terça-feira, 15 de agosto de 2023

Merval Pereira - Queda de braço

O Globo

Por ter “poder demais”, a Câmara pretende impor ao governo suas vontades.

O cancelamento da reunião que os líderes partidários teriam na casa do presidente da Câmara para discutir a votação do arcabouço fiscal só confirma que Arthur Lira preside a Casa com mão de ferro e tem, mesmo, muito poder, como comentara o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Lira teria ficado irritado com o comentário e mostrou sua força adiando uma discussão de tema fundamental para o governo federal.

Haddad havia dito que a Câmara não podia usar o poder que tem para humilhar o Executivo e o Senado, referindo-se ao fato de a palavra final sobre o assunto agora estar com a Câmara, depois de votações nas duas Casas. A Câmara está “com um poder que nunca vi na minha vida”, disse Haddad em podcast do jornalista Reinaldo Azevedo divulgado ontem.

Tem razão o ministro da Fazenda e, justamente por ter “poder demais”, a Câmara pretende impor ao governo suas vontades. Quer aumentar o fundo eleitoral, já escandalosamente alto — cerca de R$ 5 bilhões — e que também as emendas de comissões, no valor de R$ 7,5 bilhões, sejam impositivas, como outras emendas. Mas quer também controlar o ritmo dos repasses, impedindo que o governo controle o fluxo de acordo com suas necessidades.

Carlos Andreazza – Catadão

O Globo

O novo PAC, o terceiro, consiste num apanhadão de projetos já existentes — em andamento ou prometidos, viáveis ou não. Nenhuma novidade na forma inflada. É tão grande que conterá — basta fazer as contas — o governo e quem lhe passar na frente. Nenhuma novidade tampouco no mau humor do maledicente, para quem o PAC garantirá o país do futuro por meio do país do passado.

O truque — a abertura de um guarda-chuva publicitário, sob o qual tudo botar — é tão antigo quanto manjado. As versões anteriores do Programa de Aceleração do Crescimento sempre aceleraram sobretudo — e antes de tudo — nos outdoors. Não raro em detrimento da governança e da qualidade na execução.

O Brasil virou um grande PAC, e o Rio de Janeiro um sergiocabral permanente. Diria mesmo eterno. Em tempos de orçamento secreto e emendas Pix, nunca será excessivo atentar para a capacidade de um programa de aceleração atropelar o princípio da transparência. Em tempos de distribuições pela formação de base de apoio parlamentar, nunca será exagerado imaginar o aceleramento, via PAC, das codevasfs e outras funasas.

Dora Kramer - Assim é porque parece

Folha de S. Paulo

Bolsonaro precisa provar que só ele não viu os ilícitos registrados em palavras e imagens

A rotina de baixezas ilícitas, aliada à ofensiva golpista reiterada verbalmente por Jair Bolsonaro várias vezes e materializada por seus seguidores em 8 de janeiro, caminha para mais dia, menos dia levá-lo à prisão. Ele mesmo aventa em público tal desfecho na tentativa de se aplicar a vacina de vítima do "sistema".

Pois o processo investigativo que atua para desvendar o conjunto da obra destrutiva erigida num governo que segundo avaliação da Polícia Federal abrigou uma "organização criminosa" fecha o cerco sobre o ex-presidente. Não como mártir, mas na figura do algoz.

Alvaro Costa e Silva - Nada fica escondido para sempre

Folha de S. Paulo

Organização criminosa fez de tudo para manter-se no poder e continuar faturando

O golpe de Estado era uma etapa do golpe das joias. Não por acaso a investigação sobre os atos antidemocráticos levou à descoberta da organização criminosa ligada a Bolsonaro. Esqueça Deus, pátria, família: o negócio era grana. A quadrilha fez de tudo —até transformar o avião da Presidência em mula de muamba— para manter-se no poder e continuar faturando.

É espantoso pensar na facilidade com que o ex-presidente corrompeu as instituições, a começar pela Polícia Federal, que hoje o desmascara com a Operação Lucas 12:2. Na reunião ministerial de 2020, aquela da boiada, ele admitiu ter um sistema particular de informações e, para não ser surpreendido, iria intervir nas agências de segurança. Na PF, trocou o diretor-geral, em média, a cada 12 meses e afastou dezenas de delegados; a PRF foi entregue a um assecla, Silvinei Vasques, que dificultou o trânsito de eleitores.

Andrea Jubé - Um pé em cada canoa na política

Valor Econômico

Uma habilidade tão antiga, que se pode dizer secular

A habilidade de alguns caciques políticos de navegar em águas nem sempre tranquilas com um pé em cada canoa é uma arte secular. Remonta ao teatro italiano do século XVIII, à farsa mirabolante e ao humor cínico característicos da commedia dell’arte .

Escrita pelo veneziano Carlo Goldoni em 1745, a peça “Arlequim, servidor de dois amos” - um clássico dessa dramaturgia - revela uma afinidade espantosa com a atual conjuntura política, em que dirigentes de partidos políticos proclamam a independência do governo federal com a mesma naturalidade com que negociam ministérios com o presidente da República à luz do dia.

As semelhanças da peça com o cenário político brasileiro são salientes. “Mas essa é boa mesmo: tanta gente que não consegue sequer arranjar um patrão, e eu arrumei logo dois, vejam só”, tripudiou Trufaldino, o Arlequim na trama em questão. “Mas não posso ser o criado dos dois”, refletiu, por alguns segundos.

Daniela Chiaretti - A história do sindicalista que inventou a transição justa

Valor Econômico

Americano Anthony Mazzocchi cunhou o termo que se tornaria a principal contribuição sindical à política de transição verde

 “A transição é inevitável; a justiça, não”, diz o site da Climate Justice Alliance, movimento americano que nasceu há dez anos e reúne gente de Michigan, Indiana, Nevada e Califórnia. A intenção, diz ali, é incluir na transformação verde da sociedade aspectos de raça, gênero e classe social. Alguns de seus membros são comunidades de Detroit, a cidade que moldou sua fama e decadência à luz da indústria automobilística. Do lado de lá do Atlântico, a Comunidade Econômica Europeia tem sigla e mecanismo para não deixar ninguém pra trás na transformação verde do bloco. O JTM, ou Just Transition Mechanism, busca mobilizar €55 bilhões para o período 2021-2027 e aliviar os impactos socioeconômicos da economia descarbonizada nas regiões mais afetadas. Áreas mineradoras de carvão são prioridade. No Brasil, contudo, o tema é pouco sexy.

Míriam Leitão - O que impede o acordo com a União Europeia

O Globo

UE exigiu do Brasil o inaceitável para fechar a negociação. Além disso, a sombra da extrema direita na Argentina prejudica o avanço do acordo entre os blocos

A União Europeia exigiu o inaceitável durante os recentes desdobramentos da negociação. Quer que a aferição do desmatamento da Amazônia não seja feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE. Quer impor o monitoramento por institutos europeus. O INPE é uma instituição que custou a ser feita, exigiu grande empenho e investimento por décadas, e recentemente sobreviveu ao ataque frontal do governo Bolsonaro. Imagina se seria o governo Lula a aceitar que ele seja colocado de lado, em favor do que quer que fosse?

Há outros pontos de dificuldades, no item compras governamentais, mas a tentativa de tirar o INPE de seu papel institucional é que se tornou uma pedra inamovível neste acordo. O governo não tem entrado em detalhes, e quando critica os europeus fala apenas do protecionismo, principalmente o francês, que é notório. Mas o que realmente pegou foi isso.

Maria Cristina Fernandes - Ameaça de dolarização sobre Mercosul é a principal preocupação do Brasil

Valor Econômico

Javier Milei, candidato de extrema direita à presidência argentina e vencedor das eleições primárias, defende dolarizar a economia e fechar o Banco Central

Dois dias depois das prévias lideradas pelo candidato da extrema direita, Javier Milei, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontra, nesta terça-feira, o presidente argentino Alberto Fernández na posse de Santiago Peña na Presidência do Paraguai.

No governo brasileiro espera-se que as restrições orçamentárias hoje vigentes no país já sejam suficientemente conhecidas para que não se reprise nova rodada de pressões por uma ajuda financeira a pretexto de evitar a eleição de Milei no pleito presidencial de outubro.

A maior preocupação é a preservação do Mercosul. O bloco dificilmente resistiria a uma Argentina dolarizada, como vaticina Milei. Não é o único bloco que preocupa. A Argentina ainda pode vir a ser um peso morto para a presidência brasileira no G20, uma vez que o país vizinho tem assento permanente no bloco.

Hélio Schwartsman - O anarcocapitalista

Folha de S. Paulo

Triunfo de Milei nas prévias argentinas preocupa, mas corrida ainda está aberta

triunfo de Javier Milei nas primárias abertas obrigatórias (Paso) na Argentina preocupa, mas deve ser relativizado. Preocupa porque Milei, que se autoclassifica como anarcocapitalista, tem pouco apreço pelas instituições. Já disse que fecharia o banco central, extinguiria o peso como moeda nacional e sairia do Mercosul. Também se declara admirador de Bolsonaro, uma péssima referência.

O fato de Milei ter se saído bem nas Paso, contudo, não significa que já ganhou. Em termos de forças políticas, há um virtual empate triplo. Milei ficou com 30,04%; o bloco da direita liberal tradicional, que terá Patricia Bullrich como candidata, obteve 28,27%; e os peronistas, agora "unidos" em torno de Sergio Massa, amealharam 27,27%.

Joel Pinheiro Machado - Javier Milei e a imprensa

Folha de S. Paulo

Rotular presidenciável como de 'extrema direita' mais confunde do que informa

Se tem um país cujo povo está justificado em querer varrer o establishment para longe, esse país é a Argentina. São décadas de decadência que tanto a esquerda quanto a direita só fizeram agravar. Hoje, com inflação a 115%, juros a 118% ao ano e miséria galopante, a escolha por alguém com uma proposta econômica simples, radical e revolucionária —e que promete desbancar as elites políticas e tecnocráticas que governaram pelas últimas décadas— fica bem compreensível.

E é isso que Javier Mileivencedor das primárias e favorito para a eleição, representa. Ele se define como "anarcocapitalista", ou seja, a versão mais radical da defesa da propriedade privada, da autodeterminação individual e da livre iniciativa. Defende dolarização da economia, abertura econômica unilateral, legalização das drogas.

Eliane Cantanhêde - O Bolsonaro da Argentina

O Estado de S. Paulo

Milei assusta Lula, ameaça Mercosul e gera temor de guinada pró-extrema direita na América do Sul

O bolsonarismo afunda no Brasil, mas emerge na Argentina em crise. A vitória do economista de extrema direita Javier Milei nas prévias que definiram os candidatos presidenciais assusta o governo Lula, ameaça o Mercosul e o acordo comercial com a Europa e gera o temor de uma nova guinada à direita na América do Sul. Milei é o homem errado, no lugar errado, na hora errada.

Já chamado de “Bolsonaro da Argentina”, ele entra como favorito na disputa pela presidência ao defender ideias como a privatização da educação e da saúde e com um bordão que exprime o oportunismo de candidatos de extrema direita por aí, que foi relevante, inclusive, para a chegada ao poder de Jair Bolsonaro, capitão insubordinado e péssimo parlamentar, no principal país da região: “Um chute na bunda dos políticos”, atiça.

Luiz Carlos Azedo - Adeus, Evita! O peronismo sofreu sua derrota histórica

Correio Braziliense

Foi um assombro a vitória do candidato de extrema direita Javier Milei, cujas principais propostas econômicas são dolarizar a economia e fechar o banco central da Argentina

O musical Evita estreou na Broadway na década de 1970. Patti LuPone foi a primeira atriz a viver seu mito nos palcos. Desde então, o musical nunca deixou de ser encenado. A versão cinematográfica, lançada em 1996, protagonizada pela cantora Madonna, depois de ela própria estrelar o musical, foi outro sucesso de bilheteria. O segredo foi o fascínio que Eva Perón exerceu ao lado do marido, Juan Domingo Perón. Evita não era santa, como acreditam muitos argentinos, mas ela deu dignidade ao povo em sua trajetória política.

Perón foi presidente da Argentina entre 1946 e 1955. Em 1955, viúvo da carismática Evita, que fascinava “los cabecitas negras”, não teve como resistir aos conservadores e pecuaristas. Fugiu pelo o Paraguai, passou por Panamá, Venezuela e República Dominicana e se instalou em Madri, na Espanha franquista. Lá, organizou o movimento peronista, formado por facções à esquerda e à direita, que dariam origem aos grupos de extermínio do “triple A” e à guerrilha de “Los Montoneros”, respectivamente.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - É desse mato que deve sair coelho?

Desafios,  projetos e sonhos   fazem parte da cesta de promessas  que o  governo  está oferecendo para manter estável a governabilidade durante o atual mandado (2003-2027). São gastos da ordem de 1,7 trilhão  de reais para os próximos quatro anos. Mas, não se fala explicitamente em investimentos - novas obras e iniciativas -  já que essa terceira versão petista do PAC- Programa de Ação Concentrada anunciada, teatralmente, no Rio de Janeiro,   começa com retomada das 8.600 obras paralisadas há vários anos, segundo o TCU, embora, a maioria, já tenham sido inauguradas no passado. 

O total   que dá margem a essas projeções de gastos públicos,  corresponde à soma de R$ 370 bilhões  do Orçamento da União ; mais R$ 343 bilhões  dos cofres  das empresas estatais;  mais R$ 362 bilhões de linhas de financiamentos bancários ; e, ainda,  R$ 612 bilhões da iniciativa empresarial com concessões com o governo.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Sucesso de Milei na Argentina deve servir de alerta

O Globo

Vitória do populista nas primárias é sinal da ameaça da extrema direita no continente americano

O candidato populista de extrema direita à Presidência da ArgentinaJavier Milei, foi o mais votado domingo nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), fase em que os eleitores determinam os nomes na cédula do primeiro turno, previsto para 22 de outubro. Com 30% dos votos, Milei, do partido A Liberdade Avança, ficou à frente da coligação de centro-direita Juntos pela Mudança (28,2%), liderada por Patricia Bullrich, e da peronista União pela Pátria (27,2%), encabeçada por Sergio Massa. Os peronistas amargaram um inédito terceiro lugar, com o pior desempenho desde a redemocratização.

Não surpreende que um político demagogo, quase caricato, como Milei tenha se aproveitado do naufrágio do peronismo. De certa maneira, a surpresa é que tenha demorado tanto. Nas últimas duas décadas, a Argentina seguiu à risca o roteiro que a torna, desde os anos 1930, o exemplo de maior decadência econômica em tempos de paz nos últimos séculos. Não bastasse o populismo econômico de Néstor e Cristina Kirchner, o ex-presidente Mauricio Macri errou ao apostar no endividamento externo e engendrou mais uma bancarrota argentina.