sábado, 17 de setembro de 2022

Luiz Werneck Vianna* - Após o pesadelo, que tal uma primavera?

A longa noite de pesadelo que por tanto nos afligiu, expostos à ameaça do ressurgimento do fascismo, patologia política preservada em estado latente a partir do Estado Novo de 1937 – este, claramente fascista – manifesta também no regime do AI-5 e reanimado pela apropriação do Estado por um golpe de fortuna de um aventureiro que se impôs a missão de devolver a vida essa infausta experiência, encontra seu fim nesses dias que anunciam a primavera. A sociedade ainda mal desperta desses momentos de amargura que viveu indefesa, em meio a uma cruel pandemia, pela criminosa omissão de um governo que conscientemente, por cálculos políticos canhestros, ignorou a gravidade da situação e nos deixou o legado macabro de quase 700 mil mortos.

Decerto que o desenlace da tragédia política que nos acometeu ainda ronda o terreno da imprevisibilidade, e poderosas resistências já se antepõem aos anseios democráticos que animam cada vez mais vastos setores da vida social, especialmente entre os jovens, as mulheres e os que procedem do mundo do trabalho, particularmente estes atingidos diretamente em seus direitos e no rebaixamento de suas condições de vida. O patriarcalismo com que nascemos como sociedade está ferido de morte, e de nada importam os esforços do atual governo em lhe assegurar continuidade, uma das peças do arsenal autoritário desde sempre.

Merval Pereira - Eleição parece estar decidida

O Globo

Pesquisas apontam quadro praticamente definido. Nenhum candidato parece ter capacidade de mudar alguma coisa

Nunca houve uma eleição em que os eleitores estivessem tão definidos. Não há nenhuma perspectiva de mudança na campanha daqui pra frente. Dificilmente Bolsonaro vai crescer no primeiro turno, muito menos ultrapassar Lula, que também parou num patamar e não consegue subir para definir no primeiro turno.

Ciro e Simone Tebet estão estacionados e nada indica que poderão substituir Bolsonaro no segundo turno. E ele também não cai do patamar de 30%; se acontecesse, poderia haver um voto útil em Simone ou Ciro.

A não ser que aconteça algo extraordinário, o resultado deve ser um segundo turno entre Lula e Bolsonaro; e Bolsonaro sem a menor condição de vencer. Bolsonaro cometeu erros fundamentais e nunca se preocupou muito com trabalho social, sempre foi metido com valores regressivos da sociedade. Pegou um vácuo na sociedade que até hoje não se explica e se elegeu presidente da República.

Mas não preparou o caminho para se reeleger, se descuidou de todas as coisas importantes que aconteceram no país, principalmente a pandemia, que foi a gota d’água. Querer convencer, nos últimos seis meses, que é bom e pensa nos pobres, não adianta.

Não é possível querer ganhar uma eleição fazendo tanta bobagem e absurdos, como a farmácia popular cortar remédio de pobres nesta reta final de campanha. Há uma incompetência muito grande na gestão desde o início do governo – foram cinco ministros da Educação – e não houve estabilidade nos setores mais importantes – a exceção foi o Paulo Guedes, mesmo com Bolsonaro sempre forçando a mudar posições.

Marco Aurélio Nogueira* - Como hostilizar a democracia em troca de um “tiquinho”

Campanha pelo voto útil não pode intimidar os eleitores centristas. Um novo governo precisará deles para reformar o País.

Está em plena articulação uma campanha, feita por petistas e eleitores de Lula, em favor de uma concentração de votos no ex-presidente logo no primeiro turno das eleições do próximo dia 2 de outubro.

A campanha está em sintonia com o plano seguido pela candidatura de Lula desde o início: formar uma articulação de esquerda com musculatura eleitoral suficiente para impulsionar o PT à conquista do governo federal.

Nada a se questionar nisso. É a marca petista: mostrar a própria força e vencer. Acordos, negociações e entendimentos, caso tenham de ser considerados, só serão empreendidos depois da vitória. E serão pontuais, olhos postos na formação de uma base parlamentar de perfil governista, pensada mais em termos aritméticos do que políticos. Não seria inédito se, em 2023, o governo Lula estivesse com um Centrão devidamente repaginado.

Ala do PDT do Rio defende apoio a ex-presidente

Pedetistas devem se reunir na próxima segunda-feira para discutir reposicionamento na eleição

Por Camila Zarur / O Globo

BRASÍLIA - Com a possibilidade de segundo turno na eleição à Presidência, uma ala do PDT do Rio, composta por integrantes históricos da sigla, tentam convencer a cúpula partidária a aderir ao chamado voto útil e declarar apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já no primeiro turno. O apelo deve ser oficializado nos próximos dias e tem como justificativa a disputa cristalizada entre o petista e o atual chefe do Planalto, Jair Bolsonaro (PL), que lideram as pesquisas de intenção de voto. Um ato de brizolistas — nomes ligados ao ex-governador Leonel Brizola — em favor de Lula está marcado para a próxima segunda-feira, na sede do Sindicato dos Engenheiros do Rio.

Os pedidos para que tanto o PDT e Ciro reconsiderem a corrida presidencial partem da premissa que, com a eleição se estendendo para o segundo turno, Bolsonaro ficaria fortalecido. Uma eventual reeleição do presidente é vista pelos pedetistas como um retrocesso e daria aval aos frequentes ataques do mandatário e seus aliados contra as instituições democráticas.

— Lula é a melhor opção no atual cenário. É a opção da esperança contra a barbárie. E penso que Lula tem todas as credenciais para ser presidente da República. Ele fez um bom governo e é uma personalidade muita respeitada no plano internacional — diz o advogado Siqueira Castro, um dos fundadores do partido e ex-chefe da Casa Civil no governo de Brizola no Rio.

Demétrio Magnoli - O bolsonarismo tem futuro?

Folha de S. Paulo

O conservadorismo tem tradição no Brasil, mas o bolsonarismo é reacionário, não conservador

O vírus da Covid-19 estará com a humanidade pelo futuro previsível. Mas e o outro vírus, a extrema direita bolsonarista, terá um futuro após a quase certa derrota eleitoral? Depois dela, permanecerá na cena política brasileira ou se dissolverá na irrelevância?

A tese da permanência tem bons argumentos. Cerca de um terço dos eleitores mantém fidelidade a Bolsonaro, especialmente o núcleo do eleitorado evangélico. No 7 de Setembro, o bolsonarismo comprovou, mais uma vez, sua capacidade de mobilização popular. Ancorado no apoio de parcela similar da população, o PT sobreviveu a devastadoras intempéries e prepara-se para retornar ao Planalto. Será, porém, que popularidade basta?

Os partidos da extrema direita europeia que ascenderam recentemente deitam raízes em correntes profundas das histórias nacionais. A Reunião Nacional francesa deriva tanto da nostalgia do regime colaboracionista de Vichy quanto do neocolonialismo poujadista —e Marine Le Pen tenta expandir sua base para os saudosistas do nacionalismo gaullista. O Vox, na Espanha, nutre-se da memória do franquismo. O Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni, engaja-se na reforma e atualização do mussolinismo. O bolsonarismo, por outro lado, carece de chão histórico.

Alvaro Costa e Silva - O bolsonarismo hoje é um bicho acuado

Folha de S. Paulo

A escalada da violência é mais provável do que um golpe contra as instituições

Diante do cinismo que impera no Brasil, a notícia passa despercebida, não há mais surpresa ou novidade: candidatos alinhados a Bolsonaro têm usado estandes de tiro para fazer campanha. Entre eles estão ex-ministros do governo e o presidente da Câmara dos Deputados, um dos donos do centrão e maior aliado do presidente.

No início do mês, Arthur Lira esteve em Arapiraca, pegou uma espingarda de cano longo, efetuou disparos e prometeu abrir seu gabinete para a pauta armamentista. Nenhuma palavra sobre "matar a fome" em Alagoas, seu estado de origem, onde 36,7% das pessoas não têm acesso a alimentos em quantidade suficiente, segundo recente pesquisa. Três em cada dez famílias passam fome no país; são 125,2 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar.

Alexa Salomão - A escolha dos indecisos

Folha de S. Paulo

Segundo o Datafolha, 21% dos eleitores ainda podem mudar o voto

As análises de prateleira erraram. Esta nunca foi a eleição definida pela economia, pelo tamanho do PIB, vagas de emprego, reformas estruturantes, preço da gasolina ou quantos votos podem ser comprados com a improvisação de um aumento para o Auxílio Brasil.

Não é a reedição de mais uma discussão eleitoral sobre corrupção. Muito menos um embate sacro santo entre Deus e o diabo na terra do sol. País que produz Anitta e Pabllo Vittar não se doutrina com reza ideológica. Precisa de fé genuína.

Esta é a eleição em que o Brasil define quem quer ser.

O país da inclusão racial ou da meritocracia branca. Individual ou coletivo. Do lar ou dá vida. Com acesso à informação ou sigilo de 100 anos. Com mais ou menos árvores em pé. Com ou sem porte de armas. Com ou sem camisa da seleção brasileira para todos. Rosa e azul ou verde, lilás, roxo, extra +.

Pablo Ortellado - A melhor resposta ao bolsonarismo é o equilíbrio

O Globo

Simpatizantes do presidente precisam ser persuadidos e recuperados para o jogo democrático regular

Vivemos tempos desafiadores. O bolsonarismo ameaça as instituições democráticas e ataca duramente a credibilidade da imprensa, da ciência e das artes. O impulso de jornalistas, cientistas e artistas tem sido responder a esses ataques vis com posturas firmes de rechaço e oposição. Mas essa reação, totalmente compreensível, termina involuntariamente por reforçar a crítica bolsonarista de que as instituições estão corrompidas e são enviesadas contra ele e contra o povo. De maneira contraintuitiva, é preciso respirar fundo e responder ao desafio bolsonarista aprimorando os mecanismos de equilíbrio e pluralidade das instituições.

O bolsonarismo acusa a imprensa profissional de ser esquerdista e petista — sem sombra de dúvidas, um delírio. A mesma imprensa que critica duramente Bolsonaro não deu vida fácil aos petistas durante os anos 2000 e 2010. Apesar disso, os bolsonaristas vão acumulando “evidências” do caráter militante e “petista” da imprensa.

Ascânio Seleme - Eles insultam, agridem e matam jornalistas

O Globo

Bolsonaro, que não esconde sua admiração por déspotas como Putin e MSB, acha que pode repetir aqui os métodos russos e sauditas com agressões como a que fez a Vera Magalhães

Há 20 anos, o jornalista Tim Lopes, da TV Globo, foi sequestrado, torturado, morto e carbonizado no alto do morro da Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, Rio de Janeiro, por traficantes liderados por um bandido inescrupuloso chamado Elias Maluco. Poucos anos depois, uma repórter do GLOBO foi perseguida e ameaçada de morte por milicianos da Zona Oeste. O assédio e as ameaças foram de tal ordem que a jornalista teve que sair de casa com marido e filho, deixar o Rio e, por um ano, viver exilada em outro estado. Foi a única forma encontrada para preservar a sua vida e a de seus familiares.

Tanto Tim Lopes quanto a repórter do GLOBO, que depois voltou ao Rio e reassumiu suas atividades, foram objeto da ira de pessoas ameaçadas pelo trabalho de ambos. Tim filmava com câmera escondida a ação dos traficantes nas ruas da Penha. A repórter que se exilou cobriu exaustivamente a CPI da Milícias, a mesma que resultou na escolta permanente que o então deputado estadual Marcelo Freixo, presidente da comissão, passou a usar desde aquela época.

Carlos Alberto Sardenberg - Voto no escuro

O Globo

Como retomar investimentos e consumo? Como elevar os gastos em programas sociais com o governo quebrado e endividado?

Quanto mais distante o candidato está da vitória, mais detalhadas são suas propostas de governo. Inversamente, quanto mais perto do poder, mais vagos tornam-se seus programas.

Tome-se o caso do endividamento. Cerca de 80% das famílias brasileiras estão endividadas. Claro, há dívidas boas (como aquelas para compra da casa própria) e dívidas péssimas, como as do cheque especial ou o rotativo do cartão de crédito.

Mas, como as taxas de juros estão em alta e devem permanecer elevadas por muitos meses, avançando até 2024, toda dívida torna-se perigosa, ainda mais com inflação alta e renda real em queda.

Muitos lares já foram atropelados. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio, em agosto passado 30% das famílias tinham alguma conta em atraso — o maior percentual da série iniciada em 2010.

O que dizem os candidatos?

Eduardo Affonso - Atrás do prejuízo

O Globo

Tática arriscada, essa de pregar para os convertidos, no próprio cercadinho, e não buscar ampliar a base de apoio

Se tivesse mantido meu título de eleitor no Paraná, eu não seria elegível para receber a propaganda virtual de Sergio Moro, postulante a uma vaga no Senado. Nem eu nem qualquer outro fã de Chico Buarque ou Caetano Veloso. O que significa que praticamente toda a minha geração está fora do foco do candidato.

Os marqueteiros do ex-juiz devem ter imaginado que suas propostas não encontrariam eco entre aqueles que se emocionam com Futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber/Com o amor que eu um dia deixei pra você ou Gente é pra brilhar/Não pra morrer de fome.

Falando em fome, eu seria descartado também por ser vegetariano. Só carnívoros, supõem os estrategistas da campanha, se sensibilizariam com a pauta de combate à corrupção, reforço à segurança pública, defesa das liberdades individuais.

Adriana Fernandes - Cortina de fumaça

O Estado de S. Paulo

Enquanto repercutia o corte do Farmácia Popular, o governo tentava emplacar o tema das reservas

A poucos dias das eleições, não passa de cortina de fumaça a notícia antecipada pelo Ministério da Economia, por meio de informações de bastidores, de que estuda a criação de uma meta para as reservas internacionais.

Esse não é um assunto alvo de estudos centrais da equipe do Ministério da Economia nesse momento nem do Banco Central, que é uma instituição autônoma e a responsável pela gestão das reservas do País.

Existe a ideia do ministro Paulo Guedes que, passados quase quatro anos de governo, não foi para frente. Foi assunto da transição, em 2018, e depois reforçado por ele no final de 2020, quando disse que poderia até vender “um pouco” das reservas para reduzir a relação entre dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB).

João Gabriel de Lima - As mulheres vão decidir a eleição

O Estado de S. Paulo

A pior coisa que pode acontecer a um candidato é evocar a imagem de um chefe inconveniente

Um tiro disparado por seu próprio exército feriu a campanha do presidente Jair Bolsonaro. Quem puxou o gatilho foi o deputado bolsonarista Douglas Garcia – que, nos bastidores de debate entre candidatos ao governo de São Paulo, agrediu e ofendeu a jornalista Vera Magalhães. Foi o assunto da semana nas redes sociais. Vera Magalhães teve cerca de 800 mil interações, mais do que todos os debatedores somados.

O núcleo jurídico da campanha de Bolsonaro ordenou que se estancasse a ferida o quanto antes. Coube ao deputado Eduardo Bolsonaro condenar a atitude de Garcia nas redes. No episódio, Garcia valeu-se dos mesmos xingamentos que o presidente usara em outro debate, duas semanas atrás, contra a mesma jornalista – comportamento que lhe custou pontos nas pesquisas.

As mulheres vão decidir a próxima eleição. Não é exagero retórico. É raciocínio lógico. Segundo as pesquisas, a diferença entre Lula e Bolsonaro entre os homens é muito pequena, quase um empate técnico. Assim, o próximo presidente será quem as mulheres escolherem. Até agora tem sido Lula, com certa folga, embora Bolsonaro venha ganhando pontos entre as evangélicas. Num artigo, o cientista político Jairo Nicolau mostrou que o maior contingente de indecisos está entre as mulheres.

Ricardo Henriques - Políticas sociais: mudança urgente

O Globo

Voltar ao que tínhamos antes não basta. É preciso ousadia para resolver a atual emergência humanitária e garantir o crescimento futuro

O Brasil precisa de políticas sociais inovadoras e mais ambiciosas. De um lado, porque anos de desmonte continuado das que construímos levaram-nos a uma emergência humanitária, cuja face mais cruel são 33 milhões de pessoas passando fome. De outro, porque a transição demográfica e profundas transformações na economia e no trabalho — cada vez mais dependentes de conhecimento, da criatividade e da capacidade de aprender ao longo da vida — agregam à emergência humanitária urgência histórica.

Quais políticas seriam? Voltar ao caminho que trilhávamos antes do desmonte será um grande desafio, mas é insuficiente. Precisamos da ousadia para inovar no desenho e na implementação, como fizemos, por exemplo, ao criar o SUS, ao derrotar a hiperinflação com o Plano Real e ao instituir, unificar, expandir e aprimorar programas de transferência condicionada de renda no início deste século.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Pandemia distorce índice de qualidade da educação básica

O Globo

Resultados do Ideb não captam a extensão do retrocesso desastroso no ensino brasileiro nos últimos anos

A última edição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que avalia a qualidade das escolas públicas e privadas, com dados de 2021, apresentou variação mínima na comparação com 2019. Nos anos iniciais do ensino fundamental, a nota teve leve queda e ficou em 5,8 numa escala de zero a dez, quase idêntica à de 2019. Nos anos finais do fundamental houve pequena elevação (de 4,9 para 5,1), e no ensino médio o índice ficou estacionado.

Pela primeira vez, o Ideb trouxe questionários sobre a educação infantil (creches e pré-escola), deu prosseguimento a testes de disciplinas além de português e matemática (ainda restritos) e aplicou provas em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular. Mas a realidade é muito pior do que os esforços de inovação e os números sugerem. A pandemia não apenas descarrilou o ensino, com as escolas fechadas por períodos intermináveis e sistemas remotos ineficientes. Também desregulou o “termômetro” do Ideb.