segunda-feira, 5 de junho de 2023

Fernando Gabeira - Os maduros erros do governo

O Globo

O elogio a Maduro é só a superfície. No fundo, a esquerda volta as costas a quem a apoiou, enquanto os conservadores se agrupam com eficácia

No final do século passado, cobri o êxodo dos refugiados do comunismo albanês nos portos da Itália. Em seguida, viajei pelos países bálticos que acabavam de se liberar. Virou o século, e viajei algumas vezes para Pacaraima, onde entrevistei centenas de refugiados da ditadura venezuelana.

A compreensão da violência desses regimes é parte de minha experiência pessoal, para além da teoria e dos livros. Não é minha tarefa argumentar com quem ainda tem uma visão romântica do comunismo. Muito menos convencer políticos e diplomatas experientes que envelheceram com suas convicções ideológicas inabaláveis.

Ao receber Maduro com pompa e afirmar que as acusações contra a Venezuela são apenas narrativas, Lula sabia das consequências. Como dizemos na economia, a repercussão negativa já estava precificada. Uma das vertentes da discussão é precisamente discutir esse preço, abstendo-se de repisar os argumentos que nos distanciam.

É uma ilusão imaginar que a defesa do regime chavista afasta apenas o centro e a direita. O presidente do Chile, Gabriel Boric, não concorda com ele, e é preciso muito malabarismo para excluí-lo do campo da esquerda.

Miguel de Almeida - Lanterna dos afogados

O Globo

Meu bom amigo José Aníbal, ex-senador paulista, telefona e me pergunta:

— Dez anos depois de 2013, como ficou o país? Melhor?

Eu estava na balsa de Ilhabela-São Sebastião, final de tarde. Diante de meus olhos, a exuberância da Mata Atlântica e a repentina lembrança de que os agrotrogloditas da Câmara abriram espaço para sua destruição.

— Olha, Zeaníbal, a luta contra a ditadura dos milicos foi mais fácil. Agora parece que todos querem destruir a minguada civilização brasileira.

Pensava nos votos dos petistas para desmontar os ministérios de Marina Silva e Sonia Guajajara. E no imenso terno usado por Nicolás Maduro ao ser recebido por Lula da Silva. A quantidade de pano ali soou opressiva.

— Não precisa responder de imediato — ele me disse.

Os 20 minutos de duração da travessia do canal sempre sugerem uma espécie de cápsula do tempo, com a realidade suspensa, distante da algaravia mundana. É um instante — a mim bastante comum — quando se encontra o Brasil de Tom Jobim e Noel Rosa, jamais o compadrio de Arthur Lira. Ou o anacronismo de Gleisi Hoffmann.

— Não preciso pensar muito, Zeaníbal. Basta pensar no tio da Damares.

Ricardo Henriques* - Educação e a transformação ecológica e inclusiva

O Globo

O Brasil pode ser uma economia de baixo carbono. Mas o salto no futuro próximo depende de nossas decisões no presente

No momento em que se torna cada vez mais urgente acelerar o processo de transição energética, o Brasil possui rara condição para se destacar no enfrentamento à crise climática.

Temos a Floresta Amazônica, vastas extensões de terras, matriz energética renovável, clima favorável, uma sociobiodiversidade singular, além de vantagens competitivas no acesso a recursos hídricos de qualidade, na produção de alimentos e no desenvolvimento de produtos de baixo carbono. Nesse sentido, a necessidade do mundo apresenta-se como possibilidade econômica e geopolítica de reposicionar o Brasil e sua estratégia de desenvolvimento.

anúncio de que Belém sediará, em 2025, a 30ª conferência da ONU sobre o Clima (COP-30) confirma que temos protagonismo a exercer. Mas de pouco adiantará se não fizermos o dever de casa.

Marcus André Melo* - Governos e coalizões

Folha de S. Paulo

Os partidos são a chave das relações entre Executivo e Legislativo

A qualificação "de coalizão" em presidencialismo remete a multipartidarismo. O qual, por sua vez, é produto da adoção da representação proporcional. Seu primeiro impacto no país foi sentido nas eleições de 1945. Gerou espanto.

O presidente Dutra reagiu ao "paradoxo de as mesmas eleições originarem Executivos e Legislativos de diferentes parcialidades". Uma "anomalia" que ele julgava poder ser eliminada com uma "cuidadosa lei eleitoral".

Afonso Arinos, pelo contrário, saudou seus efeitos: eram precisamente os objetivos antecipados e miravam o hiperpresidencialismo da República Velha. Câmaras unânimes aos poucos desapareciam. O presidente agora tinha de "barganhar para formar maioria", como mostrei aqui. Trinta anos mais tarde, Sérgio Abranches definirá com rigor analítico nossa variedade de presidencialismo.

Angela Alonso* - Resistências aos direitos das mulheres

Folha de S. Paulo

A atual configuração de forças não é impeditiva apenas para o aborto

O governo passou aperto na Câmara na semana passada. A oposição está com a faca nos dentes. Sobretudo em tema que lhe é caro, a moral privada. Aí é nula a chance de entendimento.

Os primeiros governos Lula dão testemunho. A regulamentação do aborto, tentada nos dois mandatos, malogrou. A aliança com o ativismo feminista foi insuficiente face à resistência. Movimentos sociais contrários se organizaram e protestaram, com a Marcha Nacional da Cidadania pela Vida e a Marcha contra a Legalização do Aborto. Era o braço da sociedade.

O outro operava no Congresso. A Campanha Nacional por um Parlamento em Defesa da Vida e frentes parlamentares de nomes variados ("contra a legalização do aborto", "da família e apoio à vida", "em defesa da vida") foram uníssonas na guerra ao aborto. Esses braços, o institucional e o societário, contavam com pernas religiosas —e não só as evangélicas.

Lygia Maria - Mexeu com duas, mexeu com todas

Folha de S. Paulo

Ataque a jornalistas mostra como poder público ainda é incapaz de lidar com a liberdade de imprensa

O jornalismo teve uma semana difícil. Agressão e intimidação de profissionais pelo poder público expõem como ainda somos incapazes de lidar com a liberdade de imprensa.

Na terça (30), jornalistas foram agredidos por seguranças do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, quando se preparavam para uma entrevista coletiva no Itamaraty. Na confusão, um agente a serviço do GSI desferiu um soco no peito da jornalista Delis Ortis. Trata-se de um barbarismo autoritário comum na ditadura venezuelana, mas inaceitável em qualquer regime democrático.

Ana Cristina Rosa - Os "índios" já estavam aqui

Folha de S. Paulo

Os direitos dos indígenas são anteriores a qualquer marco ou título de posse ou propriedade

Nem parece que o Brasil começou 2023 acompanhando a crise humanitária que assola o povo Yanomami, abatido pela fome e pela malária no coração da Amazônia, em razão da exploração ilegal de suas terras. Hoje pouco se fala da tragédia que resultou na decretação, pela União, de estado de emergência em saúde no maior território indígena do país.

Pior ainda. Diante da iminência da retomada da apreciação da tese do marco temporal pelo STF, a Câmara apressou-se em garantir a segurança jurídica de proprietários rurais ao aprovar projeto para firmar a tese de que a demarcação de terras indígenas só pode ocorrer em comunidades que ocupavam os territórios quando a Constituição de 1988 foi promulgada. O governo federal, que se elegeu prometendo maior representatividade dos povos originários, liberou sua base na votação que aprovou a urgência para o projeto.

Felipe Moura Brasil - As supremas narrativas do presidente

O Estado de S. Paulo

Lula crê que corrupção e abusos de poder podem ser esquecidos se houver “narrativa melhor”

“Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo.” A frase dita por Lula ao lado de Nicolás Maduro, durante visita do ditador venezuelano ao Brasil, é uma confissão do método usado e recomendado pelo presidente.

Ela passou quase despercebida, porque as reações nacionais e internacionais focaram na aplicação dele ao caso do sucessor de Hugo Chávez:

“Companheiro Maduro, você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo. Acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para fazer as pessoas mudarem de opinião... É preciso que você construa a sua narrativa. E eu acho que, por tudo que nós conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você... Nossos adversários vão ter que pedir desculpa pelo estrago que eles fizeram na Venezuela.”

Denis Lerrer Rosenfield - Farsa e narrativa

O Estado de S. Paulo

O Lula politicamente intuitivo e astuto do primeiro mandato dá lugar a um presidente incoerente, dominado ideologicamente e politicamente desorientado

No mundo de Lula, alhures, fatos não são fatos, o que significa dizer que tortura não é tortura, repressão não é repressão, direitos humanos não são direitos humanos, Estado Democrático de Direito não é Estado Democrático de Direito. Tudo se torna uma mera questão de narrativa, uma sendo substituída por outra, como se a verdade não existisse em lugar nenhum. Aliás, como ele e o seu partido advogaram por uma Comissão da Verdade em relação ao Brasil, se a verdade não existe e tudo é uma simples questão de narrativa?

A acolhida de Lula ao ditador Nicolás Maduro, pária em nível internacional, recepcionado como chefe de Estado de um regime “democrático”, foi estarrecedora, mesmo para aqueles que começam a se acostumar com o festival de besteiras do novo governo, que nada deve neste quesito ao anterior. Se Stanislaw Ponte Preta ainda vivesse, teria material inesgotável para um novo livro, talvez ainda mais hilário do que o anterior.

Roberto Livianu - A lei do mais forte, sem pudor

O Estado de S. Paulo

Perderam-se os limites e as regras são violadas à luz do dia, sem cerimônia e sem preocupação com as consequências, pois a impunidade está garantida, até por lei

Parlamentares, ao votar o arcabouço fiscal, declararam que o faziam pelo Brasil rindo desavergonhadamente, escancarando o toma lá dá cá geral da República. Os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Originários, bandeiras de campanha do atual governo, foram destroçados pelo Congresso, sem anestésico e com aquiescência da Presidência – que estendeu tapete vermelho ao ditador venezuelano, registrando-se agressão à jornalista Delis Ortiz, sob silêncio do Planalto.

Enquanto isso, nasce a maior anistia da história a partidos políticos, assassinando o princípio constitucional da isonomia. Transparência, regras de financiamento da política, ações afirmativas garantidoras de espaços de poder para negros e mulheres viram pó. Todos devem cumprir a lei, menos os intocáveis partidos e seus coronéis.

Bruno Carazza* - Lula, um semipresidente para Arthur Lira

Valor Econômico

Enquanto presidente se encanta com atuação internacional, Lira quer ser o chefe de governo

Se alguém está interessado em saber o que está em jogo na atual queda de braços entre Lula e Arthur Lira, quais são as ambições do maior líder do Centrão e os riscos que corre o presidente da República, recomendo fortemente a leitura do “Relatório do Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater temas relacionados ao sistema de governo semipresidencialista”.

O documento de 58 páginas já tem quase um ano, mas sua atualidade é chocante. Em março de 2022, Arthur Lira instituiu um grupo de trabalho para discutir a possibilidade de mudar nosso sistema de governo para o semipresidencialismo, modelo de governo que é adotado em países como Portugal e França.

Alex Ribeiro - Dívida bruta é menor do que aparenta nos dados

Valor Econômico

Solução para depósitos voluntários é importante para evitar que planejada liberação de compulsórios não provoque um aumento da dívida bruta

Principal indicador da solvência do setor público, a dívida bruta do governo geral é menor do que aparenta nas estatísticas oficiais. O Banco Central tentou corrigir o problema com a criação dos depósitos voluntários remunerados dos bancos, mas o sistema não funcionou como esperado. Agora, trabalha para melhorar a regulamentação, com o envio de um novo projeto de lei ao Congresso Nacional.

O assunto é relevante também para permitir que, no ano que vem, quando estiver em plena operação o nosso sistema de assistência de liquidez, o Banco Central possa fazer uma redução estrutural dos depósitos compulsórios - que são elevados no Brasil e representam um dos pesos nos “spreads” do crédito bancário.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Uma escalada de sentidos saltam de falsas narrativas

"Vou nomear sempre alguém com quem possa conversar por telefone", respondeu Lula ao jornalista, quando questionado sobre a nomeação do seu "amigão pessoal" e advogado particular, Cristiano Zanin, para ministro do Supremo Tribunal Federal. Seguindo por esse caminho, para o jurista Ives Gandra, a divisão constitucional entre Poderes do Estado no Brasil tende a virar ornamento nesta imprevisível gestão de Governo.

De fato. Até a história parece perder a sua utilidade. Na semana anterior, Lula recomendou ao ditador da Venezuela, Nicolas Maduro, recebido com honras de Chefe de Estado: "Faça sua própria narrativa".   Ignorou que Maduro está com cabeça à prêmio (US$ 75 mil) por "crimes contra a humanidade", detectados por uma Comissão de investigação da Organização das Nações Unidas (ONU): expulsão de 3 a 4 milhões de famílias, perseguidas como Oposição; eleições fraudulentas; ligação com o narcotráfico; violência policial contra civis; e prisão de centenas de políticos.  São milhares de venezuelanos sendo empurrados para o Brasil (700 mil), para a Colômbia (1 milhão), para o Peru, para Chile, que perdem a cidadania. Acrescem-se a isso o desemprego e a fome no País. Os venezuelanos estão se alimentando de pombos e gatos domésticos, cachorros de rua e até ratos, no estilo dos judeus confinados pelos nazistas no Gueto de Varsóvia, na Polônia, registrado pelo escritor Leon Uris, no livro Mila 18.  Para o nosso revolucionário presidente do Brasil, entretanto, "A Venezuela é uma democracia plena". É só mudar a narrativa.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Desperdício de vacinas é um escândalo

O Globo

Enquanto cobertura de vacinados continua em queda, governo joga fora milhões de doses contra meningite

Ministério da Saúde corre o risco de ter de jogar fora quase 3,7 milhões de doses de vacina contra meningite C, cujo prazo de validade é 31 de agosto. Elas estão estocadas, sem ser distribuídas aos municípios, por falta de demanda. O descarte dessas vacinas significará o desperdício de R$ 174 milhões em dinheiro público. E não será evento isolado. Já foram incinerados mais de 33 milhões de doses contra a meningite, e outros 10 milhões poderão ter o mesmo destino nos meses seguintes. A destruição de vacinas contra a Covid-19 também já custou R$ 2 bilhões aos cofres públicos.

Mais que a perda financeira, preocupa o impacto na saúde pública. A vacina contra meningite C, forma mais grave da doença, consta do calendário infantil desde 2010 e também é indicada a adolescentes e adultos. Vacinar é fundamental, pois a letalidade da doença chega a 30%, para não falar nas sequelas nos infectados. Com o desperdício das doses, a cobertura vacinal contra a meningite está em 51,48% da população, quando deveria ser de cerca de 95%, padrão para doenças contagiosas.