domingo, 8 de janeiro de 2023

Merval Pereira - STF se atualiza

O Globo

Suprema Corte se antecipa a possíveis retaliações do Congresso e decide mudanças no regimento interno

Em várias partes do mundo democrático as Cortes Supremas estão sendo contestadas pelo poder político, seja por governos de esquerda, como na Argentina, seja por direitistas, como em Israel. Trata-se do poder eleito enfrentando o não eleito, que interfere cada vez mais. No Brasil, prosseguimos com uma disputa ferrenha entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e ativistas de extrema direita, que começou com a instalação, em 2019, de inquérito sobre fake news atingindo a honra de ministros do Supremo, e se desdobrou em outro, das milícias digitais.

As reações contrárias no Executivo e no Legislativo foram intensas, capitaneadas pelo ex-presidente Bolsonaro. Na Câmara e no Senado, diversos projetos foram apresentados, tanto para tolher decisões monocráticas dos juízes quanto para encurtar-lhes o período de permanência na Corte, e até mesmo pedidos de impeachment contra vários ministros, especialmente Alexandre de Moraes.

Elio Gaspari - A ideia da ordem unida leva a nada

O Globo

Depois de meia dúzia de anúncios desastrados, Lula reuniu seu Ministério. Cenograficamente, foi um belo espetáculo. Seu melhor momento deveu-se a algo que não aconteceu. Ele não mencionou uma proposta que circulava nos subúrbios do poder. A ideia era simples: programa do governo só poderia ser anunciado depois de ser submetido à Casa Civil da Presidência. Quase todos os governos anteriores tentaram, e nenhum conseguiu.

Não se consegue porque esse tipo de unidade a partir de um toque de corneta é sonho de noite de verão. No fundo, basta que se respeite a lição do presidente Rodrigues Alves há mais de um século: “Meus ministros fazem o que querem, menos o que eu não quero que eles façam.”

As trapalhadas dos hierarcas encantados com as próprias vozes foram prejudiciais no varejo. Isso numa semana durante a qual dois dos mais poderosos ministros causaram danos no atacado.

Rui Costa, o chefe da Casa Civil, foi perguntado sobre o texto que Lula escreveu dias antes do segundo turno: “Se eleito, serei presidente de um mandato só.” Um mês antes, ele havia dito que “não (seria) possível um cidadão de 81 anos querer a reeleição.”

Rui Costa respondeu:

“Se tudo der certo, e com fé em Deus dará, faremos um governo exitoso. E se ele continuar, como ele próprio diz, com energia e o tesão de 20 anos, quem sabe ele pode fazer um novo mandato presidencial.”

Nada melhor para desorganizar o tabuleiro de alianças que levaram o PT ao governo.

Bernardo Mello Franco – Juntar os cacos

O Globo

Passada a festa das posses, novo governo precisará de foco e senso de urgência; extrema direita perdeu eleição, mas continuará à espreita

Espantar o tempo feio. Sair do fundo do poço. Desconjurar a ignorância. Desmantelar a força bruta. Os versos de “Que tal um samba?” embalam a nova turnê de Chico Buarque, que chegou ao Rio na quinta-feira. A letra também pode servir de roteiro para a tarefa de reconstrução do país.

A primeira semana do governo Lula lembrou o fim de um longo sequestro. Os discursos refletiam o alívio com a derrocada de um projeto obscurantista. “Encerra-se neste momento a era de um presidente que se disse orgulhoso de defender a tortura”, proclamou o professor Silvio Almeida ao assumir o Ministério dos Direitos Humanos.

Dorrit Harazim - Lula 3, o começo

O Globo

Brasília oficial vai virando uma colorida nova capital do poder nacional, com vestidos, batas, cocares, terninhos

 ‘Bom dia, democracia. Como é lindo o teu rosto (...)’, postou no 2 de janeiro o imortal da Academia Brasileira de Letras Marco Lucchesi, recém-nomeado presidente da Biblioteca Nacional. Difícil achar palavras mais gostosas para o arrastão de alegria vivenciado pelo Brasil no festão da posse do presidente Lula. Deu até vontade de responder, em voz alta, “Bom dia”, e sorrir. Ninguém, nada, conseguirá apagar da História nacional o radioso domingo inaugural do terceiro mandato presidencial de Lula. Foi o Brasil subindo a ladeira — no caso, a rampa do Palácio do Planalto. Correu mundo a imagem do casal presidencial e vice ladeados por um cacique (o grande Raoni, de 90 anos), um artesão, um professor, um metalúrgico, um ativista de inclusão, uma catadora, um menino da periferia, uma cozinheira e a cadela vira-lata Resistência, tudo junto e misturado, com um mar de povo alegre ao fundo. O Brasil existe, diria dias depois o jurista Silvio Almeida, em seu apaixonado discurso de posse como ministro dos Direitos Humanos.

Míriam Leitão - A economia está em toda parte

O Globo

Em poucos dias, governo Lula já fez muito em várias áreas para mudar a rota do Brasil, e isso também terá efeito sobre a economia

O presidente Lula, quando abriu sua primeira reunião ministerial, tinha dois problemas emergenciais. Os sinais contraditórios na economia e o caso da ministra do Turismo. Não falou de nenhum dos dois na parte pública. Mas indicou que vai gerir a coalizão dialogando intensamente com todas as forças que estiverem no Congresso. Com isso, Lula foge do modelo do governo anterior — que dizia ser da antipolítica até comprar apoio com o orçamento secreto — e também do espectro do fim do governo Dilma, no qual a base parlamentar se dispersou. A estabilidade política é fundamental em qualquer projeto de governo, inclusive o econômico.

A política econômica não está clara, nem nos detalhes. Vai ou não subsidiar a gasolina e interferir nos preços? O ministro Fernando Haddad quer eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis e está certo fiscal, social e ambientalmente falando. Mas o temor de um desgaste levou a área política a atropelar o Ministério da Fazenda e impor o decreto que manteve a desoneração. Se este governo tem medo de perda de popularidade no auge da lua de mel, o que dirá quando o natural desgaste ocorrer?

Eliane Cantanhêde - As reviravoltas na política e na economia

O Estado de S. Paulo.

Em vez de ‘nojo’ dos dos ‘300 picaretas’ e compra de votos, Lula enaltece política e Congresso

Gato escaldado tem medo de água fria, mas o presidente Lula só leva isso a sério na política, talvez nem tanto na economia. As duas mudanças nítidas em relação aos dois primeiros mandatos é que Lula.3 mudou sua visão sobre a política e evoluiu na relação com o Congresso, mas titubeia e dá sinais de retrocesso na sua compreensão sobre o papel do Estado e os modelos de desenvolvimento.

Ao subir a rampa do Planalto pela terceira vez, o “novo Lula” tem sido impecável ao tentar evitar os erros políticos que lhe empurraram para o pântano do mensalão, com a compra no varejo de votos parlamentares, e o abismo do petrolão, com a compra no atacado de apoio de partidos. Este foi o foco da primeira reunião ministerial.

José Roberto Mendonça de Barros* - Como será o amanhã?

O Estado de S. Paulo

Tem muita gente querendo salvar o Brasil no curto prazo, o que em geral não dá muito certo

Finalmente, o novo governo tomou posse sem maiores problemas, numa vitória da regra democrática. A grande pergunta que se coloca agora é o que ocorrerá em 2023 na área econômica.

Acredito que a maioria dos analistas concorda que o ano começa com várias coisas positivas. A divergência vem depois.

Temos a favor um ambiente mais desanuviado, embora ainda algo tenso, e a certeza de melhora substantiva nas áreas da saúde, educação, meio ambiente, relações exteriores e ciência e tecnologia, extremamente machucadas nos últimos anos. A busca pela redução da fome e da pobreza é tão bem-vinda quanto urgente.

Há, mais do que tudo, a concordância de que é preciso voltar a crescer de forma sustentada com redução simultânea da desigualdade. O problema é como fazer isso.

Rolf Kuntz - Só haverá Lula 3 se Dilma 3 for evitado

O Estado de S. Paulo.

Novo governo começa com promessas bonitas, pouca definição de planos econômicos e nenhum compromisso claro com a boa gestão das finanças públicas

Promessas de reconstrução, comida, emprego, saúde, educação e previsibilidade econômica marcaram o discurso de posse, prenunciando um governo voltado, de novo, para objetivos nacionais. Para entregar o prometido, no entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de vencer um obstáculo maior que a oposição bolsonarista e golpista. Esse obstáculo é o petismo, com suas névoas ideológicas, sua quase religiosidade e suas dificuldades para dialogar com outras ideias e processar os dados da experiência. Na primeira semana de governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou de uma taxa de juros “fora de propósito”, incompatível com a inflação atual e com a atividade econômica já desacelerada. Teria sido mais cuidadoso, talvez, se houvesse levado em conta as projeções de inflação e das contas fiscais publicadas no boletim Focus, na segunda-feira, um dia antes de sua fala. Tendo passado por um curso de Economia, ele deve conhecer a relação entre expectativas fiscais, projeções de variação dos preços e formação de juros no mercado.

Pedro S. Malan* - Dois terços de 20 anos

O Estado de S. Paulo.

Deixo ao leitor avaliar se estaríamos agora lidando com Lula 4 e seus legítimos sonhos para o Brasil

O governo Lula termina sua primeira semana. É muito cedo para avaliações, por certo. Mas a campanha eleitoral, os dois meses decorridos desde a vitória e o discurso de Lula da Silva no dia 6 trazem elementos importantes para identificar 2023 – como foi 2003, duas décadas atrás – como o ano-chave para definir o próximo biênio, ao final do qual a política já estará voltada para o crucial ano de 2026.

O discurso de Lula ao longo de toda a campanha, e muito além, insistiu no mantra “ao invés de perguntar o que vou fazer, olhe o que fiz quando fui presidente”. Esse discurso terá que ser deixado de lado. A referência a “seus” oito anos (2003-2010) não inclui os mais de cinco anos de sua criação, Dilma Rousseff, por razões conhecidas. Mas o fato é que o lulopetismo esteve no poder por 13 anos e quatro meses; dois terços dos últimos 20 anos. Há desse período memórias vívidas porque vividas.

Luiz Carlos Azedo - Ave, Lula, aqueles que estão prestes a morrer o saúdam

Correio Braziliense

O caso da ministra do Turismo é a primeira crise do governo, que sofre cobranças antes mesmo de Lula assumir a Presidência. Seu desfecho será paradigmático para toda a equipe

Alagoano de Palmeira dos Índios, Tenório Cavalcanti (PST) foi um político carismático que dominou a Baixada Fluminense nos anos 50 e 60. Chegou à região em 1926, aos anos 20, e ali viveu até morrer, em 1987. Foi sogro de Silvério do Espírito Santo (MDB), que foi prefeito de Duque de Caxias e deputado federal. O genro também mandou e desmandou na cidade, até que Camilo Zito (PSDB), pernambucano, iniciasse seu reinado em 1996. Como Tenório, Zito tem fama de matador, mas nem se compara à história romanesca do “homem da capa preta”, que usava uma submetralhadora, que carinhosamente chamava de “Lurdinha”.

Fundador do jornal popular Luta Democrática, Tenório era tratado como “deputado pistoleiro” pela UDN. Morava numa fortaleza em Duque de Caxias, projetada pelo arquiteto Sérgio Bernardes. A ele foram atribuídos pelo menos 25 crimes violentos. Um dos mais célebres foi o assassinato do delegado Albino Imparato, que promoveu uma caçada implacável ao “homem da capa preta”. Acabou aparecendo morto a tiros de metralhadora, em seu carro, no Centro de Caxias. Tenório, cuja participação no caso foi comprovada pela investigação, jamais foi indiciado pelo crime. Reza a lenda que teria sofrido 47 atentados. Morreu de pneumonia, aos 80 anos, num hospital da Barra da Tijuca. Virou arquétipo de políticos populistas da Baixada que, além de amados, precisam ser temidos.

Cristovam Buarque* - Analfabetos, vocês existem e são valiosos

Blog do Noblat / Metrópoles

É preciso ensinar a ler cada um dos analfabetos adultos, como se fossem vítimas da tortura de viver sem saber ler

Os discursos de posse dos novos ministros mostraram uma mudança nunca antes vista na política nacional. Em todas áreas, mostram que viramos uma página. Saímos do obscurantismo para o respeito à ciência, da insensibilidade social para o compromisso com os pobres, do descuido com o meio ambiente para a defesa da natureza, dos sonhos autoritários à participação democrática, da anti-cultura ao prestígio dos artistas, do desprezo à educação ao educacionismo explícito, do isolamento internacional à presença no mundo.

Cada um e cada uma dos ministros e ministras, sem exceção demonstraram uma visão de mundo diferente do atraso que prevaleceu nos últimos quatro anos. Com o Ministro Silvio Almeida ficou claro que os direitos humanos voltaram a ser preocupação nacional: saímos do esquecimento para a valorização de cada grupo “minoritário”.

Muniz Sodré* - Ora, direis, ouvir óvnis

Folha de S. Paulo

É natural que a descrição dessa passagem de poder oscile entre referências realistas e imaginárias

governo Lula dispõe-se a desarmar corpos e espíritos. O problema é saber qual a realidade visada, se a real-histórica ou a paralela. Um lance pertinente: na última sexta-feira de 2022, hasteou-se a bandeira a meio-pau no QG de Brasília, em homenagem a Pelé. Lá fora, para os acampados, era o sinal do golpe imaginado. Seguiu-se uma profusão de louvações aos céus e, frente aos vídeos, um homem corpulento bradava "perdeu, mané".

Na realidade paralela, o perdedor transformava-se em vitorioso. No real-histórico, naquela mesma hora, o verdadeiro derrotado já estava a bordo de um avião militar rumo à Flórida. A sequência de eventos é miúda, mas tem carga simbólica. Primeiro, a fuga patética do mandatário pela lateral do palácio, sem aviso público. Depois, Orlando constava como destinação real, mas no imaginário coletivo era mesmo a Disney, o Shangri-la pequeno burguês que o ex-ministro da economia achava incompatível com empregadas domésticas. O desgoverno fantasioso de verdade dava lugar aos parques temáticos da fantasia.

Hélio Schwartsman – Caçando ditadores

Folha de S. Paulo

Responsabilizar pessoas por delitos que cometeram enquanto ocupavam o poder nunca foi fácil

"To Catch a Dictator" (para pegar um ditador), de Reed Brody, não é um livro de ficção, mas pode ser classificado como um thriller jurídico-policial. Nele, o autor, que foi advogado da Human Rights Watch, conta sua saga de 25 anos para processar Hissène Habré, ditador do Chade entre 1982 e 1990, que deixou atrás de si um rastro de 40 mil mortos e vários crimes, incluindo tortura e estupros.

Responsabilizar judicialmente pessoas por delitos que cometeram enquanto ocupavam o poder nunca foi fácil. Sempre houve a execução sumária de ditadores derrotados, mas não dá para chamar isso de Justiça. Depois tivemos os julgamentos de Nuremberg, mas isso foi algo isolado. O panorama começou a mudar a partir da prisão de Pinochet em Londres em 1998, a pedido de um juiz espanhol que atuava sob o princípio da jurisdição universal para crimes como tortura e genocídio. Pinochet voltou ao Chile sem sofrer condenação, mas a caixa de Pandora havia sido aberta para ex-ditadores.

Bruno Boghossian - A insegurança de Lula

Folha de S. Paulo

Presidente fez quatro acenos na reunião ministerial para costurar fidelidade da base aliada

Dilma Rousseff derrubou sete ministros no primeiro ano de governo. A faxina na Esplanada ajudou a presidente a ganhar onze pontos de popularidade na largada do mandato, mas os danos provocados na relação com os partidos aliados abriram uma fenda irreparável em sua base de sustentação no Congresso.

Lula preferiu entregar uma rede de proteção à equipe de seu terceiro mandato. Na primeira reunião ministerial, o presidente avisou que "quem fizer errado" vai deixar o governo, mas prometeu apoiar cada integrante do primeiro escalão "nos momentos bons e nos momentos ruins". "Não deixarei nenhum de vocês no meio da estrada", afirmou.

Ao menos quatro acenos feitos ao mundo político na reunião ministerial da última sexta-feira (6) indicam que Lula tem pouca margem para correr riscos neste início de mandato. O presidente opera com uma base estreita no Congresso e ainda precisa trabalhar para garantir a fidelidade dos partidos aliados.

Vinicius Torres Freire - Boas notícias e estrupícios de Lula 3

Folha de S. Paulo

Quem sabe tenha caído a ficha e o governo se recolha para preparar uma boa administração

A primeira providência do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi pedir a ministros que parem de dizer disparates. Ou, pelo menos, que ouçam o presidente ou seu xerife, o ministro Rui Costa (Casa Civil) antes de soltar bombas no pé.

No primeiro mês depois da eleição, a PEC e comícios de Lula já provocaram alta de juros ruim. Quem sabe tenha caído a ficha e o governo se recolha para preparar uma boa administração.

A segunda diretriz para os ministros foi: vamos fazer muita política. Na primeira reunião ministerial, Lula estendeu um tapetão ao Congresso. Deu de barato que Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) vão se reeleger para os comandos de Câmara e Senado. Pediu a seu ministério profundamente político que converse sobre tudo com deputados e senadores. O governo trata de montar segundo e terceiro escalões com o olho também na política, pois a coalizão parlamentar, além de insuficiente, tem um rombo ou aliado apenas nominal, o União Brasil.

Entrevista | Arminio Fraga: ‘PT não precisa ajoelhar no milho, mas mostrar que aprendeu com seus erros’

Para economista, Lula 3 ainda não deu sinais claros de que abandonou modelos fracassados do passado

Alexa Salomão / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Apesar de o novo governo lembrar com frequência os acertos das duas gestões anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não dá para fragmentar o governo do PT, afirma o economista Arminio Fraga. O partido mudou a rota na política econômica durante seu período à frente do Planalto, com prejuízos para o Brasil, e o fato de nunca ter admitido os erros dessa estratégia alimenta desconfianças até hoje.

"Acho fundamental entender como um todo o período em que o PT governou. Não dá para ser seletivo e escolher apenas a parte que deu certo. Depois do Palocci [ministro da Fazenda Antonio Palocci, de janeiro de 2003 a março de 2006], a estratégia mudou radicalmente —e foi esse erro que desembocou no colapso da economia.", afirma Fraga, que também é colunista da Folha.

"Mesmo que não se ajoelhe no milho e se faça um mea-culpa —dificilmente um político faz esse tipo de coisa—, seria bom que se mostrasse através da prática que as lições foram aprendidas."

Os sinais, até o momento, vão numa direção que o preocupa, diz Fraga. Segundo ele, voltar trás na Lei das Estatais e utilizar bancos públicos e a Petrobras para fomentar a economia lembra medidas que fracassaram no passado.

Olhando para a frente, Fraga considera positiva a iniciativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de reduzir o déficit primário deste ano, mas está à espera das medidas de longo prazo que vão sinalizar o que é mais importante, os rumos da política econômica no Lula 3.

"Espero que ele apresente metas para os dois anos seguintes, que levem o saldo primário ao terreno confortavelmente positivo, que, na minha avaliação, teria de ser no mínimo 2% do PIB [Produto Interno Bruto]."

André Barrocal - O discurso e a ação

Carta Capital

Para de fato combater a desigualdade, promessa na posse, Lula terá de enfrentar interesses poderosos e seculares

Ao assumir o poder em 1º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro tinha em mãos um discurso escrito por auxiliares a conter a expressão “desigualdade social”. Eram palavras para pronunciar do parlatório, a sacada na frente do Palácio do Planalto, sede do governo. No rito das posses presidenciais brasileiras, há dois discursos. O primeiro no Congresso, diante dos parlamentares, inclusive aqueles de oposição. O outro, do parlatório, com o chefe da nação perante uma plateia de simpatizantes, presume-se. Cerca de 40 mil brasileiros ouviram Lula, da Praça dos Três Poderes, mencionar 19 vezes o termo “desigualdade”, que Bolsonaro havia se negado a citar quatro anos antes e que o próprio petista não utilizara duas décadas atrás, em sua primeira posse.

“Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso governo”, disse Lula agora. “Por isso, eu e meu vice, Geraldo Alckmin, assumimos hoje, diante de vocês e de todo o povo brasileiro, o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade.” O presidente recém-empossado citou ainda um “grande mutirão” e uma “frente ampla contra a desigualdade”. “É inadmissível que os 5% mais ricos deste País detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%. Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres. Que um trabalhador ou trabalhadora que ganha um salário mínimo mensal leve 19 anos para receber o equivalente ao que um super-rico recebe em um único mês”, insistiu.

No fim do primeiro ano de Bolsonaro, o Brasil aparecia em um estudo da ONU com a medalha de prata em concentração de renda. O 1% mais rico embolsava 28% das riquezas nacionais. Perdíamos somente para o Catar (concentração de 29%), emirado minúsculo (1% da população brasileira) e autocrático, no qual é impossível separar a fortuna real do PIB. A desigualdade econômica não é, no entanto, a única na mira no terceiro mandato de Lula.  Há também aquela entre mulheres e homens e entre negros e brancos no mercado de trabalho, na política e no setor público.

Tarefa monumental para quatro anos. As disparidades estão entranhadas na vida nacional graças, entre outras razões, a três séculos de escravatura. “Ouso dizer que o Brasil ainda não enfrentou a contento os horrores da escravidão”, disse o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, negro, no mais contundente discurso ministerial de posse nos últimos dias. “O que permite que a obra da escravidão se perpetue no racismo, na fome, no subemprego e na violência contra os homens e as mulheres pretas e pobres deste País.”

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Política externa precisa evitar viés ideológico

O Globo

Para aproveitar momento benéfico ao Brasil, Lula deve reformular suas ideias sobre a diplomacia

O comparecimento há uma semana de mais de 70 delegações estrangeiras à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sete vezes mais que na de Jair Bolsonaro, já indica o interesse na volta do Brasil à normalização de suas relações diplomáticas, depois de quatro anos de isolamento internacional. Para que o país aproveite esse momento propício, é de esperar que Lula tenha compreendido que o mundo tornou-se mais complexo e mais interdependente desde que passou a faixa de presidente para Dilma Rousseff. Há cada vez menos espaço para uma diplomacia que se sustente na equivocada visão de um conflito Norte-Sul, entre ricos e pobres, como ele tentou em Lula 1 e Lula 2.