Por Laura Greenhalgh / Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
Para o historiador inglês Peter Burke, ela
é um ativo para ditadores e uma responsabilidade para líderes democratas
Peter Burke: “Para entender uma cultura, é
preciso levar em conta não só o que as pessoas sabem, mas o que elas não sabem”
“Devemos pensar duas vezes antes de
descrever qualquer indivíduo, cultura ou período como ‘ignorante’, uma vez que
há coisas demais para saber.” Com esta afirmação, o historiador britânico Peter
Burke faz uma advertência aos leitores, especialmente os que se interessarem
pelo seu livro mais recente, “Ignorância: Uma história global” (Editora
Vestígio), lançado agora no Brasil. E completa o raciocínio com uma boa tirada
do escritor americano Mark Twain (1835-1910), admitindo usá-la como um lema
pessoal: “Todos somos ignorantes, apenas sabemos diferentes coisas”.
Dito isso, é possível enveredar por uma
trilha fascinante da história da humanidade, não a que trata do conhecimento,
mas a que trata justamente da falta ou privação dele. Professor emérito da
Universidade de Cambridge, no Reino Unido, Burke, 85 anos, tornou-se uma
referência no campo da história social do conhecimento, tema de um de seus
livros mais aclamados. Sempre buscando novos veios para seus escritos, admitiu
nesta entrevista ao Valor, feita durante breve passagem por São Paulo, que
gosta mesmo é de revirar as coisas. Ter uma abordagem “upside down”. E foi
assim, inspirado por dois ex-presidentes contemporâneos, Donald Trump e Jair
Bolsonaro, “que usaram a ignorância de um jeito até abusivo em seus governos”,
que ele iniciou a execução desta história dedicada ao não saber, para a qual
criou uma curiosa tipologia.
“Ao buscar adjetivos associados ao meu tema
central, encontrei inúmeros: a ignorância pode ser ativa, simétrica,
assimétrica, criativa, culpável, deliberada, invencível, pura, estratégica,
resoluta, sancionada... são tantos tipos que decidi organizar um glossário no
final do livro, para ajudar os leitores”, explica. O livro percorre um
itinerário que parte de Confúcio, na China de 2.500 anos atrás, e chega aos dias
atuais, mostrando como a ignorância prolifera em inúmeros domínios, seja pela
repetição acrítica de erros, seja pela propagação de enganos e mentiras, como
acontece nas redes da desinformação.
Cruzando séculos, mas não perdendo de vista a brevidade da vida humana, Burke ultrapassou em muito os seus marcos iniciais, Trump e Bolsonaro, num livro cativante, feito para acadêmicos e público em geral. Importante notar que ele sempre prefere usar o termo “conhecimentos”, reservando o mesmo plural para “ignorâncias”. Porque são muitas. São desafiadoras. Podem até ser notáveis. Estudioso da obra do antropólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), assim como sua mulher, a historiadora Maria Lúcia Pallares-Burke, também da Universidade de Cambridge, Peter Burke ainda nos oferece saborosos exemplos brasileiros, no livro e na entrevista que se segue.