segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Marcus André Melo* - O mito do Nordeste vermelho revisitado

Folha de S. Paulo

O que explica o abismo entre o voto para o Legislativo e Executivo?

O mito do Nordeste vermelho retornou à opinião pública; mas, como já discuti na coluna, não resiste às evidências. Vejamos: na região, o núcleo duro do chamado centrão (PL, PP, Republicanos), somado ao PSC e Patriotas, elegeu 35% dos deputados federais. As legendas de esquerda —PT, PSB, PC DO B, Verde, Rede, PSOL, Solidariedade— lograram eleger 33%.

O percentual regional de eleitos pelo PL, PP e Republicanos é similar ao nacional (36%). Assim, dois terços dos representantes do Nordeste na Câmara pertencem a legendas do núcleo duro do centrão, de centro ou centro direita, em uma classificação convencional.

Em Sergipe, no primeiro turno da eleição presidencial, Lula obteve quase dois terços dos votos. Mas nenhum candidato dos partidos de esquerda foi eleito; metade é do núcleo duro do centrão. Em Alagoas, a esquerda elegeu apenas 1/5 dos deputados, mesmo percentual encontrado no Rio Grande do Norte e no Maranhão. Em Pernambuco, o núcleo do centrão elegeu 1/3 dos deputados; a esquerda, 40%.

Celso Rocha de Barros - Se for Jair agora, será Jair pra sempre

Folha de S. Paulo

Direita deve escolher apoiar ou não presidente em meio a anunciadas ameaças às instituições

A eleição de uma bancada de senadores de extrema direita no dia 2 teve uma grande vantagem: deixou claro o que está em jogo na eleição deste ano. Se Jair Bolsonaro vencer, terá maioria para mudar a Constituição e neutralizar o Supremo Tribunal Federal. Não é mais eleição para presidente. É plebiscito para ditador.

Bolsonaro disse à Veja que um projeto sobre isso "já chegou até ele", mas que só falará dele depois da eleição. Hamilton Mourão já entregou o jogo na GloboNews.

Daí em diante, é o roteiro da Hungria, da Venezuela, de todos os novos autoritários: se você tiver a suprema corte aparelhada, tudo o que você fizer será declarado constitucional, e o golpe raiz, com tanque na rua, se torna desnecessário.

Senado e STF foram as principais salvaguardas da democracia brasileira contra Bolsonaro no primeiro mandato. Se Jair vencer agora, não tem mais nada disso. Ele faz o que quiser.

Lygia Maria - Estamos presos na polarização

Folha de S. Paulo

Desde 2018, o brasileiro é obrigado a votar mais contra do que a favor

O segundo turno será entre Lula e Bolsonaro: um déjà vu da polarização de 2018. A esquerda refuta o termo "polarização", alegando que Lula não é da esquerda radical como Bolsonaro é de extrema direita. O próprio Lula disse que sempre houve polarização no Brasil, lembrando o embate histórico entre PT e PSDB. Ora, se isso fosse verdade, o PT não teria feito uma campanha baixa e vil para tirar Marina Silva do páreo em 2014, por exemplo.

Na verdade, o termo "polarização" se refere mais à ideia de magnetismo, como um ímã que possui dois polos sempre conectados (corte esse ímã ao meio e veja como os polos negativo e positivo se mantêm nas partes separadas). Ou seja, há uma interdependência entre PT e Bolsonaro, como atestou o jornalista militante do PT Breno Altman, em 2018: "Por que iríamos querer tirar Bolsonaro do segundo turno? Para perdemos as eleições?". O PT precisa de Bolsonaro e vice-versa.

Ana Cristina Rosa - O meu país é meu lugar de fala

Folha de S. Paulo

Cada brasileiro possui, de fato e de direito, a mesma relevância: um eleitor, um voto

Afirmar o óbvio nunca foi tão necessário e urgente. Por isso o registro: independentemente de características e condições individuais —como origem regional, crença, orientação sexual, cor da pele, grau de escolaridade e nível de renda—, todo cidadão brasileiro tem igual valor no processo eleitoral.

Desde a redemocratização, conquistamos o poder de participar diretamente da construção do destino do nosso país a partir das manifestações de vontade daqueles que se alistam para comparecer às urnas. E cada um possui, de fato e de direito, a mesma relevância: um eleitor, um voto.

Embora alguns expressem extrema dificuldade de aceitar, uma das grandes virtudes do Estado democrático é a tolerância e o respeito às diferenças. Isso pressupõe que os governados não podem ser subjugados ou tratados de forma agressiva por manifestarem oposição. Democracia não condiz com arroubos autoritários e tampouco com manifestações preconceituosas e mesquinhas.

Bruno Carazza* - Congresso conservador ou bolsonarista?

Valor Econômico

Perfil dos eleitos indica maior radicalismo na próxima legislatura

A aliança entre o bolsonarismo e o Centrão sagrou-se vencedora na eleição para a Câmara e o Senado. Para entender as implicações desse movimento, no entanto, é preciso fazer um raio-X dessa composição de forças da direita.

Somando-se os eleitos pelo PL, PP e Republicanos e colocando na conta o União Brasil (que negocia uma fusão com o PP) serão 246 deputados e 35 senadores - o que representa 48% e 43% dos plenários de cada Casa legislativa, índices bem próximos para se garantir maiorias.

A esquerda (PT/PCdoB/PV, Psol/Rede, PSB e PDT) terá 125 deputados e 13 senadores. É muito pouco: apenas 24,4% da Câmara e 16% do Senado.

Quatro anos depois da eleição de Bolsonaro, o Congresso também dobrou à direita, para citar o título do livro de Jairo Nicolau.

Para saber qual a margem que o próximo presidente terá para governar, contudo, é preciso identificar se essa direita eleita é mais bolsonarista ou apenas fisiológica, como o Centrão sempre foi.

Alex Ribeiro - BC deve reforçar sinal conservador para o juro

Valor Econômico

Juro de mercado caiu no dia seguinte à reunião do Copom

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deverá reagir com um tom mais duro na sua comunicação de política monetária nos pronunciamentos oficiais programados para esta semana, depois que o seu comunicado conservador da semana passada surtiu o efeito inverso do esperado nos mercados.

O colegiado procurou alertar que o trabalho para combater o surto inflacionário está longe de estar completo, que será preciso manter os juros altos por um bom tempo e que não se pode descartar a hipótese de mais aperto monetário, caso não se confirme o cenário de convergência da inflação à meta e de reancoragem da expectativas de inflação.

A nota divulgada após a reunião do Copom foi talhada para segurar as apostas do mercado em torno de uma baixa de juros já no começo do ano que vem, que vinham ocorrendo mesmo sem um cenário de queda da inflação para os objetivos estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Mas o que se viu no mercado, no dia seguinte, foi o oposto: os juros futuros caíram, intensificando a aposta numa distensão monetária prematura. Na sexta, os juros subiram, mas o movimento não teve a ver com o nosso BC, e sim com o aperto monetário feito pelo Federal Reserve (Fed).

Entrevista | Joaquim Falcão: ’A proposta é sair da democracia para uma monocracia’

O Estado de S. Paulo

Cientista político diz que ideias como ampliar colegiado do STF podem ‘neutralizar demais Poderes’

Declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos) sobre possíveis interferências no Supremo Tribunal Federal (STF) levantaram questionamentos sobre a constitucionalidade de medidas como aumentar de 11 para 16 o número de cadeiras na Corte.

Para Joaquim Falcão, cientista político e autor do livro O Supremo: Compreenda o poder, as razões e as consequências das decisões da mais alta Corte do Judiciário no Brasil, o problema não é a ampliação do colegiado do STF, mas, sim, o momento em que a ideia é cogitada.

Mourão também defendeu o fim da PEC da Bengala, que adiou a aposentadoria compulsória de ministros de 70 para 75 anos, e citou a possibilidade de impeachment de integrantes da Corte. Ao Estadão, Falcão – que é professor de Direito Constitucional e foi o responsável pela coordenação jurídica da campanha de Sérgio Moro, quando ele tentava disputar o Planalto –, disse ver nas medidas riscos à democracia.

Denis Lerrer Rosenfield* - Qual direita?

O Estado de S. Paulo

O bolsonarismo adquiriu um perfil mais claro de movimento de extrema direita, e veio para ficar, sejam quais forem os resultados do segundo turno.

O novo quadro político-partidário já apresenta uma mudança significativa no que diz respeito às forças de direita em jogo e aos seus diferentes significados. Isso diferentemente das eleições de 2018, quando Bolsonaro representava genericamente a direita em sua aversão ao lulopetismo, a saber, contra as simpatias petistas pelas ditaduras de esquerda, a corrupção, o desrespeito à propriedade privada rural e o descalabro fiscal. Amalgamava ele posições conservadoras, liberais e de extrema direita, nem sempre diferenciadas. O bolsonarismo, nestes quatro anos, adquiriu um perfil mais claro de movimento de extrema direita.

Felipe Moura Brasil - Um Supremo para chamar de seu

O Estado de S. Paulo

A diferença é que Lula já conseguiu a impunidade, enquanto Bolsonaro ainda teme a prisão

Em abril de 2018, após a prisão de Lula, o petista Wadih Damous declarou: “Tem que fechar o Supremo e criar uma Corte Constitucional, de guarda exclusiva da Constituição e com seus membros detentores de mandato”. Em setembro daquele ano, José Dirceu reforçou a posição do entorno de Lula: “Primeiro, deveria tirar todos os poderes do Supremo e ser só Corte Constitucional”.

Cinco anos antes, a ex-prefeita de São Paulo pelo PT e então deputada federal pelo PSB Luiza Erundina havia apresentado a PEC 275/13, que transforma o STF em Corte Constitucional, reduz sua competência e amplia o número de ministros, de 11 para 15. Erundina acaba de ser reeleita pelo PSOL e apoia Lula contra Jair Bolsonaro.

Desde a soltura do petista e a anulação de suas condenações, porém, o PT e suas linhas auxiliares têm deixado para o atual presidente a beligerância com o Supremo.

Irapuã Santana – Polarização e ressentimento

 

O Globo

Precisamos ouvir o grito de desespero no resultado e aproveitar a chance de transformar o futuro

A dicotomia Lula versus Bolsonaro se apresentou não apenas na corrida presidencial, mas também nos demais cargos eletivos. A esquerda quase manteve seu número de cadeiras, mas sem tirar o espaço da direita, e sim avançando sobre partidos do centro e da centro-esquerda. O mesmo movimento ocorreu do outro lado, onde a direita e a extrema direita dizimaram os grupos de centro e centro-direita.

A carnificina do centro demonstra que não bastava apenas ser simpatizante de um dos dois principais candidatos. A população exigia mais. Era preciso estar colado em Lula ou Bolsonaro para se eleger. Se observarmos o péssimo desempenho de políticos que abandonaram o bolsonarismo e compararmos com quem o abraçou de corpo e alma, confirmaremos isso.

Miguel de Almeida – Deus não é brasileiro

O Globo

O discurso de Michelle e Damares ameaça quem não comunga com suas crenças

Em 1941, Getúlio Vargas baixou decreto que proibia as mulheres de jogar futebol. O ditador já vinha matando e prendendo oposicionistas desde a implantação do Estado Novo, em 1937, quando avançou ainda mais nas liberdades individuais.

Dizia o texto:

— Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza.

A proibição obrigou as entidades esportivas, então atreladas ao Estado, a vetar campeonatos femininos. Várias mulheres foram detidas (!), acusadas de organizar jogos. Houve sedição. Desobediência. À revelia do ditador, continuaram a ocorrer partidas em campos distantes. A estapafúrdia lei só caiu em 1983.

O decreto de Getúlio atendia à pressão de setores conservadores, junto aos religiosos, interessados em cercear o comportamento feminino. Defendiam que a mulher deveria limpar a casa, ter filhos e cuidar do marido. Exatamente o que pensa a terceira mulher de Bolsonaro.

Fernando Gabeira - Paisagem depois da batalha

O que pode acontecer é um candidato de esquerda vencer e governar com um Congresso de maioria conservadora

Na semana passada, tive pouco mais de 20 minutos para concluir meu artigo sobre as eleições. Era preciso conciliar o resultado ainda nebuloso com o limite para a entrega do texto.

Foi pouco tempo para entender tudo. Na verdade, até agora ainda existem zonas escuras, à espera de alguma luz que talvez só nos ilumine, plenamente, em 30 de outubro, data da votação em segundo turno.

Na terça-feira, numa entrevista ao jornal português Expresso, já pelo menos percebia algo: a frustração causada pelo resultado era superior ao que a realidade autorizava.

O problema central: todas as previsões foram baseadas nas pesquisas. Quando a realidade desmentiu parcialmente as pesquisas, em vez de aceitá-la, a tendência foi lamentar a perda de uma ilusão e subestimar as possibilidades da situação tal como ela era.

É inegável que o bolsonarismo avançou, elegendo senadores, dando votações espetaculares a ex-ministros que tiveram péssima atuação, como Eduardo Pazuello, na Saúde, ou Ricardo Salles, no Meio Ambiente.

A reação inicial foi afirmar que o Brasil é um país conservador. Aceitaria a expressão se fosse acompanhada do advérbio “majoritariamente”. É um país conservador, mas o candidato que defendeu políticas sociais mais amplas chegou à frente, com 6,2 milhões de votos de dianteira. Em alguns casos, São PauloBrasília (votação distrital) e Espírito Santo, candidatos de esquerda foram campeões de voto. Quatro índias foram eleitas para o Congresso, duas mulheres trans, 19 deputados LGBTQIA+.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Agenda ambiental desafiará novos congressistas

O Globo

Retrocesso do governo Bolsonaro impõe urgência na revisão de projetos nocivos ao meio ambiente

Marcado pela polarização entre a direita bolsonarista e a esquerda liderada pelo PT, o Congresso que assume em 1º de fevereiro de 2023 será acompanhado com especial atenção pelos ambientalistas. Espera-se uma relação tensa entre os dois blocos em torno de projetos-chave para o meio ambiente, já bastante castigado nos quase quatro anos do governo Bolsonaro.

A eleição para a Câmara da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP) e de seu sucessor na gestão Bolsonaro, Ricardo Salles (PL-SP), é garantia de duros embates no plenário. Certamente será lembrado que Salles cumpriu com eficiência a determinação do Planalto para desmontar o arcabouço de fiscalização ambiental, assentado no Ibama e no ICMBio. Está aí a maior causa do crescimento recorde da devastação na Amazônia e da invasão de terras públicas e indígenas por garimpeiros. Marina, que se demitiu no segundo governo Lula por não sentir apoio para endurecer as medidas de proteção, reconciliou-se com o ex-presidente e será ardorosa defensora de seu trabalho. Seu período na pasta marca a maior queda do desmatamento na região.