sábado, 19 de fevereiro de 2022

Alvaro Costa e Silva: A pátria amada esqueceu sua Independência

Folha de S. Paulo

Ao contrário de 1922, celebração do Bicentenário corre o risco de virar uma motociata

Na coluna do último sábado (12), ao registrar a farra de Pixinguinha e do conjunto Os Batutas na Paris de 1922, não contei como tudo terminou. Fora a saudade e o frio, eles tinham forte motivo para voltar. Não queriam perder uma festa no Rio que prometia ser ainda maior: a Exposição do Centenário da Independência, que ergueu uma cidade dentro da cidade.

Cristina Serra: O TSE caiu numa arapuca

Folha de S. Paulo

Ter um militar abelhudando nosso processo de votação é anomalia inexplicável

O TSE caiu numa arapuca criada por ele mesmo. Em virtude dos ataques de Bolsonaro, no ano passado, ao sistema eletrônico de votação, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, criou a Comissão de Transparência das Eleições e para ela convidou um representante dos militares. A comissão foi formalmente criada um dia depois do 7 de setembro golpista.

Demétrio Mamgoli: Guerra cultural é conflito assimétrico

Folha de S. Paulo

A esquerda identitária elege a direita identitária

Qual é a treta do dia? O cancelamento da semana? Quando as expedições de policiamento identitário típicas das redes sociais transbordam cotidianamente, como lava tóxica, às páginas da Folha, não duvide: as guerras culturais tornaram-se um traço dominante da política nacional.

Há décadas, o Ocidente oscila no ritmo das guerras culturais. A direita inventou o artefato; a esquerda pós-marxista resolveu imitá-la. Tais conflitos organizam-se não sobre "o que fazer?", a interrogação política clássica, mas sobre "quem somos?", uma pergunta muito mais divisiva.

Ascânio Seleme: 'Revogazo'

O Globo

Enquanto Lula anuncia que se for eleito quer rever as reformas tributária e trabalhista, gente do PT opera sobre bases mais realistas e elenca medidas infralegais tomadas pelo governo Bolsonaro e para as quais basta uma canetada do presidente ou do ministro da área para serem revogadas. Para mexer na Previdência ou nas leis trabalhistas, Lula vai precisar do Congresso. Este que está aí, já disse presidente da Câmara, Arthur Lira, é de centro e não quer rever nada. Mesmo que o Congresso eleito em outubro se mova para a centro-esquerda, mudanças legais tomam tempo e exigem dedicação política. Mexer em decretos, portarias e pareceres não custa nada, nem tempo.

Pablo Ortellado: Bolsonaro prepara alegação de fraude

O Globo

Nos últimos dias, começaram a despontar os primeiros elementos da estratégia de Bolsonaro de alegar fraude caso perca as eleições. De um lado, ele busca fomentar a desconfiança dos eleitores nas urnas por meio de uma campanha intensa de desinformação; de outro, pretende arrastar os militares para o centro da crise institucional que se anuncia.

Sem grandes surpresas, Bolsonaro resolveu descartar o compromisso de não atacar mais a confiabilidade do sistema eleitoral. O compromisso havia sido assumido após as duras reações das instituições aos protestos antidemocráticos de 7 de setembro de 2021 e depois que a proposta do voto impresso fora derrotada no Congresso.

Eduardo Affonso: O Brasil é um caso sério

O Globo

Não, De Gaulle jamais disse que o Brasil não era um país sério. A frase é de um brasileiro, Carlos Alves de Souza Filho, embaixador em Paris por ocasião da “Guerra da Lagosta”, entre Brasil e França — guerra que, como a Batalha de Itararé e a viúva Porcina, foi sem nunca ter sido.

Também não houve, por enquanto, a invasão da Ucrânia — evitada pela providencial ida de Bolsonaro à Rússia. Pelo menos é o que se deduz do vídeo em que o presidente Putin declara: “Hoje estava prestes a atacar a Ucrânia quando conversei com o presidente Jair ainda em voo. Ele, que veio de um lugar tão longe, disse: ‘Ô Vladi, o mundo é nossa casa. Deus está acima de todos’. Isso tocou na minha alma. Portanto agora decidi retirar minhas tropas da fronteira. E parar essa guerra. Agradeço de coração, presidente brasileiro”.

Carlos Alberto Sardenberg: O que fazer com os 30 quilos de cocaína?

O Globo

Em 9 de julho de 2019, quando tomava corpo o desmonte da Lava-Jato e de todo o sistema de combate à corrupção, o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão deu uma aula sobre esse tema aqui no GLOBO. Começou contando uma história que ouvira de um ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.

A seguinte: “O Supremo julgava um traficante de drogas. Preso com 30 ou mais quilos de cocaína. Não lembro bem. Uma enormidade. Na apreensão, ou durante o processo, uma autoridade teria cometido ato duvidoso diante da lei. A defesa argumentou ofensa ao princípio de devido processo legal. Donde, in dubio pro reo. O debate no Supremo caminhava rotineiramente para a soltura e absolvição do traficante preso. Quando, surpresa, um ministro perguntou a seus colegas: E a cocaína? O que fazemos com os mais de 30 quilos apreendidos?”.

João Gabriel de Lima: Caetano Veloso e Olavo de Carvalho

O Estado de S. Paulo

Em 1996, o poeta Bruno Tolentino provocou uma polêmica na área da cultura. Em entrevista a Geraldo Mayrink, um dos maiores jornalistas culturais daquele tempo, criticou o que lhe parecia um dado nocivo no País: músicos populares – notadamente Caetano Veloso – dando opiniões sobre o Brasil, quando na França eram filósofos da academia que ocupavam este espaço. Mayrink rebateu: “Mas existe algum filósofo brasileiro que mereça mais espaço na mídia?” Tolentino citou um nome: Olavo de Carvalho. De volta à redação, Mayrink confessou aos colegas que não sabia quem era.

Ricardo Rangel: Um deserto de candidatos e de ideias

Revista Veja

O perturbador cenário de indigência a oito meses da eleição

O mundo gira, a Lusitana roda, e a terceira via continua no mesmo lugar: nenhum.

Simone Tebet (que declarou que sua candidatura estava “se tornando irreversível”) e João Doria (famoso por não desistir nunca) cogitam desistir de concorrer em prol de uma candidatura única a ser lançada por uma federação entre MDB, PSDB e União Brasil. Que candidatura seria essa, ninguém sabe.

O que se sabe é que Gilberto Kassab, do PSD, vai acabar apoiando Lula, mas, enquanto isso, tenta encontrar alguém para esquentar a cadeira e aumentar o valor de seu passe. Seu plano A é Rodrigo Pacheco, que não decola. O plano B é Eduardo Leite, que teria de ganhar a final depois de perder a semifinal (se tentar e perder de novo, o que é quase certo, pode enterrar sua promissora carreira). Kassab já tem plano C: Paulo Hartung, que é honesto, experiente e consertou o Espírito Santo, que parecia sem conserto. Mas é desconhecido e não tem carisma.

Marcus Pestana*: A transição inconclusa e a nova geração de líderes

A sociedade brasileira se cansou daquela estória do Brasil ser o país do futuro, já que há décadas tropeçamos em crises variadas e permanentes que nos brindam com um “voo de galinha” na economia e um passivo enorme e inaceitável no campo social.

A geração da redemocratização tinhas objetivos ousados e generosos. A agenda democrática dos anos de 1970 – anistia ampla e geral, constituinte livre e soberana e eleições diretas para presidente – carregava uma utopia muito maior. Não só a conquista das liberdades democráticas, dos direitos individuais, mas a construção da cidadania substantiva para todos a partir da consolidação dos direitos mínimos à renda, ao emprego, à segurança alimentar, à saúde e educação de qualidade, à habitação e ao saneamento. Este é o espírito da “Constituição Cidadã” de 1988.

Dora Kramer: Questão de estilo

Revista Veja

Rejeição a Bolsonaro é obra de uma vida que não pode ser mudada em passes de mágica

Os arquitetos da campanha do presidente Jair Bolsonaro parecem convencidos de que as traquinagens com o Tesouro não serão suficientes para reconstruir as relações dele com o eleitorado a fim de garantir um desempenho capaz ao menos de torná-lo competitivo na tentativa de reeleição. Pelo que andam dizendo, o candidato só terá salvação se o presidente mudar seu estilo.

Para suavizar a crítica ao comportamento de Bolsonaro, a ordem é atribuir a desventura eleitoral ao fato de ele não ter se vacinado e, por isso, agora se empenham em convencê-lo a se imunizar. O bruto, claro, resiste, embora provavelmente não por muito tempo. A julgar por essa versão edulcorada sobre a razão das desventuras presidenciais, uma vez vacinado, Bolsonaro estaria pronto a enfrentar Luiz Inácio da Silva e quem mais vier pela frente em condições de igualdade ou até mesmo bastante favoráveis em outubro.

De duas, uma: ou esse pessoal está delirando num exercício forte de autoengano ou a ideia é a de exercitar a arte da enganação para cima dos brasileiros. Não os que se deixam engambelar com entusiasmo, mas aqueles que integram o contingente de decepcionados que só faz crescer nos últimos três anos. Processo agravado pelas atitudes da chefia na crise sanitária, mas iniciado bem antes disso.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É urgente resolver o problema das habitações precárias

O Globo

Depois das chuvas arrasadoras que já deixaram mais de 130 mortos e pelo menos 213 desaparecidos, o horror estampado nas encostas instáveis de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, expôs de forma dolorosa um problema que não pode mais ser negligenciado. Em ano eleitoral, o déficit habitacional e a falta de políticas públicas para o setor, que empurram milhares de famílias para áreas de risco, precisam ter destaque no debate político dos candidatos a presidente, governador, deputado e senador.

A história se repete de forma trágica. Chuvas torrenciais na serra fluminense produziram em 2011 o maior desastre natural do país, com quase mil mortos. Era de esperar que o Brasil acordasse para o problema das habitações precárias, construídas de forma irregular e desordenada em áreas sujeitas a deslizamentos. Passado o clamor da tragédia, tudo volta à estaca zero. Em Friburgo e Teresópolis, onde bairros inteiros foram destruídos há 11 anos, casas condenadas voltaram a ser ocupadas. Em Petrópolis, um levantamento do município apontou que 27 mil famílias estavam em locais de alto risco. Continuaram no mesmo lugar. A questão não diz respeito apenas a Petrópolis. Em cidades de Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo e São Paulo, o drama é idêntico.

Poesia: João Cabral de Melo Neto: Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.