quarta-feira, 13 de julho de 2022

Vera Magalhães: Ficha da oposição cai tarde demais

O Globo

O intervalo entre a aprovação a toque de caixa da PEC Kamikaze no Senado e sua discussão na Câmara parece ter sido aquele da tomada de consciência por parte da oposição da forma irresponsável com que rasgou a lei eleitoral e o ordenamento jurídico que assegura o equilíbrio fiscal para dar uma enorme vantagem econômica e política a Jair Bolsonaro na disputa pela reeleição.

Uma cegueira inexplicável pautou a sem-cerimônia com que a chapa Simone Tebet- Tasso Jereissati, os petistas todos e demais oposicionistas chancelaram um texto escrito literalmente na hora pelo senador Fernando Bezerra, conhecido pela sua capacidade camaleônica de servir a qualquer governo de turno, e hoje um dos mais efetivos arautos do bolsonarismo no Congresso.

No entorno do ex-presidente Lula já se capta uma preocupação com o estrago eleitoral que a PEC dos R$ 41 bilhões para Bolsonaro despejar no bolso do eleitor pode causar. Tarde demais. O movimento todo na Câmara de Arthur Lira enquanto este texto ia para o prelo era de atropelar as tentativas tardias da oposição de obstruir a farra fiscal.

Graças ao auxílio emergencial que vigorou na pandemia, a avaliação de ótimo e bom de Bolsonaro, a despeito de suas declarações e ações contra o isolamento social, as medidas protetivas e as vacinas, saltou para 37% em agosto de 2020, segundo o Datafolha. 

Elio Gaspari: De Tancredo.Neves para Lula@PT

O Globo

O senhor precisa de um país que olhe para a frente

Estimado patrício,

Enquanto estive por aí, nunca nos bicamos. Vosmicê tinha um certo desprezo pela minha forma de fazer política e nunca me apoiou. Procure lembrar: eu nunca lhe dei resposta. Escrevo-lhe porque vejo que está numa situação parecida com a minha em 1984. Tem a seu favor o monstro de boa parte da opinião pública, essa linda expressão do meu amigo Juscelino Kubitschek. Contra, terá que lidar com preconceitos, mentiras e, sobretudo, pessoas dispostas a desvarios para cortar seu caminho.

Gostaria que essas linhas lhe ajudassem a lidar com as ameaças, provocações e violências que virão por aí.

Eu pedi que fossem evitadas bandeiras vermelhas nos meus comícios. Em Belo Horizonte apareceram duas, carregadas por policiais federais. Mandei soltá-los e guardei reservas. Acredite que o Centro de Informações do Exército, o CIE, teve a ideia de pregar em Brasília cartazes em que eu era retratado com um fundo vermelho, foice e martelo. Usaram soldados do Comando Militar do Planalto. Acabaram presos. Menosprezei o incidente e dei graças a Deus, pois a infâmia juntara-se à burrice.

O presidente da ocasião dizia que eu estava cada vez mais comprometido com as esquerdas radicais. Ele chegou a contar ao ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger que eu estava cercado por radicais. (Uma semana depois, recebi um relato dessa conversa.) O então ministro do Exército proclamava que “a Força estará vigilante e não faltará à nação”. O general chefe do CIE fez uma palestra para oficiais dizendo que o país vivia uma situação “pré-revolucionária”. Tancredo Neves, revolucionário, veja só.

Luiz Carlos Azedo: “Orçamento secreto” é moeda de troca eleitoral

Correio Braziliense

Nos bastidores, há relatos de que emendas bilionárias são oferecidas a candidatos para que retirem candidaturas majoritárias e a lideranças de partidos para que façam coligações

O Congresso aprovou, ontem, a Lei Orçamentária de 2023, com a manutenção da regra que mantém o chamado “orçamento secreto”, um conjunto de emendas negociadas entre os parlamentares e o relator do Orçamento da União sem que os responsáveis pela sua indicação sejam revelados. O relator da Lei Orçamentária, senador Marcos Do Val (Podemos-ES), retirou do texto o caráter impositivo das emendas e criou um mecanismo para que os autores secretos das emendas possam remanejá-las sem que seus nomes, destinação e valor sejam revelados. A nova lei também aumenta o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a distribuição desses recursos entre os deputados. No Senado, acontece a mesma coisa com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Neste ano, o montante do “orçamento secreto” chega a R$ 16 bilhões, que estão sendo controlados pelo Centrão e são utilizados como moeda de troca nos arranjos eleitorais regionais. Nos bastidores, há relatos de que emendas bilionárias são oferecidas a candidatos para que retirem candidaturas majoritárias e a lideranças de partidos para que façam coligações. Os líderes de bancada que dão sustentação a Lira aproveitam as emendas para aumentar o controle sobre suas bancadas e a sua própria influência nos respectivos partidos.

As emendas do relator previstas para o Orçamento de 2023, cujo montante chega a R$ 19 bilhões, já são moeda de troca na eleição da nova Mesa da Câmara, na próxima legislatura. Lira se movimenta como candidato à reeleição em 2023; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, como bom mineiro, ainda não abriu o jogo. No momento, as emendas do relator são uma dor de cabeça para o senador mineiro, por causa de um “sincericídio” do senador Do Val, que admitiu ter recebido R$ 50 milhões em emendas, que destinou ao seu estado, por ter votado a favor da eleição de Pacheco, por influência do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil).

Vinicius Torres Freire: Depois da pistolagem, terrorismo?

Folha de S. Paulo

Bolsonaro ataca cada vez mais a eleição em discurso que fala de armas e Forças Armadas

Faz ano e meio, várias instituições dos Estados Unidos procuram estabelecer a responsabilidade pela invasão do Capitólio, o prédio onde se reúnem deputados e senadores. O Congresso ora tenta determinar se também Donald Trump incitou a revolta assassina contra o resultado da eleição de 2020.

Apesar da nossa história de golpes, terrorismo de Estado e de violência em geral, desde fins da ditadura militar ou, pelo menos, depois da Constituição de 1988, não tivemos ameaça de motim político, subversão armada, revolta violenta contra a democracia.

Desde 2019, ocupa o cargo de presidente um homem que tem em sua ficha corrida a defesa do genocídio, da guerra civil, da ditadura militar e da tortura. No cargo, disse reiteradas vezes que poderia cancelar eleições e que desobedeceria a decisões do Supremo Tribunal Federal.

Bruno Boghossian: Entre tiros e votos

Folha de S. Paulo

Ao falar de 'ameaça interna' e fazer convocação para 'guerra', presidente aposta em desordem armada

Jair Bolsonaro fez toda uma carreira em defesa da violência como arma política. Quando era deputado, ele aplaudia governos que assassinavam opositores e dizia esperar um conflito que matasse 30 mil pessoas, a começar pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

"Através do voto, você não vai mudar nada nesse país. Você só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro", afirmou, em entrevista à TV Bandeirantes em 1999. "Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem."

A ideia de que tiros podem tomar o lugar de votos permaneceu com Bolsonaro por muito tempo. Ao se candidatar a presidente, aquele parlamentar transformou em plataforma de campanha a linha nada sutil entre as armas e a política.

Paulo Delgado*: Pastores na tormenta

O Estado de S. Paulo.

A política não tem o direito de convocar religiosos como cabos eleitorais e manipular as escolhas espirituais de quem busca suas próprias luzes

A chave do cidadão não está virando bem na fechadura das instituições. A escalada da ambição mundana manipula a fé de forma profana, o Parlamento ludibria a Constituição e a violência começa a visitar as eleições.

Há, no Brasil, uma ordem constitucional que identifica um regime democrático, mas não há uma ordem cultural, um costume provido de um sentimento que caracteriza plenamente a democracia. As elites do poder não se sentem constitucionalmente iguais aos brasileiros, que acabam resignados a Deus-dará.

Políticos, ministros, juízes, procuradores, militares e policiais deveriam cumprir com seu dever atuando nos seus lugares de forma exemplar. Por mais preparados, motivados e articulados que se sintam, não podem seguir impondo doutrina própria, conceitos corporativos, sem conectividade social. O rapapé entre o Executivo e o Legislativo está desconectando a política das regras legais como moinhos viciados que se movimentam pelo vento de si mesmos.

Caneta, arma, querer é poder são falácias de força. Cegueira do topo querer se sustentar tirando a grandeza da posição hierárquica que é respeitada se aceita a contraparte de controle que a limita. Barganha, arbítrio, isso diminui a capacidade de ação democrática ao criar conexões e camuflagem entre governo e oposição.

Vera Rosa: Ao perdedor, as berinjelas

O Estado de S. Paulo

Mourão não vê plano de golpe em curso e diz que a quitanda abrirá após 7 de Setembro

Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral estão convencidos de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem um plano para tumultuar e até impedir as eleições de outubro. Sob o argumento de que é preciso promover uma contagem de votos paralela à do TSE, Bolsonaro atiça as Forças Armadas, em uma estratégia “kamikaze”, palavra da moda, que pode resultar em perda de apoio no próprio Centrão.

Mas enquanto dirigentes do PL divergem de Bolsonaro e admitem, nos bastidores, que ele tem feito tudo para perder a disputa, o vice-presidente Hamilton

Mourão – preterido na chapa pela entrada de Braga Netto – assume o discurso de defesa. A cinco meses e meio de deixar o cargo, Mourão diz não ver escalada de violência na arena política e chegou a atribuir o assassinato de um militante do PT por um apoiador de Bolsonaro a um “incidente policial”.

Fábio Alves: Paradoxos da inflação

O Estado de S. Paulo

Evolução recente dos preços tem confundido os analistas mais experientes no Brasil e no mundo

O comportamento da inflação no Brasil e no mundo nos últimos dois anos tem confundido os mais experientes analistas e banqueiros centrais a tal ponto que, em alguns casos, mesmo se houver queda nos índices de preços ao consumidor, a avaliação sobre a dinâmica inflacionária seguirá pessimista.

A situação é tão complexa que os bancos centrais vão seguir tão ou mais pressionados a elevar os juros, independentemente de a inflação subir ou ceder mais do que o previsto pelos analistas.

É o que deve acontecer com o IPCA, o índice oficial no Brasil, para julho, quando o mercado espera uma deflação no mês, a primeira desde maio de 2020. As desonerações de impostos sobre combustíveis, energia e telecomunicações aprovadas pelo Congresso vão levar a uma forte queda nos preços de gasolina, etanol, energia elétrica residencial, entre outros itens essenciais, já neste mês.

Por enquanto, as estimativas do mercado variam de uma deflação de 0,40% até 0,92% para o IPCA de julho. Certamente, a queda no índice ganhará destaques nas manchetes da imprensa, mas o alívio será considerado apenas passageiro, já que a redução de alguns tributos, como PIS/Cofins, é válida apenas até o fim deste ano.

Fernando Exman: Legado de vulgarização das regras fiscais

Valor Econômico

PEC facilita caminho para novo estado de calamidade em janeiro

Calcula-se, na oposição, que a chamada PEC das bondades terá um efeito positivo de aproximadamente 0,2 ponto percentual no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. Não é algo desprezível para uma medida adotada às pressas, por razões eleitoreiras, e que durará poucos meses.

De posse dessa projeção, avalia-se no PT que a sua promulgação inevitavelmente dará fôlego ao presidente Jair Bolsonaro (PL), o que tende a reduzir a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas e levar a disputa para o segundo turno. Atualmente, a estimativa da equipe econômica é de uma alta do PIB de 1,5%. O mercado já elevou suas expectativas e o governo deve segui-lo em breve, conforme revelou o repórter Estevão Taiar, do Valor.

Mas aliados de Lula também estão atentos aos efeitos de longo prazo da PEC. E estes podem não ser tão danosos para o PT, em caso de uma vitória do ex-presidente.

Eles miram o dia seguinte à proclamação do resultado do pleito de outubro. Como acreditam que sairão vencedores das urnas, a PEC também lhes abre a possibilidade de tentar manter o Auxílio Brasil em R$ 600 - ou até ampliá-lo - sem grandes resistências no Congresso.

Nilson Teixeira: Desfaçatez das emendas ao orçamento

Valor Econômico

Ideal seria mudar a legislação orçamentária para definir melhor os pré-requisitos para a apresentar emendas

A capacidade do governo de alocar verbas do orçamento federal de acordo com suas prioridades vem diminuindo gradualmente desde a promulgação da Constituição de 1988. As despesas obrigatórias aumentaram muito nesse período, a ponto de os gastos discricionários responderem por apenas cerca de 10% das despesas totais há muitos anos - próximo a 8% em 2021.

Essa parcela só aumentará de forma significativa no caso da aprovação pelo Congresso de profundas reformas estruturais que reduzam: a folha de pagamentos do funcionalismo público; os benefícios previdenciários dos setores público e privado; e os gastos sociais e transferências predefinidas na Constituição como proporção de diversas receitas.

Uma pior alternativa para ampliar a parcela das despesas com destinação livre seria a de aumentar a já elevada carga tributária. Essa opção seria alcançada com: o corte de renúncias tributárias - eliminação de subsídios; a majoração das alíquotas de impostos existentes; ou a criação de novos impostos. A resistência da sociedade contra o aumento da carga de impostos dificulta, porém, a adoção dessa opção.

A margem de manobra do Executivo na utilização do dinheiro público diminuiu ainda mais com a aprovação da obrigatoriedade da execução das emendas parlamentares individuais (EC 86/2015) e das emendas de bancada (EC 100/2019). Além das emendas individuais (R$ 10,5 bilhões em 2022), de bancadas (R$ 5,8 bilhões) e de comissões (R$ 29,4 bilhões), a criação das emendas do relator/RP9 (R$ 16,2 bilhões) engessou ainda mais o orçamento. Os valores empenhados por essas propostas alcançaram 50% das despesas discricionárias em 2022, tolhendo o espaço para o lançamento de novos programas de governo.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Ministério da Defesa não é fiscal de eleições

O Globo

Tentativa de usurpar atribuição do TSE é inconstitucional e corrói credibilidade das Forças Armadas

As Forças Armadas têm um papel essencial nas eleições: auxiliar no transporte das urnas e garantir a segurança da votação em certas áreas. Não devem ser toleradas pela sociedade, portanto, as tentativas de extrapolar essas funções, semeando dúvidas falsas sobre a segurança do sistema eleitoral, muito menos pondo em prática qualquer plano de fiscalização paralela do resultado das urnas. A Constituição cita o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — e apenas ele — como órgão máximo da Justiça Eleitoral. Também subordina as Forças Armadas aos demais Poderes da República e não lhes confere nenhuma atribuição de fiscalizar ou tutelar os demais.

Em 2021, as Forças Armadas foram convidadas pelo TSE a participar da Comissão de Transparência das Eleições (CTE). Também foram chamados representantes do Tribunal de Contas da União (TCU), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Polícia Federal (PF) e representantes de universidades e da sociedade civil. A iniciativa, tomada de boa-fé diante das insinuações infundadas plantadas pelo presidente Jair Bolsonaro a respeito do sistema de votação, foi infelizmente desvirtuada. O representante do Ministério da Defesa usou a oportunidade para apresentar dúvidas de toda ordem — várias sem cabimento —, recebeu respostas detalhadas e, mesmo sem apontar nenhum indício de fraude, o ministério continua a semear confusão em torno de um sistema reconhecido no mundo todo pela eficácia e credibilidade.

Em audiência recente na Câmara, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, disse ter um plano de ação para as eleições e sugeriu uma auditoria posterior no resultado. Para tentar pôr em prática uma fiscalização própria, os militares solicitaram novas informações técnicas ao TSE. Na audiência, Nogueira insistiu em dar “melhores condições de auditabilidade” ao processo eleitoral e reclamou de dificuldades para conversar com o TSE. Na prática, tem agido como se quisesse preparar a tal “apuração paralela” aventada por Bolsonaro para pôr em xeque a credibilidade do TSE. Nada disso, é óbvio, faz sentido algum.