quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

Não se deve chorar o leite derramado. O lado vencedor na sucessão presidencial foi esse que aí está. A oposição a ele não tem por que se precipitar. O mundo gira e a Lusitana roda. Por quanto tempo ainda haverá Donald Trump? E os militares, mais uma vez no proscênio, terão perdido a memória de suas grandes personalidades do passado, dos que lutaram em torno da bandeira do petróleo é nosso, do marechal Rondon, dos pracinhas que em campos de guerra na Itália enfrentaram com bravura o fascismo, das virtudes sem mácula do marechal Lott? E os seres subalternos, até quando suportarão o capitalismo sans phrase, em bruto e sem amortecedores, que ameaça vir por aí?

Os brasileiros não vão se despedir de si, apenas dizem um até breve.

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*Sociólogo PUC-Rio. ‘Bye bye, Brasil?’, O Estado de S. Paulo, 2/12/2018.

Merval Pereira: STF de zagueiro

- O Globo

A renovação de Executivo e Legislativo, legitimados pelo voto, produzirá novo equilíbrio de forças com o Supremo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, declarou recentemente a jornalistas estrangeiros que, após anos de protagonismo do Judiciário, chegou a hora de abrir espaço para a volta da política. Toffoli propõe um “grande pacto republicano” pela aprovação das reformas da Previdência e tributária, além do enfrentamento dos problemas de segurança pública.

“Não cabe ao Judiciário ser centroavante, mas nós seremos zagueiro”, disse Toffoli, para completar: “O Judiciário vai se voltar a garantir os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição”.

A disputa entre dois grupos dentro do Supremo voltou, porém, a se manifestar ontem, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista no julgamento de um habeas corpus a favor de Lula, depois que dois dos cinco membros da Segunda Turma já haviam votado contra a defesa de Lula.

Mais que a liberdade de Lula, estava em jogo o juiz Sergio Moro, futuro ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. A defesa do ex-presidente alegava pela centésima vez que Moro era parcial, e um dos argumentos novos era o de que ter aceitado o convite para ser ministro demonstrava que Moro era um agente político, que prendeu Lula para facilitar a vitória de Bolsonaro.

A tendência majoritária é de que, com o futuro voto do decano Celso de Mello, a alegação seja denegada mais uma vez, assim como em outras ocasiões, pelo próprio Supremo e também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como ressaltou o ministro Edson Fachin em seu voto. A ministra Cármen Lúcia afirmou, entre outros argumentos, que o mero convite não pode ser considerado suficiente para configurar a parcialidade.

O jurista Francisco Campos dizia, em outras palavras, o que Rui Barbosa pensava do Supremo: tem direito de errar por último. Para Campos, “juiz último da autoridade dos demais Poderes, o Supremo é o juiz único de sua própria autoridade”.

*Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: Castigando seremos castigados

- O Estado de S.Paulo

O Estado punitivo pode levar ao autoritarismo do Judiciário e à anomia social e jurídica

Inusitado julgamento está na pauta do Supremo Tribunal Federal: a questão do indulto natalino editado em 2017 pelo presidente Michel Temer, que teve os seus efeitos sustados em face de uma decisão monocrática proferida por um de seus componentes, levado ao plenário um ano depois, neste mês de novembro. Os 11 ministros estão apreciando a questão, que rigorosamente não deveria estar em pauta, pois a matéria da concessão anual de indulto coletivo é da exclusiva competência do presidente da República, nos exatos termos do artigo 84, XII, da Constituição federal.

Aqui abro um parêntesis. As decisões chamadas monocráticas, hoje utilizadas pelos tribunais superiores até para julgar o mérito dos recursos e dos habeas corpus, quebram o princípio do colegiado e representam uma mordaça colocada nos advogados, que estão impedidos de sustentar seus pleitos oralmente. O recurso cabível desses julgados individuais não permite que os defensores se manifestem perante os integrantes de uma das turmas ou do plenário.

Talvez essa impossibilidade imprima mais celeridade às sessões e venha ao encontro do desígnio de alguns ministros que não gostam de nos ouvir. Mas, com certeza, representa um cerceamento de defesa, obviamente em detrimento do cidadão jurisdicionado.

Voltando ao indulto, é interessante notar que a cautelar concedida monocraticamente, muito antes das eleições presidências do corrente ano, guarda perfeita sintonia com o desejo do presidente eleito de pôr fim ao milenar e universal instituto do indulto.

A suspensão do indulto natalino, apoiada por outros ministros, e a opinião do futuro chefe do Executivo parecem coincidir quanto à visão que têm sobre o sistema penal brasileiro: o Estado deve exercer o seu dever punitivo não somente para aplicar as sanções previstas nas leis penais, quando infringidas, mas também deve imprimir a tais sanções um cunho de castigo e de verdadeira vingança. Não basta ser aplicado ao culpado o rigor da lei. É imprescindível que ele sofra com punições paralelas.

Em certa medida, esse desiderato corresponde ao anseio da sociedade, estimulado e divulgado pela mídia, de obrigar o acusado a expiar e purgar os seus pecados e crimes. Aplicar “correções” exemplares, mortificar até o limite do possível, humilhar, expor à execração pública são providências que passaram a fazer parte do rol de retribuição pelo crime aceitas e almejadas por um corpo social cada vez mais intolerante e sequioso por punição. É de perguntar se não se está desejando a volta dos linchamentos, das chibatas, dos pelourinhos, das cruzes, das forcas e das guilhotinas. Caíram em desuso, mas será por pouco tempo ou continuaremos a resistir e a impedir a volta da barbárie?

Elio Gaspari: Bancada temática é fantasia

- O Globo

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), deu um presente a Jair Bolsonaro. Quando o repórter Raphael Di Cunto perguntou-lhe como funcionaria a articulação do governo com as “bancadas temáticas” do Congresso, ele respondeu:

“Quem disser que sabe qual é o resultado que esse novo modelo produzirá, de duas uma: ou é adivinho ou está mentindo”.

Moreira apoia o novo governo, lidera uma frente que reúne mais de 200 parlamentares e sabe que a eficácia das “bancadas temáticas” é uma fantasia. Elas agrupam deputados e senadores que têm pontos de vista semelhantes em questões genéricas, mas separam-se em temas pontuais. O próprio Moreira fez questão de lembrar que sua frente “só discute produção de alimento, não é nem agro”.

A ideia da negociação com as “bancadas temáticas” é útil numa campanha eleitoral e funciona durante a fase de transição. No dia 2 de janeiro, Jair Bolsonaro deverá abrir a quitanda e em fevereiro instala-se a nova legislatura. Só então começará o jogo, com a remessa ao Congresso das diversas emendas constitucionais prometidas pelo candidato. Elas precisam de três quintos dos votos da Câmara e do Senado.

Cada parlamentar tem sua legítima agenda de defesa dos interesses de sua base eleitoral. O toma lá dá cá faz parte da vida política, desde que se esclareça o que se toma e o que se dá. Por exemplo: um deputado de uma bancada temática vai ao governo com um pedido para que se autorize o funcionamento de uma faculdade de Medicina na sua região. O pleito pode ser justo e o projeto, impecável. Pode também ser uma girafa. Como ensinava o então ministro Paulo Renato Sousa, “se você entregar o poder de decisão para a abertura de faculdades privadas às freiras carmelitas descalças, na segunda reunião elas virão com bolsas Vuitton”.

Bruno Boghossian: O novo figurino de Moro

- Folha de S. Paulo

Repasse pode ser investigado pela PF, que será subordinada ao novo ministro da Justiça

Rigoroso sob a toga, Sergio Moro revela ser um político um pouco mais tolerante. O futuro ministro da Justiça emitiu um salvo-conduto para o colega de governo Onyx Lorenzoni nesta terça (4). O ex-juiz disse que o deputado, suspeito de ter recebido R$ 200 mil da JBS via caixa dois, tem sua “confiança pessoal”.

Moro fez a defesa de Onyx um dia depois que Edson Fachindeterminou a abertura de um procedimento no STF para apurar o caso. Parte da investigação pode ficar com a Polícia Federal —que é subordinada exatamente ao seu Ministério da Justiça.

Na nova função, Moro deixou para trás as amarras que o impediam de fazer comentários públicos sobre casos em andamento. Mas o figurino de Brasília também exige cautelas e responsabilidades.

Há duas armadilhas nesse caso. O ex-juiz se tornou um corregedor do governo Jair Bolsonaro e afirmou que recomendará a demissão de ministros atingidos por denúncias consistentes. Se surgirem provas de que Onyx recebeu dinheiro ilegalmente, Moro será obrigado a desdizer sua “confiança pessoal” no colega.

A segunda arapuca está no constrangimento que seus comentários podem criar dentro da PF. Ao aceitar o convite de Bolsonaro, Moro declarou que o caso não era um problema porque Onyx “admitiu o erro, pediu desculpas e tomou providências para repará-lo”. Os agentes que passarem a investigar o caso se sentirão obrigados a concordar com o chefe?

Vera Magalhães: Asfixia financeira

- O Estado de S.Paulo

A indicação do delegado da Polícia Federal Luiz Pontel como número dois do Ministério da Justiça reforça a disposição de Sérgio Moro de fazer da asfixia financeira ao crime organizado a grande inovação de sua gestão.

Pontel fará uma dobradinha com a colega de PF Erika Marena, designada para o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), estrutura que terá papel central no desenho de Moro para sua multitentacular pasta.

Grande chave do sucesso da Lava Jato, que teve como laboratório menos bem-sucedido o caso Banestado, foi mapear o caminho do dinheiro que irrigou o petrolão e, por meio de cooperação internacional inédita tanto com Ministério Público e Justiça de outros países como com instituições financeiras, estancar os dutos e efetivamente recuperar os recursos.

É essa engrenagem que o trio quer replicar no Executivo, tendo a PF, o DRCI, a Receita Federal, o Coaf e o Ministério Público como uma grande força-tarefa. Os alvos são a estrutura de doleiros e offshores que resistiu à Lava Jato e, principalmente, a atuação em solo nacional e no exterior de grupos como o PCC.

É nesse esquema que entrará o general Guilherme Teophilo. O fato de Moro ter ido buscar um militar para a segurança sinaliza reforço do combate ao narcotráfico nas fronteiras e também a permanência da atuação das Forças Armadas na segurança urbana – se não por meio de intervenções como a do Rio, já criticada por Jair Bolsonaro, ao menos em ações de garantia da lei e da ordem, como realizadas em outros Estados.

Rosângela Bittar: Tudo como dantes

- Valor Econômico

O imposto de renda terá alíquota única de 20%, sem deduções

A reunião do PT no último fim de semana, em Brasília, que tinha tudo para ser importante, com Diretório Nacional, Executiva e direção antiga e atual, os cabeças, à exceção de Lula, não moveu um milímetro o partido e seus dirigentes em qualquer direção. A frase que ecoou, ao final, nas conclusões, foi a da atual presidente, Gleisi Hoffmann. Para ela, não há autocrítica, revisão, reconstituição e avaliação político-eleitoral a serem feitas porque nada tinham de dar satisfações à mídia. Disso fica, com clareza, o seguinte: para o PT, a revisão é uma necessidade que só a mídia tem, só a sociedade fã do petismo exige. O partido e seus dirigentes vão bem. Nada mais distorcido e desanimador.

O PT é uma marca, ainda. Um guarda-chuva que abriga parlamentares e dirigentes enrolados com a Justiça e os últimos crentes na ressurreição de seu lider máximo e da volta ao poder. Filiados e dirigentes se servem do PT, não ao PT.

O partido é conduzido, na temporada da atual direção, como uma estudantada. O documento básico do encontro de dirigentes repetiu documentos, conceitos e argumentos de documentos anteriores. Dele foram retirados à última hora, numa picuinha ao que parece com a mídia, que segundo Gleisi é só quem quer a revisão, todas as palavras que poderiam dar a impressão de que estavam concordando com a necessidade de autocrítica.

O estilo PT, algumas derrotas e prisões depois, também é o mesmo, sem correções. Um símbolo da imutabilidade foi a viagem recente do candidato derrotado a presidente da República, Fernando Haddad, a Nova York. Como se ainda estivesse em campanha, fez palestra na Universidade de Columbia, para onde levou entourage brasileira, inclusive fotógrafo. Seu discurso foi de ataques ao Brasil por tabela, de críticas ao brasileiro diretamente, como têm feito Lula, o diplomata Celso Amorim, Dilma e todos os que optaram pela campanha internacional contra as escolhas do eleitorado brasileiro.

Bernardo Mello Franco: A nova Esplanada e as raposas no galinheiro

- O Globo

A redução do número de ministérios é mais marketing do que economia. Num governo com muitos novatos, pode abrir caminho para um apagão gerencial

Na campanha, Jair Bolsonaro prometeu governar com “no máximo 15 ministérios”. Na transição, elevou a conta para 22. O presidente eleito muda tanto de ideia que o número ainda pode aumentar ou diminuir até janeiro. A questão é saber se o novo desenho da Esplanada vai funcionar.

A redução de pastas tem mais a ver com marketing do que com economia. Especialistas em contas públicas dizem que o efeito da medida é apenas simbólico. Serve para vender uma imagem de austeridade, não para enxugar despesas.

O governo Dilma Rousseff chegou a ter 39 ministros. Era um claro exagero para barganhar votos no Congresso. O senador Garibaldi Alves Filho passou quatro anos à frente da Previdência. Ao deixar o cargo, contou que nunca foi recebido pela presidente.

O governo Bolsonaro corre o risco de errar ao contrário. O capitão misturou jacaré e cobra d’água ao fundir as pastas da Cultura, do Esporte e do Desenvolvimento Social. Um só ministro, o deputado Osmar Terra, cuidará da distribuição do Bolsa Família, da construção de quadras de tênis e do financiamento de orquestras. Ele já admitiu que não domina as atribuições do MinC. “Só toco berimbau”, gracejou.

Luiz Carlos Azedo: O lugar dos índios

- Correio Braziliense

Além de uma tragédia para os índios, a integração da Funai ao Ministério da Agricultura seria um presente de grego para Teresa Cristina, desviando o foco de sua atuação

O novo governo em formação é uma espécie de “humanograma”, no qual os ministérios que estão sendo extintos são desmembrados e agregados a outras pastas de acordo com o perfil dos novos ministros. Até agora, não há uma reforma administrativa clara, focada na reestruturação do Estado, no enxugamento da área meio e no fortalecimento de atividades-fim. Os critérios ainda são corporativistas ou ideológicos. É o caso da subordinação da Funai ao Ministério da Agricultura, cuja titular é a ministra Teresa Cristina (DEM-MS), anunciada pelo futuro chefe da Casa Civil, Ônix Lorenzoni.

Mais tarde, diante da repercussão negativa, o próprio presidente Jair Bolsonaro disse que a questão não estava ainda decidida e o ministério poderia ir para a pasta da Cidadania, cujo titular ser[a o ministro Osmar Terra. Somente haveria duas explicações para o órgão criado sob a inspiração do Marechal Cândido Rondon não permanecer subordinado ao Ministério da Justiça: a sobrecarga de trabalho do futuro superministro Sérgio Moro ou o fato de a ministra ser de um estado onde há muitos conflitos entre fazendeiros e indígenas.

Desmembrado de Masto Grosso em 1977, pelo então presidente Ernesto Geisel, Mato Grosso do Sul tem 357,1 mil km², com uma população indígena estimada em 74 mil pessoas, das etnias Atikum, Guarani (Ñandeva), Guató, Kadiwéu, Kaiowá, Kamba, Kinikinau, Ofaié e Terena, dentre outras. A maioria vive em pequenas reservas criadas entre 1910 e 1920, como a de Dourados, na qual há uma população multiétnica de aproximadamente 14 mil pessoas em apenas 3.475 hectares. A questão fundiária remonta à colonização da região, intensificada após a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864/1870), com a chegada dos “pioneiros” vindos de diversas regiões do país e do exterior.

Ricardo Noblat: Lula, o pecador

- Blog do Noblat | Veja

Sem saída

No ritmo que as coisas vão para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no futuro ele não passará de uma má lembrança.

Condenado a 12 anos e um mês de prisão, encarcerado em Curitiba, réu em mais meia dúzia de processos, Lula arrisca-se a ser condenado em mais de um deles.

Foi notícia, ontem, porque a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal julgaria mais um pedido de habeas corpus para libertá-lo.

É notícia, hoje, porque o julgamento acabou suspenso com dois votos contrários ao pedido em um total possível de cinco.

O julgamento só será retomado no próximo ano. Lula passará o primeiro Natal e o primeiro fim de ano de sua vida preso e sozinho.

O Supremo está para votar outra vez se suspende ou mantém a decisão que conferiu à 2ª instância da justiça o direito de prender depois de condenar.

Se revogar a decisão, beneficiará Lula, afrontará o ministro Sérgio Moro e o presidente eleito Jair Bolsonaro que deseja ver Lula mofar na cadeia.

Se não revogar, ficará a impressão que preferiu ajustar-se aos novos tempos. É possível que não faça uma coisa nem outra, permanecendo tudo como está.

O presidente mais popular da história recente do Brasil é candidato a passar à história do país como uma trágica e má lembrança. Por sua culpa, sua máxima culpa.

Hélio Schwartsman: Livrarias vão sobreviver?

- Folha de S. Paulo

Não vejo com bons olhos a ideia de impor um preço fixo a livros

Que me perdoem livreiros e alguns editores, mas não vejo com bons olhos a ideia de impor um preço fixo a livros. Estou ciente de que o setor vive dias difíceis, com duas das principais redes do país em sérios apuros financeiros, mas não creio que a proposta de proibir descontos de mais de 10% nos títulos no primeiro ano após seu lançamento atenda ao chamado interesse público.

Longe de mim afirmar que o mercado seja perfeito. Os manuais de economia registram inúmeras situações em que as regras de mercado falham, justificando algum tipo de intervenção do poder público. Casos típicos incluem concorrência imperfeita (quando o setor é monopolista ou oligopolista), assimetria de informações (quando um dos lados na transação sabe muito mais do que o outro) e externalidades (quando a produção ou o consumo causam impacto sobre terceiros, como poluição). Nenhuma delas se aplica ao mercado de livros.

Cristiano Romero: Os possíveis efeitos da reforma trabalhista

- Valor Econômico

Reforma deve reduzir desemprego entre 1,2 e 3,5 pontos percentuais

Uma das consequências mais perversas da meia década perdida - até o momento - pela economia brasileira entre 2014 e 2018 é a lenta recuperação do emprego, que está se dando em meio a um ritmo igualmente moroso - e, registre-se, inédito - de retomada da atividade. A história mostra que o Brasil costumava sair mais rapidamente de períodos de crise. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) estima que, mesmo que o Produto Interno Bruto (PIB) volte a crescer de maneira mais célere, a lentidão continuará sendo, pelo menos até 2020, uma característica da recuperação do emprego.

Num cenário em que o PIB cresça e se estabilize em 2% ao ano, ritmo anual medíocre embora maior que o observado nos últimos cinco anos, o Ibre diz que, numa visão pessimista, a economia cresceria cerca de 0,5 ponto porcentual abaixo do previsto. Numa projeção otimista, 0,5 ponto acima. "De forma simplificada, é possível dizer que um crescimento médio de 1,5% ao ano mantém a taxa de desemprego estabilizada no elevadíssimo nível atual, em torno de 12%. Cada ponto porcentual a mais de crescimento médio, a partir de 1,5%, reduz o desemprego em 0,5 ponto porcentual por ano", explica o economista Luiz Guilherme Schymura, que trata do tema na Carta de Conjuntura do Ibre.

No cenário central do Ibre, a taxa de desemprego da PNAD Contínua (PNADC) cai de uma média de 12,2% em 2018 para 11,8% em 2020. No quadro otimista, a queda é para 11,3%, e, no pessimista, manter-se-ia em 12,2% em 2020.

"A projeção da trajetória de desemprego pelo IBRE, preocupante do ponto de vista do cenário político-econômico para o governo que assumirá as rédeas do país em menos de um mês, deriva de o crescimento da população ocupada (PO) até 2020 ser, em boa parte, contrabalançado pela expansão prevista da população economicamente ativa (PEA). É preciso levar em consideração, entretanto, que o mercado de trabalho sofrerá o impacto de duas reformas legislativas já aprovadas: a trabalhista e as mudanças na terceirização, que poderão em tese levar a cenários diferentes daqueles até aqui descritos", observa Schymura.

A reforma trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017. Naquele mês, o governo Temer baixou medida provisória alterando 17 artigos. No entanto, em abril de 2018 a MP "caducou" porque não foi votada pelo Congresso. Isso deixou dúvidas sobre a configuração definitiva da reforma, que teve três pilares:

Míriam Leitão: A reforma não pode esperar

- O Globo

Bolsonaro defende reforma fatiada e Onyx diz que há quatro anos para aprovar a Previdência. Se for esse tempo, haverá crise de confiança na economia

Em menos de uma semana o governo eleito deu seguidos sinais de que a reforma da Previdência terá que esperar. Ontem, Bolsonaro disse que ela deve ser fatiada. Isso seria um erro. Segundo o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “temos quatro anos para fazer a reforma, porque não dá para chegar aterrorizando.” No último dia 30, Bolsonaro falou que a proposta não poderia ser dura porque não se pode “querer salvar o Brasil matando idoso”. E por fim o deputado Eduardo Bolsonaro disse a investidores que talvez ela não seja aprovada.

O Ministério da Fazenda divulga hoje um relatório de tudo o que fez e falta fazer para o equilíbrio fiscal. Um gráfico do documento salta aos olhos. Ele divide a população por faixas de renda e mostra que 41% dos benefícios previdenciários vão para os 20% mais ricos, e apenas 3% vão para os 20% mais pobres.

A reforma não matará idoso, ao contrário do que disse o presidente eleito. Se for bem feita, ela combaterá privilégio de pessoas mais ricas que se aposentam antes de se tornarem idosas. Qualquer análise, mesmo apressada, dos dados, mostra que os que se aposentam por idade são os mais pobres e o fazem com 65 anos. Os que passam a receber do INSS por tempo de contribuição são os que sempre tiveram carteira assinada e se aposentam com idade média de 54 anos.

Mesmo para estes há as regras de transição. Pela proposta da reforma da Previdência feita pelo governo Temer, que o presidente eleito tem definido como “muito dura e salgada”, a idade mínima começaria com 53 e 55 anos e só em 2038 chegaria a 62 e 65 anos. O que se quer é amaciar ainda mais essas regras de transição?

Fábio Alves: No escuro

- O Estado de S.Paulo

Qual a reforma da Previdência que o governo Bolsonaro enviará ao Congresso?

Passado um pouco mais de um mês após o segundo turno da eleição presidencial, o horizonte sobre o que, de fato, acontecerá com a economia brasileira em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, ainda está turvo.

Se já está praticamente definida a sua equipe ministerial e os principais postos do governo, a exemplo do comando do BNDES e da Caixa Econômica, investidores e analistas se encontram no escuro em relação a políticas públicas a fim de afinar suas principais projeções macroeconômicas no ano que vem.

Qual a reforma da Previdência que o governo Bolsonaro enviará ao Congresso? Quando essa proposta começará a tramitar na Câmara dos Deputados? Será mesmo uma mudança via emenda constitucional ou apenas alterações menos substanciais sem a necessidade de 308 votos para aprovação? Incluirá uma idade mínima para aposentadoria? E qual essa idade?

Na falta de clareza até o momento sobre pontos fundamentais para o desempenho da economia brasileira no próximo ano, um renomado economista que recentemente atualizou sua estimativa para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 preferiu seguir, por enquanto, o consenso das projeções na Pesquisa Focus, do Banco Central.

Alexandre Schwartsman: Retórica e realidade

- Folha de S. Paulo

Reforma está longe de corrigir a Previdência por meio do assassinato de velhinhos

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, manifestou sua oposição à proposta de reforma da Previdência capitaneada por Michel Temer, afirmando que “não podemos querer salvar o Brasil matando idoso”.

Parece não ter percebido nem que a campanha acabou nem que o tema requer bem mais maturidade na análise.

A começar porque nenhuma proposta de reforma pode alterar direitos adquiridos dos atuais aposentados. Mais importante, porém, é que não há nada no projeto que autorize a visão particularmente cruel expressa acima.

A discussão hoje se concentra (embora não se esgote) em três aspectos.

O primeiro é a criação de uma idade mínima de aposentadoria para o INSS, que atingiria 62 anos para mulheres e 65 para homens em 20 anos.

O segundo é o estabelecimento de uma regra de transição, especificando que vale para mulheres acima de 53 anos e homens acima de 55.

O terceiro é a equiparação do regime para o funcionalismo público às regras do regime para trabalhadores do setor privado.

No que se refere aos dois primeiros, noto que, dos 35 milhões de beneficiários da Previdência (5 milhões de assistenciais e 30 milhões de previdenciários), há 6 milhões de aposentados por tempo de contribuição, ou seja, 18% do total.

Apesar disso, recebem 30% do valor desembolsado, não só a maior fatia mas também o maior valor médio, correspondente a R$ 3.000/mês, tendo se aposentado em média aos 55 anos.

Carlos Alberto Paes Barreto: O liberal é o verdadeiro ser social

- O Globo

A certeza de condições competitivas traduz-se em menores preços possíveis de bens e serviços, ampliando o acesso às diversas classes sociais

No Brasil, os governos intervencionistas e seus guetos de defesa dedicam-se diuturnamente a rotular os liberais como defensores dos ricos e antinacionalistas. A realidade dos fatos, porém, demonstra exatamente o oposto. Os liberais são, numa realidade inversa, verdadeiros “socialistas”, pois usam a iniciativa, o capital e a capacidade dos empreendedores para alcançar seus objetivos de progresso econômico e justiça social.

O título deste artigo é uma contundente afirmação do saudoso Roberto Campos, intransigente defensor das ideias liberais. Várias outras de suas frases serão ipsis litteris transcritas neste artigo para honrar a sua memória.

É importante deixar claro que os liberais querem, justamente, que o governo concentre-se apenas nas suas tarefas sociais, quais sejam, educação básica de qualidade, saúde, defesa do cidadão e do país, mecanismos de concorrência e defesa da moeda. Apesar de não serem frequentemente mencionadas, essas duas últimas funções são também de cunho social. A certeza de condições competitivas traduz-se em menores preços possíveis de bens e serviços, ampliando o acesso às diversas classes sociais. Quanto à inflação, que corrói principalmente os salários e o poder de compra dos mais pobres, a responsabilidade fiscal do Estado é fundamental.

O desenvolvimento econômico deve basear-se na livre-iniciativa e no livre mercado —“o respeito ao criador de riqueza é o caminho para terminar com a pobreza”. Os agentes privados são os que assumem riscos, investem, geram empregos, renda e impostos. A intervenção do Estado como propulsor da atividade econômica já mostrou seu preço várias vezes, e seu maior custo recaindo sempre nos mais pobres, como aconteceu no Brasil recentemente. Quando o governo, além de suas tarefas sociais básicas, tenta ser, ao mesmo tempo, empresário, banqueiro, reitor de universidade, indutor de desenvolvimento etc., faz tudo malfeito —“como o cobertor é curto e a competência limitada, de qual dessas atividades o governo deve abrir mão?”

Monica De Bolle*: A falsa dicotomia

- O Estado de S.Paulo

O mercado, como bem sabem os estudiosos do tema, não tem o alcance de reduzir desigualdades

Entre acadêmicos e não acadêmicos, economistas e não economistas, jornalistas e não jornalistas, esquerda e direita, prevalece a ideia de que Estado e mercado são entidades separáveis, por vezes opostas. A ideia de separação tão entranhada está que há quem diga que tudo o que não é Estado é mercado, como se houvesse uma linha concreta a partir da qual ambos fossem claramente definíveis. Na América Latina, região que sempre oscilou entre a mão pesada do Estado e as tentativas de reduzir sua influência na economia, a dicotomia parece fato incontestável.

No Brasil, onde alguns resolveram enxergar uma “revolução das ideias” com a ascensão de Bolsonaro e da ortodoxia de Paulo Guedes, a divisão entre Estado e mercado é muitas vezes tida como uma certeza. Dicotomias são muitas vezes simplificações da realidade, e simplificações da realidade costumam gerar muita confusão mental, sobretudo nas inexatas ciências sociais.

Como tantas outras coisas, o segredo para se pensar o papel do Estado está no reconhecimento de que é preciso haver um equilíbrio na relação Estado-mercado. Se o Estado é capaz de sufocar, o mercado é capaz de destruir.

Pensem na crise financeira de 2008 cujas ramificações ainda não desapareceram por completo. Há muitas explicações para as causas da crise, mas poucos especialistas discordam de que a política de laissez-faire em relação aos mercados financeiros defendida por Alan Greenspan, presidente do banco central norte-americano, o Fed, entre 1987 e 2006, tenha sido fator propulsor fundamental.

A crença pueril de que os mercados seriam capazes de se autorregular na busca por “prosperidade”, controlando seus próprios devaneios e ímpetos, provou-se profundamente equivocada. Às vésperas da quebra do banco Lehman Brothers, o mercado estava em situação de extrema fragilidade – e a descrença e desconhecimento dos investidores e dos gestores de política econômica acerca dessa situação era brutal. Não fosse a atuação do Estado na absorção das perdas e redistribuição dos recursos por meio da política econômica, talvez tivéssemos testemunhado o absoluto colapso dos mercados de crédito e da economia mundial que deles depende.

Vinicius Torres Freire: Surtos de medo de recessão nos EUA

- Folha de S. Paulo

Faz dois meses, mercado muda de humor com frequência por temer parada americana

Desde o começo de outubro, as Bolsas americanas têm tido surtos a cada dez dias, em média, com tombos feios, de 6% a cada ciclo. Desde o começo de novembro, as taxas de juros de prazo mais longo, dez anos, estão caindo. Os donos do dinheiro grosso do mundo, não apenas nos Estados Unidos, estão com medo do futuro ou confusos.

E nós com isso? Sim, convém prestar alguma atenção, pois esses trancos costumam nos afetar, ainda mais agora, pois a economia brasileira ainda está com lama pelo nariz, sob risco de se sufocar outra vez.

A confusão do povo dos mercados se nota pela leitura de dezenas de relatos e explicações sobre o que teria acontecido nesta terça-feira (4) de mais uma queda feia no preço das ações, análises bem mais disparatadas do que de costume.

Como ocorreu faz 15 dias, voltou a conversa sobre risco de recessão nos Estados Unidos. Desta vez, negociantes de dinheiro e a mídia financeira internacional reagiam de modo estereotipado a um fenômeno que costuma antecipar com precisão a baixa do crescimento da economia americana.

Grosso modo, a taxa de juros (rendimento) dos títulos do governo americano de dez anos se aproximou muito da taxa de curto prazo (de dois anos). Isso é expectativa de juros menores no futuro, de economia mais fraca (e, pois, sinal imediato para vender ações de empresas e bancos e comprar títulos do governo, que subiriam de preço).

Roberto DaMatta: Somos civilizados...

- O Estado de S. Paulo

O que os indígenas brasileiros desejam é permanecer nas suas terras ancestrais

E por isso exterminamos “índios” – ou, pelo contrário, “somos civilizados” e, por isso mesmo, os acolhemos (ao lado de todos os seres vivos, inclusive o planeta – esse palco criador e sustentador da vida) na nossa misteriosa humanidade.

O general Cândido Mariano da Silva Rondon (descendente de ameríndios bororos e terenas), inventou o emblema abrangente e pródigo do Serviço de Proteção aos Índios a partir de sua fundação, em 1910: “Morrer se preciso for, matar nunca”.

Há nesse olvidado lema de cunho positivista uma mensagem sobre a qual o presidente eleito Jair Bolsonaro deveria meditar quando transforma as terras indígenas num problema. Porque escolher morrer antes de matar é o mesmo que honrar o governo para o qual se foi eleito a despeito das ocasiões em que a riqueza pública pode ser (como foi) furtada.

Morre-se também por um ideal de humanidade. É esse ideal que nos ancora uns nos outros – “índios” e “civilizados” – e é na consciência desse aprendizado recíproco que, como tem revelado a Antropologia Social, está o segredo de um mundo no qual a obsessão tecnológica pode ser relativizada pela serenidade ecológica constitutiva da sabedoria indígena.

Estou seguro de que Jair Bolsonaro não tem interesse em “matar os índios”. Contudo, devo remarcar que vivi com populações indígenas e as vi massacradas debaixo dessa intenção de “não matar”, precisamente porque suas terras haviam sido invadidas por ambição econômica. Ninguém tinha a intenção de matar; muito pelo contrário. O que se desejava conscientemente era “civilizar”, “amansar” ou “domesticar” sem, entretanto, respeitar outros estilos de vida.

O diabo mora exatamente nesse “domesticar” redutor de diferenças. Chamar de “índios” uma multiplicidade de línguas e culturas é o mesmo que classificar de fascistas aqueles que exprimem o propósito de governar honestamente o País. Do mesmo modo que Bolsonaro foi eleito reagindo à domesticação dos seus valores pessoais, essas populações tribais sem Estado, Exército e Igreja, mas com família, normas de convivência e crenças, têm o direito de conservá-las nos limites da democracia brasileira.

Brasília como ela é: Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro não mostra estratégia clara para aproveitar o bônus político do início de mandato

A Esplanada brasiliense conta com 17 edifícios idênticos, mais os dois palácios que abrigam as pastas da Justiça e das Relações Exteriores. Desde a inauguração da cidade, em 1960, a crescente complexidade da administração pública e as imposições da política tornam o espaço insuficiente para comportar a estrutura do Executivo federal.

Ali, nos prédios em anexo e em outros pontos distribuídos pela capital, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), reunirá 22 ministérios —sete abaixo do número atual, mas também sete acima do anunciado na campanha para demonstrar o compromisso com o enxugamento do Estado e o fim do toma lá dá cá com os partidos.

Da promessa à realidade, a diferença beira os 50%. Boa parte do período de transição de governo tem sido consumida com o redesenho do primeiro escalão, ao qual não faltam sinais de improviso.

Depois de idas e vindas, acabou extinto o octogenário Ministério do Trabalho, cujas verbas de quase R$ 90 bilhões anuais serão remanejadas para outros órgãos.

Alheamento da realidade: Editorial | O Estado de S. Paulo

Um presidente da República deve ser capaz de nortear seus auxiliares na administração do Estado em seus diversos aspectos, e por esse motivo deve ser capaz de transmitir com a maior clareza possível a todos os seus comandados as diretrizes que julga adequadas para seu governo. Em outras palavras, não pode desorientar ministros e demais funcionários com ordens e declarações contraditórias ou, pior, baseadas em dados falsos ou fantasiosos, pois tal situação pode produzir decisões administrativas e políticas públicas equivocadas para o País.

Assim, preocupa que o próximo presidente, o sr. Jair Bolsonaro, seja de viva voz, seja por meio daqueles que são tidos como seus principais porta-vozes, manifeste entendimento bastante precário sobre alguns dos problemas mais importantes para o País, sinalizando a seus futuros comandados – e à opinião pública em geral – pensamentos que denotam um perigoso grau de alheamento da realidade.

Quando vem a público para dizer que a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo atual governo não é “justa” porque “não podemos querer salvar o Brasil matando o idoso”, Bolsonaro demonstra não conhecer nem a proposta a que se referiu nem o estado calamitoso do sistema previdenciário. Pois o fato é que a emenda constitucional apresentada pelo governo de Michel Temer foi substancialmente desidratada em sua tramitação no Congresso, em razão da crescente oposição a seu teor. Se fosse votada hoje, serviria apenas como ponto de partida para uma revisão mais abrangente que necessariamente teria de ser feita nos próximos dois anos.

O perigo da reforma feita por etapas: Editorial | O Globo

Bolsonaro se arrisca a perder capital político e sem avançar em mudanças essenciais para o país

No vaivém dos planos do futuro governo para questões cruciais como a da Previdência, o próprio presidente eleito Jair Bolsonaro se incumbiu de anunciar a prioridade para tratar do regime dos servidores públicos, estabelecendo o limite de idade de 65 anos para a obtenção do benefício. Se incluir nesta etapa os militares, o assunto ganha mais relevância, o que não significa ser a melhor forma de começar a enfrentar o problema.

O sistema de previdência do funcionalismo também é forte indutor da má distribuição de renda, uma das mais iníquas do mundo. Governos se sucedem com o discurso de justiça social, tratam de conceder reajustes reais ao salário mínimo, criam bolsas, mas, basta a economia reduzir o ritmo de crescimento, para as disparidades reaparecerem.

A explicação é que o próprio Estado brasileiro, com regras aprovadas num Congresso controlado por corporações de privilegiados — entre elas, algumas de servidores —, opera mecanismos de concentração de renda. A Previdência é um dos mais eficientes. Os números, crescentes, são assombrosos.

Disputa EUA-China vai além do comércio e pode durar anos: Editorial | Valor Econômico

Não há nada resolvido nas relações comerciais entre Estados Unidos e China e o acerto feito em um jantar em Buenos Aires entre o presidente americano Donald Trump e o líder chinês Xi Jinping apenas retira por 90 dias a ameaça de retaliações mútuas - mantendo as existentes. A euforia dos mercados financeiros é tão compreensível quanto efêmera.

Há estranhas dissonâncias entre o comunicado do Departamento de Estado americano, que avançou os objetos de negociação, as entrevistas do diretor do Conselho Nacional de Economia, Larry Kudlow, e o laconismo do texto oficial chinês. Tudo indica que Trump, sempre ávido por autopromoção, esteja fazendo propaganda e não sendo fiel aos fatos. Segundo Washington, Xi concordou em "comprar quantidades substanciais de bens agrícolas e industriais", o que é possível como gesto de boa vontade. Kudlow, porém, chegou a mencionar disposição de Pequim de compras de US$ 1,3 trilhão - dez vezes mais do que os EUA exportam para a China em um ano. Assim como anunciou a intenção chinesa de zerar tarifas de automóveis, que Pequim não confirma.

O que vem a seguir no comunicado é uma lista de desejos de Trump e um prato indigesto para Pequim, que teria aceito discutir "mudanças estruturais sobre transferência forçada de tecnologia, proteção da propriedade industrial, espionagem e ataques cibernéticos" entre outras coisas. O ultimato de Trump, outro blefe, é que ele pretende uma solução sem ambiguidades para estas simples questões - em 90 dias.

Os líderes chineses, desde o início, não se recusam a discutir esses e muitos outros pontos. Em geral, quem tem virado a mesa de negociações é o time de Trump e o próprio presidente, cujo estilo para obter acordos é conhecido: sob ameaças e imposições de tarifas, pede o máximo que espera conseguir. Esse estilo pode até impressionar países frágeis ou dependentes dos EUA, mas não os líderes da segunda maior economia do mundo.

Macron na planície: Editorial | Folha de S. Paulo

Cabe ao presidente francês demonstrar habilidade para ouvir quem se sente desassistido

Por maior que seja seu prestígio, governantes que se distanciam das demandas dos governados tendem à impopularidade e, cedo ou tarde, são forçados a lhes dar satisfação. Nessa situação encontra-se o presidente da França, Emmanuel Macron, que tentou contornar, em vão, uma onda de manifestações de rua em curso há semanas.

Talvez pelo fato de que o direito de protestar esteja tão incorporado à vida política do país o mandatário tenha subestimado os “coletes amarelos” —termo pelo qual ficaram conhecidos os participantes desses atos, por vestirem o acessório que todo motorista deve levar no carro como item de segurança.

Entretanto a resistência e a capacidade de mobilização do grupo logo ficaram claras com o bloqueio de estradas —a exemplo do que caminhoneiros fizeram no Brasil— e o fechamento de lojas por dias. Nesta terça (4), Macron cedeu à principal queixa e suspendeu, por seis meses, o aumento de um imposto sobre os combustíveis.

Crise na França é ameaça à democracia representativa: Editorial | O Globo

Sintomático que militantes das extremas direita e esquerda aproveitem para atuar nas ruas

Terra de revoluções e movimentos de insatisfação que transbordam para as ruas depois de fermentar de forma quase imperceptível no subsolo da sociedade, a França volta a seguir a tradição, agora com a revolta dos “coletes amarelos”.

A ponto de a grande novidade na política francesa dos últimos anos, Emmanuel Macron —eleito presidente numa meteórica campanha com mais de 60% dos votos, tripulando o partido lançado por ele, República em Marcha — parecer velho depois de três semanas de manifestações violentas em Paris e de bloqueios de estradas.

O motivo formal da mobilização é um “imposto verde” criado por Macron sobre o diesel, combustível bastante poluente. Tudo em nome do combate ao aquecimento global. O encarecimento estrangulou o orçamento de moradores de cidades menores do interior e da periferia dos grandes centros, que dependem do transporte individual para sobreviver, como agricultores e pequenos empreendedores em geral.

Segundo o “New York Times” , o início da ebulição se chama Priscillia Ludosky, comerciante de cosméticos pela internet, moradora dos subúrbios de Paris. Em maio, difundiu um texto pelas redes mostrando que mais da metade do preço do combustível se deve a impostos. Semelhante ao Brasil. Com este argumento, Priscillia escreveu uma petição contra o encarecimento do diesel, muito usado também por veículos leves na França.

Roberto Percinoto destaca luta de Aluísio Palhano em defesa dos direitos dos trabalhadores

- Portal do PPS

O dirigente do PPS do Rio de Janeiro e ex-bancário, Roberto Percinoto, disse que a identificação dos restos mortais do sindicalista Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, sequestrado e morto em 1971 durante a ditadura militar, põe fim a angustia da família que há 47 anos buscava informações das circunstâncias de sua prisão e desaparecimento.

A ossada de Palhano estava entre mais de mil restos mortais descobertos em 1990, na vala clandestina de Perus, no cemitério Dom Bosco, em São Paulo. A confirmação veio a partir de um cruzamento genético e foi anunciada nesta segunda-feira (3) durante o I Encontro Nacional de Familiares de Desaparecidos Políticos, em Brasília.

“Conheci Aluísio Palhano no início da década de 1960 como presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, presidente da Contec [Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito] e dirigente do antigo CGT [Comando Geral dos Trabalhadores]”, conta Percinoto, que foi ativista sindical dos bancários no Rio de Janeiro entre 1961 e 1964, ano do golpe militar.

Segundo ele, o sindicalista era um “exímio orador e participava da campanha pelas reformas de base no governo João Goulart”. Percinoto diz que com o golpe de 1964 “Palhano teve seus diretos políticos cassados, exilou-se no México e posteriormente deslocou-se para Cuba”.

Para o dirigente do PPS, o fato de “fazer a opção pela luta armada contra a ditadura não tira do líder sindicalista o mérito de ter sido um lutador pelo direito dos trabalhadores. Sua morte sob tortura é uma coisa abjeta e vil, que todo democrata deve repudiar”, afirmou ao Portal do PPS.

“Palhano era a nossa grande liderança. Quando falava nas assembleias e atos era calorosamente aplaudido”, diz Percinto, que participou da greve dos bancários do Rio de Janeiro em 1961 como “piqueteiro” sob o comando de Arildo Salles Dória, dirigente sindical dos bancários e membro do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

Ativismo
“Eu comparecia a todas as assembleias e atos promovidos pelo Sindicato dos Bancários do Rio. Nossas lideranças eram Aluísio Palhano, Humberto Campbel, que o sucedeu na presidência, Luiz Viégas da Motta Lima, na época presidente da Federação dos Bancários do Rio de Janeiro e ainda o Pereirinha – Antônio Pereira da Silva, que era o Secretário-Geral do sindicato”, lembra o dirigente do PPS.



Sindicalista foi sequestrado e morto em 1971 durante a ditadura militar

PPS lamenta a morte de Paulo Elisiário, ex-presidente do PPS-MG

- Portal do PPS

O ex-presidente do PPS de Minas Gerais, Paulo Elisiário Nunes, morreu nesta terça-feira (04), em Belo Horizonte, aos 79 anos. O “eterno presidente” do PPS-MG lutava há cerca de cinco contra um câncer na próstata. Em nota pública (veja abaixo), o presidente do PPS, Roberto Freire, lamenta a morte do dirigente “que teve toda sua vida dedicada às atividades partidárias” e prestas condolências aos seus familiares e integrantes do PPS mineiro.

Nascido em Palmeiras dos Índios, em Alagoas, Paulo Elisiário foi presidente do PPS em Minas por mais de 20 anos. Afastado por causa da doença, ele ainda integrava a Executiva Estadual do partido, da qual fez parte desde a época do antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro).

Na série da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) “Brasileiros e Militantes” (veja aqui e abaixo), Paulo Elisiário fala em entrevista ao historiador Ivan Alves Filho sobre a sua trajetória de vida e política.

“Imensa Perda
Em meu nome pessoal e em nome da direção do Partido Popular Socialista, comunicamos a morte, na manhã de hoje, em Belo Horizonte, do nosso querido companheiro Paulo Elisiário Nunes, que teve toda sua vida dedicada às atividades partidárias, desde Alagoas, sua terra natal (era natural de Palmeira dos Indios, berço do grande Graciliano Ramos) passando por várias capitais brasileiras e terminou se concentrando no Estado de Minas Gerais, sua segunda terra.

Ainda muito jovem, foi escolhido para ir a Moscou, no inicio dos anos 1960, a fim de estudar na escola de quadros montada pelo Partido Comunista da União Soviética para preparar militantes de todos os recantos do mundo. Concluído seu curso, em 1965, regressou clandestinamente ao Brasil, em plena ditadura militar, indo morar em Aracaju, a fim de se engajar na luta contra o regime militar.

Capturado anos mais tarde pela repressão política em Juiz de Fora, foi barbaramente torturado e nada revelou a seus algozes. Após a Anistia, retomou suas atividades abertas no PCB, tendo sido um dos principais responsáveis pelas ricas atividades do Partidão no Estado de Minas Gerais e, fruto de sua rica experiência, chegou a participar do Secretariado e da Comissão Executiva nacionais, ao lado de Giocondo Dias, Dinarco Reis, Salomão Malina, Sergio Moraes, dentre outros. Em 1992, apoiou a transformação do PCB em PPS, onde militou até ser vítima da terrível doença que lhe tirou a vida.

Nossas fraternas condolências aos seus familiares, a começar da mineira Geralda, sua companheira de todas as horas, em dezenas de anos, feliz e rica convivência que lhes legou seus queridos filhos Mariana e Paulo, além de netos, e aos companheiros do PPS mineiro.

Paulo Elisiário era a dignidade em pessoa, sempre alegre, fraterno e solidário com amigos, companheiros e qualquer homem ou mulher com quem tivesse contato.

Brasília, 4 de dezembro de 2018
Roberto Freire
Presidente nacional do PPS“


Antonio Machado (1875-1939): O crime foi em Granada

(A Federico García Lorca)

I. O crime

Viram-no, caminhando entre fuzis
por uma longa estrada,
sair ao campo frio,
ainda com estrelas, madrugada.
Mataram a Federico
quando a luz já se elevava.
O pelotão de verdugos
não ousou olhar sua cara.
Todos fecharam os olhos;
rezaram: nem Deus te salva!
Morto caiu Federico
– sangue na fronte e chumbo nas entranhas –
...Foi lá em Granada o crime,
sabei – pobre Granada –, em sua Granada.

II. O poeta e a morte

Viram-no caminhar a sós com Ela,
sem temer sua gadanha.
– Já o sol de torre em torre; e já os martelos
na bigorna – metal, metal das fráguas.
Falava Federico,
galanteando a morte. Ela o escutava.
“Porque ontem no meu verso, companheira,
soava o golpe de tuas secas palmas,
e deste o gelo ao meu cantar, e o gume
de tua foice de prata à minha desgraça,
te cantarei a carne que não tens,
os olhos que te faltam,
teus cabelos que o vento sacudia,
os rubros lábios em que te beijavam...
Hoje como ontem, morte, minha cigana,
que bom estar só contigo ,
por estes campos de Granada, minha Granada!”

III.

Viram-no caminhar...
Talhai, amigos,
de pedra e sonho, lá no Alhambra
um túmulo ao poeta,
sobre uma fonte na qual chore a água,
e eternamente diga:
foi em Granada o crime, em sua Granada!