dilma juntos haviam nomeado sete dos atuais dez ministros? Nada mais republicano do que esperar que tais ministros votassem, para poupar seus padrinhos de constrangimentos.

O adiamento pretendido por Lula tinha a ver com 0 fato de que o julgamento poderia correr paralelamente a campanha eleitoral. Lula temia que o PT perdesse com isso. O PT perdeu com a atitude de Lula de interferir no calendário da Justiça. E deve ter perdido alguns votos em São Paulo, com a contaminação do debate político pelo julgamento. Lula tinha razões para se preocupar. E nenhuma para se meter.

Agora, às vésperas de o STF confirmar o nome dos que o traíram, Lula elogiou o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que absolveu o ex-ministro José Dirceu. Para ele, Lewandowski foi claro e abordou "questões centrais" durante a sua exposição, segundo Gustavo Uribe, repórter do GLOBO. Lula tem repetido que não existem provas capazes de mandar para cadeia o acusado de ter chefiado o esquema do mensalão.

Cadê o Lula que se recusou a ler o relatório da CPI dos Correios porque preferia aguardar o pronunciamento da Justiça? E cadê o Lula que garantia estar convencido de que a Justiça apuraria o caso e puniria os culpados? O gato comeu. Não comeu. O Lula que disse tudo aquilo era apenas um farsante. Confiram o que ele dirá tão logo termine o julgamento.

O comportamento de Lula em relação aos mensaleiros é típico de quem se sabe culpado pelo crime que os outros pagarão sozinhos. De resto, é típico também de quem se sente refém de segredos. Marcos Valério espera receber em dobro a atenção e o carinho que mereceu do PT até aqui. Do contrário...

Fonte: O Globo

Lições do primeiro turno - João Bosco Rabello


Ainda é cedo para avaliações mais amplas das eleições municipais, cujo primeiro turno foi encerrado ontem. Um balanço das conquistas dos partidos só deverá ser feita mais à frente. Mas algumas conclusões com base nas apurações do primeiro turno independem de confirmação no segundo. Uma delas, a de que o PSDB, ainda que desnorteado no Congresso Nacional, mantém-se como referência de oposição.

Já vitorioso em Maceió, disputa o segundo turno em mais oito capitais, enquanto o DEM, ex-parceiro de poder, definha e caminha para uma fusão com o PMDB ou simplesmente para a dispersão de seus quadros. Elegeu no primeiro turno o prefeito de Aracaju, o veteraníssimo João Alves, e lidera a disputa em Salvador no segundo turno. Mas é só - e muito pouco para manter-se em cena.

Ficou em quarto lugar em Natal, capital que tem o único governo estadual, e é reduto de seu presidente, senador José Agripino. E o ex-presidente do partido, Rodrigo Maia, registrou humilhantes 2,9% de votos no Rio de Janeiro.

O PMDB provavelmente continuará sendo o partido a eleger maior número de prefeitos, dada a sua capilaridade, mas, à exceção do Rio de Janeiro, não tem cidades estratégicas sob seu comando. Conserva seu papel de coadjuvante que, ao mesmo tempo, lhe garante um histórico poder de barganha no mercado político.

As vitórias acachapantes no primeiro turno em Belo Horizonte e Recife - onde enfrentou o PT, o ex-presidente Lula e a presidente Dilma -, faz do governador de Pernambuco Eduardo Campos, o mais beneficiado pelos resultados até agora. Seguido pelo senador Aécio Neves (PSDB), que capitaliza também a vitória de Márcio Lacerda (PSB), de quem foi aguerrido cabo eleitoral.

É a afirmação das duas lideranças mais notórias da nova geração política, que costuram seus planos presidenciais em contexto de respeito cúmplice - Aécio programado para 2014 e Campos para 2018, se a economia não conspirar contra a alta popularidade da presidente Dilma Rousseff antes disso.

O ex-presidente Lula reafirmou sua capacidade de transferência de popularidade: ainda que em ritmo bem mais lento e sofrido levou seu candidato, desconhecido do eleitorado, Fernando Haddad, ao segundo turno em São Paulo. Ao contrário da presidente Dilma, que saiu derrotada da eleição mineira.

Por fim, os dados de saturação do eleitorado com os velhos caciques: Jader Barbalho, no Pará, não logrou mais que 8% dos votos para seu candidato; o de José Sarney, no Maranhão, está fora do segundo turno; Siqueira Campos (TO) perdeu no primeiro turno para um súbito colombiano; Renan Calheiros e Fernando Collor sequer chegaram ao final da disputa: o candidato de ambos, Ronaldo Lessa teve o registro cassado, quando já perdia para Rui Palmeira.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Os incomodados que mudam - Melchiades Filho


Pesquisas nos grandes municípios apontam que os eleitores nunca estiveram tão voláteis, trocando de candidato durante a campanha sem a menor cerimônia -para entusiasmo e, ao mesmo tempo, muita aflição dos institutos.

A tendência foi instantaneamente interpretada como um sinal de desalento do brasileiro e, até mesmo, de fadiga do sistema representativo. O cidadão, por essa leitura, se cansou de tudo e de todos na política. Daí a atração por nomes que desconhecia antes da propaganda.

Tudo isso pode ser verdade. Mas é verdade, também, que desqualificar o eleitor é a saída mais confortável sempre que as preferências contrariam prognósticos e interesses.

Se o eleitor estivesse tão indiferente, contudo, ele não faria o mais simples, apenas referendando ou rejeitando nomes que lhe são familiares? E, se de fato desiludido, não haveria voto nulo em larga escala?

Talvez o ato de pular de galho em galho, de aderir e abandonar, signifique outra coisa: a disposição de experimentar. Se não há "coerência", é porque não houve sucesso na procura de quem honre compromissos assumidos. Emendar Jânio Quadros, Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta, Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab sugere inquietude, e não acomodação.

Certa vez um réu petista do mensalão, num desabafo que infelizmente preferiu não tornar público, me disse acreditar que a política está hoje em todo lugar, exceto nos partidos, cada vez mais ensimesmados e atolados em intrigas palacianas e desde sempre avessos à autocrítica.

O desempenho surpreendente de "anticandidatos" como Celso

Russomanno (PRB, São Paulo), Ratinho Júnior (PSC, Curitiba), Daniel Coelho (PSDB, Recife), Carlos Amastha (PP, Palmas), Edivaldo Holanda Júnior (PTC, São Luís) e Edmilson Rodrigues (PSOL, Belém) não parece indicar a falência da política, mas de quem se julgava dono dela.

Fonte: Folha de S. Paulo

Mensagens das urnas - Tereza Cruvinel


Os eleitores votam para prefeito e vereador pautados pelas questões locais, mas o resultado de uma elei­ção municipal é portador de mensagens sobre o plano nacional. E afeta, naturalmente, o jogo políti­co maior, especialmente a eleição presidencial seguinte. O número de votos e o número de prefeituras e vereadores obtidos por cada partido, bem como a importância econô­mica das cidades conquistadas, são fatores que ajudam a estabelecer uma nova correlação de forças. influenciam a eleição seguinte, seja na formação de alianças, seja nas possibilidades de uso da máquina e até na obtenção de financiamento. Os ministros do Supremo podem ficar es­candalizados, mas é assim que a coisa funciona. Quem ocupa as melhores posições no Poder Executivo, em todos os níveis, tem mais facilidade para obter dinheiro. É claro que fazem isso evitando montar esquemas ilícitos como o valerioduto mineiro de 1998 ou o do PT, de 2003-2004.

A apuração dos votos do primeiro turno de ontem, em relação às capitais, trouxe ganhos para os atores mais im­portantes — Lula, Eduardo Campos e Aécio Neves, princi­palmente —, mas não estabeleceu nenhuma nova hegemonia. Nem o PT saiu fragorosamente derrotado, como alardeado, por causa do julgamento do mensalão pelo Su­premo, nem a oposição avançou como esperava, ganhan­do a musculatura desejável para conquistar a Presidência em 2014. Como há muito poder em jogo no segundo turno, em 17 capitais, isso pode mudar. Mas, da parte do eleitor, o voto pulverizado em todos os partidos, de forma quase equilibrada, pode ter tido a seguinte mensagem: a briga de político é uma coisa, conveniências do eleitor são outra.

Diversas são as leituras propiciadas por uma eleição mu­nicipal, mas, na ho­ra do frigir dos ovos, duas são as coisas que mais contam. Primeiro, quem leva as grandes máqui­nas, como a prefei­tura de São Paulo, cujo orçamento é maior do que o de muitos estados. Nes­se aspecto, até ago­ra, o eleitor dividiu de forma quase equilibrada o poder. A segunda questão relevante é o numero de prefeituras, e nisso, mais uma vez, a hegemonia continua sendo do PMDB. A meta de manter-se com mais de mil foi alcança­da. E, com isso, o valor do apoio do partido ao governo Dilma cresce. Além das presidências das duas Casas do Con­gresso, o partido vai querer mais ministérios na reforma de janeiro/fevereiro, além de manter Michel Temer como vice de Dilma na chapa de 2014. Prefeitos ajudam a eleger pre­sidentes e, principalmente, senadores e deputados fede­rais que garantem a sustentação dos governos federais.

Assoprar feridas

O segundo turno em São Paulo confirmou a volatilidade do voto que as pesquisas vinham captando. Na última ho­ra, elas não conseguiram acompanhar o zigue-zague do eleitorado, apontando empate triplo entre José Serra, Cel­so Russomanno e Fernando Haddad. Deu-se com Russo- manno a lenda do cavalo paraguaio: na reta final, sucum­biu aos ataques dos dois adversários, mas foi vítima tam­bém de sua própria inconsistência como candidato. Na hora H, o eleitor refluiu para situações que já conhece. Ser­ra já foi prefeito e governador. Haddad é novo na área, mas o Pt é conhecido, também já governou a cidade. Mas, con­siderando sua trajetória e a inexpressão de seu partido, o PRB, Russomanno sai vitorioso com seus 21,6% dos votos. Agora, é um player.

Ontem mesmo, tucanos e petistas já colocavam a mão na massa para refazer as alianças para o segundo turno e o apoio de Russomanno sem dúvida é um troféu cobiçado. A tendência do PRB é apoiar Haddad, disse ontem seu presi­dente regional. O partido tem no governo Dilma o ministro Marcelo Crivella. Russomanno, pessoalmente, não anun­ciou decisão nenhuma. Apanhou muito dos dois lados. Te­ria que esquecer as mágoas para apoiar um ou outro. Já seu vice, Campos Machado, do PTB, deve apoiar Serra. É muito ligado ao governador Alckmin.

Em todas as 17 capitais onde haverá segundo turno, a noite foi de costura de novas alianças. Hora de assoprar as feridas do embate no primeiro turno. E, para a presidente Dilma, o dia começa com definições importantes sobre sua atuação na campanha. Para reeleger-se, ela vai preci­sar dos aliados, e não só do PT. Agora, vai ter que suar a maquiagem em alguns comícios.

Dois caminhos

O governador Eduardos Campos sai da eleições creden­ciado a disputa a Presidência, mas nem ele tem essa equa­ção resolvida em sua cabeça. Ontem, ouviu gritos de "Eduardo, presidente", e hoje mesmo vai desembarcar co­mo vitorioso em Brasília. A decisão, entretanto, será toma­da mais adiante, levando em conta duas hipóteses. Para romper com o bloco liderado pelo PT, que reúne todo o campo da esquerda, ele terá que se posicionar à direita no campo ideológico. Não tem como ficar à esquerda de Lula/Dilma, onde habita o PSol e onde escasseiam os votos. Por isso, ele não descarta a hipótese de permanecer no bloco e apoiar Dilma, mas impondo maior valor a suas ações. No mínimo, figurando como vice.

Fonte: Correio Braziliense

Nem tanto ao mar - Dora Kramer


Com os resultados totais bem cruzados e amarrados, melhores análises virão sobre as eleições de ontem cujos efeitos ainda repercutirão por alguns dias.

Nada com vida muito longa que perdure até 2014, nem tão curta que não produza consequências.

A primeira é uma constatação: nem a oposição está tão fraca como se imaginava nem o governo está tão forte quanto o PT esperava que estivesse às vésperas de completar uma década na Presidência da República.

O partido teve vitórias pouco importantes em 1.º turno, mas em compensação será protagonista nos embates mais politizados da etapa final: São Paulo e Salvador, duas arenas onde haverá carnificina.

Visto do alto, com os resultados das urnas ainda bem fresquinhos, o cenário de 2012 é de equilíbrio entre os principais partidos.

Quase todos eles são da base do governo federal? São, mas, como se sabe, não há nada mais volátil que base de sustentação governista quando surgem os primeiros sinais de fragilidade política.

Os fiéis farejam e, em movimentos cadenciados, deslocam sua fidelidade para caminhos mais promissores no quesito expectativa de poder.

Nesse instante a roda começa a girar. Para qual lado exatamente pode-se até tentar adivinhar, mas corre-se o risco de perder um tempo que o leitor certamente não tem para desperdiçar.

Portanto, por ora melhor ficar com o que temos de líquido e certo, que é um quadro razoavelmente equilibrado. Adequado a uma sociedade plural e a um sistema multipartidário, sempre mais bem representado quando não há preponderância absoluta de uma corrente sobre as demais.

Isso e ainda outra boa notícia: quanto mais equilíbrio houver, mais o governante terá de ser moderado no uso de suas ferramentas de comando.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Eleições e economia - Aécio Neves


As eleições realizadas ontem, em primeiro turno, e as últimas notícias sobre o desempenho da economia dominam, neste momento, o interesse dos brasileiros em razão das repercussões que têm sobre a vida nacional.

Pelo voto livre e soberano, o pleito reafirma a força da nossa democracia, expressa no encontro de milhares de candidatos e de milhões de eleitores nas urnas dos mais de 5.000 municípios brasileiros e no amplo debate sobre os problemas nacionais que incidem de forma aguda na realidade das nossas cidades: corrupção, gestão precária, saúde ruim, educação sem qualidade, o avanço da violência e os crescentes desafios na área da mobilidade urbana.

Na economia, relatório divulgado pela Cepal aponta que o Brasil crescerá apenas 1,6% neste ano. É o segundo pior resultado entre os 20 países analisados da América Latina e do Caribe, superior apenas ao do Paraguai e atrás de Panamá, Haiti, Peru, México, Costa Rica e Bolívia.

Referendado também por órgãos do próprio governo, como o Banco Central, o resultado desmente as previsões fantasiosas com as quais o governo tentou falsear a realidade.

O número da Cepal já havia sido antecipado por instituições financeiras internacionais e, à época, foi classificado como "piada" por nossas autoridades econômicas, que passaram o ano anunciando crescimento em patamar muito superior. Vê-se agora, de fato, com quem estava a realidade, neste lamentável espetáculo do PIB em queda livre.

Mesmo com tantas evidências, o governo insiste em debitar na conta de outros países a responsabilidade exclusiva sobre o problema, em vez de fazer o seu próprio dever de casa. Ao agir assim, cumpre agenda que atende outros interesses, sem se preocupar com os efeitos deletérios dessa estratégia, que condena o país a um crescimento medíocre, como nos dois últimos anos, e põe em risco a perspectiva brasileira como nação emergente.

Com o esgotamento das medidas emergenciais para tentar salvar o ano eleitoral -e a constatação de que não funcionou, como antes, o tripé oferta de crédito, queda das taxas de juros e benemerências fiscais a setores produtivos-, resta-nos voltar à cobrança das reformas ainda por fazer, único caminho para assegurar competitividade à economia e recolocar o país no rumo de um crescimento sustentado e duradouro.

Ao fim do ano eleitoral, o governo terá de se haver com os antigos desafios que se agravaram sem resposta: o peso dos impostos, o excesso de burocracia, juros ainda nas alturas, legislação trabalhista do século passado, inércia e incompetência para desatar o nó da infraestrutura, entre tantos outros que entravam o desenvolvimento nacional.

Fonte: Folha de S. Paulo

Os intelectuais e a política - Renato Janine Ribeiro


No meio século que passou, o Brasil viveu três fases na relação entre os intelectuais e o poder. Durante a longa ditadura militar, a maioria dos intelectuais esteve na oposição, ou pelo menos a uma distância razoável do poder de exceção. Mas, no governo FHC, parte razoável deles parou de enxergar o poder como seu inimigo. Depois da eleição de Lula, aumentou o número de intelectuais que se reconheciam no governo.

A grande mudança, do regime militar para o mais longo regime democrático de nossa história, está no fato de que trinta anos atrás era impensável gostarmos de um governo. Agora, é possível. Na verdade, tornou-se norma, mais que exceção. Mesmo quem é contra o governo federal pode simpatizar com o governo mineiro ou o paulista, há anos em mãos da oposição.

Passamos de um longo período, uma geração inteira, no qual achávamos que todo governo era ruim por princípio, para um tempo em que os intelectuais apoiam algum poder eleito.

Demoramos a nos reconhecer em governos eleitos

Muito disso se deve à democratização do país. Um governo eleito representa o povo. Como os intelectuais destoariam por completo da sociedade? Mas não foi fácil para os intelectuais, nem para quem se interessa por política, migrar de uma situação em que falar mal do governo era esporte trivial e rotineiro, para outra em que ele foi instituído por nós. Era confortável culpar o governo por tudo de ruim. Mas, com o avanço da democracia, fica claro que a sociedade, incluindo os intelectuais, é responsável pelos problemas do país.

Para mim foi um certo espanto, um dia de 1995 ou 96, numa conversa social sem nenhuma importância, eu fazer uma crítica ao governo, tipo "o governo é assim mesmo", uma frase irresponsável e irrefletida, e ouvir meu interlocutor defender algum ministro de Fernando Henrique. Não é que eu estivesse errado; na verdade, nem lembro o assunto; mas o que eu dizia estava marcado por décadas de críticas a governos não representativos, ditatoriais e, supunha eu, ineficientes nos assuntos que importavam. Meu maldizer não era sequer meu; estava ancorado em trinta anos de experiências ruins: a ditadura militar, o governo que era para ter sido do PMDB mas foi do ex-presidente do partido da ditadura e, depois, o primeiro presidente eleito, que terminou destituído por corrupção. Antes disso, séculos de autoritarismo, colônia, escravidão, monarquia, fraude eleitoral, revolução liberal que culmina em ditadura. Mesmo no único período que tivemos de democracia, entre 1945 e 1964, tivemos repressão à esquerda e golpes militares. Desses governos todos, qual admirar como democrático, representativo, capaz? Talvez só Juscelino cumprisse os três quesitos. Portanto, meu escárnio presumia toda a história do Brasil, a mágoa democrática ante o fracasso dos poucos democratas ou dos empenhados em enfrentar o subdesenvolvimento e a miséria.

Os primeiros anos após a ditadura são difíceis. Os artistas gostaram da lei Sarney, a primeira de incentivo à cultura. Mas Collor foi na direção contrária, revogando-a (depois, editou a Lei Rouanet) e granjeando a oposição de artistas, por sua errática política cultural, e de intelectuais, que o viam com horror. As relações dos intelectuais com o poder só melhoram com Itamar e com a tranquilidade democrática, que vivemos desde seu sucessor, FHC.

Em nossa história, como na de outros países, os intelectuais muitas vezes aderiram ao injustificável. José de Alencar defendia a escravidão. Mas também houve intelectuais de oposição - por exemplo, na Inconfidência Mineira. Na verdade, a grande mudança começa na ditadura Vargas (e na luta contra ela), quando a grande maioria dos intelectuais inclui entre seus valores a democracia. Isso explica a oposição deles ao regime militar. Esta história, por sua vez, explica por que custaram tanto a aceitar que um poder - mesmo eleito - pudesse ser respeitado, mais que isso, apoiado. Manifestos de intelectuais, apoiando algum candidato, vêm dessa aceitação a entrar na arena.

Estar num governo sempre traz vantagens, geralmente em termos de patrocínio e prestígio, mas também um custo, que é o de se responsabilizar pelo que ele faz. O ex-presidente da SBPC que é ministro da Ciência e Tecnologia tem de ser solidário da construção de Belo Monte. Ganha a nossa comunidade científica com sua presença no Planalto, mas não dá para estar no governo pela metade. Parafraseando um primeiro-ministro do Canadá, a participação no governo "não é um restaurante self-service, em que você escolhe o que quer e rejeita o que não quer". No governo você engole sapos, mas realiza algo. Você mede constantemente custos e benefícios, sapos e êxitos.

Talvez por isso, entre intelectuais, cientistas e artistas, os que mais necessitam de dinheiro cobram mais do governo, criticam-no se forem desatendidos e o apoiam se tiverem apoio. Certamente por isso, as áreas que menos precisam de dinheiro - como as ciências humanas reunidas na minha faculdade, a de Filosofia da USP - podem fazer mais oposição, porque as verbas menores que usam lhes vêm de agências de pesquisa, que valorizam sobretudo o mérito e não o engajamento na política do governo. Há aspectos positivos e negativos nos dois grupos. Quem tem interesses - isto é, interesses econômicos, materiais - em jogo pode abrir mão de princípios e valores, o que é ruim, mas também é mais objetivo na avaliação dos fatos, o que é bom. Quem depende menos do dinheiro pode se pautar mais por valores - isto é, valores éticos - e isso é bom, mas também pode transformar os valores em ilusões. Daí que a discussão sobre os intelectuais, na política, fique sempre em aberto.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

José – Carlos Drummond de Andrade


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?