domingo, 4 de setembro de 2016

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Essa esquerda dá as costas ao Marx que reconhecia na mundialização da economia o momento propício à ultrapassagem do capitalismo; ao Gramsci que bem antes de Habermas já reconhecia o imperativo de se preparar a transição para uma ordem cosmopolita; para não falar da moderna teoria social, Habermas à frente, como nas obras de A. Giddens e U. Beck, entre outros, que têm na auto-organização do social a pedra de toque de suas utopias realistas, oxímoro que abriga, na cena contemporânea, os ideais de igual-liberdade.

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Luiz Werneck Vianna é sociólogo e professor PUC-Rio. ‘Levantar a poeira e dar volta por cima’, O Estado de S. Paulo, 4/9/2016

O desafio na economia – Sem margem de manobra

• O novo governo federal precisará de apoio do Congresso a fim de fazer as reformas necessárias para tirar o país da crise

Luís Lima e Marcos Coronato - Revista Época

Quando assumiu interinamente a Presidência, em 12 de maio, Michel Temer disse prontamente a que vinha: fazer reformas profundas, equilibrar as contas públicas e fazer o país voltar a crescer. Diante do tamanho monumental do desafio, o que foi feito nestes quatro meses ainda é bem pouco. Mesmo assim, a sociedade reagiu com otimismo. Melhorou a confiança de consumidores e empresários. A simples troca de governo — e de estratégia na área econômica – serviu de alento para os que geram os empregos que faltam para os brasileiros. Mas o governo, agora definitivo, não tem mais razão para agir lentamente. Temer tem de mostrar logo como pretende superar os obstáculos à frente. Entre os mais formidáveis: ele tem de convencer os políticos no Congresso a aceitar reduzir o próprio poder, por meio da adoção de um teto para o gasto público. E tem de explicar ao brasileiro que será bom para todos, no longo prazo, que o acesso à aposentadoria seja mais difícil e os salários e benefícios mais flexíveis.

Somos todos responsáveis

• Elegemos Dilma e elegemos o Congresso que cassou a presidente. Todo o drama do impeachment decorre, em essência, dessas duas escolhas

João Gabriel de Lima - Época

O dia 31 de agosto de 2016 começou, na verdade, em outubro de 2014. Naquele mês, no dia 26, os brasileiros reelegeram Dilma Rousseff para a Presidência da República. Três semanas antes, no dia 5, havíamos escolhido o Congresso que iria cassá-la.

Toda a cadeia de fatos que desembocou no impeachment decorre, em essência, dessas duas escolhas. Em seu primeiro governo, Dilma implantara um programa – chamado por ela de Nova Matriz Econômica – que levou o país à pior recessão de sua história. Os efeitos dessa recessão apareceram, com toda a força, em seu segundo mandato, e atingiram principalmente a população mais pobre, na forma de inflação e desemprego. Por causa disso – e também do envolvimento dos partidos de sua coligação em escândalos de corrupção – Dilma perdeu sua popularidade. Sem o apoio das ruas e tendo de enfrentar a crise que ela própria criara, Dilma precisava da ajuda do Congresso que havia sido eleito junto com ela. Não conseguiu. Para resumir uma ópera de vários atos, faltou humildade de um lado e boa vontade do outro.

Ricardo Lewandowski, o juiz que apitou um pênalti na prorrogação

• O presidente do Supremo permite ao Senado fazer uma interpretação polêmica da Constituição no julgamento do impeachment

Luiz Alberto Weber – Revista Época

Nos momentos mais tensos em seu gabinete, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, inclina a caixa de clipes sobre um dos vértices e a faz rodopiar como pião sobre a mesa. Se essa não está à mão, acerta com petelecos a espátula de abrir cartas para que gire como uma hélice. Contido, diplomático, avesso a palavrões mesmo na intimidade, o presidente do Supremo não somatiza as pressões externas – à exceção dessas pequenas demonstrações de transtornos obsessivos compulsivos, ou TOCs. Durante o julgamento do mensalão, como um mantra, Lewandowski repetia aos assessores criminais que se postavam diante do quadro branco onde assinalava os pontos-chave de suas decisões polêmicas no caso: “Juiz não pode ter medo da opinião pública”. E rodava a caixinha de clipes.

Poucos magistrados da Corte acompanham com tanta atenção a opinião publicada. Consumidor voraz dos blogs de esquerda, alimentados no governo do PT por crescente verba oficial, Lewandowski suspeita dos veículos privados de jornalismo profissional, que não se enquadram na situação anterior. Lewandowski sente-se contemplado pela cobertura da blogosfera. Acha-se, no entanto, perseguido pela imprensa, a ponto de desconfiar que hackers invadiram seu computador durante o julgamento do mensalão para vazar conversas suas. Na realidade, um fotógrafo do jornal O Globo, durante uma sessão aberta no STF, havia registrado à distância imagens de suas trocas de mensagem pelo então popular aplicativo de chat MSN com outros ministros. Outro episódio o deixou em alerta. Flagrado por uma repórter da Folha de S.Paulo no início da Ação Penal 470, o mensalão, em um restaurante conversando ao telefone em voz alta, onde confidenciava que os petistas haviam se tornado réus porque os ministros votaram com a “faca no pescoço” (leia-se pressão da opinião pública), pensou que fora grampeado.

Impeachment põe fim ao ciclo do PT no poder

• Queda de Dilma Rousseff põe o populismo e a corrupção no centro das preocupações nacionais

Daniel PereiraThiago Bronzatto – Revista Veja

O PT nunca se sentiu tão poderoso como em 2010. Naquele ano, o presidente Lula terminava seu segundo mandato como recordista de popularidade e lançava a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. Havia dois objetivos. A curto prazo, a eleição da primeira mulher pelas mãos do primeiro representante genuinamente popular a chegar ao posto. Um simbolismo caro à esquerda. A longo prazo, comandar o país por pelo menos vinte anos, justamente a meta traçada anteriormente, e não alcançada, pelo PSDB. Entre os aliados de Lula e Dilma, havia até quem trabalhasse com horizontes mais ambiciosos. O ministro de Comunicação Social, Franklin Martins, dizia que “o ciclo virtuoso de crescimento com inclusão social” renderia frutos duradouros. Festejada na propaganda oficial, a nova classe média, dínamo do crescimento de 7,5% em 2010, despejaria votos nos petistas por anos a fio, talvez décadas: oito anos de Lula, oito anos de Dilma, a volta de Lula, a consagração de Fernando Haddad… O roteiro estava traçado. Nele, eternizar-se no poder não era mera figura de linguagem.

A marca do meu governo será apacificação – Entrevista Michel Temer

Carlos José Marques, Débora Bergamasco, Mário Simas Filho, Sérgio Pardellas – Revista IstoÉ

Em sua primeira entrevista como presidente da República, antes de embarcar para o encontro dos países integrantes do G20 na China na quarta-feira 31, Michel Temer falou com exclusividade à ISTOÉ no Palácio do Planalto. Plácido, Temer discorreu durante quase duas horas sobre os projetos e planos para os próximos dois anos e quatro meses de governo. Na entrevista, ele prometeu priorizar o ajuste fiscal, votar a reforma da Previdência, trabalhar para acabar com a divisão entre os brasileiros e entregar ao sucessor, em 2018, um País com as contas em ordem. “Prometo aquilo que os pés no chão admitem. Nada mirabolante”, afirmou. Ciente dos enormes desafios que terá de vencer a fim de recolocar o País nos trilhos, Temer não se furtou em abordar, na conversa com ISTOÉ, mesmo os mais delicados temas como a relação com o PSDB, a sucessão presidencial, o fim da reeleição, o qual disse apoiar, e as denúncias da Lava Jato envolvendo o seu nome. Ao fim, confessou uma angústia espiritual: “Que o povo dissesse, daqui a dois anos: ‘esse Michel Temer deu um jeito no País’ ”.

“É um absurdo dizer que vou parar a Lava Jato. Sob o comando de Sérgio Moro, ela fez um papel muito adequado, correto e não pode sofrer nenhuma restrição”

“O maior obstáculo para colocar o País nos trilhos é o desemprego. Para combatê-lo você não pode ter preconceito com a iniciativa privada”

Não adianta o aposentado, daqui a dez ou quinze anos, ir ao banco ou ao poder público e não haver dinheiro para paga

“Há 22 candidatos à Presidência, porque você sabe que todos os ministros aspiram ao Planalto. (Henrique) Meirelles e (José) Serra têm mais história. Só isso”

• O que muda no governo a partir de agora que o sr. assume como presidente efetivo e qual será a sua prioridade número um?
Para mim não altera. O interinato não impediu que já tomássemos medidas importantes para o Brasil. Mas muda para terceiros o fenômeno da autoridade. As pessoas dizem ‘agora é para valer’. E como é para valer facilita as coisas. E facilita para questões difíceis, como a aprovação do teto para os gastos públicos. Não é um tema fácil, mas há uma decisão do Congresso de colaborar. A prioridade é o ajuste fiscal. E todos querem que dê certo. O Congresso, o Judiciário, a sociedade. E isso ajuda muito a todos nós. Sei que haverá oposição, por exemplo, à reforma da Previdência. Mas acho que é tramitável. Vamos até promover esclarecimentos públicos, por meio de revistas, jornais, televisão, mostrando que quando nós fazemos uma reforma da Previdência é para garantir os pagamentos daqui a alguns anos. Não adianta o aposentado, daqui a dez ou quinze anos, ir ao banco ou ao poder público e não haver dinheiro para pagar. Acho que isso é de fácil compreensão nos dias atuais. O déficit desse ano é de R$ 130 bilhões. Do próximo ano será de R$ 180 bilhões. Ou seja, será fácil entender que daqui a quatro ou cinco anos esse sistema não se sustentará.

Entrevista – Aécio Neves; ‘Sem o apoio do PSDB, não existirá governo Temer’

• Presidente do PSDB cobra uma ação de Michel Temer sobre o PMDB para acabar com as ambiguidades e abandonar os “vícios” adquiridos na convivência com o PT. Aécio diz que tucanos apoiarão o governo enquanto ele for fiel à agenda do ajuste e afirma: “Sem apoio do PSDB, não existirá governo Temer”. Para Aécio, em 30 dias, nimguém mais falará da ex-presidente Dilma

Presidente do PSDB, o senador Aécio Neves afirmou à repórter JÚNIA GAMA que o apoio dos tucanos ao governo Temer depende do cumprimento da agenda de ajustes e reformas. “Se percebermos que isto não está ocorrendo, o PSDB deixa de ter compromisso com este governo”, disse. Aécio quer que o presidente aja para acabar com o que considera “vícios” que o PMDB adquiriu na “convivência com o PT”. “Temer tem que ter uma DR (discutir a relação) com o PMDB.” A desconfiança dos tucanos cresceu após senadores da sigla aliada apoiarem o fatiamento da pena da ex-presidente Dilma.

Júnia Gama – O Globo

• A enquadrada de Temer após a posse foi direcionada ao PSDB?
O recado foi claro para aqueles que, dentro da base, em especial no PMDB, não demonstram compromisso com as reformas. O PSDB tem ecoado com muito mais clareza as posições do presidente Temer do que o seu próprio partido. Sem o PMDB agindo de forma coesa, as dificuldades de Temer serão quase intransponíveis. Esse último episódio (fatiamento da pena de Dilma Rousseff ) demonstrou, mais uma vez, a ambiguidade com que o PMDB atua.

Dois atos de uma mesma história

• O apogeu e a derrocada do PT a partir da trajetória dos personagens do documentário ‘Entreatos’

Mariana Sanches - O Globo

SÃO PAULO - Com um ar entre impaciente e irônico, José Dirceu tamborila os dedos no tampo da mesa. Tira os óculos, esfrega os olhos. Conserva ainda os cabelos mais pretos do que brancos. Tenta tirar da sala a equipe de filmagem do diretor João Moreira Salles, que gravava a reunião da cúpula de campanha à Presidência de Lula quatro dias antes do primeiro turno eleitoral de 2002. Lula venceria a eleição em um segundo turno, e as imagens de Moreira Salles virariam o documentário “Entreatos”. Quase 14 anos depois, o PT acaba de deixar o poder em um processo de impeachment, depois de ser fustigado por escândalos de corrupção como mensalão e Lava-Jato, que desmoralizaram as principais lideranças do partido. No contexto atual, as palavras ditas por Dirceu no vídeo de 2002 ganham um ar de confissão premonitória. Na cena, o então futuro chefe de gabinete de Lula Gilberto Carvalho argumenta em favor das filmagens, garantindo que as fitas seriam colocadas em um cofre ao final de todos os dias de gravação e, por isso, o que fosse dito não vazaria. Sorriso de canto de boca, Dirceu dispara:

Para Temer, engajamento a protestos é ‘inexpressivo’

• Presidente diz que manifestações são naturais, mas condena depredações

Vivian Oswald - O Globo

HANGZHOOU, CHINA - O presidente Temer disse na China que os protestos contra seu governo são feitos por “grupos mínimos”. Defendeu o direito à manifestação, mas condenou as depredações. Para ele, quem o rotulou de “golpista” foi bem-sucedido, mas críticas ao impeachment não têm amparo na Constituição. -HANGZHOU, CHINA- O presidente Michel Temer minimizou ontem os protestos realizados no Brasil contra o impeachment. Segundo ele, as manifestações estão sendo realizadas por “grupos mínimos” que se valem do direito democrático à manifestação para depredar, o que é ilegal. Em conversa com jornalistas brasileiros na China, ele também disse que “não vai participar de nada” nas eleições municipais deste ano. E que é cedo para avaliar o apoio popular a seu governo.

Levantar a poeira e dar volta por cima - *Luiz Werneck Vianna

- O Estado de S. Paulo

• O ciclo petista é uma página virada e o impeachment não abre as portas do inferno

Foi bonita a festa, varreu para longe o azedume que nos doía na alma. Pena que logo terminou, mas não dá para afastar da memória a multidão enlevada no ato de ocupação popular do Boulevard Olímpico, as nossas vitórias esportivas, poucas, mas boas, inclusive no Maracanã da Copa perdida em 1950, e até o surpreendente êxito da organização de um evento tão complexo como a Olimpíada. As cerimônias de abertura e de encerramento dos jogos, ambas belíssimas e de pungente simplicidade, souberam narrar o enredo da nossa cultura e da nossa original civilização, tornando patente que 500 anos de História não foram perdidos, como sustenta essa historiografia de butique em moda, e que contamos com uma plataforma segura para seguirmos em frente.

Triste fim - *Fernando Henrique Cardoso

- O Estado de S. Paulo

• Dilma pagou o preço de sua teimosia e da visão voluntarista da ‘nova matriz econômica’

Viramos uma triste página. Melhor teria sido que o governo Dilma Rousseff tivesse competência política e administrativa para chegar ao final. O que sobrou? Ilusões perdidas de quem acreditou no modo PT de governar, economia em recessão, desemprego em massa, escândalos, uma onda de desencanto.

Será a ex-presidente a única responsável? Não. Mas ela foi incapaz de manter as rédeas do governo e deixou evaporar as condições de governabilidade. Juntou-se a isso o crime de responsabilidade.

Uma pessoa eleita por 54 milhões de votos é derrubada, sendo inocente, como repisou a defesa petista? Houve um “golpe congressual” pela perda da maioria, como nos sistemas parlamentaristas? Tampouco. Em sua emotiva, mas racional argumentação, a doutora Janaína Paschoal sumarizou com pertinência o desrespeito às normas constitucionais. O impeachment requer fundamento jurídico (um desrespeito continuado à Constituição), mas é também um processo político (a falta de sustentação congressual e popular) e não tem necessariamente consequências capituladas no Código Penal. Foi jogando com este último aspecto que a presidente Dilma apelou retoricamente para sua “inocência” (não roubei, não tenho conta no exterior, etc.).

As raposas que nos governam - Fernando Gabeira

- O Globo

Cheguei a Brasília no seu típico calor seco, sabendo que não haveria surpresas no resultado final. Dilma seria cassada. Restavam-me apenas as peripécias, essas sim imprevisíveis. Pela primeira vez, vi Renan Calheiros perder a calma no plenário. E olha que, ao microfone, já disse coisas bem pesadas para ele, e sua máxima reação foi suspender os trabalhos por algum tempo. Renan disse que o Senado parecia um hospício. Lembrou-me de Maura Lopes Cançado que escreveu o livro “Hospício é Deus”. E la colaborava com o suplemento literário do “JB”. Ficou internada por muito tempo. O livro mostra que o hospício, além de todos os seus horrores, era também um espaço de negociação. Renan ficou próximo da realidade ao reconhecer o lado maluco do plenário do Senado, assim como Maura contribuiu ao sugerir o lado parlamentar do hospício. O problema é o equilíbrio entre os dois. Há visões mais céticas, como a do filósofo inglês John Gray.

Choro de Cardozo e campanha suja de João Santana têm a mesma fonte – Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), considera o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff um golpe qualificado, institucional. Destituir a presidente observando todos os ritos legais qualificaria o golpe. A definição do prefeito encerra uma contradição em termos.

Fazendo um esforço de racionalização da lógica de nosso prefeito, eu diria que golpe qualifica- do seria atuar nas zonas cinzentas da lei. Funciona assim: todo contrato é incompleto. Não é possível prever todas as injunções e estados da natureza. Para que as instituições funcionem, é necessário haver compreensão compartilhada dos participantes e, além do cumprimento dos ritos legais, boa vontade na observância do espírito da lei.

Desmontar de novo - José de Souza Martins

- O Estado de S. Paulo / Aliás

O passado que nos governa desde sempre continuará governando o nosso presente e o nosso futuro, não obstante a suposta ruptura representada pelo impedimento e perda do mandato da presidente da República. Não nos iludamos. Não foi uma ruptura inovadora porque não foi uma ruptura de superação. Boa parte dos que votaram pela cassação já era o poder que governava a presidente. E o PT em nenhum momento de seu longo mandato deixou de ser um partido de oposição aos outros partidos. Governou para se opor; deixa de governar para continuar se opondo. Será, pois, laboriosa a efetivação da ruptura e a superação das amarras que nos travam na inovação política e na definição de um rumo político para o País.

Essa é uma característica historicamente constitutiva da sociedade brasileira. O PT governou o País com práticas políticas da República Velha, mesmo que em nome de valores e princípios da esquerda pós-moderna. Ao achar-se e crer-se no poder, não demonstrou ter a menor consciência de que, desde 1º de janeiro de 2003, quando Lula tomou posse, o eleito e empossado, de fato, fora outro partido. Este é um sistema político em que os cordéis do mando são manipulados por quem, aparentemente, no poder não está. É o poder invisível que nos governa.

O dilema do PMDB - Merval Pereira

- O Globo

O governo recém-convalidado pela decisão do Senado de afastar a presidente Dilma Rousseff quer tudo, menos abrir uma crise em sua base de apoio parlamentar. Com seu jeito conciliador, o presidente Michel Temer, do outro lado do mundo, chamou de “pequenos embaraços” a crise política desencadeada pelo acordo entre o presidente do Senado Renan Calheiros e o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, que resultou num benefício à presidente cassada que não estava inscrito na Constituição.

Na verdade, incomoda menos ao novo governo que Dilma continue com plenos direitos políticos, do que a impressão de que participou formalmente do acordo. O ministro das relações institucionais, Geddel Vieira Lima, que ficou no país “tomando conta da lojinha”, faz questão de deixar claro que o Palácio do Planalto não participou de nenhum acordo, embora repita o presidente Temer ao dizer que não haveria nenhum problema em participar, se a decisão significasse um gesto de benevolência partido do governo para distender o momento político.

O plano de voo de Temer - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

O Supremo se prepara para lavar as mãos diante do fatiamento da Constituição, o PT tira da gaveta a desbotada bandeira das “Diretas-Já” e os black blocs usam o “Fora Temer” para quebra-quebra em São Paulo, mas... o presidente Michel Temer só pensa numa coisa: tirar o País da crise econômica. Não vai ser fácil.

São seis passos principais para reorganizar o País, com o Senado de ressaca pelo impeachment e a Câmara ainda embriagada de Eduardo Cunha: votar o teto dos gastos ainda em setembro e, até o fim deste ano, lançar a reforma da Previdência e a flexibilização trabalhista, tributária, eleitoral/partidária e do FGTS.

A régua e o compasso - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• O impeachment é o esgotamento histórico de um projeto no qual a sociedade é subordinada e depende do Estado para se emancipar

Atribui-se o desaparecimento do grego Hipaso de Metaponto aos seus colegas matemáticos, em razão de ter descoberto os números irracionais, isto é, incomensuráveis. Teria sido afogado no mar, porque contrariara a tese de que o mundo só poderia ser descrito por números racionais, de Pitágoras. Antes disso, Demócrito de Abdera, também na contramão do mestre, usara infinitesimais para calcular os volumes de cones e cilindros. A polêmica entre os matemáticos gregos do Século V a.C. foi encerrada por Zenão de Eleia, ao demonstrar as contradições lógicas dos infinitesimais por meio de paradoxos. Os matemáticos antigos passaram a evitar esse tipo de cálculo. A pá de cal foi o tratado de geometria de Euclides, Os Elementos, nos anos 300 a.C., que serviu de modelo para o estudo da matemática por dois mil anos. Apesar disso, Arquimedes de Siracusa utilizou os infinitesimais para calcular áreas e volumes. Essa foi a alavanca para mover o mundo.

Sociedade autônoma - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

O atrito entre PSDB e PMDB por causa da manobra para mitigar os efeitos do impeachment de Dilma Rousseff e as constantes cobranças dos tucanos contra as concessões do governo no plano de ajuste de contas desenharam no horizonte um cenário de turbulências entre parceiros, semelhante ao que marcou as relações entre pemedebistas e petistas nos últimos anos.

Confere? Depende. Sobretudo do cumprimento do compromisso do presidente Michel Temer de “recolocar o País nos trilhos” mediante a reconstrução dos fundamentos de uma economia estável e a aprovação das reformas mais urgentes: Previdência, relações trabalhistas, sistema político/eleitoral e distribuição de recursos entre União, Estados e municípios.

Fora com tudo - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Aconteceu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment. A possibilidade de revogar mandatos presidenciais é um item necessário da democracia, que não opera distribuindo cheques em branco. O processo, contudo, foi mais traumático do que o estritamente necessário porque nossas regras para lidar com esses casos estão envelhecidas, permanecendo as mesmas desde 1891.

E, como o Brasil parece ter uma quedinha pelo impeachment, já tendo afastado dois dos quatro presidentes eleitos desde a redemocratização, sugiro modernizar um pouco as normas para fazê-lo. A medida mais óbvia é substituir o instituto do impeachment por crimes de responsabilidade, um conceito algo vaporoso, pela consulta direta ao eleitor.

Temer diz uma coisa e seu contrário - Elio Gaspari

- O Globo

Empossado na Presidência da República, Michel Temer apareceu duas vezes aos brasileiros. Numa primeira fala, gravada no Jaburu e transmitida à noite, prometeu “um país reconciliado, pacificado”. Na segunda, durante uma reunião do ministério, era outra pessoa: “Agora nós não vamos levar ofensas para casa.” Não se tratava de responder apenas aos que o insultam chamando-o de “golpista”. Diante da divisão de sua base de apoio, que preservou os direitos políticos de Dilma Rousseff, soltou-se: “Se é governo tem que ser governo. É [uma] divisão, também inadmissível. (...) O que não dá é para aliados nossos se manifestarem lá, no plenário, sem ter uma combinação conosco.” No dia seguinte o “inadmissível” virou um “pequeno embaraço”.

Pela clave do “inadmissível” ele não pacificará nem a bancada governista, cujos usos e costumes conhece como ninguém. A ideia de que o Planalto manda e o Congresso obedece destruiu Dilma Rousseff e Fernando Collor. Temer pode acreditar até em disco voador, mas não acredita nesse tipo de ordem unida.

O que houve, afinal - Miriam Leitão

- O Globo

O fracasso de Dilma na administração do país não é a derrota das mulheres, da mesma forma que o impeachment de Fernando Collor não desqualifica os homens para o poder. O fim da era PT não pode enfraquecer bandeiras da inclusão e da redução da pobreza e desigualdades, da mesma forma que o fim da era tucana não representou o abandono do valor da estabilidade monetária pela sociedade brasileira.

Muita confusão é feita neste momento difícil, mas é preciso entender o que houve, afinal. Dilma errou e provocou uma crise econômica, e ela trouxe de volta inflação alta e recessão. Isso provoca rejeição a qualquer governo. O pensamento extremado, de um lado e de outro, considera que a partir de agora serão abandonadas as políticas sociais. Os petistas dirão isso porque se acham os donos dessas bandeiras. Conservadores pensam que a saída do PT do poder vai representar o silêncio das incômodas discussões sobre incluir brasileiros discriminados no progresso. Estão enganados. O Brasil tem enormes injustiças e qualquer projeto para o futuro inclui políticas para enfrentar as desigualdades.

O colapso da vontade – Editorial / O Estado de S. Paulo

Ao contrário do que alardeiam os petistas, o impeachment da presidente Dilma Rousseff não foi um golpe contra a democracia, mas sim a interrupção do processo de degradação da democracia, liderado pelo partido que se dizia campeão da ética na política e que prometia o paraíso da retidão moral contra “tudo isso que está aí”. Foram mais de dez anos em que o País foi submetido a uma espécie de lavagem cerebral, por meio da qual se procurou desmoralizar toda forma de crítica ao projeto lulopetista, qualificando desde sempre seus opositores como “inimigos do povo” e, ultimamente, como “golpistas”.

Ao mesmo tempo, o PT, sob a liderança inconteste de Lula, passou todos esses anos empenhado em desmoralizar o Congresso, oferecendo a partidos e políticos participação no grande plano de assalto ao Estado arquitetado por aqueles que, tanto na cúpula petista como nos altos escalões do governo, tinham completo conhecimento do que ocorria. Tudo isso visava em primeiro lugar não ao enriquecimento pessoal da tigrada, embora uns e outros tenham se lambuzado com o melado que jorrava de estatais, mas sim à destruição do preceito básico de qualquer democracia: a alternância no poder. A corrupção, um mal que assola o Brasil desde o tempo das naus cabralinas, tornou-se pela primeira vez uma política de Estado e uma estratégia política.

A crise é nossa – Editorial / Folha de S. Paulo

Neste domingo (4) e na segunda-feira, na China, chefes de governo e de Estado das 19 economias do G20, além da representação da União Europeia, ouvirão relatos de que a economia mundial desacelera suavemente, ainda crescendo ao ritmo de 3,4% ao ano. No Brasil, integrante do bloco, seria um diagnóstico auspicioso.

Líderes mundiais devem discursar outra vez sobre empecilhos contra o comércio entre as nações, que cresce em ritmo ainda menor que o da produção mundial, em parte devido a barreiras comerciais impostas por estes mesmos países que louvam o livre intercâmbio de mercadorias. Deve haver avanços mínimos ou declarações protocolares sobre acordos do clima e paraísos fiscais.

Considerações sobre o estado da diplomacia econômica mundial podem obscurecer o fato de que o mundo se move, ainda que claudicante. O assunto continua relevante para os exaltados e mal informados debates sobre efeitos do mundo no crescimento do Brasil.

Ajuste fiscal protegerá gastos sociais – Editorial / O Globo

• O teto para as despesas públicas, projeto que governo precisa aprovar, é uma garantia para o fluxo estável de recursos ao setor, sem as incertezas do populismo

O falacioso discurso político-ideológico foi usado à larga pela defesa da presidente Dilma, no processo de impeachment. Mais uma vez, assim como na estelionatária campanha eleitoral de 2014, mentiras foram ditas com a veemência de verdades irretocáveis.

É simbólica a cena produzida pelo marqueteiro João Santana e mulher, Mônica Moura, do desaparecimento de comida da mesa do povo, uma profecia caso a oposição ganhasse de Dilma as eleições. O casal Santana e Mônica passaria uma temporada na carceragem da Lava-Jato, em Curitiba, e Dilma sofreria impeachment, devido ao desrespeito a normas da Constituição e leis, como a da Responsabilidade Fiscal, na manipulação do Orçamento.

Uma faca só lâmina – João Cabral de Melo Neto

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

assim como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado;

qual bala que tivesse um
vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo

igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.