sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Luís Roberto Barroso* - 'democracia iliberal'

Os retrocessos democráticos, no mundo atual, não decorrem mais de golpes de estado com o uso das armas. Ao contrário, as maiores ameaças à democracia e ao constitucionalismo são resultado de alterações normativas pontuais, aparentemente válidas do ponto de vista formal, que, se examinadas isoladamente, deixam dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade. Porém, em seu conjunto, expressam a adoção de medidas que vão progressivamente corroendo a tutela de direitos e o regime democrático.

Esse fenômeno tem recebido, na ordem internacional, diversas denominações, entre as quais: 'constitucionalismo abusivo', 'legalismo autocrático' e 'democracia iliberal.


*Luís Roberto Barroso, ministro do STF em liminar que restabelece o mandato de antigos conselheiros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e outras medidas. Jornal Nacional, 23/12/2019

Risco à democracia marca bolsonarismo: “Crescimento pode favorecer projeto autoritário”, diz Fausto

Cientista político alerta que eventual retomada do crescimento embute o risco de favorecer um projeto autoritário

Por Cristian Klein / Valor Econômico — Do Rio

Mesmo dando certo, com a recuperação econômica, o governo Bolsonaro pode dar errado, pelo que mostrou no primeiro ano, quando a gestão em áreas como política externa, educação e meio ambiente foi “absolutamente ruinosa”. O alerta é do cientista político e diretor-geral da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto, 57 anos, para quem a eventual retomada do crescimento embute um risco: o de favorecer um projeto autoritário do bolsonarismo. Fausto afirma que as instituições reagiram bem aos ataques feitos pelo presidente e seus aliados contra, entre outros, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e a imprensa. Mas teme pela capacidade de resistência institucional, sobretudo se a economia fortalecer o presidente. “Esse teste de estresse você aguenta por quatro anos. Aguentará por mais tempo?”, questiona.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Que balanço faz deste primeiro ano de gestão de Bolsonaro?

Sergio Fausto: A descoberta retumbante é que quem manda no governo é o Bolsonaro, ao contrário de algumas fantasias que se fizeram no inicio do mandato, de que, a rigor, haveria um dispositivo militar e outros setores mais pragmáticos que dariam o tom da banda governamental. Não. Quem dá o tom é o presidente e o seu núcleo ideológico. Aparentemente, os militares recuaram para uma posição de trincheira para proteger a corporação dos ímpetos politizantes do bolsonarismo. Sergio Moro também frustra expectativas de quem imaginava que ele pudesse ser uma espécie de contrapeso legalista que se espera de um ministro da Justiça que vem do Poder Judiciário. Não é isso. Ele reconhece o mando político de Bolsonaro e dança conforme a música cujo tom é dado pelo presidente.

Valor: Há exceção?

Fausto: É o ‘posto Ipiranga’. O ministro Paulo Guedes [Economia] conseguiu uma esfera de autonomia maior e isso se estende a alguns outros setores ligados à área econômica, como Infraestrutura e Minas e Energia. São espécies de reservas de racionalidade dentro do governo. Paulo Guedes encontrou no Congresso uma liderança disposta a fazer avançar uma agenda reformista, personificada no [presidente da Câmara] Rodrigo Maia. A dobradinha Rodrigo Maia e Rogério Marinho - o secretário de Previdência, que é o principal negociador, não é o ministro da Economia - produziu resultados. Isso fez com que a recuperação cíclica da economia fosse favorecida neste último trimestre do ano por uma percepção de que existe uma agenda sobretudo na área fiscal que vai ganhando musculatura. Tem o caso da Previdência, já aprovada, e iniciativas de reformas semelhantes também nos Estados. Tem política de governo nessa área.

Risco à democracia marca bolsonarismo: “Estamos em uma batalha de narrativas”, diz Lilia

Para antropóloga e historiadores, intelectuais devem sair a campo e encarar o debate público

Por Malu Delgado / Valor Econômico — De São Paulo

Um governo que produz as próprias verdades sem compromisso com a história e com a ciência. A avaliação da antropóloga e historiadora, Lilia Schwarcz, sobre o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro não é suave. Disposta a deixar o hermetismo da academia e se lançar nas redes sociais, a professora da USP acha que num momento de disputa de narrativas históricas como o atual, os intelectuais devem sair a campo e encarar o debate público. Governos deste tipo, afirma, atuam “no sequestro social”. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Que balanço faz deste primeiro ano de gestão de Bolsonaro?

Lilia Schwarz: Democracia é um regime, por definição, inconcluso. É preciso conquistar a cada dia nossos direitos. Nos últimos 30 anos, os brasileiros conviveram com uma democracia, senão absoluta, pelo menos plena: as instituições funcionaram de maneira autônoma e você não tinha uma imposição do Executivo sobre o Legislativo e Judiciário, e vice-versa. Os brasileiros viveram um momento forte de consolidação de pautas minoritárias e de uma agenda mais ampla, plural e inclusiva. São pautas que hoje, neste governo, estão sob ameaça.

Valor: Ameaças a direitos constitucionais, são a postura mais preocupante deste governo?

Lilia: Nos 28 anos em que nosso presidente foi deputado não primou por defender essas pautas. Hostilizou-as. Eu não tenho problema nenhum com o pensamento conservador. Ao contrário. Acho que a democracia funciona muito melhor quando lida com a diferença. Mas neste caso é regresso democrático. Não é a única pauta em regresso.

Se prestarmos atenção nos ataques à academia e à ciência, veremos que é um governo que claramente produz suas próprias verdades e não tem muito apego a fatos e informações. Há o ataque forte à ciência e ao jornalismo. Mais que uma mentira isolada, conforma um sistema de mentiras que alimenta certo grupo de brasileiros.

Merval Pereira - Apoio à impunidade

- O Globo

Não é de hoje que a classe política, aliada a empresários e outros agentes privados, tenta minar a Lava-Jato

Foi a mais grave derrota do ministro Sérgio Moro, mas foi mais que isso. Foi a confirmação de que a luta contra a corrupção nunca foi um objetivo do presidente Bolsonaro, apenas uma desfaçatez eleitoreira que não resistiu a um ano de investigações sobre sua família.

Ao que indicam os fatos, essa relação perigosa da família Bolsonaro com pessoas e atos à margem da lei vem de longo tempo, mas somente agora se tornaram visíveis à opinião pública.

As diversas restrições que a lei impõe ao combate à corrupção, especialmente a do colarinho branco, encontraram no presidente que se dizia íntegro defensor de seu combate um aliado a favor da impunidade.

As diversas alterações feitas na proposta do ministro Sérgio Moro saíram da Câmara, onde grande parte de seus componentes têm contas a ajustar com a Justiça, ou teme vir a ter. A intenção das várias inserções é evidente, como a implantação imediata do juiz de garantias.

A esquerda festeja muito justamente, porque sua aprovação, com a sanção presidencial, é uma crítica direta ao ex-juiz Moro, uma aceitação das denúncias de que ele exorbitou de seu poder nos processos da Lava Jato.

Esse tema surgiu justamente devido à revelação do The Intercept Brasil de conversas entre procuradores de Curitiba e o juiz Moro, fruto de roubo cibernético ainda não completamente esclarecido. A idéia em si, já em prática em vários países europeus, e até mesmo em certos setores da justiça de São Paulo, não é desprezível, nem em si mesma errada.

Bernardo Mello Franco - A tortura e seus defensores

- O Globo

Em 2019, políticos que desprezam os direitos humanos passaram das palavras à ação. Bolsonaro desmontou o Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura

“Existem, e não são poucos, os que defendem as torturas”. A frase parece atual, mas foi publicada em dezembro de 1969. Assim começava uma célebre reportagem da revista “Veja” sobre os maus-tratos a presos políticos na ditadura militar.

No texto, dois delegados defendiam a prática de espancar suspeitos para obter confissões. “É preciso muito pau em cima deles. Acho que a polícia está certa em agir assim”, afirmou Waldo Fraga. “O que se condena é a dosagem em excesso dessa violência”, disse Eldes Mesquita.

Os repórteres contaram as histórias de duas vítimas da violência oficial. Chael Schreier, estudante de medicina, militava na luta armada. Preso no Rio, levou tantos golpes na barriga que sofreu uma hemorragia interna e morreu na Vila Militar, aos 23 anos. “Ele apanhou como um cavalo”, contou um primo que viu o corpo no cemitério.

Pedro Doria - Flávio: o que há num nome?

- O Globo

A maior polêmica da semana se concentrou em como a imprensa cobriu os achados, pelo Ministério Público, de indícios de desvio e lavagem de dinheiro no gabinete do então deputado estadual do Rio Flávio Bolsonaro

Poderão as democracias sobreviver quando são as crenças pessoais, e não os fatos, que sustentam nossa visão de mundo? Esta é a pergunta que deverá marcar não apenas 2020, mas também os anos seguintes. É uma pergunta não só para o Brasil. É um drama de direita e esquerda.

A maior polêmica da semana centrou em como a imprensa cobriu os achados, pelo Ministério Público, de fortes indícios de desvio e lavagem de dinheiro no gabinete do então deputado estadual do Rio Flávio Bolsonaro. O filho Zero Um do presidente, hoje senador. Desde o primeiro momento, ainda antes de Jair Bolsonaro vestir a faixa presidencial, jornalistas profissionais estão em cima do caso. Tudo o que veio a público até agora foi através da imprensa.

Em algum momento, alguém percebeu que alguns veículos utilizavam em seus títulos apenas o prenome do senador. Flávio — ao invés de Flávio Bolsonaro. De presto um naco das redes chegou à conclusão de que jornais, revistas e sites estavam, com isso, tentando proteger o presidente. Não usar ‘Bolsonaro’ no título, de alguma forma, serve a um estratagema que protege a imagem daquele que ora ocupa o Planalto.

Míriam Leitão - O que fazer se um banco quebrar

- O Globo

Patrimônio dos banqueiros precisa entrar no roteiro de salvamento de bancos proposto pelo BC, que prevê até uso de dinheiro público em última instância

Nem mesmo no Banco Central se consegue uma boa explicação para o fato de o projeto de lei sobre o resgate dos bancos em dificuldade ter sido anunciado num dia meio morto em Brasília: 23 de dezembro no fim da tarde. Salvar bancos grandes com dinheiro público é proposta que deveria causar ojeriza a liberais, mas no governo o que se ouve é que é preciso ser “pragmático”. Uma grande instituição, se quebrar, pode causar uma enorme perda do PIB e prejuízos generalizados.

Chovia em Brasília, algumas quadras da capital estavam sem luz, quando o Projeto de Lei foi enviado a um Congresso vazio na véspera de Natal. O assunto é controverso, mas a questão está mais adiantada do que se pensa: os bancos já estão constituindo o Fundo de Resolução que foi criado pelo projeto.

O Fundo Garantidor de Crédito (FGC) continuará existindo. Ele garante os depósitos dos clientes. Se o banco quebrar, o cliente consegue pegar seu dinheiro até um determinado valor por causa do FGC. O dinheiro sai de um percentual dos depósitos. Os bancos dizem que o fundo é privado e são eles que contribuem, mas o valor sempre foi diluído nas altas taxas de juros cobradas dos clientes.

Agora haverá também o Fundo de Resolução que é destinado a socorrer os bancos. Perguntei a um dirigente do BC se isso sairia mesmo da indústria bancária ou seria cobrado indiretamente do cliente, e ele me disse que uma parte deve ser repassada aos clientes.

Humberto Saccomandi - Utopia ambientalista é novo polo político

- Valor Econômico

Ascensão de um polo político ambiental terá enorme impacto

Ainda é comum ouvir no Brasil que a reação europeia aos problemas ambientais brasileiros é protecionismo disfarçado ou neocolonialismo. Isso é miopia, pois perde de vista o ponto principal, que é o aparente surgimento de um novo polo na política ocidental: a utopia ambientalista. Essa deve ser uma megatendência deste século, que afetará vários aspectos de nossas vidas: o modo como produzimos, consumimos, nos alimentamos. A ativista sueca Greta Thunberg deu uma cara ao movimento.

Há mais de dois séculos a política no Ocidente é dominada por uma contraposição entre a utopia da liberdade e a utopia da igualdade, que deram origem à maioria dos modernos partidos de direita e de esquerda, respectivamente. Essas ideias são centrais no Iluminismo e irromperam violentamente na Revolução Francesa, de 1789. São resumidas no primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, daquele mesmo ano: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”.

Desde então discute-se o que é ser livre e ser igual, mas essas duas utopias formam a base da política ocidental, que o Brasil herdou. É importante lembrar que esses conceitos nunca penetraram totalmente em sistemas políticos não ocidentais. Frequentemente tentamos ver o restante do mundo sob a ótica dessa dicotomia direita x esquerda. Isso é um equívoco.

A história do Ocidente sugere que os países que souberam equilibrar ou combinar melhor as utopias da liberdade e da igualdade são os que mais prosperaram. Possivelmente, com o tempo, a concorrência entre elas foi refinando esses dois polos, que competem, porém também colaboram entre si e se influenciam. Assim, querer eliminar o outro lado é contraproducente.

Nilson Teixeira* - Maior otimismo no início do ano é usual

- Valor Econômico

A baixa criação de empregos na indústria torna a aceleração da economia nos próximos meses mais incerta

O recuo da inflação nos últimos anos é atribuído a vários fatores, entre os quais a forte recessão de 2015 a 2016 e o esforço do governo de evitar a deterioração fiscal. A crise contribuiu para a redução do peso de vários canais de transmissão inflacionária, bem como para o fortalecimento do canal de demanda, da potência da política monetária e da ancoragem da inflação. O cenário para a inflação tende a continuar favorável, em linha com a projeção para 2020 abaixo do centro da meta e expectativas para os anos seguintes ancoradas a suas respectivas metas.

O comportamento benigno da inflação foi abalado neste trimestre. A projeção do Banco Central, por exemplo, aumentou de 3,4% em setembro para 4%. Essa surpresa deveu-se, principalmente, à forte alta dos preços das carnes - causada pelo choque de demanda originado pela disseminação da gripe suína na China e o abate de grande parte do seu rebanho.

O recente declínio dos preços das carnes no atacado reforçou a expectativa de transmissão desse recuo para o varejo no início de 2020. Isso explicou a pouca alteração das previsões de inflação para 2020, mesmo com o expressivo desvio neste trimestre. A reversão de parte da alta dos preços das carnes já no próximo trimestre foi incorporada às projeções. Do contrário, a memória inflacionária estimada nos modelos elevaria as previsões de 2020, em particular do início do ano. Os resultados seriam ainda maiores caso se assumissem repasse cambial similar ao de anos atrás e depreciação de R$ 4,05/US$ para R$ 4,20/US$ entre as reuniões de outubro e dezembro do Copom.

Claudia Safatle - O peso da inflação dos preços controlados

- Valor Econômico

De 1999 para cá serviços de saúde aumentaram 374%

Superada a herança inflacionária e com os preços sob controle, pouco se fala hoje da inflação acumulada ao longo dos anos e dos seus vilões. Em duas décadas, de 1999 a 2019, porém, os preços tiveram aumento de 240% e os setores que apresentaram os maiores aumentos reais foram justamente os administrados, regulados e de segmentos onde há baixa competição.

Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) intitulado “Inflação Brasileira nas Últimas Duas Décadas” aponta que foram os preços controlados, a exemplo das áreas de saúde e educação, transportes e energia elétrica, os que mais cresceram.

A formação de preços nesses setores não obedece aos ditames da oferta e da demanda. Falhas de mercado justificariam intervenções do governo. Além do que são serviços não expostos ao comércio internacional (“nontradables”). Esse conjunto de fatores faz com que não haja um regime de competição, dando ao mercado características de oligopólio.

O estudo foi feito com base em uma longa série de dados do IPCA, que começa em agosto de 1999 - quando foram disponibilizados os preços de itens como celulares e microcomputadores - e termina em março de 2019, perfazendo 19 anos e nove meses.

O campeão de aumento de preços no Brasil, no período citado, foi a área de serviços médicos e hospitalares, setor com demanda inelástica no qual o aumento foi de 374%. Nesses, o maior controle é sobre a permissão profissional do médico, que restringe a oferta do serviço. A inovação tecnológica aumentou a competitividade das grandes empresas mas também intensificou-se a barreira de entrada de empresas de menor porte, dificultando a competição.

Bruno Boghossian - Revival petista

- Folha de S. Paulo

Acenos a Marta e Benedita são sinais de que petista tenta recuperar imagem da sigla

Nas últimas eleições municipais, o PT perdeu mais de metade de suas prefeituras. Dos 638 postos de 2012, o partido ficou com 254 em 2016. O fracasso foi, em parte, um efeito da onda que derrubou Dilma Rousseff. No ano que vem, a temperatura do antipetismo, que marcou o cenário político desde o impeachment, será testada novamente.

O cenário permanece nebuloso, com o poder de decisão concentrado nas mãos de Lula. O ex-presidente, aliás, tem dado sinais contraditórios. Já apontou que deve apoiar candidatos de outras legendas em cidades estratégicas para oxigenar os quadros da esquerda, mas também passou a estimular veteranos do PT, associados a esses nomes.

Apesar de ter dado palanque para a ascensão de nomes como Fernando Haddad e o governador baiano Rui Costa, o partido tropeçou em seus planos de renovação interna. Basta ver a dificuldade dos petistas em encontrar um candidato óbvio para a Prefeitura de São Paulo.

Hélio Schwartsman - Populismo universitário

- Folha de S. Paulo

Atual processo de escolha de reitores em universidades federais favorece o corporativismo

O modo beligerante, autoritário e açodado pelo qual atua o governo Bolsonaro faz com que ele perca a razão até quando seu caso tem “fumus boni iuris” (fumaça de bom direito). Foi o que aconteceu com a medida provisória que altera o processo de escolha de reitores em universidades federais.

A atual sistemática não é boa. Embora existam regulamentos que em tese disciplinam a matéria, grande parte das instituições os ignora e promove uma eleição informal, na qual os votos de professores, alunos e servidores têm o mesmo peso. O resultado dessa consulta costuma ser chancelado automaticamente pelos conselhos universitários, convertendo-se na lista tríplice de nomes que é encaminhada ao Executivo para escolha pelo presidente. Em governos anteriores, a praxe era nomear sem questionamentos o mais votado.

Vinicius Torres Freire - Empresas ainda têm medo na 'nova era'

- Folha de S. Paulo

Euforia da finança não contagia executivos de comércio, indústria e serviços

A Bolsa de São Paulo está animadíssima. Vai às alturas mesmo sem os “estrangeiros” (não residentes), que tiraram dinheiro daqui desde a eleição de 2018, na prática.

Não é bem o caso do comércio e dos serviços, indica a pesquisa de confiança dos empresários de dezembro, da FGV. Recuperam-se do desânimo profundo de maio, mas ainda estão menos confiantes do que no início do ano, no surto que durou da eleição até fevereiro. A Bovespa, por sua vez, subiu mais de 20% desde então.

“À nossa frente, o horizonte está limpo e aberto. Os preparos necessários já foram feitos e, agora, estamos na cabeceira da pista, prontos para decolar. Esse é o Brasil de 2020”, diz a apresentação de um cenário da XP Investimentos.

“É o início de uma nova Era [sic]: confiantes com o futuro, de cintos afivelados e, finalmente, prontos para decolar”, diz o texto da empresa financeira. Na “nova Era”, a economia cresce 2,3% em 2020, mais ou menos o que chuta a mediana dos economistas de “o mercado”. Não parece lá uma aurora dourada, mas passemos.

Fernando Gabeira* - Um ano meio maluco

- O Estado de S.Paulo

Resta-me descobrir os pontos em que a loucura mundial se entrelaça com a brasileira

No último artigo do ano, não queria fazer uma resenha. Apenas me ater a uns traços mais gerais para explicar como chegamos até aqui e para onde, possivelmente, estamos nos dirigindo.

Tentei a forma clássica de explicar o que vejo aqui pesquisando os analistas mais amplos que tentam entender o mundo, os fenômenos que repercutem em muitos lugares, inclusive no Brasil.

Ao ler um deles, o sociólogo Ulrich Beck, autor de A Metamorfose do Mundo, deparei-me com o seguinte argumento que considera o ritmo das mudanças atuais muito mais rápido que os efeitos, por exemplo, da Revolução Francesa: A metamorfose do mundo ocorre com uma velocidade realmente inconcebível: em consequência, está ultrapassando e esmagando não apenas pessoas, mas instituições. É por isso que a metamorfose que acontece nesse momento, diante de nossos olhos, está quase fora da conceituação da teoria social. Por isso que muitas pessoas têm a impressão de que o mundo está louco.

Modestamente, o que me resta é descobrir alguns pontos em que a loucura mundial se entrelaça com a brasileira e que tipo de iguana nasce desse cruzamento.

A novidade do ano de 2019 foi a mudança de governo, início de uma nova etapa. Ela apresentou inúmeros pontos de contato com os Estados Unidos, expressando um divórcio quase hostil entre as pessoas comuns e os intelectuais e acadêmicos. Elas parecem cansadas de ter alguém pensando por elas, indicando caminhos, dizendo o que pode ou não ser feito.

A frustração econômica e o desencanto com a política estenderam-se também à elite intelectual, considerada uma parte do sistema.

Arminio Fraga: ‘Não é justo governar só para economia formal’

Ex-presidente do BC cobra investimentos em educação e capacitação do trabalhador para reduzir a desigualdade

Douglas Gavras | O Estado de S. Paulo

“O governo atual parece não ter esse tema (o combate à pobreza) como prioridade, eles parecem comprar uma ideia mais antiga de que tem de fazer crescer o bolo antes de distribuí-lo. Ou que o crescimento por si só vai resolver o problema.”

Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, a reversão do avanço da desigualdade de renda e da pobreza passa pela retomada do crescimento mais robusto da economia com investimentos, de longo prazo, em educação e formação do trabalhador. “Não é justo governar só para os que estão na economia formal”, afirma. Para ele, é preciso olhar para a informalidade.

A necessidade de reverter o avanço da desigualdade de renda e da pobreza nos últimos anos, a partir da recessão de 2014 a 2016, passa pela retomada do crescimento mais robusto da economia e, no longo prazo, pelos investimentos em educação e formação do trabalhador, afirma o economista Arminio Fraga.

Ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, ele diz que é preciso prestar atenção ao aumento do trabalho informal, geralmente de pior qualidade e de remuneração mais baixa, e garantir que ele não seja um outro vetor de aumento da desigualdade. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

• O que pode ser feito para reverter o aumento da desigualdade?

O País está há décadas crescendo pouco e houve um descaso histórico com áreas importantíssimas, que têm ligação com qualidade de vida e desigualdade: educação e saneamento, por exemplo. A piora dos últimos anos tem a ver com a profunda recessão que ainda nos assola. Aqui, o Banco Central vem agindo dentro do seu mandato, reduzindo bastante os juros. Essa seria a resposta mais direta e mais natural, pois o Brasil não é um país que está em uma armadilha de liquidez. Além da política monetária, o BC vem perseguindo uma relevante agenda de redução dos juros para as pessoas e empresas, ainda altos na maioria dos casos. E algumas reformas feitas nos anos recentes, como a trabalhista, devem contribuir para um aumento do emprego.

O que a mídia pensa – Editoriais

O ‘clamor da sociedade’ – Editorial | O Estado de S. Paulo

O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, sugeriu há algum tempo, em entrevista ao Estado, que o pacote de medidas de segurança pública encaminhado ao Congresso pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, não avançou como o governo gostaria porque os parlamentares não levaram em conta o “clamor da sociedade”.

Subentende-se da declaração que, para o ministro Ramos, o Congresso teria aprovado o pacote do ministro Moro se estivesse mais atento às demandas dos cidadãos em relação à segurança pública. De fato, o problema da criminalidade e da sensação de violência nas grandes cidades tem frequentado o topo das preocupações da maior parte dos brasileiros, e é certo que providências devem ser adotadas com urgência para enfrentá-lo com firmeza. A questão é que o governo do presidente Jair Bolsonaro parece acreditar que tudo o que sai de sua lavra deve ser aprovado o mais rapidamente possível pelo Congresso, de preferência sem mudanças que desfigurem o projeto original. Afinal, conforme a lógica expressa na declaração do ministro Ramos, o que emana do governo é, em si, manifestação inequívoca do “clamor popular”, cuja fonte de legitimidade seriam os quase 58 milhões de votos obtidos por Jair Bolsonaro ao se eleger presidente.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Aparição amorosa

Doce fantasma, por que me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.

Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.

Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.
Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.
Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma idéia platônica no espaço?

O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.

Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.