domingo, 6 de fevereiro de 2022

José Eduardo Faria: As vantagens do atraso: o centrão e a força do clientelismo


Horizontes Democrático / Estado da Arte/ O Estado de S. Paulo

Eleito fazendo do que chamou de “nova política” uma de suas bandeiras eleitorais, apesar de ter sobrevivido em vários mandatos parlamentares recorrendo aos métodos tradicionais da “velha política”, o presidente Jair Bolsonaro está terminando seu mandato de modo patético. Não só terceirizou a gestão da máquina pública para o Centrão, como ainda assinou um decreto em que conferiu ao chefe da Casa Civil a última palavra em matéria de execução orçamentária.

O que é o Centrão? Com cerca de 230 deputados na Câmara, em uma casa legislativa com 513 parlamentares, ele é um agrupamento de políticos sem ideologia, preocupados com seus próprios interesses e acostumados a negociar apoio ao governante de plantão em troca de cargos. O que importa no Centrão são ganhos patrimonialistas propiciados pelo tráfico político de funções públicas e acesso às chaves dos cofres governamentais. O ethos do Centrão é conformado pelo fisiologismo como método no âmbito de um presidencialismo de coalizão. Responsável por algumas determinantes que condicionam o sistema político e o próprio Estado, especialmente o funcionamento de sua máquina administrativa e a alocação de recursos públicos, o Centrão resulta de uma patologia na formação histórica brasileira.

Como o país não dispõe de partidos grandes, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, quando um presidente da República é eleito ele não tem base partidária para apoiar sua gestão. Por isso, precisa formar uma coalisão, muitas vezes fora do espectro de partidos com que tenha algum alinhamento ideológico. Nas últimas décadas, houve uma explosão de partidos, quase todos criados apenas para vender esse apoio. Isso explica porque a Câmara e o Senado acabam, por vezes, sendo dirigidos por parlamentares medíocres. Político cuja base eleitoral se situa numa cidade onde seu pai é prefeito, além de pecuarista, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) é só um exemplo. Guardadas as diferenças de recursos financeiros, não discrepa muito de um Severino Cavalcanti, que também militou no mesmo partido de Lira e presidiu a Câmara, em 2005.

Merval Pereira: Negócios eleitorais

O Globo

A busca de uma alternativa à polarização entre o passado e o presente que não satisfazem esbarra em interesses amesquinhados que impedem uma visão mais ampla de futuro. São tantos partidos, e tão baixas as negociações comerciais, não políticas, que trabalhar em cima de um consenso ou de um programa comum torna-se tarefa impossível nesta fase da campanha eleitoral. Nem se fala nisso, na verdade.

O PL teria oferecido R$ 30 milhões para assumir o controle societário do PTB? O União Brasil, fruto de uma joint venture entre o PSL e o DEM, será dominado pelo caixa milionário de Bivar ou pelos interesses baianos do ACM Neto? O MDB vai apoiar mesmo Simone Tebet, ou está apenas marcando posição para vender no mercado futuro seu apoio? O PSDB de Doria terá condições de conseguir uma federação partidária que o apoie ou ficará isolado diante da resiliência do governa- dor paulista, cujo objetivo é a Presidência da República?

Eliane Cantanhêde: Amizade tem limites

O Estado de S. Paulo

Na ida à Rússia, Bolsonaro busca fotos para usar na reeleição e esfregar na cara de Biden

A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, entre os dias 14 e 17, é arriscada e pode se confirmar inconveniente sob vários ângulos: será no pior momento, em meio à crise da Ucrânia, e Bolsonaro tem um longo histórico de fiascos em suas investidas internacionais, por falta de gosto, talento, conhecimento, instrumental e... de fazer o dever de casa.

Não foi à toa que os EUA pediram ao presidente que adiasse a visita, já que a ameaça russa de invadir a Ucrânia se transformou num confronto entre Washington e Moscou, desde que a Europa faz corpo mole e mais ainda quando a China sela uma “amizade sem limites” com a Rússia, tentando equilibrar melhor sua fragilidade política com sua força econômica.

E o Brasil com isso? Presidentes só se metem em vespeiros assim quando têm peso para mediação ou os interesses internos se sobrepõem. O Brasil é peça miúda num tabuleiro de gigantes, distante do conflito e vai ladeira abaixo pela política externa, a gestão da pandemia e do ambiente e pelas próprias viagens de Bolsonaro, desde que desperdiçou preciosos minutos de discurso em Davos no início do governo.

Luiz Carlos Azedo: Federações e fusões são uma corrida do ouro nas eleições

Correio Braziliense / Estado de Minas

Número de candidatos, fusões e federações facilitam a concentração de recursos nos atuais mandatários, desequilibrando a disputa e obstruindo a renovação política dentro e entre os partidos

Comecemos pelos conceitos. Segundo Max Weber, partidos políticos são associações que visam determinado fim, seja a realização de um plano objetivo com intuitos materiais ou ideais, seja um projeto pessoal, “destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes”, ou então tudo isso junto. Os “partidos de notáveis” surgem na Europa e nos Estados Unidos na primeira metade do século XIX, inicialmente na Inglaterra, que tem o parlamento mais antigo, com o Reform Act de 1832; e os “partidos de organização de massa”, do final do século XIX, com os partidos socialistas da Alemanha (1875), Itália (1892), Inglaterra (1900) e França (1905). Após a Segunda Guerra Mundial, com a ampliação da democracia representativa e os novos meios de comunicação de massa, ambos os modelos passam a ter características de partidos eleitorais de massa, mais preocupados em ampliar sua influência do que representar as ideias e/ou os setores dos quais se originaram.

Com o surgimento da internet e a formação de redes sociais, na chamada sociedade pós-moderna, tudo isso foi posto em xeque, provocando uma reação das instituições da democracia representativa e dos próprios partidos. A eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, de certa forma, foi um marco dessa capacidade de assimilação dos partidos. Outro, no sentido contrário, a fragmentação partidária na Europa. Entretanto, não existe democracia representativa sem partidos políticos. Mesmo os movimentos antissistema que surgiram com a crise da democracia representativa acabam convergindo para o sistema partidário, em razão das disputas eleitorais.

Bruno Boghossian: Mapa de deserções bolsonaristas

Folha de S. Paulo

Bolsonaro perdeu quase metade do apoio em grupos-chave do eleitorado

Jair Bolsonaro perdeu quatro de cada dez eleitores que votaram nele no primeiro turno de 2018. Números do Datafolha desenham um mapa das deserções que ocorreram desde então, traçam os movimentos dos principais grupos demográficos e exibem algumas pistas sobre as chances de recuperação do presidente.

O esvaziamento de Bolsonaro se deu com intensidade em dois segmentos que haviam impulsionado sua candidatura na última campanha: o Sudeste, região mais populosa do país, e o eleitorado com ensino superior. Os índices do presidente nesses grupos caíram quase à metade nos últimos anos.

Há um ponto de partida duplo para esse derretimento. O humor de eleitores mais escolarizados e das grandes cidades do Sudeste virou na primeira metade de 2020, na fase em que Bolsonaro expôs seu negacionismo diante da pandemia e Sergio Moro deixou o governo.

Acenos de Doria à unificação da 3ª via esbarram em federações e rejeição

Partidos insistem em seus candidatos, apontando dificuldade de aliança duradoura com o PSDB e estagnação do governador

Carolina Linhares / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Na mesma semana em que o presidenciável João Doria (PSDB) acenou aos seus concorrentes na chamada terceira via em busca de uma candidatura única, partidos desse campo anunciaram conversas para federações. Os apoios que o tucano espera receber, no entanto, dependem dessas tratativas e esbarram em sua alta rejeição.

No último domingo, em uma live promovida por um grupo de empresários, Doria falou em construir uma única candidatura, citando os nomes de Sergio Moro (Podemos)Simone Tebet (MDB)Alessandro Vieira (Cidadania) e Rodrigo Pacheco (PSD).

Aliados de Doria acreditam que ele seria esse candidato principal e apostam no crescimento de seu nome conforme a campanha avance. Mas, se o governador paulista não conseguir capitalizar em cima da vacinação e de outras vitrines, tucanos veem chances de o partido desistir de lançá-lo.

A possibilidade de ampliar a bancada, de contar com um tempo significativo de TV, a proximidade ideológica e a boa relação de Doria com líderes das demais siglas são pontos apontados como atrativos para uma aliança com o tucano.

"Isso só vai se materializar provavelmente entre o final de junho e o início de julho", completou Doria a respeito das alianças em coligações majoritárias.

Mas o debate sobre federações atravessou na frente, já que a data para sua formalização é 2 de abril –a não ser que o STF (Supremo Tribunal Federal) amplie o prazo em julgamento sobre o tema previsto para quarta-feira (9).

Elio Gaspari: ANS precisa proteger os clientes da Amil

O Globo

Se a Agência Nacional de Saúde Suplementar não fizer nada, as 340 mil pessoas que têm planos individuais da Amil correm o risco de ficar na chuva. Está na linha de montagem da ANS a autorização para que o fundo Fiord, estabelecido em São Paulo, fique com o controle da empresa que administrará a carteira onde estão esses clientes da Amil. Pela legislação, ela deve examinar o caso à luz das exigências contábeis. Não tem prazo para isso, mas há uma pressão danada para que o faça logo.

A história desse descarrego, como a leitura dos resultados de exames de laboratório, é chata e, às vezes, incompreensível, mas vale a pena acompanhá-la.

Em 2012, a gigante americana UnitedHealth comprou por R$ 10 bilhões o controle da Amil, uma das maiores operadoras de saúde privada do Brasil. Não foi um bom negócio, porque depois de perder centenas de milhares de clientes, trocou de comandante duas vezes e, até 2020, seu lucro foi irrelevante.

No meio do caminho, os mastigadores de cifras da UnitedHealth apontaram que a carteira de planos individuais da Amil poderia custar um prejuízo estimado em até R$ 20 bilhões em dez anos. Desde a descoberta desse mau presságio, passou-se a negociar a venda da carteira, com os 340 mil clientes.

Vinicius Torres Freire: O que o fim da epidemia na Dinamarca diz sobre o Brasil

Folha de S. Paulo

País europeu acaba com restrições, mas taxa de morte é parecida com a brasileira

Dinamarca liberou geral. Em 1º de fevereiro, foi o primeiro país europeu a acabar oficialmente com a exigência de máscara em lugar fechado e transporte público, com passaporte de imunidade, com limite de aglomeração, com tudo. A epidemia de Covid deixou de ser "ameaça socialmente crítica". Essa conversa em breve vai chegar por aqui, avacalhada, como de costume.

Apesar do fim da situação de emergência, por estes dias se morre tanto de Covid na Dinamarca quanto no Brasil, em termos relativos. São pouco mais de 3 mortes diárias por milhão de habitantes. O morticínio por agora só não é maior do que o de janeiro de 2021. O número de casos da doença jamais foi tão alto. O que acontece no reino da Dinamarca?

A Dinamarca é diferente, irmão, é muito mais do que um sonho, como diria o cantor. Tem o tamanho do estado do Rio de Janeiro e 5,8 milhões de habitantes, metade da população da cidade de São Paulo.

É um país exótico: um dos dez mais ricos, o segundo mais feliz e um dos 15 mais igualitários do mundo. A chefe do governo é mulher, a premiê social-democrata Mette Frederiksen, 44.

Janio de Freitas: Os indiferentes e os invisíveis

Folha de S. Paulo

Estamos em um país brutalmente violento e estupidamente indiferente à sua realidade

Se o Brasil não ultrapassou as condições em que a violência ainda pode retroceder ao "normal", está entrando nessa aberração sem volta.

Não se vislumbra preocupação coletiva com o problema, nem mesmo para conter o empenho criminoso do governo por mais e maior violência. Como se dá com a própria violência, é a continuidade lógica de um percurso imposto. Explicado pela invocação de suas causas gritantes, mas excluído o fator determinante: o passado indiferente e a indiferença do nosso tempo à liberação da violência. O que situa as responsabilidades silenciadas.

As causas socioeconômicas da violência, legado da escravidão, acumularam-se desde a oportunidade perdida de uma abolição com perspectiva social e inteligente. A indiferença dos possuidores pelo país abaixo dos seus interesses caminhou, pelo tempo afora, com a tranquilidade assegurada por polícias e forças militares em eventuais cobranças de alguma justiça.

As favelas deram, a um só tempo, tanto a estética da segregação urbana —a verdadeira arquitetura moderna brasileira— como um atestado sólido da indiferença. O trabalho depreciado, a escassa oferta de emprego e a concessão precária de escolaridade disponibilizaram população crescente para o desemprego adulto e a marginalidade jovem.

A pobreza e a miséria são violências passíveis de incutir a sobrevivência alheia a leis e princípios. Mas o desenvolvimento de tais práticas nunca levou a um esforço verdadeiro para corrigir, em alguma medida, as suas causas também crescentes.

Celso Ming: Disparada do petróleo. E agora?

O Estado de S. Paulo

Os preços do petróleo fecharam nesta sexta-feira a US$ 93,27 por barril, recorde em sete anos. As projeções de que está próximo o dia em que passariam dos US$ 100 não são despropositadas. A retomada da atividade econômica com o relaxamento das restrições de circulação e a crise da Ucrânia devem continuar a empinar as cotações, que saltaram 75% em um ano.

Não há tensão econômica maior em tempo de eleições do que gasolina perto de R$ 10 por litro. Daí as tentativas para segurar os preços dos combustíveis. São cinco as propostas em exame – todas elas com seus custos.

A Petrobras segue firme na prática da paridade internacional, pela qual os preços dos derivados devem refletir as cotações internacionais convertidas em reais pelo câmbio interno. A Petrobras não pode fazer políticas públicas. Se o governo quer pagar parte da conta do consumidor, pode usar as receitas com dividendos, tem repetido o presidente da empresa, Joaquim Silva e Luna.

Alvaro Gribel: O debate errado dos combustíveis

O Globo

Bolsonaro e o Congresso querem subsídios, Lula fala em acabar com a paridade internacional. Outros candidatos dizem que a solução é a privatização da Petrobras.

A disparada dos preços dos combustíveis tem levado o país a um debate sem sentido. Bolsonaro e o Congresso querem subsídio a qualquer preço. Lula, que lidera as pesquisas, fala em acabar com a paridade internacional. Outros candidatos dizem que a solução é a privatização da Petrobras. De um jeito ou de outro, as propostas terão pouco ou nenhum efeito, avalia o engenheiro David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP. Para ele, o Brasil deveria estar empenhado em melhorar a qualidade do transporte público, com investimentos pesados em infraestrutura e logística que reduzam custos e melhorem a qualidade de vida da população. Subsídios, só se forem cirúrgicos, destinados a quem mais precisa.

— Existe um fetiche nacional pelo preço dos combustíveis. Mas a gasolina e o diesel são commodities, assim como a carne, o trigo, a soja. As pessoas estão comprando osso e passando fome no Brasil, e vamos gastar bilhões de reais para subsidiar a gasolina de quem tem carro? — questiona.

Cacá Diegues: A grande tarefa dos democratas será refazer o Brasil

O Globo

Nas eleições desse ano, vamos afastar Bolsonaro de onde se encontra. Mas levaremos muito tempo para recolocar o Brasil no rumo que lhe cabe, carnavalesco e cordial

Antonioni já era um grande mito do cinema, quando o conheci em Roma. Depois de alguns encontros casuais acabei convidado a ir à sua casa, jogar conversa fora. Lá, achei que conheceria Monica Vitti, já pelo fim de um casamento que produzira, além de felicidade conjugal, um dos mais extraordinários ciclos do cinema moderno europeu: “Aventura”, “A noite” e “O eclipse”. Depois, Antonioni apareceu pelo Brasil no início dos anos 2000 com uma nova e jovem mulher, e jantou uma noite em minha casa, quando lhe apresentei a Caetano Veloso e mostramos suas canções a ele.

Em Roma, eu havia me perturbado com a ausência de Monica Vitti na conversa. Como não tinha intimidade para perguntar por ela, esperei fingindo desinteresse. Finalmente, ela foi buscar alguma coisa na sala, acho que um cinzeiro. A cabeça sempre baixa, Monica Vitti entrou e saiu do cômodo sem olhar e muito menos falar com ninguém.

Nunca mais a vi e Antonioni acabou morrendo em 2007, aos 94 anos de idade. Ele ainda defendeu, num Festival de Veneza, o filme mal compreendido de Glauber Rocha, “A idade da Terra”, de 1980. Separada de Michelangelo, Monica Vitti se casara com Roberto Russo, também cineasta, na companhia de quem viveu o resto de sua vida, morrendo essa semana vitima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) agravado pelo Mal de Alzheimer. Ou vice versa, não sei.

Joaquim Falcão*: Eleições e propriedade

O Globo

O acesso dos brasileiros à propriedade, lar e moradia precisa entrar no debate eleitoral. Hoje concentrado em imaginar múltiplas bolsas para enfrentar a fome. E auxílios, perdão de dívidas, reconcessão de créditos impagáveis para enfrentar iliquidez permanente dos mais pobres.

Estas propostas tratam apenas dos sintomas. Não curam a doença estrutural. São analgésicos, que se tomam de 4 em 4 anos. Se a inflação não baixar e se for perder a eleição, aumenta-se a dose: de quatro em quatro meses. Baixa a indignação, mas não reduz a desigualdade.

A insegurança e incerteza dos que não têm lar é diária. É sofrência econômica.

Milhões de brasileiros não vivem no Brasil. Apenas “estão” no chão do Brasil, diria Washington Fajardo, urbanista-mor. Rastejam pelos viadutos. Não vivem, sobrevivem. Subvivem.

Com base em censo recente, a revista Piauí informa que a população paulistana de rua é maior do que a população de 80% das cidades brasileiras!

Mas são eleitores.

Dorrit Harazim: Isto é um país?

O Globo

Por razões industriais, o texto de domingo desta coluna é finalizado com dois dias de antecedência. Antes, portanto, de conhecermos a dimensão das passeatas agendadas para este sábado (ontem) em homenagem ao refugiado congolês Moïse Mugenyi Kabagambe. A troco de nada, o jovem negro fora abatido como animal por três indivíduos que também trabalhavam sem registro nas areias idílicas da Barra da Tijuca. As circunstâncias da curta vida de Moïse (24 anos), narradas pela mãe, somadas à agonizante morte a pauladas do filho, cobriram o país de uma vergonha nova: testemunhar, através das imagens captadas em vídeo, a execução do jovem entregue aos cuidados do Estado, como refugiado de guerra. Dói, humilha, desespera, abate. E impulsiona o instinto represado de sair do confinamento cívico, de se fazer ouvir, assinar manifestos, ir às ruas, gritar até perder o fôlego.

Muito bem. E depois? Nada mudará se, de volta à rotina, não percebermos os tantos Moïses, imigrados ou nacionais, com quem convivemos sem interesse, cruzamos na rua, no trânsito, no trabalho e na vida, num simulacro de sociedade. Sociedade violentamente racista. A congolesa Ivone Lay, mãe do filho linchado, descobriu tarde demais o que todo negro brasileiro aprende já no ventre da mãe: que um jovem negro é morto no Brasil a cada 23 minutos, segundo o Atlas da Violência 2021. Talvez seja da educadora Yvonne Bezerra de Mello, em entrevista à jornalista Ruth de Aquino no GLOBO, a constatação mais crua da realidade atual: “A civilização abandonou o Brasil. É um processo de desconstrução do ser humano no coletivo”. Em três semanas deste verão carioca de 2022, houve 12 tentativas de linchamento de suspeitos de assalto nas areias da Zona Sul.

Cristovam Buarque*: Moïse: sinal destes tempos

Blog do Noblat / Metrópoles

O brutal assassinato do jovem congolês Moïse Kabamgabe na Barra da Tijuca é sinal de nossos tempos

Primeiro, ao lembrar que, apesar de nossa crise, o Brasil ainda atrai milhares de pessoas que vivem em países com mais pobreza e menos esperança no futuro. Todos os dias recebemos imigrantes sobretudo da Venezuela e diversos países da África. O congolês Moïse Kabamgabe veio para o Brasil fugindo de guerras e pobreza em seu país, com situação ainda pior do que a brasileira.

Segundo, este assassinato é sinal do tamanho da pobreza brasileira, ao constatarmos que ele cobrava dívida de salário duzentos reais não pagos por dois dias de trabalho.

Terceiro, sinal da violência e da impunidade que levam pessoas jovens a participar do assassinato de um trabalhador, da mesma forma como se fazia nos tempos da escravidão. Em pleno século XXI, Moíse morreu no pelourinho que caracterizou quatro séculos de nossa história, que ainda não se livrou da escravidão, apesar de mais de cem anos depois da Abolição. A violência é um estudo geral da sociedade brasileira, desde seu início. Moïses é uma das milhões de vítimas que todos os dias sucumbem por algum tipo de arma, muitas delas invisíveis, por serem abstratas, sou por serem tão naturais que não são percebíveis.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É hora de o país debater o futuro da indústria

O Globo

A divulgação sobre a produção industrial brasileira em 2021, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na quarta-feira, é um incentivo para um debate que o Brasil não pode adiar sobre o futuro da manufatura no país. Os dados de 2021 mostram que houve um crescimento de 3,9% em relação a 2020, mas seguimos abaixo do patamar do período pré-pandemia. Há fatores globais em ação, como a crise de suprimentos em algumas cadeias produtivas. Existem questões locais que são conjunturais. Com inflação alta e renda baixa, o consumo de vários segmentos tem caído. Mas, independentemente de eventuais fases boas ou ruins, é inegável que o setor vem passando por um processo longo de crise.

Não parece haver questionamentos sobre se o Brasil precisa de uma indústria forte. Essa é uma questão consensual. As dúvidas estão relacionadas ao modelo que o país deve perseguir. Cada vez fica mais evidente que essa discussão só avançará se for pautada pelos casos de sucesso do setor industrial brasileiro. A despeito de uma legislação tributária bizantina, uma infraestrutura ruim e todos os problemas que precisam ser atacados, essas empresas conseguem progredir. Entender o que elas fazem pode abrir as portas para que novas surjam.

Paes critica apoio de Lula a Freixo e vê 'salto alto' do petista no Rio

O Globo

Prefeito disse em entrevista ao Valor Econômico que ex-presidente não tem relevância em eleição para governo do Rio

RIO — O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, afirmou em entrevista ao 'Valor Econômico' que o ex-presidente Lula (PT) não tem relevância na eleição para o governo do Rio e que o apoio do petista ao pré-candidato ao Palácio Guanabara Marcelo Freixo (PSB) demonstra uma postura de “salto alto” de sua campanha. A declaração provocou reação por parte do presidente do PT-RJ, João Maurício, que disse que o foco do partido está na campanha à presidência.

“O Lula não é o fator relevante para mim nesta eleição local aqui”, disse Paes, na entrevista, afirmando que o ex-presidente não é um cabo eleitoral determinante no Rio como é em estados do nordeste.

 “A posição tem sido: ‘Quero governo do Estado, Senado e Presidência da República e quem quiser vir que bata palma pra mim'. A postura do Lula, eu diria com certo salto alto no Rio de Janeiro, não é a de alguém que está buscando somar”, completou.

Ele questionou as credenciais de Freixo, que é deputado federal, para ocupar o cargo. Segundo Paes, uma pesquisa encomendada pelo PSD mostra que o parlamentar teria perdido a ampla vantagem que tinha sobre o governador Cláudio Castro (PL), com quem estaria num empate técnico.

Lideranças do PT-RJ reagem contra críticas a Lula feitas por Paes

O Globo

Presidente estadual da sigla, João Maurício afirmou que Lula tem buscado o diálogo com 'as mais diversas forças políticas'. O deputado estadual André Ceciliano (PT), que preside a Alerj, se disse surpreso com declarações

RIO — As declarações feitas pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), em entrevista publicada neste sábado (5) pela Valor Econômico, com críticas ao ex-presidente Lula (PT), após anúncio de apoio à candidatura de Marcelo Freixo (PSB) para governador, não foram bem recebidas por lideranças da sigla no estado do RJ. Na tarde deste sábado, tanto o presidente estadual do partido, João Maurício, quanto o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), André Ceciliano, se posicionaram contrários às afirmações de que Lula não teria relevância na corrida eleitoral para o governo do Rio, e de que ele estaria adotando uma postura de "salto alto". O termo utilizado pelo chefe do executivo municipal carioca desagradou os correligionários petistas.

"Ao que pese o nosso profundo respeito pela liderança do prefeito Eduardo Paes,  a sua entrevista ao jornal Valor Econômico neste sábado, nos surpreendeu tanto pela forma quanto pelo conteúdo", escreveu Ceciliano.

Freixo diz que críticas de Paes a Lula 'dividem o Rio onde não deveriam dividir'

Deputado federal também responde a afirmações do prefeito do Rio de que ele não teria experiência suficiente para assumir cargo no executivo e de que seria contra PPPs e as polícias

Arthur Leal / O Globo

RIO — O deputado federal Marcelo Freixo (PSB), pré-candidato ao governo do RJ, reagiu, na tarde deste sábado (5), às críticas feitas a ele e ao ex-presidente Lula pelo prefeito da cidade do Rio, Eduardo Paes (PSD), em entrevista à Valor Econômico. O chefe do executivo municipal carioca disse que Lula estaria com uma postura de "salto alto" após declarar apoio a Freixo na corrida eleitoral pelo Palácio Guanabara. O parlamentar, que também recebeu críticas por, segundo Paes, ser contra PPPs e a polícia, se disse surpreso com as declarações e afirmou que o posicionamento "divide o estado" no objetivo mútuo de derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL) nas urnas.

— Meu diálogo com o Lula é o melhor possível. Ele é quem vai nos garantir a democracia no Brasil, e vai ajudar a reerguer o Rio. Tenho muito orgulho de ter o apoio dele  — disse Marcelo Freixo ao GLOBO. — Eu fiquei surpreso com a cegueira (de Paes) sobre a situação do Rio e do Brasil. Não adianta a gente falar que quer derrotar o Bolsonaro no Brasil e não enfrentá-lo devidamente no Rio de Janeiro, onde eles estão no governo, são do mesmo partido. Acho que dessa forma, o prefeito divide o Rio onde ele não deveria dividir. A minha candidatura tem esse espírito de união. Eu resolvi ser candidato exatamente por esse movimento de mudança que precisamos. Daí, todos os diálogos que estou fazendo e insistindo que são importantes. Nesse sentido, Lula é fundamental para o Rio.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Discurso do Capibaribe

(Trecho)

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.