segunda-feira, 24 de julho de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* ("Jacobino")

Ao se aprofundar a questão, vê-se que sob muitos aspectos a diferença entre muitos homens do Partido de Ação e os moderados era mais de '"temperamento" do que de caráter organicamente político. O termo "jacobino” terminou por assumir dois significados: existe o significado próprio, historicamente caracterizado, de um determinado partido da Revolução Francesa, que concebia o desenvolvimento da vida francesa de um modo determinado, com um programa determinado, com base em forças sociais determinadas, e que explicitou sua ação de partido e de governo com um método determinado que era caracterizado por uma extrema energia, decisão e resolução, derivado da crença fanática na virtude tanto daquele programa quanto daquele método. Na linguagem política, os dois aspectos do jacobinismo foram cindidos e se chamou "jacobino" o político enérgico, resoluto e fanático, porque fanaticamente persuadido das virtudes taumatúrgicas de suas ideias, fossem quais fossem: nesta definição, prevaleceram os elementos destrutivas derivados do ódio contra os adversários e os inimigos, mais do que aqueles construtivos, derivados do fato de se terem adotado as reivindicações das massas populares; o elemento sectário, de conventículo, de pequeno grupo, de individualismo desenfreado, mais do que o elemento político nacional.

*Antonio Gramsci(1891-1937), Cadernos do Cárcere, V. 5, p. 68-9, Civilização Brasileira, 2002

Marcus André Melo* - Patologias institucionais

Folha de S. Paulo

Temos patologias majoritárias e consocialistas no sistema político

Que tipo de arranjo institucional garante melhor governança política? Por muito tempo o debate girou em torno de duas opções polares: parlamentarismo e presidencialismo. Sua formulação clássica está em Bagehot, The English Constitution, publicada em 1867. Bagehot está mais perto de nós do que o (a) leitor (a) desconfia. Era jurista e jornalista, fundador do The Economist. Joaquim Nabuco a descobriu nas novidades da livraria Lailhacar em Recife, já em 1869.

O fascínio que exerceu sobre Nabuco é tamanho que ele intitulou o segundo capítulo do seu Minha Formação, "Bagehot". Foi a semente de suas ideias e toda uma geração, o que inclui Rui Barbosa. Para Bagehot o parlamentarismo era um modelo superior por duas razões: a eficiência e a clareza de responsabilidade que permitia. A eficiência resultava do "segredo eficiente": a fusão de Poderes Executivo-Legislativo no governo de gabinete, garantindo eficiência e governabilidade.

Carlos Pereira* - Governo e Judiciário: amor ou ódio?

O Estado de S. Paulo

O extremismo iliberal de Bolsonaro selou aliança tácita entre governo Lula 3 e STF

Episódios de retrocesso democrático envolvem ataques de outros poderes ao Judiciário. Capturar o Judiciário é essencial tanto para se livrar de um potencial ponto de veto, como para controlar a interpretação que se faz da Constituição e, assim, gerar legitimidade para potenciais ações iliberais.

Depois de analisar mais de 3 mil tentativas de substituição involuntária de juízes de Supremas Cortes em 18 países da América Latina entre 1900 e 2021, Pérez-Liñán e Castagnola (2023) concluíram que o Judiciário é mais vulnerável quando elites políticas já obtiveram sucesso de expurgar juízes anteriormente, criando assim um padrão sequencial de instabilidade e enfraquecimento do Judiciário.

Existe grande variação na frequência de substituições de juízes. Em alguns países, são raros os casos de expurgos: apenas uma vez no Chile (1927), duas vezes no Brasil (1931 e 1969) e três vezes na Costa Rica (1920, 1922 e 1948). Por outro lado, substituições foram recorrentes em El Salvador (28 vezes), Guatemala e Honduras (24 vezes) e na Bolívia (23 vezes).

Camila Rocha* - 85% apoiam taxação dos mais ricos

Folha de S. Paulo

Respaldo a medida discutida pelo governo tem crescido de forma consistente

No dia 17 de julho, em uma entrevista concedida à jornalista Mônica Bergamo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi enfático sobre a necessidade de taxar os brasileiros mais ricos. O tema deve ser discutido em maior profundidade durante a segunda etapa da Reforma Tributária, e, segundo o próprio ministro, será alvo de resistências importantes. No entanto, o petista conta com a opinião pública a seu favor.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2022 pela Oxfam Brasil, intitulada "Nós e as Desigualdades", o apoio ao aumento da tributação sobre os muito ricos estaria consolidada no Brasil. Os dados coletados no ano passado mostram que 85% dos brasileiros apoiam o aumento de impostos de pessoas muito ricas como forma de garantir educação, saúde e moradia para a população mais pobre.

Fernando Gabeira - Aos nigerianos que chegam

O Globo

Vocês chegaram ao país do carnaval. Quem sabe um dia uma escola de samba não conta sua saga no Atlântico?

Quatro nigerianos foram resgatados no Brasil depois de uma viagem de 13 dias no leme de um navio com bandeira da Libéria. Uma extraordinária aventura, com riscos de afogamento e morte por frio no Atlântico.

Um dos nigerianos sorriu quando soube que estavam no Brasil. Rindo de quê? Perguntaria alguém mais severo com o país. Mas acho que se o tema for razões para sorrir, de uma certa forma, se deram bem.

Vale sorrir ao chegar ao Brasil com um inverno tão ameno em muitos pontos do país. Junho foi de manhãs lindas, julho não ficou atrás. Claro que tudo isso revela algo mais dramático no conjunto do planeta: os americanos registraram o dia mais quente de todos os tempos; os cientistas constataram que as placas de gelo nunca estiveram tão finas nos mares da Antártica.

Demétrio Magnoli - ‘Sabedoria diplomática’

O Globo

Kissinger voltou à China, outra vez de surpresa, aos 100 anos, 52 anos depois da primeira visita

Ele voltou à China, outra vez de surpresa, aos 100 anos, 52 anos depois de sua primeira visita. Naquele julho de 1971, desembarcou em Pequim como assessor de Segurança Nacional e principal formulador da política externa de Richard Nixon. Agora, como enfatizou o governo de Joe Biden, na condição de cidadão privado, “por sua própria vontade”. Xi Jinping, contudo, recebeu o “amigo da China” e Wang Yi, uma espécie de ministro do Exterior, disse que “a política chinesa dos EUA precisa da sabedoria diplomática de Kissinger”.

A “sabedoria”, cimentada por mais de cem visitas à China, expressa-se como crítica implacável da política chinesa redefinida por Donald Trump e, nas suas linhas gerais, adotada por Biden. “Nem os EUA, nem a China, podem se dar ao luxo de tratar o outro como adversário”, explicou Kissinger, segundo o comunicado chinês.

Guerra Fria 2.0 — eis como a imprensa ocidental habituou-se a caracterizar as relações sino-americanas. O paralelo com a Guerra Fria original parece captar os impulsos da política chinesa de Washington.

Bruno Carazza* - Militares marcham lentamente aos quartéis


Valor Econômico

Ainda falta muito para Lula cumprir a promessa de desmilitarizar o governo

Quando a campanha do ano passado começou a esquentar, Lula disse num comício na Uerj: “Exército não serve para política; ele deve servir para proteger a fronteira e o país de ameaças externas”. Uma semana depois, ele subiu o tom: “Nós vamos ter que começar o governo sabendo que vamos ter que tirar quase 8 mil militares que estão em cargos de pessoas que não prestaram concursos”. Em meados de 2020, segundo os cientistas políticos Octávio Amorim Netto e Igor Acácio, 11 dos 26 ministros de Bolsonaro eram militares ou tinham vergado farda no passado. Para os pesquisadores, a cúpula das Forças Armadas decidiu embarcar no governo do ex-capitão de péssima reputação no meio militar pela oportunidade de voltar a ter protagonismo nos destinos do país, mas também vislumbrando melhorias orçamentárias e remuneratórias.

Sergio Lamucci - O superávit comercial e o trunfo das contas externas

Valor Econômico

O fortalecimento das contas externas ajuda a manter o câmbio mais valorizado e faz os investidores estrangeiros verem o Brasil de modo mais positivo

O saldo da balança comercial brasileira tem crescido com força, contribuindo para reduzir o déficit em conta corrente, que mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior. No primeiro semestre, as exportações superaram as importações em US$ 45 bilhões, um superávit 31,5% maior que o da primeira metade de 2022. Com isso, está em curso um fortalecimento adicional das contas externas do país, num momento em que o cenário global é complexo, com juros elevados nos países desenvolvidos e atividade econômica global sem dinamismo.

O superávit tem melhorado significativamente desde 2020, como nota a A.C. Pastore & Associados, a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Em 2019, o saldo ficou em US$ 35 bilhões; nos 12 meses até junho deste ano, atingiu US$ 72 bilhões. As exportações de algumas commodities têm garantido os superávits robustos - “quase 40% do valor total embarcado desde 2020 se concentra em três produtos: soja, petróleo e minério de ferro”, aponta a A.C. Pastore.

Depois da festa na Espanha, a ressaca das negociações

Esquerda e direita celebram os resultados, mas socialistas largam na frente na disputa pelo apoio de nacionalistas e nanicos

Por Alessandro Soler / O Globo

A festa de ontem à noite em frente às sedes dos dois principais partidos que disputam o governo espanhol não durou muito. Hoje era dia de madrugar e dar início a negociações que serão duríssimas para ambos os blocos — mas que, no cenário atual, têm mais chances de ser bem-sucedidas para os socialistas.

É verdade que a coalizão de esquerda que governa atualmente teve a soma das suas cadeiras no Congresso reduzida de 158 para 153, bem longe, portanto, das 176 necessárias para continuar no poder. Mas os 169 assentos que conquistaram, juntos, o direitista Partido Popular e a extrema direita do Vox são praticamente tudo o que o bloco conservador tem garantido. Enquanto isso, a colcha de retalhos de partidos nacionalistas de Catalunha, País Basco e Galícia tende a apoiar o bloco de esquerda. O problema é o preço que cobrarão para isso.

— Uma demanda de sempre dos independentistas catalães, por exemplo, é a de que o governo permita a realização de um plebiscito de autodeterminação. Essa exigência poderá ser posta sobre a mesa, como chegou a estar em 2019. Mas (o plebiscito) hoje está fora de questão para o PSOE — disse o analista político Paco Camas.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Decreto de armas é positivo, mas exigirá fiscalização

Valor Econômico

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, as armas de fogo seguem sendo o principal instrumento utilizado para matar no Brasil

Conforme prometido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral, o governo federal anunciou na sexta-feira a edição de um novo decreto para restringir o acesso a armas e munições no Brasil. A boa notícia, depois do que se convencionou chamar de “liberou geral” promovido pela administração Jair Bolsonaro, era esperada até por quem queria evitá-la. Trata-se, contudo, de uma questão matemática: quanto mais armas e munições em circulação, maior também é a probabilidade de eventos violentos com armas de fogo ocorrerem país afora.

Há alguns números que precisam ser levados em consideração nesta discussão, os quais foram divulgados também na semana passada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.