segunda-feira, 11 de julho de 2022

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

"De nada serve ficar mirando as nuvens e esperar pelas chuvas, como dizia Vianinha em peça famosa, pois há o que fazer para devolvermos vida plena à Carta constitucional que fizemos juntos, pois está em nossas mãos ganhar nas ruas e nas urnas em primeiro turno e com isso levantarmos barreiras de difícil transposição para os aventureiros do golpe."

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. ‘O que ainda nos falta’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/7/2022.

Carlos Pereira: Delírios autoritários

O Estado de S. Paulo

Bolsonarismo, assim como Lulismo, é um conceito fast-food e tende a desaparecer se não institucionalizado

Com a derrota eleitoral cada vez mais iminente do presidente Bolsonaro à reeleição e com o fracasso de seu suposto projeto autoritário, se espraiam agora receios ou quase delírios de natureza persecutória de que o bolsonarismo vai sobreviver, mesmo perdendo.

Como provavelmente Bolsonaro não terá um segundo mandato consecutivo, a aposta agora é que ele seria capaz de manter digitalmente engajado seu eleitorado mais fiel de perfil conservador, solapando assim o mandato de seu sucessor e preparando o terreno para o seu retorno triunfal em 2026. E aí sim, a democracia brasileira, com certeza, estaria sentenciada à morte.

É como se a cada novo dia em que a democracia brasileira se mantivesse firme e estável, houvesse a necessidade de se criar fantasmas do autoritarismo para dar sentido aos falsos argumentos de fragilidade da democracia e de suas instituições.

Certamente que preferências conservadoras vão continuar existindo na sociedade. Mas até que ponto conservadores vão apostar em Bolsonaro como único líder capaz de defendê-las, especialmente se perder as eleições? Sem institucionalização, movimentos políticos evaporam e, quando institucionalizados, são forçados a se submeter às regras do jogo.

Marcus André Melo* Judiciário e opinião pública

Folha de S. Paulo

Alta rejeição e inédita hiperpolitização combinam-se para minar capacidade das cortes arbitrarem conflitos

A opinião pública importa para o Judiciário entre outras coisas porque ele é um poder não eleito. Não possui a espada ou a chave do tesouro. Daí decorrem incentivos para que cultive "virtudes passivas" (autocontenção). O pior cenário para a instituição é o não acatamento de decisões impopulares; é aqui que entra a opinião pública.

Sim, certas decisões singulares têm enorme impacto sobre a avaliação das cortes superiores (ex: a anulação de Roe vs Wade ou das condenações do ex-presidente Lula). Mas o "apoio político ao Executivo" tem um efeito da mesma magnitude, segundo Bartels e Kramon, em trabalhos recentes.

A avaliação das supremas cortes é condicional ao apoio ao ocupante do Executivo. Apoiadores dos presidentes tendem a avaliá-las negativamente no início do mandato e posterior mudança; com os adversários, o padrão se inverte.

Celso Rocha de Barros: Ciência, universidade e democracia

Folha de S. Paulo

Universidade pública é espaço de experiência fundamental para a democracia

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em junho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Daniel Tourinho Peres, professor da UFBA, e Mayra Goulart, professora da UFRJ.

Diante dos cortes criminosos que o governo federal dirige contra o orçamento do conhecimento, muitos temos insistido na centralidade da ciência para o desenvolvimento do país. Mas não é apenas o nosso desenvolvimento econômico que está ameaçado. Está sob forte ameaça também o futuro da sociedade brasileira como sociedade democrática, que combata nossa absurda desigualdade e promova inclusão.

Por muito tempo, a ciência foi vista como atividade de um indivíduo especial: o cientista, alguém dotado de extrema curiosidade, inteligência e imaginação, capaz não apenas de olhar para os pequenos detalhes, mas também ter uma visão geral do mundo. Só mais tarde tornou-se compartilhada a percepção de que a ciência é um trabalho coletivo, resultado de uma sociabilidade muito particular, disposta a rever, ainda que nem sempre de bom grado, as bases sobre as quais estão assentadas suas certezas.

Lygia Maria: Falta grave no jogo acadêmico

Folha de S. Paulo

Na universidade e na democracia, o debate livre de ideias é princípio ético inegociável

A palavra "lúdico" vem do latim "ludus" que, na Roma antiga, significava não apenas "jogo" e "brincadeira", mas também era o nome das escolas onde crianças aprendiam matemática, escrita e até retórica. Adoro essa relação entre jogo e conhecimento, mas parece que desaprendemos a jogar.

Aumentam casos em que palestrantes são impedidos de falar em universidades por alguma militância política. Professores são "cancelados" e até correm risco de demissão por dizerem algo considerado indevido, muitas vezes por critérios subjetivos. Nos EUA, a moda começou nos anos 1990: feministas exigiram a demissão de Camille Paglia só porque discordavam de artigos da pesquisadora. O problema também atinge os alunos. Segundo pesquisa do College Pulse, 80% dos 37 mil universitários entrevistados disseram já ter praticado autocensura e 48% se sentem desconfortáveis em manifestar opiniões sobre temas polêmicos.

Ana Cristina Rosa: Quando a vítima é a democracia

Folha de S. Paulo

Estudo mostra que 82% das mulheres parlamentares sofreram violência psicológica

É aterrorizante o aumento da violência política de gênero e de raça. Estudo realizado pela União Interparlamentar em cinco regiões do globo, entre as quais estão as Américas, apontou que 82% das mulheres parlamentares sofreram violência psicológica.

Pelos dados, 67% das parlamentares foram insultadas; 44% receberam ameaças de morte, estupro, espancamento ou sequestro; 20% foram vítimas de assédio sexual; e outras 20% passaram por violência no ambiente de trabalho.

Os números integram um guia lançado pela Meta, proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, para enfrentar a situação em suas plataformas. Entre as orientações, está a de que as vítimas compartilhem suas histórias nas redes sociais.

Ruy Castro: Justiça, talvez, por Tenorio

Folha de S. Paulo

Dez criminosos da ditadura argentina vão à prisão perpétua

Há dias, a Justiça da Argentina condenou dez ex-militares à prisão perpétua por crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983) naquele país. Alguns desses crimes foram de sequestro, tortura e homicídio, este muitas vezes o "voo da morte" —a prática de atirar prisioneiros políticos no mar, de avião. O centro desses torturadores era uma base militar perto de Buenos Aires. Por ali podem ter passado 5.000 pessoas. Uma delas, o pianista brasileiro Tenorio Jr.

Tenorio tinha 33 anos, quatro filhos e sua mulher, no Rio, esperava o quinto. Fora uma das grandes revelações do samba-jazz e seu LP "Embalo", lançado em 1964, é um dos três ou quatro discos decisivos do gênero —a edição original, pela RGE, chega hoje a alguns milhares de reais nos leilões.

Em 1976, Tenorio era o pianista de Vinicius de Moraes e Toquinho, que se apresentavam em Buenos Aires. Na noite de 18 de março, ele saiu do hotel Normandie para dar uma volta. Deixou um bilhete na recepção dizendo "Volto logo". Mas não voltou. Foi um dos primeiros "desaparecidos" do golpe que dali a dias deporia a presidente Isabelita Perón.

Bolsonarista invade festa e mata político petista a tiros no PR

Agressor, que foi ao local dizendo 'aqui é Bolsonaro', também foi baleado

Victoria Azevedo, Mauren Luc / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO e CURITIBA - Um policial penal federal bolsonarista invadiu uma festa de aniversário e matou a tiros o guarda municipal e militante petista Marcelo Aloizio de Arruda, na noite de sábado (9), em Foz do Iguaçu (PR).

Durante a ação, o petista reagiu e efetuou disparos contra seu agressor, identificado como Jorge José da Rocha Guaranho.

A Polícia Civil do Paraná a princípio disse que Guaranho também tinha morrido, mas a informação depois foi corrigida. Ele permanece internado.

ataque ocorreu durante o aniversário de 50 anos de Marcelo de Arruda, comemorado com uma festa temática do PT.

Segundo os relatos à polícia, Guaranho passou de carro em frente ao salão de festas dizendo "Aqui é Bolsonaro" e "Lula ladrão", além de proferir xingamentos. Ele saiu após uma rápida discussão e disse que retornaria.

De acordo com as testemunhas, Arruda então foi ao seu carro e pegou uma arma para se defender.

Guaranho de fato retornou, invadiu o salão de festas e atirou em Arruda. O petista, já ferido no chão, também baleou o bolsonarista. Uma câmera de segurança registrou o crime.

Presidentes de partidos: Violência na campanha eleitoral pode ser inédita na história do país

Militante petista foi morto por bolsonarista em sua festa de aniversário

Danielle Brant / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A morte de um militante petista por um policial penal federal bolsonarista evidencia que a campanha eleitoral deste ano deve ter um nível de violência inédito no país, avaliam presidentes de partidos políticos.

Marcelo de Arruda comemorava seu aniversário de 50 anos em festa temática a favor do PT quando o bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho passou em frente ao local de carro e afirmou "aqui é Bolsonaro". Mais tarde, o policial penal retornou. O petista morreu após discussão e troca de tiros.

Para o presidente do PSB, Carlos Siqueira, o assassinato de Arruda é "profundamente lamentável e inaceitável".

"O episódio do assassinato do líder petista em Foz do Iguaçu é revelador do nível de violência que poderemos assistir na campanha eleitoral deste ano, que pode ser sem precedente na história republicana brasileira", afirmou Siqueira.

"Desgraçadamente estamos numa sociedade dividida. Por isso mesmo penso que o tema da coesão social deve ganhar prioridade", disse.

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, vê o crime como fruto da radicalização da política brasileira. "Esse que invadiu o aniversário é a demonstração de que o insano é irmão da tragédia", afirmou. "É um desastre imaginarmos que esse não seja o primeiro e único [crime]", complementou.

Bruno Carazza*: Receita nº2 para ser eleito: ser parente ou amigo

Valor Econômico

Relações familiares ou de confiança são o melhor atalho na política

Desde outubro de 2018 repete-se à exaustão a fake news de que a taxa de renovação do Congresso naquele ano foi altíssima. Na semana passada eu demonstrei como políticos que tentam a reeleição largam na frente de seus concorrentes. Na receita para conseguir uma cadeira no Congresso Nacional, porém, entram outros ingredientes além da exploração das vantagens de se ter um cargo.

De fato, se você considerar todos os deputados que exerceram mandato em algum momento entre 2015 e 2018, sobreviveram 252 membros. Por esse prisma, portanto, a taxa de renovação na Câmara federal foi de 50,8% - um número bastante considerável. Mas essa é uma conta preguiçosa.

Em 2018, no auge da Lava-Jato e do sentimento antipolítica, o clima ficou arriscado para muitos medalhões da política. Muitos que tentaram nadar contra a corrente naufragaram - de Romero Jucá a Cristiane Brasil, passando por Cristovam Buarque e Lúcio Vieira Lima, muitos nomes tradicionais da política perderam seu lugar ao sol. Alguns decidiram submergir e nem concorreram. Outros, mais espertos, decidiram rebaixar suas ambições, todavia.

Dos deputados eleitos em 2018, Aécio Neves (PSDB-MG), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Lídice da Mata (PSB-BA) eram senadores e saíram para deputado federal naquele ano, assim como o suplente, mas em exercício, José Medeiros (PL-MT). Isso não é demérito. Carreiras políticas raramente são lineares. Recuos estratégicos fazem parte do jogo, assim como as derrotas - até porque raramente políticos tarimbados ficam desamparados caso percam uma eleição. Sempre há uma direção de estatal, um ministério ou uma secretaria de Estado para acomodar velhos companheiros.

Entrevista | Persio Arida: “Inflação é sempre o resultado de uma falha do governo”

Para Persio Arida, cortar imposto para tentar controlar a inflação é medida populista e irresponsável

Por Anaïs Fernandes / Valor Econômico

Ainda que existam fatores globais ajudando a explicar a pressão sobre os preços, como no caso atual no Brasil, a inflação sempre é resultado de falhas de governo, o que já aconteceu e segue ocorrendo na gestão de Jair Bolsonaro (PL), aponta Persio Arida, ex-presidente do Banco Central e um dos idealizadores do Plano Real.

Cortar impostos no contexto atual das contas públicas brasileiras para tentar controlar a inflação é medida populista e irresponsável, segundo Arida. Além disso, o governo corre para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o valor do Auxílio Brasil e cria outros benefícios, o que tende a alimentar ainda mais a inflação, diz ele. “É uma mistura de desfaçatez com inépcia”, afirma Arida.

"Nosso primeiro compromisso tem que ser com a democracia. Estamos vivendo um retrocesso civilizatório”

Ele observa que os próximos meses, principalmente a partir de agosto, quando começa a campanha eleitoral, serão de elevada incerteza, o que também não facilita o trabalho do Banco Central de convergir a inflação para a meta. “Quem garante que o governo não patrocinará mais um furo no teto, ou que a PEC supostamente emergencial não vire permanente?”

Arida foi coordenador do programa econômico do ex-tucano Geraldo Alckmin (hoje PSB) na corrida pelo Planalto em 2018, quando Bolsonaro saiu vencedor. Em março deste ano, circularam notícias de que Arida havia se reunido com Aloizio Mercadante (PT), coordenador do programa da chapa Lula-Alckmin. Ao Valor Arida confirma o encontro, mas diz que tem se reunido com “todas as forças do campo democrático”. Ele cita o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), que acabou deixando a disputa, e a pré-candidata Simone Tebet (MDB). “Mais quatro anos da família Bolsonaro no poder seriam desastrosos para o Brasil”, alerta.

"Com uma boa agenda ambiental e respeito às instituições, o Brasil deixa de ser um pária dos investimentos”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na sexta-feira.

Fernando Gabeira: Sobre desistir do Brasil

O Globo

Os kamikazes cumpriam missões suicidas na esperança de salvar seu país. A elite política busca se manter no poder

Na semana passada, escrevi um longo artigo sobre essa PEC de benesses que atropela o equilíbrio fiscal, a Constituição e as leis eleitorais. Não vou repetir o tema nem os argumentos.

Apenas lembro mais uma vez : a expressão PEC Kamikaze é imprecisa. Os pilotos japoneses, na Segunda Guerra, cumpriam missões suicidas na esperança de salvar seu país. A elite política procura se manter no poder, colocando em risco o próprio Brasil.

Usei a expressão elite política, que talvez seja mais ampla que o próprio Congresso. Envolve acadêmicos, intelectuais; enfim, é um termo mais amplo. Mas o que aconteceu no Parlamento é um ato de representantes diretamente eleitos pelo povo.

É em torno desse tema, elite política, que pretendo divagar. Sempre volto à leitura de “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar. O que mais atrai nele é sua atitude diante da morte, algo que enriquece meu estudo sobre o tema no belo trabalho de Simon Critchley “O livro dos filósofos mortos”, uma análise sobre como morreram centenas de filósofos, dos gregos aos pós-modernos. Um dia, falo dele.

O Adriano que interessa aqui é o político de sensibilidade extraordinária. Ele achava que era importante tratar com bondade escravos, pobres, todos os que estavam na base da pirâmide social. Seu argumento era que deveriam se interessar pela sobrevivência e estabilidade de Roma.

Artigo*: PEC N.1/ 2022: A Constituição é para valer?

*Rodrigo Maia (PSDB/RJ), Orlando Silva (PC do B/SP), Pedro Paulo (PSD/RJ), Felipe Rigoni (União/ÉS), Joice Hasselmann (PSDB/SP), Marcelo Ramos (PSD/AM), Kim Kataguiri (União/SP)

O Globo

A autorização para criar e ampliar benefícios sociais e distribuir dinheiro às vésperas da eleição, com amparo num suposto 'estado de emergência', deve ser avaliada com muito cuidado

Nenhum dos apelidos que a PEC n. 1/2022 recebeu até hoje faz jus ao seu real significado.

Não é uma “PEC de bondades”, porque não é bondade dar com uma mão e, em poucos meses, tirar com a outra, com juros e inflação elevados, que atingirão de forma impiedosa os mais vulneráveis. Não é uma “PEC eleitoreira”, simplesmente porque os prejuízos que ela acarreta vão muito além da seara eleitoral. Também não é uma “PEC kamikaze”, porque o governo não age de forma suicida, pelo contrário: coloca-se numa posição de vantagem, qualquer que seja o resultado de sua manobra. É preciso compreender e nomear essa medida de forma precisa, se quisermos superar o dilema que ela apresenta a nós brasileiros.

Os numerosos estudos sobre os riscos que ameaçam a democracia liberal convergem para um mesmo ponto: boa parte dos regimes autoritários contemporâneos não é instituída por meio da força bruta. Eles surgem de ações populistas, que visam suprimir ou mitigar garantias constitucionais a partir de maiorias legislativas circunstanciais ou de decisões plebiscitárias que expressam o momento. Um dos alvos prediletos dos populistas é a manipulação das regras eleitorais.

Por isso, a autorização para criar e ampliar benefícios sociais e distribuir dinheiro às vésperas da eleição, com amparo num suposto “estado de emergência”, deve ser avaliada com muito cuidado. Primeiro, a expressão “estado de emergência” não existe em canto algum da Constituição. Ela foi extraída de políticas de defesa civil e o próprio Poder Executivo a define como uma situação de crise provocada por um desastre que comprometa a capacidade de resposta do Poder Público ou que demande a adoção de medidas excepcionais.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

É dever de Bolsonaro condenar a violência

O Estado de S. Paulo

Atentados recentes a atos políticos preocupam em um ano de eleições altamente polarizadas. Mas, antes que serenar os ânimos, o presidente os acirra

O ataque de um bolsonarista que matou um petista no Paraná é um tenebroso lembrete do que a polarização política é capaz de fazer. Quando vidas são perdidas, é dever das autoridades, a começar do presidente da República, condenar a violência e serenar os ânimos. Mas Jair Bolsonaro faz justamente o contrário – incentiva a hostilidade aos opositores, considerados inimigos.     

Um levantamento do Estadão de 2020 mostrou que a média de mortes por motivações políticas nas eleições municipais na redemocratização foi de 52. Naquele ano foram 76. Boa parte desse aumento está relacionada à infiltração do crime organizado. Mas a polarização tem o seu papel.

No último dia 7, uma bomba com fezes foi lançada em um ato do qual participava o candidato petista Lula da Silva. Dias antes um drone despejou fezes e urina em manifestantes petistas. Não havendo indícios de que as agressões tenham sido promovidas por grupos organizados e não tendo deixado feridos, elas tendem a ser relegadas ao folclore. Nem por isso deixam de ser crimes contra a dignidade das vítimas e prenunciar as nuvens de uma tempestade que pode se abater sobre a política nacional. Por isso, o silêncio do presidente da República é ensurdecedor.

Por óbvio, condenar a violência cabe a todos: lideranças civis, autoridades públicas e principalmente os candidatos. O próprio PT tem um histórico de conivência com a violência praticada por regimes ditatoriais e militâncias no Brasil, como o MST. Há pouco, Lula conclamou militantes a intimidar deputados e suas famílias em suas casas. Mas a omissão de Bolsonaro é especialmente grave por quatro motivos.

João Almino*: Utopia universalista

Folha de S. Paulo

Ideias do diplomata não prevaleceram na história, mas continuarão pulsando em quem clama por emancipação

O filósofo e diplomata Sergio Paulo Rouanet morreu neste domingo (3), mas sua obra mantém-se viva, não porque suas ideias tenham prevalecido —pela razão inversa.

Conhecido nacionalmente pela Lei de Incentivo à Cultura, que leva seu nome, deu uma contribuição importante ao Itamaraty, entre outros campos, por meio de propostas e de negociações do Gatt (prévio à criação da Organização Mundial do Comércio) e da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e do Desenvolvimento), que favoreceram os países em desenvolvimento.

Foi membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), e seu legado inclui a criação recente do Instituto Rouanet, em Tiradentes. Escreveu sobre Machado de Assis ("Riso e Melancolia"), sobre Freud ("Édipo e o Anjo" e "Os Dez Amigos de Freud").

O cerne de sua obra filosófica, sobretudo, é reconhecido dentro e fora do Brasil. É a ele que quero me dedicar neste artigo.

Ao fazer a defesa do universalismo, Rouanet nadou contra a corrente. Reelaborou ideias da Ilustração dentro de um novo conceito de Iluminismo. Este, tal como ele propôs, é uma utopia e situa-se no campo das ideias, que podem ser utilizadas como um guia em qualquer tempo e lugar. Não se confunde, portanto, com a Ilustração, que é fenômeno histórico europeu do século 18.

Algumas das reflexões de Rouanet sobre o relativismo —e, em especial, o relativismo cultural— são da década de 1980 e 1990 e têm ganhado atualidade, porque as correntes relativistas que ele criticou se reforçaram desde então. Os particularismos, baseados em religião e nação, em especial, têm aguçado disputas políticas, servido ao autoritarismo e alimentado guerras civis e internacionais.

Em "As Razões do Iluminismo", de 1987, Rouanet explica por que a geração de uma cultura autônoma não deve ficar confinada a fronteiras nacionais: a inteligência não tem pátria, a cultura autêntica pode ser estrangeira, a cultura nacional pode ser alienada e, se a cultura é verdadeiramente universal, ela é "ipso facto" nacional.

Um dos ensaios, intitulado "O novo irracionalismo brasileiro", havia sido publicado no Folhetim, da Folha, em 17 de novembro de 1985, sob o título "Verde-amarelo é a cor do nosso irracionalismo".

É, a meu ver, em "Mal-estar na Modernidade", de 1993, que Rouanet expõe o cerne de seu pensamento iluminista. Na contramão dos deterministas culturais, que, em geral, não admitem a realidade dinâmica das culturas nem, em maior ou menor grau, seu caráter híbrido, ele defende que a cultura é síntese sempre se fazendo e será tanto mais vigorosa quanto mais diversificados forem os elementos dessa síntese. A natureza dinâmica e sincrética das culturas torna mais complexas, por sua vez, as noções de identidade e de raízes, que supõem uniformidade, paralisia e, quando negam a hibridização, endogamia.