sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Entrevista| Revista Veja - Raul Jungmann: “Não vai ter golpe”

Titular da pasta da Defesa e da Segurança Pública no governo Temer, o ex-ministro descarta ruptura democrática, mas diz haver riscos de conflitos em 2022

Por Victor Irajá / Revista Veja  

Ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública durante o governo de Michel Temer, Raul Jungmann tornou-se uma das principais vozes nas questões mais candentes às Forças Armadas. No comando do ministério entre maio de 2016 e janeiro de 2019, ele defende a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita a atuação de militares da ativa no Executivo, assunto que volta à tona com a polêmica participação de oficiais de alta patente no governo de Jair Bolsonaro. Jungmann externa preocupação com a presença de coronéis e generais à frente de cargos importantes para os quais não foram preparados, como o de ministro da Saúde, em plena pandemia. Familiarizado com os bastidores do Exército, Marinha e Aeronáutica, ele refuta a possibilidade de militares embarcarem em uma potencial aventura golpista do presidente Jair Bolsonaro. Mas, nesta entrevista concedida a VEJA, não descarta um cenário de ameaçadora instabilidade para o ano que vem e conta uma versão bastante preocupante para a saída dos comandantes das Forças Armadas em março.

Qual o impacto da crise institucional entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal do ponto de vista das Forças Armadas? 

Infelizmente, existe no alto oficialato uma visão bastante crítica a respeito do STF, algo que remonta à decisão do ministro Edson Fachin de zerar as ações contra o ex-presidente Lula. Os militares têm uma leitura de que o STF não está deixando o presidente Bolsonaro governar, algo do que obviamente discordo. A Corte, na maioria de suas decisões, tem contido o presidente em seus limites constitucionais. Mas algumas decisões polêmicas embasaram essa imagem que se formou nas Forças Armadas. Existe também a leitura equivocada de que o Supremo teria destruído a Operação Lava-Jato. É algo preocupante.

Mas cabe aos militares esse tipo de posicionamento sobre o STF? 

Como instituição, as Forças Armadas não se pronunciam e não têm posição a esse respeito. Refiro-me a militares como indivíduos. Essa visão é, sobretudo, presente entre os oficiais da reserva, mais do que entre militares da ativa. Tenho conversado com ministros do Supremo sobre isso e chegou-se a se cogitar uma conversa entre dois ou três deles com os comandantes das três Forças, mas com essa última crise isso não aconteceu. É importante que esses esclarecimentos sejam feitos.

O desfile de blindados da Marinha no última dia 10 foi algo inédito. Como avaliou a parada? 

Desfile de tropas e blindados nas cercanias dos poderes só é aceitável em datas comemorativas nacionais. Fora disso, é ameaça real ou simbólica — e algo inaceitável. Simbolicamente, dá sequência à série de atos de constrangimento do presidente da República aos demais poderes. Em termos de balanço, o desfile revelou-se uma ópera-bufa. O efeito foi extremamente negativo e, ainda, ocorreu a derrota do voto impresso.

Dora Kramer - Intenção e gesto

Revista Veja

Enquanto o presidente e apoiadores mais estridentes elevam os decibéis, tribunais superiores, Câmara e Senado põem a bola para rolar no campo da legalidade

Uma coisa é o chefe do Poder Executivo dizer que vai fazer isso ou aquilo, outra é o Judiciário e o Legislativo fazerem acontecer exatamente o contrário, esvaziando com atos as palavras que ao longo do tempo tendem a cair no descrédito.

É o que acontece no Brasil: enquanto o presidente e apoiadores mais estridentes elevam os decibéis e acionam o modo da briga de rua, tribunais superiores, Câmara e Senado põem a bola para rolar no campo da legalidade deixando que Jair Bolsonaro e companhia façam gols contra em série.

Temos aí um embate entre a intenção de provocar e o gesto de enquadrar os provocadores aos costumes institucionais. De um lado, a gritaria, e de outro, o braço firme, por ora o vencedor do certame.

Em 28 de maio de 2020 o presidente reagiu à operação de busca e apreensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal em endereços de gente investigada por participar de uma rede de disseminação de notícias falsas com a frase que lhe pareceu definitiva: “Acabou, p…, ontem foi o último dia”.

Ricardo Rangel - Até quando Augusto Aras ficará com Bolsonaro?

Revista Veja

A notícia-crime coloca ainda mais pressão para que o procurador-geral da República abandone Jair Bolsonaro

Quanto mais pressiona as instituições, mais difícil Bolsonaro torna a vida de seus aliados.

Em troca da recondução à PGR e de uma eventual vaga no Supremo, o procurador-geral da República Augusto Aras vem fazendo vista grossa para barbaridades cada vez mais bárbaras — e deixando muita gente cada vez irritada.

Dois senadores irritados com Aras, Alessandro Vieira e Fabio Contarato (justamente os dois delegados de polícia que integram a CPI), encaminharam ao STF notícia-crime contra o PGR, acusando-o de prevaricação.

Luiz Carlos Azedo - A crise não viaja

Correio Braziliense

Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar. Primeiro, nomeando aliados; segundo, pelo confronto com o Supremo, que pretende intimidar

Toda vez que o presidente José Sarney viajava para o exterior, o então senador Fernando Henrique Cardoso dizia, maledicente: “A crise viajou”. Mais tarde, viria a exercer dois mandatos na Presidência, passando também por seus dissabores. Hoje, os ex-presidentes têm bom relacionamento, mas jamais se tornaram amigos. O presidente Jair Bolsonaro, porém, viaja muito pouco para o exterior. Ninguém o convida para compromissos bilaterais, e sua ida aos foros internacionais são puro desgaste, pela péssima imagem que tem no exterior. Com ele, a crise não viaja.

Políticas interna e externa não são assimétricas; quando isso ocorre, pode terminar muito mal, como no caso do governo de Jânio Quadros, cujo cavalo de pau no Itamaraty, ao condecorar Che Guevara em plena Guerra Fria, deixou-o em rota de colisão com os aliados, principalmente Carlos Lacerda, então governador da antiga Guanabara. Essa crise resultou na sua inopinada renúncia. A longo prazo, os eixos duradouros da política externa são as relações comerciais e a identidade nacional, muito mais do que a momentânea orientação política de governo. Hoje, a divisão internacional do trabalho nos reserva papel estratégico como produtor agrícola e de minérios e faz da China nosso principal parceiro comercial; em contrapartida, do ponto de vista identitário, o americanismo se amalgama à herança cultura ibérica, o que nos afasta do velho nacionalismo latino-americano.

Ricardo Noblat - O trunfo que João Doria guarda para consolidar-se como candidato

Blog do Noblat / Metrópoles

Governador de São Paulo reforça seu time para disputar a eleição presidencial do ano que vem

Rodrigo Maia (sem-partido), ex-presidente da Câmara dos Deputados, é o novo secretário de Projetos e Ações Estratégicas do governo de São Paulo. Pode ter sido uma boa para o governador João Doria (PSDB). Maia ficará responsável por projetos de desestatização, acelerando as parcerias público-privadas.

Mas esse não é o trunfo que Doria guardava para reforçar suas chances de suceder o presidente Jair Bolsonaro caso venha a ser indicado como candidato do seu partido em prévias marcadas para novembro próximo. O trunfo é outro guardado a sete chaves por Doria, mas ainda sujeito a confirmação.

Segundo três pessoas ligadas ao governador e ouvidas por este blog, o trunfo atende pelo nome de Sérgio Moro, ex-juiz, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, ex-aspirante a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje empregado de uma empresa de advocacia americana carregada de bons clientes.

Doria namora há muito tempo o apoio de Moro, que poderá ser declarado ainda este ano, ou no próximo.

Um presidente lúcido requer ministros que não digam idiotices

Ainda falta um dia para terminar a semana onde vozes do governo deram a exata medida dos tempos bizarros que o país vive

Se o raro momento de lucidez de Bolsonaro, ao dizer que há muita gente mais competente do que ele para ocupar seu cargo, resistir à passagem de pelo menos uma semana, talvez fosse o caso de a tropa que o serve com tanto desvelo reciclar o que pensa e fala.

A semana que acaba amanhã começou com o rufar de tambores tocados pelo general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Em entrevista à rádio Jovem Pan, sempre ela, Heleno disse sobre um possível golpe militar:

“Não acredito numa intervenção no momento. Essa intervenção poderia acontecer num caso muito grave”.

Isso não é coisa que diga auxiliar de um presidente da República que joga dentro das quatro linhas da Constituição e que promete continuar jogando. E que despacha bombeiros para apagar o incêndio que ele mesmo tocou em suas relações com a Justiça.

César Felício - Mágoa de boiadeiro

Valor Econômico

Bravata pode causar inflexão no apoio rural a Bolsonaro

O cantor e ex-deputado Sérgio Reis já disse que se tratava de uma brincadeira, outros dizem que ele estava bêbado. Portanto, não é possível comprar pelo valor de face o esdrúxulo áudio que ele produziu na semana passada, anunciando uma sedição programada para o mês que vem, que culminaria em “invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra”, em referência ao Congresso e ao Supremo. Mas há conclusões sobre o episódio que são perturbadoras.

O bolsonarismo puro-sangue sabidamente se apoia em um tripé: militares e forças auxiliares, evangélicos e o meio rural. A capacidade disruptiva dos dois primeiros pilares anda sendo estudada exaustivamente, mas não se vinha dando tanta atenção ao potencial do terceiro pilar em causar barulho. E partiu de um representante deste segmento, ainda que seja uma figura menor, como a de Sérgio Reis, o roteiro canhestro para um golpe com data marcada e tudo. Para quem quiser ouvir, o áudio é encontrado com facilidade no YouTube.

O segundo ponto é que Reis narra uma teia. Ele menciona um encontro com 40 plantadores de soja, “os grandes, que carregam os navios”. Cita um almoço com o presidente Bolsonaro, em que estava presente o ministro da Defesa. Diz que nessas ocasiões foi comentada uma manifestação prevista para acontecer no 7 de setembro, em que haverá um acampamento nos arredores de Brasília. Tudo isso parece bem real.

Fernando Abrucio* - Senado será decisivo para Bolsonaro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Várias questões legislativas essenciais ao projeto de reeleição do presidente Bolsonaro passarão pelo Senado

futuro político do governo Bolsonaro está muito vinculado ao comportamento do Senado nos próximos meses. Aquela Casa legislativa tomará decisões centrais que impactarão fortemente a popularidade presidencial e o projeto de reeleição. Mais do que isso: está em jogo o equilíbrio democrático do país, uma vez que a Câmara federal e o Ministério Público Federal pendem mais para o lado do presidente da República, ao passo que o STF e a Federação são hoje contrapesos ao bolsonarismo. Do ponto de vista institucional, o desempate caberá aos senadores.

Dois fatores explicam esse lugar de árbitro do Senado. Um é estrutural, com caraterísticas que são intrínsecas à Casa. O outro é mais conjuntural e diz respeito à forma como Bolsonaro lidou com os senadores e a maneira como eles vislumbram seu futuro político imediato, especialmente com o olhar nas eleições de 2022.

Embora o bicameralismo tenha peculiaridades nos vários países que o adotam, a opção institucional por duas Casas legislativas geralmente transforma uma delas em espaço de uma elite política mais experiente. O Senado brasileiro cabe bem nesta definição. Normalmente atua como instituição revisora e moderadora de atos da Câmara federal e é composta majoritariamente por políticos com grande influência regional, sendo que uma parte deles foi inclusive governador - atualmente, cerca de 20% deles exerceram essa função. Outro elemento dá maior independência aos senadores: o tempo de mandato de oito anos, o que lhes dá mais autonomia na luta política imediata.

José de Souza Martins* - Universidade para poucos

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Não é verdade que são os pais dos filhinhos de papai que pagam os impostos que asseguram a existência da universidade pública. Todo comprador de alguma mercadoria paga imposto

As ocorrências se deram na mesma semana. A Marinha mobilizou uma frota de tanques de guerra fumacentos para ir ao Palácio do Planalto levar ao presidente da República um convite para acompanhar manobras militares em Goiás. Por meio da demonstração militar, na verdade, o governo queria intimidar os que poderiam recusar a proposta de substituir o voto eletrônico pelo voto impresso, a expressão eleitoral moderna pela obsoleta e manipulável.

O ministro da Educação, por seu lado, fez um pronunciamento pela TV Brasil para dizer o que pensa sobre a universidade: deveria ser para poucos, para muitos os cursos técnicos dos institutos federais. Além disso, reitores não podem ser esquerdistas, menos ainda lulistas. Não precisam ser bolsonaristas. É que o são porque proibidos de não sê-lo.

Ao mencionar as cotas nas universidades federais, o ministro acha que foi a lei de cotas que fez com que a universidade pública deixasse de ser uma universidade de filhos de ricos. Oriundo de uma universidade confessional e privada, ele não tem a menor ideia do que é a universidade pública.

Criada em 1934, a Universidade de São Paulo, sob inspiração e ação de Júlio de Mesquita Filho (1892-1969), do setor culto e inteligente da elite, foi-o sob o princípio de que deveria ser “pública, laica e gratuita”. Não por acaso ela é a maior e a mais importante universidade brasileira e está entre as pouco mais do que uma centena de reputadas universidades do mundo. Não é só fazendo pesquisa sobre grafeno, em universidade privada, com dinheiro público, que se faz uma grande universidade.

Claudia Safatle - A necessária reindustrialização da saúde

Valor Econômico

‘Saúde está para o Brasil o que foi o petróleo nos anos 50’

Há uma importante discussão no mundo pós- pandemia, que se refere a políticas públicas para o desenvolvimento da produção e inovação do complexo da saúde. No Brasil, infelizmente, o Estado está ausente do debate, envolvido em um emaranhado de problemas de curto prazo. Mas é certo que esta será uma pauta para o próximo governo, seja ele quem for.

“A saúde está para o Brasil o que foi o petróleo nos anos 1950”, diz Carlos Gadelha, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz. “A pandemia mostra a saúde como grande oportunidade para o desenvolvimento do Brasil, que dialoga com a demanda social e a demanda da tecnologia e da inovação”, enfatiza ele, que completa: “Ou o Brasil entra na quarta revolução tecnológica pela porta da saúde ou ficará de fora.”

Os Estados Unidos, a Rússia e a União Europeia perceberam que não podem ficar na dependência do mercado externo em uma questão tão delicada como a saúde e estão investindo pesado no setor. Boa parte do programa de US$ 2 trilhões de investimentos do governo americano é voltada à indústria e serviços ligados à saúde. “Uma coisa é depender da China para o 5G. Outra é depender da China ou de qualquer outro país para questões de saúde”, diz um pesquisador da área.

Bruno Boghossian - Uma janela e uma porta

Folha de S. Paulo

A cada dia, presidente tem déficit maior de popularidade para reverter e menos tempo

O plano de Jair Bolsonaro para a reeleição tem a economia como principal variável. O governo e seus aliados tinham certeza de que a volta da atividade daria um impulso à popularidade do presidente ainda em 2021, para que ele chegasse à disputa numa posição confortável. O cenário que se desenha, porém, pode diminuir suas chances no próximo ano.

A lentidão da retomada econômica adia o início da recuperação dos números de Bolsonaro e reduz a janela da reeleição. Para piorar, o aumento do custo de vida e a manutenção do desemprego em patamares altos continuam a derrubar a popularidade do presidente. A cada dia, ele tem um déficit maior para reverter e menos tempo para a missão.

Reinaldo Azevedo - Um texto em defesa do Supremo

Folha de S. Paulo

Não fosse o malhado inquérito 4.781, o país estaria à mercê de hordas que pregam abertamente a ruptura institucional

Não tenho receio de um golpe de Estado. Temo um permanente estado de golpe. E isso não se esgota num jogo de palavras. Cultivamos uma certa crença mística nas nossas instituições e tardamos a reagir — refiro-me aos que pertencemos aos radares da sociedade, e a imprensa é um deles— àqueles que se organizam para assaltá-las. E noto que este texto se cingirá à democracia política. A social ainda está por ser inaugurada.

Penso no escarcéu que se fez quando, no dia 14 de março de 2019, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, abriu de ofício o correto e legal inquérito 4.781, que tem Alexandre de Moraes como relator. O país ainda vivia sob a égide da Lava Jato —esse “Fetiche da Destruição” que seduziu e ainda seduz tantas almas incautas—, que criou o ambiente ideal para a ascensão de um desordeiro destrambelhado.

Bolsonaro estava no poder havia menos de três meses. A reforma da Previdência chegara ao Congresso no dia 20 de fevereiro. Sem ela, os tais mercados teriam quebrado as pernas do fanfarrão antes que emitisse o primeiro insulto. A, vá lá, convergência entre os Poderes era fundamental para o mandato do próprio presidente.

Ruy Castro - Bolsomamata, a mamata que mata

Folha de S. Paulo

A demência ideológica era só para disfarçar a tomada do Estado para fins lucrativos

Você sabe. As grandes frases são as que se provam atemporais. Exemplo: "Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal". Seu autor, Millôr Fernandes, morreu em 2012, antes que ela fosse vastamente aplicada aos idealistas que se beneficiavam dos desmandos do PT. Muitos dos desinteressados idealistas que a usaram naquele contexto aderiram depois ao ideal bolsonarista e agora também lucram com ele. Os futuros dicionários ortográficos deveriam tornar obrigatório o uso de aspas nas palavras "ideal" e "idealista".

Para quem se cingiu presidente pregando o fim das mamatas de que acusava seus adversários, Jair Bolsonaro não precisou nem de três anos para montar uma invejável rede do gênero. Fez isso enquanto nos distraía com sua demência ideológica, e poucos notaram que, por trás desta, se armava o enredo principal —a tomada do Estado para fins lucrativos.

Fernando Gabeira - Variações em torno do golpe

O Estado de S. Paulo

Com desidratação persistente na opinião pública, Bolsonaro tem grande capacidade de cavar o próprio abismo

Como tantos outros no passado, este agosto tem sido pesado na política. Fala-se muito em golpe, tornou-se um tema tão banal que às vezes é invocado até por cantores sertanejos.

De tanto ouvir denúncias sobre suas intenções de dar um golpe, Bolsonaro mudou o discurso. Aceita que está preparando o que chama de um contragolpe. Onde foi buscar esse argumento?

Tudo indica que a transmutação do golpe em contragolpe surgiu após o encontro do vice-presidente Hamilton Mourão com o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. Bolsonaro teria interpretado o encontro como um golpe em marcha, no qual seu mandato seria cassado e o do seu vice, preservado. Como se diz na gíria, noia pura. O TSE jamais cassou mandatos de presidente. A chapa Dilma-Temer foi julgada e absolvida por excesso de provas.

De qualquer forma, Bolsonaro acredita que o termo contragolpe pode absolvê-lo numa tentativa que o mundo inteiro vai considerar como ela é: um golpe.

Nos últimos tempos, os bolsonaristas buscam uma justificativa legal para o golpe. Segundo o jurista Ives Gandra, o artigo 142 da Constituição indica que as Forças Armadas são um poder moderador quando há conflito entre os outros Poderes. Rigorosamente, em termos constitucionais as Forças Armadas não são um Poder entre os três claramente mencionados. O general Heleno, que andava meio calado, reapareceu com essa interpretação no bolso do colete, cavando uma leitura constitucional para edulcorar o golpe.

O cientista político Sérgio Abranches acha que o golpe de Bolsonaro tem uma característica híbrida. Ele subjuga progressivamente as instituições, segundo o padrão autoritário moderno, mas pode combinar essa tática com o movimento dos tanques nas ruas, a forma tradicional.

Eliane Cantanhêde - Aras na fogueira

O Estado de S. Paulo

Votação de Aras é com Bolsonaro no ataque, variante Delta chegando e economia piorando

O Senado marcou para a próxima terça-feira (24/08) a sabatina do procurador geral da República, Augusto Aras, atropelado para uma vaga no Supremo e indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para um segundo mandato na PGR. Muito bem. E daí? Daí que Aras será atirado numa fogueira, com Bolsonaro jogando álcool de um lado, o Supremo de outro e a CPI da Covid abanando as labaredas.

Numa conversa um tanto enviesada, ontem, com a cúpula da CPI da Covid, que é de oposição, Aras deixou no ar um toma-lá-dá-cá: se for reconduzido para a PGR pelo Senado, ele dará seguimento às conclusões do relatório final da CPI que, como todo mundo sabe, será duríssimo com Bolsonaro. Os senadores Omar Aziz, presidente, e Renan Calheiros, relator, ficaram animados com o aceno de Aras. Randolfe Rodrigues, o vice, nem tanto.

Vera Rosa - Centrão já ‘trai’ Bolsonaro com Lula

O Estado de S. Paulo

Enquanto em Brasília se discute crise entre os poderes, no Nordeste o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem fechado acordos para sua candidatura ao Palácio do Planalto com aliados do governo federal. Em sua primeira caravana pela região desde que voltou à cena política, Lula costura arranjos regionais com partidos que subiram ao altar com o presidente Jair Bolsonaro. Na prática, o Centrão está com Bolsonaro nas “quatro linhas” da Câmara, mas não tem fidelidade a ele fora do quadradinho, como a capital do País é conhecida.

As traições começam a se revelar justamente no Nordeste. Principal partido do Centrão, o Progressistas (PP) do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, já rachou.

Hoje no núcleo duro do Planalto, Nogueira sempre foi considerado um hábil articulador político. Esteve com o PT num passado não muito distante, apoiou a candidatura de Fernando Haddad à Presidência em 2018 – embora o PP tivesse lançado a senadora Ana Amélia como vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB) – e agora é definido por Bolsonaro como “a alma do governo”.

Vera Magalhães - O clamor golpista saiu do WhatsApp

O Globo

Faz um ano e meio exatamente do momento em que revelei que Jair Bolsonaro usou sua conta no WhatsApp, no carnaval de 2020, para convocar para a realização do primeiro de uma série de atos antidemocráticos em 15 de março daquele ano. O mundo caiu, com razão, e o presidente mentiu, como sempre, dizendo que eu inventara a informação e que não era da sua laia (das poucas verdades que já proferiu, diga-se).

Uma pandemia, 572 mil mortos e uma crise institucional depois, o presidente saiu do escurinho do WhatsApp e conclama ato contra o Supremo Tribunal Federal ao microfone numa solenidade oficial, como fez nesta quinta-feira em Cuiabá. Se isso não é sinal cristalino de que limites foram atropelados num curto espaço de tempo, nada mais será.

O Sete de Setembro de conformação golpista que vem sendo meticulosamente organizado por Bolsonaro e seus bolsões de apoiadores, ou “células”, como o próprio Movimento Brasil Verde e Amarelo as chama, oferece três refeições a quem for, tem cadastramento aberto em site, bolsões de estacionamento para trailers e caminhões e presença confirmada de Bolsonaro em carne e osso.

Uau! Para quem reclamava do pão com mortadela, transformado pelo discurso bolsonarista em símbolo das manifestações petistas, o negócio foi bastante incrementado. Nem mais essa narrativa, entre todas as outras desculpas esfarrapadas para apoiar um deputado medíocre para presidente, restou mais. O repasto oferecido a quem se dispuser a marchar sobre Brasília pedindo fechamento do Supremo e do Congresso e intervenção militar para um autogolpe será pago com um lauto banquete.

Rogério Furquim Werneck - Um beco com saída

O Globo / O Estado de S. Paulo

Salta aos olhos que há um surto na 'demanda' por um candidato de centro viável nas eleições em 2022

Na esteira da frenética mobilização do governo com o projeto da reeleição, o país se viu arrastado para grave crise institucional. Ao angustiante desalento com o provável desfecho da disputa presidencial, soma-se agora crescente apreensão com as tensões políticas e sociais por enfrentar, na longa e tumultuada travessia até o final do mandato de Bolsonaro.

É natural que estejamos assombrados por cenários soturnos. Mas a verdade é que ainda é muito cedo para nos deixarmos levar pelo pessimismo. A esta altura, parece mais frutífero explorar os limites do possível e tentar vislumbrar contornos de cenários mais promissores.

O quadro torna-se mais claro quando se tenta entrever as dificuldades da reeleição. Bolsonaro tem hoje três preocupações básicas. Duas delas perfeitamente legítimas: proteger sua retaguarda no Congresso e recuperar a popularidade perdida.

Pedro Doria - O golpista e o ridículo

O Globo / O Estado de S. Paulo

Existe um conhecimento de política que se adquire nos livros e na prática. E existe outro, que se aprende na internet. Que sempre se aprendeu, desde os anos 1990. Quem se informa sobre política debatendo na rede por muitos anos aprende alguns truques valiosos — como manipular grupos até criar consensos sobre determinados temas. Também aprende argumentos menos úteis do que parecem. Ocorre toda hora de alguém ser equiparado a Adolf Hitler ou de um acordo entre adversários ser comparado ao pacto entre o premiê britânico Neville Chamberlain e, claro, o próprio Hitler. Nestes últimos dias, o Palácio do Planalto usou fartamente um desses truques adquiridos na lição da política popular da internet: alargar a Janela de Overton. Mas, ao fazê-lo, não atentou para uma lição importante que só se aprende em livros. (E, sim, até o final desta coluna alguém terminará comparado a um fascista. Só não a Hitler.)

Joseph Overton foi um analista político americano, morto precocemente no início deste século, aos 43 anos. Ele alertava seus clientes políticos de que há uma janela de temas que podem ser debatidos em público sem chocar a população.

Um assunto começa inimaginável de tão fora da norma. Tabu. À medida que um grupo minoritário da sociedade passa a falar dele com desenvoltura, se torna radical. Não é mais inimaginável. Se mais pessoas são expostas, um novo passo é dado. Torna-se uma visão aceitável. Não é para todo mundo, tampouco é absurdo. Quando quase metade da população aceita aquilo, a ideia já é razoável. Passe de metade, torna-se uma ideia popular. Até que vira ação, política pública ou lei.

Flávia Oliveira - Governo fracassado

O Globo

Foram necessários 31 meses de má gestão e uma escalada de ataques à democracia inédita no pós-ditadura civil-militar — que não só existiu, como durou, ao contrário do que disse o general-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, em audiência na Câmara dos Deputados — para que porção relevante da sociedade brasileira se desse conta do que muita gente já sabia, antes mesmo do resultado das urnas eletrônicas naquele 2018. Sob todos os aspectos, o governo Jair Bolsonaro é um fracasso. Pelo histórico modesto, para não dizer inexistente, de serviços prestados pelo atual presidente nas três décadas como parlamentar, já se poderia antever a tragédia. O enfrentamento sofrível à mais grave crise sanitária em um século tornou tudo pior. Neste agosto, parecem ter chegado ao fim a tolerância da Corte Suprema e o entusiasmo do mercado financeiro. Não era sem tempo.

Para onde quer que se olhe no Brasil, há destruição, ineficiência, retrocesso. O país não melhorou com Bolsonaro no Palácio do Planalto, Paulo Guedes no Ministério da Economia, tampouco com a sucessão de nomes nas pastas da Saúde (quatro), da Educação (três), da Cidadania (três). Quem vive e observa o país da planície, faz tempo, alerta sobre os riscos às políticas públicas, aos recursos naturais e às instituições democráticas. Já são dois anos e meio de avisos em forma de cartas abertas de ex-ministros de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Educação, Saúde, Cultura, Relações Exteriores, Justiça, Fazenda, ex-presidentes do Banco Central, ex-procuradores da República.

Bernardo Mello Franco - Túlio Maravilha e o fim da CPI

O Globo

Túlio Maravilha foi ídolo no Botafogo, vestiu a camisa da seleção e, segundo suas próprias contas, atingiu a marca dos mil gols. Mais tarde, virou sinônimo de jogador que não soube a hora de parar.

Para retardar o fim da carreira, o artilheiro atuou em clubes modestos como Nerópolis, Itumbiara, Laranjal e Potyguar de Currais Novos. Pendurou as chuteiras na segunda divisão mineira, num jogo testemunhado por apenas 36 torcedores.

Na terça-feira, o exemplo de Túlio foi citado numa reunião da cúpula da CPI da Covid. Os senadores prometeram não repetir a despedida melancólica do atacante. Querem sair de campo antes que as luzes do estádio se apaguem.

Os sinais de esvaziamento da comissão ficaram claros na semana passada. O interesse do público caiu, e a investigação perdeu espaço no noticiário. Ao mesmo tempo, o governo reforçou os esforços de cooptação parlamentar. A maioria oposicionista entrou em risco.

O último alerta soou na segunda-feira, quando o deputado Luis Miranda indicou que poderia recuar do depoimento que ligou Jair Bolsonaro ao escândalo da Covaxin. A CPI sentiu cheiro de sabotagem, cancelou sua acareação com o ministro Onyx Lorenzoni e resolveu apressar o fim dos trabalhos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Cabe a Queiroga a responsabilidade por deter a Delta

O Globo

Esperava-se que, sob Marcelo Queiroga, o Ministério da Saúde mudasse de atitude no combate à pandemia. Apesar do avanço da vacinação nos últimos meses, o desempenho brasileiro ainda deixa a desejar diante da necessidade imposta pelo avanço da variante Delta do coronavírus. Queiroga parece mais preocupado em satisfazer às inclinações ideológicas mais nefastas do presidente Jair Bolsonaro do que em combater o vírus seguindo as recomendações médicas e científicas.

Anteontem ele deu entrevista a um canal bolsonarista propagador de desinformação sobre a pandemia e sobre as urnas eletrônicas, cuja verba publicitária foi retida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e cujas ações são investigadas pela CPI da Covid. O mero fato de uma autoridade da República se dignar a falar com tal veículo já seria absurdo. Queiroga foi além. Em contraste com declarações anteriores, criticou a obrigatoriedade do uso de máscaras, comprovadamente eficaz para deter o contágio. “Somos contra essa obrigatoriedade”, afirmou. “O uso de máscaras tem de ser um ato de conscientização.”

O aceno ao negacionismo bolsonarista poderia ser inconsequente, não viesse num contexto de confusão na distribuição de vacinas e falta de uma estratégia coerente para deter a Delta. Em sua propaganda, o governo tem propagado a mentira de que a vacinação está mais avançada no Brasil que nos Estados Unidos. Nada mais falso. No início da semana, 60% da população americana tomara ao menos uma dose da vacina, ante 57% da brasileira.

Poesia | Graziela Melo - Tristeza

Tudo fica

para trás

só nós

é que

nos vamos

e parra

nunca mais!!!

É a viagem

sem retorno

não precisa

passaporte

é o dia

mais triste

da vida,

o dia da

nossa morte!!!

Há muito

se foi

Ulisses

e o nosso

querido

Itamar!!!

Itamar

dormiu

no leito,

Ulisses

ficou no mar!!!

Quando vejo

o sol se pondo,

reflito:

 será que

vou vê-lo

nascer?

Será

que vejo

outra noite

e um outro

amanhecer???

2011