quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Merval Pereira - Luz no caminho

O Globo

O economista Alan Blinder, que foi do Banco Central dos Estados Unidos e debate muito a relação entre economistas e políticos, diz num de seus livros mais conhecidos que as pessoas acham que os economistas têm uma grande influência sobre os políticos. Nada mais afastado da realidade, afirma ele. A relação de políticos com economistas é mais semelhante à do bêbado com o poste de luz. Os bêbados usam os postes de iluminação não para iluminar o caminho, mas para se apoiar.

“O Moro é diferente, ele quer luz para seu caminho”, diz o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, que cita essa definição do economista americano no seu mais recente livro “Erros do passado, soluções para o futuro”, publicado pelo selo Portfolio-Penguin, da Companhia das Letras. Assim Pastore, um dos economistas mais influentes do país, define seu papel como colaborador de uma eventual candidatura do ex-juiz Sergio Moro à Presidência da República: tentar construir uma visão sobre o que seria um país viável, buscar uma forma de crescimento econômico que seja mais inclusiva. Projeto que poderá ser usado por qualquer outro candidato da terceira via.

“O Brasil tem uma pobreza absoluta muito grande, não dá oportunidade a uma camada imensa da população”, ressalta, dando a entender que o combate à miséria, à fome, à desigualdade tem de ser o objetivo central de um projeto econômico para o país. Para ele, o equilíbrio fiscal é necessário para o crescimento econômico, mas não suficiente, “não é um programa de governo por si só”. Ele esclarece que o liberalismo, no seu entender, exige eficiência no setor privado, mas isso não significa que “tenha de sair privatizando tudo”.

Malu Gaspar - Dá para confiar no Enem?

O Globo

Jair Bolsonaro nunca fez segredo de sua intenção de mexer no conteúdo das provas do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. O presidente já declarou diversas vezes que gostaria de acabar “com a ideologia de gênero”, o “comunismo” e o “ativismo político e comportamental” nas provas. E faz questão de propagandear o intenso trabalho que o Ministério da Educação faz para cumprir a ordem. Das Arábias, ao comentar a crise que levou ao pedido de demissão de 37 servidores envolvidos na elaboração do Enem, Bolsonaro comemorou: “Começa agora a ter a cara do governo a prova do Enem”

Nesta quarta-feira, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi à Câmara dos Deputados negar a interferência ideológica. Balela. Quem acompanha o ministro sabe que ele sempre deixou claro que pretendia, sim, seguir a “visão educacional” do presidente da República, tanto no instituto responsável pelo exame, o Inep, quanto no ministério. Por mais escandaloso que pareça a pessoas razoáveis, para o bolsonarismo, interferir no Enem não só é legítimo, como necessário. Ribeiro despista os deputados, mas curte a repercussão de suas atitudes entre os seguidores do presidente.

Míriam Leitão - A chuva, a safra e o choque da energia

O Globo

A safra será boa no ano que vem, pode haver um aumento na produção de grãos de 14% a 15%, e isso fará com que a alta dos preços da alimentação no domicílio seja bem menor do que foi nos últimos anos. Mas haverá um choque de preço de energia para o consumidor residencial, por custos que estão sendo elevados agora. Há poucas boas notícias na economia, uma série de previsões ruins e a certeza de muitos ruídos e problemas provocados pelo governo.

O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, acompanha com atenção o que se passa no campo e é dele a avaliação de que as chuvas até agora garantiram um bom começo para esta safra.

— Não é chuva de encher reservatório, mas é chuva de permitir uma boa instalação da lavoura. Ela veio mais cedo, choveu relativamente bem em outubro e deve continuar — disse ele sobre o clima deste último trimestre do ano.

Mas a chuva e o agro têm uma relação cheia de riscos. Precisa chover bem agora na instalação da lavoura, depois tem que chover janeiro e fevereiro para formar os grãos, encher a espiga de milho, por exemplo. A terceira fase, março a abril, é da colheita, não pode chover demais, nem de menos, explica Mendonça de Barros.

Luiz Carlos Azedo - Para não dizer que não falei da viagem de Lula (ou como aproveitou-se do distanciamento entre Bolsonaro e líderes do Ocidente)

Correio Braziliense

Não será surpresa se a próxima investida do ex-presidente Lula for em direção à China. O paradigma a ser considerado são as excelentes relações com a Argentina, a Venezuela, a Nicarágua e Cuba

A viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva à Europa está sendo um sucesso. O petista foi recebido calorosamente em todos os lugares, com destaque para a ovacionada passagem pelo Parlamento Europeu, no qual falou como um player da política mundial e foi aplaudido de pé, e pela pomposa recepção de chefe de Estado que lhe foi oferecida pelo presidente francês Emmanuel Macron, desafeto do presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Eliseu, em Paris. No domingo, em Berlim, Lula havia se reunido com o futuro primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, do SPD (partido social-democrata alemão), que articula o novo governo, como sucessor da chanceler Angela Merkel.

Lula aproveitou-se do enorme distanciamento existente entre o presidente Jair Bolsonaro e a maioria dos líderes do Ocidente. De certa forma, com suas duras críticas ao atual governo brasileiro e o lastro de um veterano na diplomacia presidencial, o petista se recolocou na cena política mundial como vítima de perseguições políticas e grande líder democrata do país, para aprofundar o isolamento internacional de Bolsonaro, cuja eleição, em 2018, se deu num cenário completamente diferente. Àquela época, o presidente norte-americano Donald Trump; o ministro do Interior italiano Matteo Salvini; o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o primeiro-ministro húngaro Victor Orban, o único que permanece no cargo (desde 2010), eram as referências de Bolsonaro na política internacional.

Maria Cristina Fernandes - Polarização impulsiona trunfo externo de Lula

Valor Econômico

Viagem bem-sucedida de Lula é calcada na expectativa de liderança contra a extrema direita mundial

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já estava no Palácio do Eliseu, sede do governo francês, na manhã de ontem, quando o tribunal correcional de Paris deu início ao julgamento de Éric Zemmour. O jornalista de 63 anos foi acusado de insulto e de incitação ao ódio e à violência depois de ter chamado menores imigrantes abandonados de “ladrões, assassinos e estupradores”.

Zemmour e o canal de televisão do qual é comentarista já foram multados quando ele disse que a maior parte dos traficantes são negros e árabes e, por isso, as empresas deveriam ter o direito de não contratá-los. Filho de um casal de judeus argelinos que emigrou para a França nos anos 1950, na guerra da independência, chegou ainda a dizer que o marechal Pétain, colaboracionista que governou a França na Segunda Guerra, “salvou” judeus do holocausto.

Zemmour é hoje a principal ameaça à reeleição de Macron. O jornalista ainda permanece atrás da líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, mas pesquisas indicam ultrapassagem certa. Ao divulgar o encontro com Macron Lula mencionou a preocupação comum a ambos com o “avanço da extrema direita” pelo mundo. O ex-chanceler Celso Amorim, que o acompanha em seu périplo na Europa, faz eco. Atribui a pompa e a circunstância com a qual o ex-presidente foi recebido por Macron, que fez desfilar a guarda de honra, desceu a escadaria para cumprimentá-lo à saída do carro, e esticou para mais de uma hora a audiência prevista para 45 minutos, à preocupação do presidente francês em reforçar um anel de segurança contra a direita mundial.

Se, internamente, a viabilidade eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é cada vez mais posta em dúvida, externamente Lula ainda se vale não apenas do cataclisma de seu governo quanto da ameaça de sua reeleição para despertar interesse e apoio. Com Angela Merkel prestes a deixar o governo, Macron é o principal líder da União Europeia. Pode vir a dividir a condição com Olaf Scholz, ministro das Finanças da Alemanha e o primeiro a receber Lula em seu périplo europeu. Sob duas condições: que Macron seja reeleito em abril, pauta da comitiva de prefeitos que o visitou depois de Lula, e que Scholz, na condição de líder da social-democracia alemã, partido vencedor das últimas eleições, consiga formar o governo do qual deve vir a ser o chanceler.

Cristiano Romero - A economia em Eduardo Leite

Valor Econômico

Aod Cunha, assessor de Leite, consultou dezenas de economistas

O momento do país é tão desafiador que, antes de aceitar o convite de Eduardo Leite (PSDB) para cuidar do programa econômico de sua pré-candidatura à Presidência, o economista Aod Cunha disse ao governador do Rio Grande do Sul que precisava de um tempo não para pensar na oferta, mas, sim, nesta confusão a que chamamos de Brasil. Tempo neste caso é freio de arrumação para organizar ideias, refletir sobre novos desafios, acertar um texto-base com o governador e partir para o debate, necessário e raro neste canto do hemisfério Sul, o 7º mais povoado do planeta.

Aod propôs algo inédito ao pré-candidato - ideias todos temos, especialmente, no reino dos economistas, profissionais treinados para encontrar solução para qualquer problema, o que significa, muitas vezes, ignorar seus efeitos negativos para milhares, talvez milhões, de chefes de família. O titular desta coluna pede licença, então, para contar duas histórias - uma engraçada, outra, trágica - sobre economistas.

Num evento da campanha presidencial de Lula (PT) em 2002, o então candidato ao Senado Aloízio Mercadante foi escalado para falar à plateia antes do saudoso escritor Ariano Suassuna. Economista de oratória entusiasmada, do tipo cujo discurso apresenta o problema acompanhado da solução - insofismável, a seu ver -, Mercadante fez grande apanhado sobre as mazelas do país, deixando Ariano impressionado a cada raciocínio concluído.

Chegada a sua vez de falar, o autor de o “Auto da Compadecida” iniciou sua fala da seguinte maneira: “Rapaz, falar depois de Aloízio Mercadante não é fácil não. Pense num cabra sabido...”. No Nordeste, o sinônimo de “sabido” é esperto. Sem desmerecer da cultura de Mercadante, o que Ariano quis dizer ao nobre correligionário foi: “Menos, Mercadante, menos. Ninguém sabe tudo, logo, muito menos a resolução de todos os males”. A plateia veio abaixo.

Pedro Cavalcanti Ferreira / Renato Fragelli Cardoso* - Elites e a permanência da desigualdade

Valor Econômico

A “Constituição Cidadã” assegurou direitos diferentes a servidores e trabalhadores do setor privado

A concentração de renda no Brasil é criticada por todos, mas quando se pretende alterá-la, cada grupo quer jogar a conta para os demais. Ninguém se reconhece como privilegiado -são sempre os outros. Assim, os de fato excluídos e pobres permanecem como sempre estiveram: excluídos e pobres.

A história do Brasil é uma história de desigualdade. Durante a colônia e o império, explorou-se a mão de obra dos escravizados, brutalmente arrancados da África e submetidos a condições desumanas de trabalho e vida. O fim da escravidão não trouxe reparações, nem qualquer política que beneficiasse essa e qualquer outra parcela pobre da população.

No início do século XX, mais de 2/3 da população adulta era analfabeta. Segundo estimativa de Pedro de Souza, em 1930 cerca de 20% da renda nacional era apropriada pelos 1% mais ricos. Se há alguma permanência em nosso país, além da desigualdade, é o conceito de que a lei possa estabelecer brasileiros de dois tipos, o que foi preservado pelos constituintes de 1988. A “Constituição Cidadã” estabeleceu que todos são iguais perante a lei, mas ao tratar de condições de trabalho e aposentadoria, assegurou direitos muito diferentes a servidores e trabalhadores do setor privado.

Maria Hermínia Tavares* - O candidato Sergio Quadros de Mello vem aí

Folha de S. Paulo

A volta de um Moro antibolsonarista é sintoma do desgaste do ex-capitão

Sergio Moro vem aí. Deu o aviso de seu regresso ao Brasil e à política na cerimônia em que assinou a ficha do Podemos e fez praça de discursar para o país, anunciando que está de volta para retomar a cruzada contra a corrupção e combater a "degeneração da vida pública" promovida pelos que colocam "interesses pessoais e partidários" acima de tudo.

Sua fala o situa na mais autêntica tradição da direita populista que, de tanto em tanto, irrompe na cena nacional, de espada em punho contra os partidos e todo o sistema político: Jânio Quadros com sua vassourinha para "varrer a bandalheira"; Fernando Collor de Mello denunciando os "marajás"; e, por último, Jair Bolsonaro esbravejando "contra tudo isso daí".

Variando em torno do mesmo tema, apresentaram-se como não políticos, embora tivessem todos longas carreiras durante as quais pularam de legenda em legenda conforme, aí sim, seus "interesses pessoais e partidários".

Foram sobretudo hábeis em explorar o desamparo dos eleitores e sua descrença em governos e siglas. A corrupção na política —que realmente existiu, existe e desnatura a democracia— tem enorme potência simbólica e apelo eleitoral. Aos olhos das gentes, escancara a imensurável distância entre as oportunidades e formas de vida das elites políticas e as do cidadão comum.

Bruno Boghossian – O presidente aperta o botão

Folha de S. Paulo

Propaganda renova guerra cultural para escapar de notícias ruins em outras áreas

Eduardo Pazuello produziu uma pérola em seu depoimento à CPI da Covid, em maio. Quando senadores perguntaram sobre a ordem de Jair Bolsonaro para cancelar a compra da Coronavac, o ex-ministro disse que aquela tinha sido só uma "posição de internet", sem prejuízos para a vacinação. Nem o presidente deve ter acreditado no papo do general.

Bolsonaro gosta de jogar para a plateia e comanda um governo movido a incompetência pura. Mas também sabe acionar os botões da máquina de destruição operada por seus subordinados –tanto que, horas depois da "posição de internet" sobre a Coronavac, o número dois do Ministério da Saúde anunciou que não havia acordo para adquirir a vacina.

Ruy Castro - Ele sabe quando e para quem mentir

Folha de S. Paulo

Bolsonaro nega que esteja incendiando a floresta. Na verdade, só a sua cara de pau não pega fogo

O show se repete. Em Dubai, nesta segunda-feira (15), Jair Bolsonaro declarou, num evento para empresários e investidores, que são injustas as acusações de que seu governo está desmatando, queimando e destruindo a Amazônia. A floresta é úmida e não pega fogo, ele disse, e mais de 90% dela continuam intactas. As plateias de fora já não têm paciência para com Bolsonaro, mas ele continua achando que pode mentir à vontade. Sua cara de pau, sim, não pega fogo.

Entre nós, ainda há quem acredite que Bolsonaro mente por compulsão e já não sabe o que é mentira ou não. Não caia nessa. Ele não apenas sabe como sabe bem para quem e quando mentir. Ao mentir para os microfones internacionais, apenas finge se esquecer de que a maioria dos países tem gente séria no Brasil trocando informações, dados e projeções e mandando seus relatórios para a matriz.

Vinicius Torres Freire - Comida salgada na eleição 2022

Folha de S. Paulo

Preço dos alimentos deve subir menos, mas perda de renda com a inflação deve durar anos

O preço da comida deve aumentar menos em 2022. A safra de grãos deve crescer uns 14%, na previsão oficial, o que tende a conter a carestia de alimentos industrializados e carnes. Choveu a tempo neste ano, o que também ajudou a evitar o colapso da produção de eletricidade, diga-se de passagem. Não ocorreram, até agora, problemas climáticos, por aqui e pelo mundo, como na safra 2020/2021.

É um resumo de relatório dos economistas do Bradesco, que prevê alta de 4,5% dos preços da comida em 2022. No entanto, comida não é apenas soja e milho; o arroz fica mais barato, mas a safra de trigo aqui e lá fora não foi boa. Etc. O preço dos fertilizantes triplicou neste ano, pode ser ruim no que vem. A taxa de câmbio estacionou em nível alto. As perspectivas melhoraram, mas a vida no campo é incerta.

É um refresco muito parcial. Até outubro deste ano, a inflação anual da comida estava em 13,3%. Ou seja, a velocidade dos aumentos talvez seja menor, mas o preço continuará salgado, ainda mais porque os salários, na média, estão perdendo da inflação.

William Waack - Bolsonaro foi o pior inimigo de Guedes

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro acabou sendo o pior inimigo dos planos de Paulo Guedes

Reza a lenda que Jair Bolsonaro não era a primeira escolha de Paulo Guedes para satisfazer a vaidade intelectual de mudar o Brasil. Era Luciano Huck. Mas Guedes achou que só Bolsonaro teria couro duro para aguentar as pancadas vindas do “sistema” que ele, Guedes, se propunha a desmontar: patrimonialismo, Estado balofo, incompetência do funcionalismo público e economia fechada.

Da escola de Chicago, onde estudou, Guedes parece ter absorvido sobretudo o voluntarismo de Milton Friedman – inspirador mesmo para os colegas que abominam suas ideias. Economistas, escreveu Friedman em suas memórias, exercem influência à medida que mantêm opções ao alcance de políticos em época de crise.

Celso Ming - A revolução por trás da destruição dos empregos

O Estado de S. Paulo

As relações de trabalho passam por duas transformações. A primeira tem a ver com o rápido crescimento do trabalho autônomo, situação em que as pessoas ativas deixam de ser assalariadas e passam a operar como freelancers ou por conta própria. Faz parte desse segmento a chamada gig economy, aquela dos “fazedores de bicos” e dos operadores do Uber e do ifood.

A outra revolução está na enorme destruição de funções e, também, na criação de outras. É dessa segunda transformação que esta Coluna começa a tratar. O desaparecimento rápido de postos de trabalho acontece por força de dois fatores: pela disseminação da tecnologia digital e pela inevitável erradicação dos combustíveis fósseis.

A perda de empregos pelo uso de tecnologia digital foi mais bem notada. Há alguns anos, no Brasil, duas das mais importantes categorias profissionais, bancários e comerciários, estão à míngua, como a dos alfaiates e das costureiras depois do aparecimento da indústria de confecção. Os bancos estão fechando agências e demitindo funcionários porque as operações são feitas cada vez mais em canais digitais. Desde 2016, o número de agências caiu 17,1%, segundo dados da Febraban.

Eugênio Bucci* - Sadismo digital

O Estado de S. Paulo

Round 6 é um inventário digital do capitalismo em que sangramos e sangraremos, até a morte.

A série de maior sucesso na Netflix não é falada em inglês, não vem dos Estados Unidos nem da Europa. Round 6 é uma produção da Coreia do Sul e tem quase todos os diálogos em coreano, mesmo. A história gira em torno de uma olimpíada macabra, regida pela pena capital ou, mais propriamente, pela execução sumária. Cerca de 500 competidores disputam jogos diversos, mais ou menos como estes reality shows de televisão. A diferença é que, em Round 6, quem perde a rodada perde também a vida. Ao fim, um único sobrevivente levará o prêmio em dinheiro (algo em torno de R$ 200 milhões).

O grande trunfo de Round 6 está no show room de violência que ela entrega ao público. São cruezas horrendas e, ao mesmo tempo, fúteis. Os personagens se trucidam em close, nas mais variadas posições. Esqueça o que você já viu de esquartejamentos em filmes de mau gosto: Round 6 é pior, não necessariamente pelos ângulos de dissecação dos corpos, mas pelo contexto moral, em que o homicídio se cumpre em rituais frívolos.

Roberto Macedo* - PIB do terceiro trimestre pode vir com recessão

O Estado de S. Paulo

Há uma previsão de taxa positiva e outra, de taxa negativa, ambas de valor absoluto próximo de 0,1%

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará no início de dezembro a variação do produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre deste ano. No primeiro, foi de 1,2%, relativamente ao trimestre anterior, uma ótima taxa trimestral. Mas ficou por aí, e no segundo teve até pequena queda, de 0,1%. As perspectivas para o terceiro trimestre, examinadas mais à frente, são péssimas. Pode vir até outra taxa negativa, o que levaria o PIB a uma “recessão técnica”, marcada por dois trimestres consecutivos de queda. Se vier, será rasa em sua profundidade, mas incomodará, pois será mais um sinal de que a economia brasileira vai mal.

Passando à política econômica do governo Bolsonaro, ela é marcada pelo desgoverno. Desde o início, o presidente só pensa naquilo, ou seja, em ganhar a eleição de 2022. Despreza a questão fiscal, agora com a compra de votos no atacado, ao oferecer R$ 400,00 mensais de Auxílio Brasil para angariar apoio principalmente no Nordeste, onde sua rejeição é maior e Lula atrai a maioria. Mas Lula, também com pouco apego à questão fiscal, na sua campanha poderá prometer R$ 600,00, em lugar dos R$ 400,00 de Bolsonaro, e dizer, ainda, que estes só valerão até dezembro de 2022, e sua proposta seria de algo permanente.

Na economia também há forte inflação, no que a própria política governamental tem parte da culpa, porque a questão fiscal foi agravada com a PEC dos Precatórios, com o maior teto de gastos e com a insistência da Câmara dos Deputados nas chamadas emendas do relator, que acabaram tendo um assim-não-dá do Supremo Tribunal Federal. Mas o governo vai insistir, e tudo isso gera incertezas na economia, refletindo-se na taxa cambial, que aumenta e gera mais inflação, o que, por sua vez, leva a aumentos de juros pelo Banco Central, desestimula consumidores de bens e serviços e desencoraja empresários a fazer investimentos em formação bruta de capital fixo (mais infraestrutura, fábricas, fazendas e outros investimentos), que poderiam expandir o PIB e gerar mais empregos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Contrastes na Covid

Folha de S. Paulo

Estatísticas mostram Brasil em situação favorável diante da desenvolvida Europa

Já se foi o tempo em que os números do Brasil relativos ao coronavírus —casos, mortes ou vacinação— ficavam entre os piores do mundo. A pandemia parece controlada por aqui, e países como os Estados Unidos e vários da Europa vivem situação muito pior, embora não esteja bem claro por quê.

Hoje algo como 50 a cada 1 milhão de brasileiros recebem confirmação de Covid-19 a cada dia. O país fica abaixo da média mundial, superior a 60 por milhão.

A desenvolvida Europa ultrapassa a casa de 380 novos casos diários por milhão, mais de sete vezes o número do Brasil. O Reino Unido tem 565/milhão, a Alemanha, 468, e os EUA, 253. São espantosas as cifras da Holanda, 847, e ainda mais as de países do Leste Europeu, como a República Tcheca (1.025).

As médias móveis de mortes também falam a favor da saúde pública brasileira, com 16 por milhão de cidadãos falecidos a cada dia. Um pouco acima da média global (12,7) e sul-americana (12,4), verdade. Nada escandaloso, contudo, diante da cifra europeia (68,3) ou da norte-americana (48,9).

O desempenho do programa de vacinação nacional, que destacou o Brasil no panorama mundial desde as últimas décadas do século 20, ajuda a explicar esse estado de coisas. Mesmo com a desídia e a antipropaganda do presidente Jair Bolsonaro, o Estado funciona à sua revelia e já garantiu a primeira dose a mais de três quartos da população em dez meses.

Para comparação, pouco mais da metade das pessoas no mundo receberam a imunização parcial. Estamos à frente da Alemanha (70%) e dos EUA (68%), mas atrás do Chile (87%) e de Portugal (89%), onde a quantidade inferior de habitantes e sua distribuição por territórios menores facilitam a logística.

Poesia | Charles Baudelaire – Os gatos

Os amantes febris e os sábios solitários
Amam de modo igual, na idade da razão,
Os doces e orgulhosos gatos da mansão,
Que como eles têm frio e cismam sedentários.

Amigos da volúpia e devotos da ciência,
Buscam eles o horror da treva e dos mistérios;
Tomara-os Érebo por seus corcéis funéreos,
Se a submissão pudera opor-lhes à insolência.

Sonhando eles assumem a nobre atitude
Da esfinge que no além se funde à infinitude,
Como ao sabor de um sonho que jamais termina;

Os rins em mágicas fagulhas se distendem,
E partículas de ouro, como areia fina,
Suas graves pupilas vagamente acendem.

Do livro As flores do mal
tradução: Ivan Junqueira