sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Fernando Abrucio* - Democracia, uma aliada de Lula

Eu & / Valor Econômico

Esperava-se que o presidente deixaria para trás qualquer resquício de um esquerdismo autoritário que ainda ronda alguns de seus apoiadores. Só que não

Duas coisas definem o sucesso dos governantes: aproveitar os fatores que os favorecem e eliminar ou reduzir ao máximo os problemas que podem prejudicá-los. O terceiro governo Lula tem vários desafios pela frente, como a dificuldade em montar a maioria congressual e o legado extremamente negativo deixado por Bolsonaro, mas também pode se fortalecer com uma boa gestão da economia e com a sua maior sensibilidade para as políticas sociais. O presidente da República ainda não percebeu, contudo, que precisa apostar mais, sem titubear, na defesa da democracia como uma de suas aliadas mais importantes em prol do seu fortalecimento político e de um projeto de país.

De boa-fé, ninguém pode dizer que a trajetória de Lula tenha sido contrária à democracia. Ele virou um líder político a partir de sua luta contra o regime militar, foi essencial para a redemocratização brasileira e exerceu dois mandatos cumprindo estritamente as regras democráticas - e até as ampliou, com a criação de várias arenas de participação social. Como governante, comportou-se muito diferente de líderes políticos latino-americanos como Fidel Castro ou Hugo Chávez, estes sim pertencentes a uma linhagem de autoritários de esquerda.

José de Souza Martins* - O retorno à ordem

Eu & / Valor Econômico

O Brasil não pode cometer o erro de agir agora, apesar da normalidade ritual do dia 7, como se a ordem tivesse sido restabelecida depois dos quatros anos de tumulto político e baderna governamental

O 7 de Setembro, em princípio, confirmou o retorno do Brasil à ordem. Os oficiais-generais bateram continência para o presidente da República como é do regulamento. Nenhum oficial das Forças Armadas é dono de sua patente nem chegou a ela por direito de nascimento. O presidente da República recebeu as continências que lhe eram devidas, como é de lei, nem poderia recusá-las pois nunca é continência à sua pessoa, mas à sua função.

Somos um país que tem dificuldade para distinguir, na política, a pessoa que ocupa uma função, qualquer que seja, da função ocupada. Aqui, as funções grudam na pessoa como se fossem atributos de nascimento. Vimos isso, mais uma vez, nas eleições passadas. O eleitorado deu anômala preferência para fardados que agregaram ao nome civil a função militar eventualmente ocupada. O que sugere ao eleitor que o candidato vai ao parlamento como polícia, para mandar na instituição e não para representá-lo.

O mesmo acontece com os numerosos pastores evangélicos eleitos para as casas do Congresso que agregam ao nome o título de “pastor”. O que pode estar induzindo o eleitorado evangélico a escolher seus candidatos como se estivesse enviando um missionário e não um representante ao parlamento.

Flávia Pellegrino* - Dia da Democracia: pauta urgente, agenda permanente

Folha de S. Paulo

Mais que celebração, data lembra que tema permanece central na vida nacional

mundo vive uma onda recorde de autocratização. Segundo relatório do Instituto V-Dem, em 2022 o número de ditaduras superou o de democracias liberais pela primeira vez em mais de duas décadas, em um cenário em que o nível democrático global regrediu ao que se observava na década de 1980 e cuja estimativa é de que 72% da população mundial viva sob regimes considerados autocráticos.

O estudo do instituto sueco aponta que nos últimos anos o Brasil vinha figurando entre os expoentes desse processo, mas pondera que o retorno do campo democrático ao governo federal com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indica uma reversão do curso de autocratização do país. Sendo assim, nesse contexto em que as democracias estão em grave refluxo através do planeta, o Brasil vive uma janela de oportunidade para a retomada da sua construção democrática.

Reinaldo Azevedo - Golpismo no tribunal e escolhas éticas

Folha de S. Paulo

Existe um modo vicioso e falso de combater o bolsonarismo

Há duas formas primárias de se opor ao bolsonarismo. Uma é virtuosa e concorre para enfraquecê-lo. A outra é viciosa porque falsa. Fortalece aquilo que diz combater. O início do julgamento dos golpistas de 8 de janeiro, com Nunes Marques propondo dois aninhos e meio de regime aberto para depredadores dos Três Poderes, talvez contribua para que algumas almas que andaram um tanto confusas, a zanzar pelos círculos do inferno, encontrem o bom caminho. Não será ainda o paraíso; apenas a fuga de certo estado de confusão mental. Já é um ganho. Infelizmente, não há um Virgílio para nos advertir e nos instruir sobre os perigos das profundezas. Nem uma Beatriz a nos guiar para a salvação. É uma pena! Estamos todos cá, dentro de nós, obrigados a fazer escolhas, nem que seja o mal menor. Do que falo?

Vinicius Torres Freire - Boa notícia para Lula no Datafolha

Folha de S. Paulo

Ódio político e demora de nova melhoria econômica criam teto para prestígio presidencial

Depois de quase nove meses de governo, a avaliação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva permanece na mesma: 38% de "ótimo ou bom", diz a pesquisa Datafolha publicada nesta quinta-feira. É melhor do que a do governo das trevas de Jair Bolsonaro depois do mesmo tempo de mandato (29%). Bolsonaro perdeu muito voto e prestígio em pouco tempo.

É pouco? A nota de Lula 3 está abaixo da que tinham Lula 1, FHC 1 e Dilma 1 em nove meses de governo, por aí. Em 2003, em seu primeiro ano de primeiro mandato, Lula teve em média 43% de "ótimo ou bom" nas pesquisas Datafolha.

Em 2004, 39%. No ano de 2005 do mensalão, baixou a 32%.

O prestígio do presidente começaria a subir sem parar apenas no final de 2006, terminando o governo, em 2010, com impressionantes 77%. Então, a economia do Brasil crescia no ritmo mais rápido desde os anos 1970.

Vera Magalhães - Quase todos unidos pelo retrocesso

O Globo

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, é voz isolada contra pacote do retrocesso na legislação eleitoral, mas não deve conter aprovação

Quando PL, PT e praticamente todos os partidos do Brasil se unem em torno de propostas como o pacote que, de uma tacada só, anistia as infrações eleitorais passadas e afrouxa as regras para o futuro, são diminutas as chances de que a reação da sociedade ou uma tentativa isolada como a do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, consigam conter um imenso retrocesso.

É diante desse cenário de uma união quase total que avançam, sob a batuta de Arthur Lira, duas propostas de emenda à Constituição que, com texto propositalmente confuso e subliminar, minam de uma vez todos os controles da Justiça sobre gastos eleitorais com dinheiro público e as regras que visavam a garantir um mínimo de equidade de gênero e racial nas candidaturas e, consequentemente, na representação parlamentar.

É ensurdecedor o silêncio de muitas mulheres em postos de poder — que têm feito o discurso da necessidade de as mulheres terem voz e voto na política — diante do avanço da PEC da Anistia às infrações de 2022, inclusive às regras de cotas e destinação de recursos a candidaturas femininas, e diante da “minirreforma” eleitoral, que visa a fazer letra morta dessas iniciativas recentes.

Ruy Castro - Etiqueta dos poderosos

Folha de S. Paulo

Presidentes, ex ou no cargo, devem ser chamados de presidentes. Mas, agora, temos uma exceção

Em 1990, na posse de Fernando Collor na Presidência, um seu colega das noites do Rio em 1980 foi a Brasília abraçá-lo. Sobreviveu à fila, estreitou-o e disse: "Que maravilha, Fernando! Parabéns!". Collor desvencilhou-se e respondeu, gelado: "Presidente Collor para você". O amigo voltou triste para o Rio. Ao chegar à casa, foi informado de que Collor sequestrara sua poupança —a dele e a do povo brasileiro.

Bruno Boghossian - O centrão quer ser feliz

Folha de S. Paulo

Aliança vai depender de dinheiro para bases eleitorais e benefícios da associação com o governo

A turma do centrão sabe fazer um bom negócio. Dois ministérios do grupo devem ficar com o controle de quase metade da verba arrecadada com a taxação de apostas esportivas. A proposta inicial do governo era destinar R$ 117 milhões ao Ministério do Esporte no ano que vem, mas a Câmara incluiu na divisão o Ministério do Turismo e engordou a previsão para R$ 311 milhões.

A partilha foi aprovada pelos deputados no dia da posse de André Fufuca (PP). Ainda que seu partido mantenha um discurso de independência, o novo ministro do Esporte elogiou Lula ("um gigante na história") e se comprometeu a trabalhar para escoar o dinheiro do Orçamento federal até os municípios.

Bernardo Mello Franco - A hora e a vez de Fufuca

O Globo

Eleitor de Bolsonaro em 2022, novo ministro exalta Lula, reclama de trocadilhos com apelido e festeja entrada na "primeira divisão da política"

Aos 34 anos, André Fufuca chegou lá. Virou ministro de Estado, num arranjo para acomodar o Centrão no governo. Ao assumir o novo cargo, o maranhense se disse promovido à “primeira divisão da política”. E reclamou dos céticos que ainda duvidam de seu potencial. “Não me digam que eu não conheço o setor de esporte e por isso não serei um bom ministro. Aquilo que não conheço, vou aprender”, prometeu.

Filho do prefeito Fufuca Dantas, de quem herdou votos e apelido, o novo ministro se disse vítima de preconceito. “Muitos têm feito trocadilhos e piadas com meu nome”, lamuriou-se. “Tenho orgulho de ser o André Fufuca, aquele jovem que saiu do castigado Nordeste em busca de meios para ajudar o povo”, prosseguiu. Era só o começo de uma longa série de autoelogios.

Flávia Oliveira - Racismo escancarado

O Globo

Em 132 anos, o STF teve 171 ministros. Apenas três eram homens negros e três mulheres brancas

Duas décadas atrás, na esteira da Conferência Mundial contra a Discriminação Racial, em Durban (África do Sul), um conjunto de organizações da sociedade civil, sob protagonismo do movimento de mulheres negras, pôs na rua a campanha “Onde você guarda o seu racismo”. Até o lançamento, em 2004, a iniciativa colheu, em espaços públicos do Rio de Janeiro, três centenas de depoimentos, transformados em anúncios de TV, spots para rádios, outdoors, cartazes. A enquete tinha a intenção de tirar o véu da democracia racial e provocar brasileiros e brasileiras sobre o preconceito que levavam. Afinal, só guarda quem tem.

Rogério F. Werneck - A expansão fiscal e o Congresso

O Globo

Tendo entrado no rotativo, o governo passou a pagar a totalidade dos juros com novas emissões de dívida

O debate econômico que hoje se trava no país está mesmo fora dos trilhos. Já há até quem argumente que, tendo aprovado o arcabouço fiscal, o Congresso estaria agora obrigado a viabilizar o colossal aumento de receita de que o governo “precisa” para levar adiante seu desajuizado programa de expansão de gastos.

É preciso entender com clareza o que ficou estabelecido na lei complementar que permitiu ao governo se livrar do teto de gastos e instaurou o atual arcabouço de expansão fiscal. Em qualquer circunstância, o valor real do dispêndio primário do governo terá expansão de no mínimo a 0,6% ao ano.

Claudia Safatle - Mistérios da inflação e do crescimento da economia

Valor Econômico

Não está claro por que os preços estão perdendo força mesmo com um avanço maior do PIB

Há algo de muito positivo nos preços dos serviços, que caíram mais do que seria razoável esperar, que leva os analistas a questionamentos sobre qual era o tamanho, de fato, da ociosidade da economia, se ela estava sendo medida de maneira correta. A taxa de crescimento também surpreendeu - ficou em 0,9% no segundo trimestre, indicando uma variação do PIB de cerca de 3% para este ano.

O que esta fazendo a inflação cair mesmo com um crescimento maior do PIB? O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, arriscou um palpite há pouco mais de um ano. Para ele, pode ser o conjunto de reformas que o governo fez, a começar pelas da Previdência e a trabalhista, assim como a aprovação de uma lei para conter a expansão do gasto público - que foi agora substituída pelo arcabouço fiscal, que permite o crescimento do gasto - e, na área mais microeconômica, os marcos regulatórios do saneamento e do gás.

César Felício - Governo tenta jogar retrancado no Congresso

Valor Econômico

O que se pode almejar, da perspectiva do Planalto, é estabelecer uma linha de contenção para frear o avanço de pauta própria do Congresso

A entrada do PP e do Republicanos na Esplanada dos Ministérios, consumada essa semana, está longe de resolver a vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso. Seja entre dirigentes partidários, lobistas, articuladores do governo no Congresso e parlamentares do Centrão, a análise do cenário é uma só: o governo precisa jogar na retranca.

Não é hora de avançar com pautas prometidas durante a campanha eleitoral. O que se pode almejar, da perspectiva do Planalto, é estabelecer uma linha de contenção para frear o avanço de pauta própria do Congresso que confronte diretamente a base social do governo Lula. É neste sentido, o de freio, que a chegada de Fufuca e Costa Filho no Ministério pode funcionar de alguma maneira.

Pululam na Câmara e no Senado, pautas que, de uma maneira ou de outra, tiram as rédeas das mãos do governo. Uma delas, posta para circular pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a PEC 32, da reforma administrativa.

Fernando Gabeira - Crise climática invade Vale do Jequitinhonha

O Estado de S. Paulo

Quanto mais cedo o Brasil compreender a grandeza do seu potencial e a gravidade da crise, mais perto estaremos de ter alguma coisa que possa chamar de futuro

Acabo de chegar do Vale do Jequitinhonha, onde fiz dois programas de TV. Além de contar a história em imagens, fiz algumas anotações que me parecem úteis. A primeira delas é constatar que a emergência climática planetária chegou a uma região específica do Brasil, trazendo muitas mudanças. De outras maneiras, isso pode acontecer em muitos lugares, daí a importância de chamar a atenção, de novo, para o dado essencial do momento: a emergência climática está empurrando os países ocidentais e também a China e o Japão a buscarem uma economia de baixo carbono.

Uma das formas de reduzir as emissões, a mais rápida e visível, é substituir os carros movidos a gasolina por carros elétricos. Aí entra a importância do Médio Jequitinhonha, onde há muitas jazidas de lítio.

Eliane Cantanhêde - Golpe nunca mais!

O Estado de S. Paulo

STF: o 8/1 foi tentativa de golpe, as punições são exemplares e estão só começando

A condenação dos primeiros réus pela tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 apavora os 1.345 acusados como executores, gera pessimismo nos 232 casos considerados mais graves e praticamente sela o destino dos próximos três do, digamos, primeiro pelotão. Isso, porém, é só uma parte do julgamento, que vai chegar a financiadores, divulgadores, núcleo político – e o, ou os “mandantes” –, com um recado histórico, pela democracia e as instituições: golpe nunca mais!

Afora o efeito colateral de tirar do foco os erros e recuos do presidente Lula, que parece bolinha de pingue-pongue, para lá e para cá, o julgamento no Supremo tem um caráter pedagógico, com punições “exemplares”, como definiu a PGR. A curiosidade é que, em vez de defenderem seus clientes, os advogados relevam o golpe e criticam a Justiça.

Luiz Carlos Azedo - O político por vocação e a política como negócio

Correio Braziliense

Se a política não der resposta à "vida banal" da sociedade, num processo em que as demandas dos cidadãos não são levadas em conta, haverá uma onda popular antissistêmica

A aprovação da minirreforma eleitoral pela Câmara, com algumas medidas cujos objetivos são eminentemente conservadores, eticamente duvidosos e moralmente condenáveis, suscita reflexão profunda sobre a atuação recente dos políticos em defesa de seus próprios interesses e a qualidade das suas relações com a sociedade, a partir das políticas públicas. A propósito, o professor Marco Aurélio Nogueira, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual Paulista(Unesp), autor de As possibilidades da política e Em defesa da política, defende a tese de que há três políticas que se correlacionam e deveriam interagir de forma positiva, num ambiente democrático, sem embargo de suas contradições: a dos políticos, a dos técnicos e a dos cidadãos.

Marco Aurélio, no seu livro mais recente, As ruas e a democracia — ensaios sobre o Brasil contemporâneo, também fala das demandas "hipomodernas" da sociedade e das dificuldades de o sistema político compreender e dar respostas satisfatórias às mudanças, o que vem sendo um fator de crise das democracias representativas no mundo. A questão é saber se as respostas dos políticos a isso estão sendo as mais adequadas.

O que a mídia pensa: editoriais /opiniões

STF tem chance de rever decisão sobre Odebrecht

O Globo

Descoberta de pedido de cooperação à Suíça desperta dúvida sobre argumentos usados por Toffoli

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem diante de si a oportunidade de rever a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli que anulou o acordo de leniência firmado pela Odebrecht com o Ministério Público na Operação Lava-Jato. Isso porque foi desmentido um dos principais argumentos usados por Toffoli para tomar a decisão — a alegada inexistência de um pedido oficial de cooperação jurídica das autoridades do Brasil às da Suíça, país de onde veio a maior parte das provas usadas contra a Odebrecht.

Depois de negar ter encontrado qualquer pedido, o Ministério da Justiça enviou nesta semana ao Supremo um ofício afirmando ter localizado a solicitação feita pelos procuradores. No ofício, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do ministério afirma ter encontrado a demanda feita pelo Ministério Público em junho de 2016, seis meses antes do acordo de leniência, fechado em dezembro daquele ano.