sexta-feira, 10 de junho de 2022

Luiz Werneck Vianna*: O país da Atalaia do Norte no vale do Javari e da Faria Lima

Num ponto extremo da Amazônia, em fronteira com o Peru, o misterioso desaparecimento de um indigenista brasileiro e de um jornalista inglês, até então inexplicável, ambos apaixonados pela região, tira do foco da conjuntura o processo eleitoral e assesta a viseira em cheio para o teatro real em que se move o capitalismo brasileiro em busca de uma expansão de suas fronteiras para novas formas de acumulação como na mineração e na ampliação de novas oportunidades para madeireiras e da pesca ilegal, que, na prática, se acham cumpliciadas com crime organizado que campeia na região pelo tráfico de drogas.

Aí se desvela o caráter encapuzado da ação do governo, pondo-se a nu sua natureza predatória, sua agenda anticivilizatória e adversa aos valores cultivados por nossas melhores tradições, muitas delas consagradas constitucionalmente, na medida em que por omissão deliberada na repressão às ilegalidades e aos crimes ali praticados favorece a sua multiplicação. O Brasil é concebido como um território ocupado por forças que lhe são estranhas, empenhadas em destruir os fundamentos da sua civilização e assentar sobre suas ruinas um capitalismo sem freios e excludente da sua população entregue à sua própria sorte.

Fernando Gabeira: Realidade e campanha eleitoral

O Estado de S. Paulo

Chega a ser comovente como não se dão conta, governo e aliados do Centrão, da existência de uma crise mais profunda.

Há pouco mais de dez anos, um colunista do The New York Times advertia para a alta dos preços de alimentos e de energia, para a sucessão de eventos extremos no clima, o aumento da população mundial e afirmava: daqui a alguns anos, perguntaremos como não entramos em pânico com indícios tão evidentes de uma crise profunda.

Depois disso, entre outras coisas, aconteceram uma pandemia que matou 6,3 milhões de pessoas e uma guerra no leste europeu envolvendo um grande produtor de petróleo e um grande produtor de alimentos, Rússia e Ucrânia. Era de esperar, com tudo isso, que o preço dos alimentos fosse às alturas, impulsionado também pelo valor dos combustíveis.

Interessante como essa crise profunda não chega, ainda, a acionar o sinal de emergência no planeta e como, de certa forma, ela passa ao largo do Brasil, em plena campanha eleitoral. Naturalmente que não escapam ao governo os seus efeitos imediatos, nem poderiam escapar, porque a reeleição de Bolsonaro depende disso. Daí sua encenação, mal ensaiada, de um esforço para baixar o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha.

Eliane Cantanhêde: Derrota não, massacre

O Estado de S. Paulo

STF articula nos vestiários o jogo contra ataques à democracia e manobras bolsonaristas

Ao recrudescer os ataques ao Supremo, o presidente Jair Bolsonaro consegue o oposto do que gostaria. Em vez de rachar, ele une os ministros, que voltam a jogar como time contra o inimigo maior, ou melhor, contra quem a maioria da Corte considera o inimigo da democracia: ele próprio.

O time repetiu ontem a articulação de bastidores (ou de vestiários...) que usou com sucesso para derrubar a liminar do ministro Kassio Nunes Marques, bolsonarista, que devolvia o mandato e a elegibilidade do deputado Fernando Francischini, também bolsonarista.

Nunes Marques tentou demolir a decisão do TSE que, por 6 a 1, transformou a punição de Francischini num marco contra fake news e ataques às urnas eletrônicas. Bolsonaro comemorou. Depois, por 3 a 2, a Segunda Turma mandou a liminar de Nunes Marques para o lixo e Francischini continuou cassado. Aí, Bolsonaro teve um chilique.

Simon Schwartzman*: ‘Para não esquecer’

O Estado de S. Paulo

É na reforma política e institucional que devemos buscar o caminho para não persistir nos erros de sempre.

O Brasil não é atrasado por acaso. Em quase 800 páginas, Marcos Mendes e 32 colaboradores fazem uma autópsia minuciosa de 24 políticas econômicas e sociais que, nos últimos 20 anos, levaram à insolvência do Estado, à estagnação econômica e à persistência da pobreza. Os temas são os incentivos fiscais, créditos direcionados, protecionismo econômico, empresas estatais, previdência social e educação, entre outros.

A corrupção é mencionada, mas o que mais preocupa são políticas que, mesmo quando bem intencionadas, resultam de concepções erradas sobre a capacidade do setor público de intervir e comandar a economia; políticas que não se baseiam em análises adequadas dos problemas que se tenta resolver; e a falta de mecanismos de acompanhamento de resultados e correção de erros. Em comum, essas políticas compartem a ideia de que são os gastos públicos, não a produtividade, que criam riqueza; que os recursos públicos são infinitos; atendem a grupos ou setores mais articulados, cujos interesses acabam prevalecendo sobre os da grande maioria que não consegue se organizar; e, uma vez implantadas, tendem a persistir, mesmo quando sua ineficiência e seus efeitos negativos se tornam evidentes.

Rogério Furquim Werneck: Lula e seus eleitores

O Globo

O que estamos vendo é que o candidato petista insiste em um discurso econômico que em nada o ajuda

Tenho arguido aqui que, para conquistar o eleitorado de centro, Lula teria de se mover para o centro, no eixo que verdadeiramente importa, que é o da condução da política econômica. Mas houve quem discordasse, com uma indagação que faz sentido: por que razão Lula faria isso, quando já há pesquisas sugerindo que ele poderia ser eleito no primeiro turno?

Posso tentar ser mais claro. De forma ultraesquemática, podemos classificar os eleitores de Lula em três tipos. Há uma massa gigantesca deles formada pelo sólido eleitorado petista, que jamais negou voto a candidatos do partido à Presidência. Chamemos tais eleitores de Tipo 1.

Mas, na eleição deste ano, Lula também contará com um contingente considerável de eleitores do Tipo 2. Não petistas que nutrem tamanha aversão a Bolsonaro que estão dispostos a votar em Lula de olhos fechados, para evitar, a qualquer custo, o “pesadelo da reeleição”.

José de Souza Martins*: Sociabilidade suicida

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A incômoda deterioração urbana de cidades como São Paulo decorre de que a própria cidade já não é para ser usada no marco da civilidade, mas para ser consumida

Estudo recente do epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, e do psiquiatra Maximiliano Ponta, da Fiocruz Ceará, sobre ocorrências de suicídios, em 2020, no Norte e no Nordeste, indicou excesso de suicídios como efeito indireto da pandemia de covid-19. Excesso em relação aos números normais dessa ocorrência no Brasil.

A taxa de suicídios já vinha crescendo em níveis preocupantes: 2,7% na década de 1980; 33,3% no período de 2000 a 2012. Pesquisadores correlacionam possíveis causas dessa anomalia. Aqui também suicídio é considerado doença, decorrente de determinados atributos, como idade, sexo, raça e situação social. Na verdade, indicam mais que isso, as situações de anomia, de supressão de normas e valores que dão sentido à continuidade da vida.

Relações de causa e efeito na realidade social não são relações propriamente mecânicas, mas relações construídas a partir de causas e fatores explicáveis pelos próprios agentes das ocorrências. Mesmo no suicídio, cuja explicação científica depende do conhecimento dos motivos do suicida.

Maria Cristina Fernandes*: O oratório destelhado de Paulo Guedes

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Diálogos do ministro, reproduzidos em “Sem máscara - o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos”, mostram como ele renova a ilusão de que seu mérito não está no que faz, mas no que não deixa fazer

 “Minha mãe mandou esta carta para o senhor. Ela é sua fã e vê seu sofrimento. Mandou esta carta desejando ao senhor muito boa sorte e orações.” O destinatário a devolveu: “Diz o seguinte para ela: com o filho que ela arrumou para mim, não tem oração que dê jeito. Eu tô fud... mesmo. Pode devolver isso para ela”. O filho da piedosa genitora se dirigia à porta quando foi chamado. “Vem cá, me dá a carta. Diz a ela que vou botar no meu oratório que minha mulher fez lá em casa. Desculpa eu ter falado isso pra você. É que tô muito aborrecido com sua saída, mas você tem um nome a zelar. Eu não tenho, né? Só você que tem.”

O emissário da carta é o ex-secretário do Tesouro Bruno Funchal. E seu destinatário é o ministro da Economia, Paulo Guedes. A conversa, segundo o jornalista Guilherme Amado, se deu depois que o ministro e seu ex-secretário foram apresentados às claraboias no teto de gasto sugeridas pelo Palácio do Planalto: o cálculo passaria a levar em conta a inflação de janeiro a dezembro, e não mais de julho a junho, e o pagamento dos precatórios seria parcelado a perder de vista. Funchal não aceitou participar da farsa e pediu o boné. As orações de sua mãe não aliviaram a barra de Guedes, mas o filho acabaria como CEO do Bradesco Asset Management.

A história está contada em “Sem máscara - o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras, 2022), livro em que Amado, colunista do Metrópoles, faz o balanço do governo Jair Bolsonaro. A fonte é um dos 47 entrevistados de quem o jornalista tomou depoimento com o compromisso de que não os identificaria. De todos os diálogos colhidos, este, talvez, seja aquele em que mais se reconheça o protagonista, tão reiterado é o comportamento de Guedes com colaboradores, subordinados e jornalistas.

Hélio Schwartsman: O DNA da covardia

Folha de S. Paulo

Se você quer informação eleitoral, é melhor fiar-se no jornalismo que em banqueiros

Não é difícil entender por que Jair Bolsonaro ficou tão irritado com a pesquisa eleitoral do Ipespe encomendada pela XP.

A sondagem, além de confirmar a boa dianteira de Lula sobre o presidente, mostrou que o petista também é considerado mais honesto. Foram 35% contra 30%. E, depois de dois megaescândalos de corrupção envolvendo o PT, a honestidade deveria ser o ponto fraco de Lula. Se até nesse quesito o petista se sai melhor, é porque a situação está feia para Bolsonaro.

É óbvio, porém, que disparar contra o mensageiro é a resposta burra para o problema. Foi, obviamente, a que os bolsonaristas escolheram. Eles pressionaram a corretora, que cancelou a divulgação da pesquisa. Se o objetivo era esconder a informação, ela ganhou mais destaque.

Reinaldo Azevedo: Entre a democracia e o caos

Folha de S. Paulo

Bolsonaro mobiliza-se, sim, para dar um golpe com o apoio das Armas e do seu povo

A pressão feita por bolsonaristas sobre a XP para interromper a série de pesquisas Ipespe, instituto comandado pelo sociólogo Antonio Lavareda, porque descontentes com os números colhidos evidencia o Brasil que esses patriotas têm na cabeça.

Só valem as eleições que eles ganham e só são aceitáveis os levantamentos que apontam a sua vitória. Jair Bolsonaro tem um dom, é preciso que se admita: como poucos, ou ninguém antes dele, desperta em parcela considerável dos brasileiros o que estes têm de pior.

O horror estava lá, guardado, em repouso, reprimido, como deve ser, pelo pacto civilizatório. Ele revolve, com sua ignorância agressiva, o lodo psíquico e existencial de ressentimento, truculência e ódio.

Bruno Boghossian: Bolsonaro pede socorro a empresários para salvar reeleição

Folha de S. Paulo

Corte de lucro sugerido pelo presidente é uma espécie de doação de campanha descontada no caixa

Quando a cesta básica bateu R$ 560 em São Paulo, no primeiro ano da pandemia, Jair Bolsonaro sugeriu aos donos de supermercados que tivessem lucro "próximo de zero" na venda de alimentos. Desde então, os preços subiram outros R$ 200, e o presidente teve uma ideia inovadora: nesta quinta-feira (9), ele pediu ao setor que tivesse o "menor lucro possível" nesses produtos.

Bolsonaro não fez muito mistério sobre o que estava por trás do apelo. Num evento com empresários, ele disse que era preciso dar uma satisfação à população mais pobre. Aproveitou para apresentar sua plataforma eleitoral, tentou se contrapor ao que chamou de "o outro lado" e disse que a ajuda fazia parte de um esforço para "continuar o governo".

A interpretação é simples: o presidente quer que os donos de supermercados cortem os próprios lucros para melhorar o ambiente político a favor de sua reeleição. Na prática, ele pediu uma espécie de doação de campanha, descontada diretamente do caixa das empresas.

Vinicius Torres Freire: Golpe nos preços pode virar crime

Folha de S. Paulo

Pela reeleição Bolsonaro e Guedes querem que empresas manipulem preços

Jair Bolsonaro (PL) quer que supermercados diminuam seus lucros a fim de conter a carestia e, assim, evitar a eleição de Lula da Silva (PT) e a volta do "populismo" (aquele que nunca foi embora).

Entre vários problemas, trata-se de: 1) Sugestão de crime contra a ordem econômica; 2) Mais estelionato eleitoral: fazer demagogia e mentir agora para tudo explodir depois da eleição; 3) Pedido indireto para que empresas deem dinheiro para a reeleição; 4) Indício de como um governo autoritário pode meter a mão em empresas, preços e muito mais; 5) A desmoralização final ou adicional do "liberalismo" de Bolsonaro-Guedes.

Paulo Guedes detalhou o plano, quase em tom de ordem. "Empresários precisam entender que temos que quebrar a cadeia inflacionária. Estamos em hora decisiva para o Brasil. Nova tabela de preços só em 2023. Trava os preços, vamos parar de aumentar os preços", disse o ministro da Economia. Bolsonaro e Guedes falaram em um encontro da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

Vera Magalhães: Vêm aí os fiscais de Bolsonaro e Guedes?

O Globo

Paulo Guedes perdeu os pruridos de vez. Depois de trancar na gaveta o liberalismo de Chicago, agora se destituiu da função de ministro da Economia e virou cabo eleitoral de Jair Bolsonaro.

Com isso, ruiu a explicação, desde sempre falaciosa, de que sua adesão a um candidato, depois presidente, sabidamente corporativista e iliberal, era uma aliança entre “ordem e progresso”, ou entre o liberalismo e o corporativismo.

Guedes comprou o pacote completo de Bolsonaro. Alheio às ameaças diárias que o chefe faz à democracia, aos ataques à Justiça e à imprensa, também aderiu sem cerimônia aos muitos dribles na austeridade fiscal, ao intervencionismo em estatais e, pasmem!, se sente à vontade para defender até truques como congelamento de preços.

Ele, que sempre foi crítico aos erros do Plano Cruzado e até do Real, exitoso em conter a inflação que agora grassa descontrolada.

Ao participar remotamente de um congresso do setor varejista, o ministro escancarou:

—Estamos em guerra.

A dúvida é se fala da guerra contra a alta de preços ou da guerra eleitoral que seu chefe trava com desespero crescente.

Bolsonaro e Guedes fazem apelo por controle de preços

Ministro defende que supermercados tenham tabela ‘só em 2023’

Bolsonaro e Guedes pedem a supermercados que controlem preço

Representantes do setor pediram desoneração a Paulo Guedes, mas ouviram pedidos de ajuda contra inflação. Presidente solicitou 'menor lucro possível', enquanto ministro pediu 'trégua'

Por Alice Cravo, Daniel Gullino, Fernanda Trisotto e João Sorima Neto / O Globo

 BRASÍLIA - Com a inflação muito longe da meta, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediram o apoio de empresários do setor de supermercados para controlar o aumento de preços. Bolsonaro solicitou que eles tenham o "menor lucro possível" sobre os alimentos da cesta básica, enquanto Guedes pediu uma "trégua de preços".

— O apelo que eu faço aos senhores, para toda a cadeia produtiva, para que os produtos da cesta básica obtenham o menor lucro possível para a gente poder dar uma satisfação a uma parte considerável da população, em especial os mais humildes — disse o presidente, durante evento promovido pela Associação Brasileira de Supermercados.

Inflação dos hortifrutigrajeiros em 2022

Os dois participaram por videoconferência. Bolsonaro está em Los Angeles, para participar da Cúpula das Américas, e Guedes está em Brasília. O presidente disse que a margem de lucro já diminuiu, mas pediu que os empresários colaborem "um pouco mais".

— Eu sei que a margem de lucro tem cada vez diminuído mais também. Vocês já vêm colaborando dessa forma. Mas colaborem um pouco mais na margem de lucro dos produtos da cesta básica. Esse apelo que eu faço aos senhores. Se eu for atendido, agradeço muito. Se não for, é porque realmente não é possível.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Queda da inflação não acaba com preocupações

O Globo

Junho começa com alento no front econômico. Após quatro meses de alta e de subir ininterruptamente ao longo de todo o ano de 2021, com exceção apenas de dezembro, enfim a inflação acumulada em 12 meses deu sinal de trégua em maio: caiu de 12,13% para 11,73% e ficou abaixo das projeções. Mais de metade dos 40 analistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico previa alta acima de 0,59% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do mês. O indicador apurado ficou em 0,47%.

A notícia da inflação veio logo depois de outro dado encorajador. Em maio, o IBGE anunciara que a taxa de desemprego caiu para 10,5% no trimestre encerrado em abril, recuo de 0,6 ponto percentual em relação ao trimestre anterior. Os resultados merecem celebração, mas é preciso ser realista. O Brasil lembra uma casa de dois andares que ficou submersa. As águas podem ter baixado, mas ainda batem no meio da parede do segundo piso.

Os quase 12% anuais ainda fazem do país a quarta economia com maior inflação no grupo das 20 maiores (G20), atrás apenas de Turquia, Argentina e Rússia. Ninguém em sã consciência acredita que o Banco Central cumprirá a meta deste ano (3,5%, podendo oscilar 1,5 ponto percentual para mais ou menos).