domingo, 29 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Combater milícias exigirá mais que operações policiais

O Globo

É necessário seguir práticas de sucesso contra máfias do mundo todo: asfixia financeira e inteligência

A semana que passou expôs de modo cruel o poder das milícias no Rio de Janeiro. Depois da morte de um de seus líderes em confronto com a Polícia Civil, a reação semeou o caos: 35 ônibus, quatro caminhões, um trem e automóveis foram incendiados, espalhando tensão por sete bairros, ou mais de 1 milhão de habitantes. Uma série de reportagens publicada pelo GLOBO tem esmiuçado os tentáculos dessas organizações criminosas, salientando a urgência de uma estratégia consistente para desarticulá-las.

Criadas há quase 20 anos a partir de grupos de policiais organizados para combater o tráfico por conta própria, as milícias rapidamente se constituíram num poder paralelo que hoje controla vastas extensões do Rio. Ao todo, uma área de 284 quilômetros quadrados da Região Metropolitana, onde vive um terço dos 6,2 milhões de cariocas, está sob influência das milícias, de acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Merval Pereira - Cada um por si

O Globo

Com a declaração do presidente em uma coletiva para cerca de 40 jornalistas brasileiros, Lula boicotou seu próprio programa de governo, baseado em promessa inexequível de zerar o déficit público

O Presidente Lula nunca foi cauteloso em suas falas mas, sobretudo em momentos delicados, tinha a preocupação pontual de se conter em situações que poderiam colocar em risco a política econômica de seus governos. No primeiro mandato, contido pelo então ministro da Fazenda Antônio Palocci, conseguiu reverter uma situação delicada mantendo o objetivo de equilíbrio fiscal. No terceiro mandato, parecendo convencido de que tem o direito de dizer o que quer na hora que bem deseja, Lula anuncia ao mundo que seu governo não tem nenhum compromisso com o fim do déficit fiscal.

Ele nem sequer adiou a meta, defendida com unhas e dentes pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. Já se sabia que Haddad enfrentava fortes barreiras dentro do próprio PT, mas esperava-se que tivesse o apoio de Lula. Com a declaração do presidente em uma coletiva para cerca de 40 jornalistas brasileiros, Lula boicotou seu próprio programa de governo, baseado em promessa inexequível de zerar o déficit público.

Míriam Leitão - Governo Lula contrata risco

O Globo

Na semana que completa dez meses, o governo Lula entregou a Caixa ao Centrão e sentiu o peso da crise de segurança do Rio de Janeiro

Aos dez meses do terceiro governo Lula, ele entregou a Caixa Econômica para o Centrão, deu o primeiro passo para permitir ocupação política na Petrobras, recebeu respingos de um caso de espionagem criado no governo Bolsonaro e sente o peso da velha crise de segurança do Rio. Essa é a hora em que a administração deveria corrigir rotas e fazer escolhas para garantir o sucesso nos próximos três anos e dois meses deste mandato.

Aceitar a ocupação política das estatais é contratar riscos. Já houve tantos casos, em diversos governos, em que as indicações dos partidos resultaram em escândalos que é difícil imaginar que será diferente. A troca na Caixa teve ainda outro simbolismo. Mais uma demissão de mulher para dar o cargo a um homem. Lula explicou que precisa dos 100 votos deles. Precisa sim, mas é temerário entregar um banco tão simbólico e importante como esse.

Bernardo Mello Franco - Mãos ao alto, é um acordo!

O Globo

Ao demitir presidente da Caixa, Lula se rende a Lira e cede mais uma vez à chantagem do Centrão

Em setembro, Arthur Lira anunciou as condições para destravar a pauta econômica do governo. O chefão da Câmara havia acabado de emplacar o afilhado André Fufuca no Ministério do Esporte. Apesar disso, não estava satisfeito. Exigia a Caixa Econômica Federal “de porteira fechada”. “Esse foi o acordo”, informou, em entrevista à Folha de S.Paulo.

A cobrança pública irritou Lula, que pôs a troca em banho-maria. “Só eu tenho o direito de colocar, só eu tenho o direito de tirar”, reagiu. Lira segurou a língua, mas continuou a bloquear as votações na Câmara. Na quarta-feira, o deputado venceu o cabo de guerra. O presidente demitiu a presidente da Caixa, Rita Serrano, e entregou o comando do banco ao Centrão.

Elio Gaspari - A empulhação da segurança

O Globo

Pela lógica, os bandidos delinquem, mas não faz sentido que as autoridades federais, estaduais e municipais cultivem a arte de empulhar o público. Depois do que aconteceu no Rio, Lula tirou do baralho a carta dos militares e saiu-se com a seguinte platitude:

“Eu já conversei com o Flávio Dino e vou conversar com o Múcio (Defesa). Vamos usar a estrutura dos Ministérios da Justiça e da Defesa para ajudar a combater o crime organizado e a milícia no Rio”. Se conversa resolvesse, o crime não estaria solto e se as estruturas existentes servissem para alguma coisa, as milícias e as quadrilhas não teriam chegado ao nível em que estão.

Coisas como criar (ou extinguir) o Ministério da Segurança Pública, inventar forças-tarefa ou mudanças nas leis são apenas truques verbais.

Janaína Figueiredo* - Milei não é Bolsonaro, e Argentina não é Brasil

O Globo

Os dois países e suas eleições não podem ser comparados quando num deles existe um movimento como o peronismo

Desde que o líder da direita radical argentina Javier Milei surgiu em cena, nas eleições Legislativas em 2021, as comparações com o ex-presidente Jair Bolsonaro foram e são frequentes. O resultado do primeiro turno, em 22 de outubro passado, levou a algumas análises precipitadas — eu mesma as fiz —, que compararam o segundo turno na Argentina no dia 19 de novembro ao segundo turno das eleições brasileiras de 2018. Mas nem Milei é Bolsonaro, nem a Argentina é o Brasil.

Passados os primeiros dias de um primeiro turno surpreendente — em que o peronismo, movimento político único na América Latina, mostrou sua capacidade de ser uma fênix —, vai ficando claro que os cenários e os candidatos não são iguais. Diferentemente de Bolsonaro, o candidato do jovem partido A Liberdade Avança, fundado por ele em 2021, quando foi eleito deputado e passou a liderar uma bancada de três cadeiras na Câmara, não tem nenhum respaldo institucional sólido. Sua companheira de chapa, Victoria Villarruel, tem vínculos com setores militares, mas não se pode dizer que Milei, economista, conta com o apoio do mundo militar. Na Argentina, que julgou, condenou e continua investigando e condenando os crimes de uma ditadura sanguinária (1976-1983), as Forças Armadas estão fora da política.

Dorrit Harazim - Tarde demais?

O Globo

Quase uma semana depois da explosão em Gaza, o New York Times publicou um esclarecimento sobre a manchete apressada

No comecinho da tarde de terça-feira, 17 de outubro, quando as primeiras imagens do inimaginável cruzavam o mundo — o principal hospital de Gaza fora atingido por uma explosão —, o New York Times publicou sua primeira versão do horror:

— Ataque israelense mata centenas em hospital, dizem autoridades palestinas — dizia a manchete on-line.

De pronto, um editor do centenário jornalão-referência fez saber sua posição pela rede interna do matutino:

— Penso que podemos ser um pouco mais diretos no lide (nome do parágrafo inicial de um texto jornalístico).

Sugeriu o seguinte fraseado:

— Pelo menos 500 pessoas foram mortas na terça-feira por um ataque aéreo de Israel a um hospital na cidade de Gaza, dizem autoridades palestinas.

Luiz Carlos Azedo - Entre a sede de vingança e os horrores da guerra

Correio Braziliense

A retaliação de Israel ao Hamas ganha contornos de limpeza étnica, com a expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza, que só não ocorreu ainda porque as fronteiras estão fechadas

Circula nas redes sociais a foto de dois meninos de mãos dadas, um com a camisa azul de Israel e seu quipá, e outro com a bandeira palestina e seu lenço quadriculado. É uma mensagem utópica: a convivência fraterna entre palestinos e israelenses. O presente na Palestina é absurdamente distópico. Na guerra da Faixa de Gaza, ambos os lados têm lugar de fala, com um rosário de argumentos para ir à guerra. Entretanto, nada justifica o ataque terrorista do Hamas ao território de Israel, nem legitima o massacre de civis palestinos, principalmente crianças, mulheres e idosos pelo Exército israelense. É uma espécie de Lei de Talião ao quadrado: olho por olhos, dente por dentes.

Lourival Sant’Anna - A impotência dos EUA

O Estado de S. Paulo

Biden pediu que Israel levasse em conta a lei internacional, mas foi ignorado

O ataque do Hamas e a resposta de Israel reforçam a projeção de poder da China. A crise expõe as contradições e a fragilidade da Rússia. E impõe grandes riscos políticos ao presidente dos EUA, Joe Biden, não só na competição com a China, mas sobretudo com seus rivais republicanos.

Ao assumir, em 2021, Biden suspendeu a venda de armas para Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU), selada por Donald Trump. E retomou negociações para o acordo nuclear – rompido por Trump – com o Irã, adversário regional da Arábia Saudita. O reino saudita se aproximou da China, que passou a lhe fornecer armas.

Biden visitou o príncipe herdeiro e homem forte saudita, Mohamed bin Salman (MBS), que lidera a Opep, para pedir aumento na produção de petróleo e reduzir o preço do barril, com a escassez gerada pelas sanções contra a Rússia. MBS ignorou o pedido e manteve a aliança da Opep com o governo russo.

Eliane Cantanhêde - Lula e a escolha de Sofia

O Estado de S. Paulo

CEF para o Centrão, Petrobras para políticos e Lula mira no déficit zero e acerta Haddad

Ao nomear Ciro Nogueira, do PP, Jair Bolsonaro admitiu que dava o “coração do governo” para o Centrão. Hoje, Lula nomeia para a Caixa Econômica Federal o indicado de Arthur Lyra, também do PP. Dá o que de bandeja para o Centrão? O bolso, o cofre, uma grande máquina eleitoral? Pode estar contratando um problemão para logo adiante.

A CEF tem mais poder, dinheiro, ramificação e força eleitoral do que grande parte, talvez até a maioria dos ministérios. Em 2022, seu patrimônio líquido era de R$ 122 trilhões e seu lucro líquido bateu em R$ 9.2 bilhões. No primeiro trimestre deste ano, sua carteira geral de crédito chegou a R$ 1 trilhão. Com agências em toda parte, a CEF oferece crédito para pessoas físicas e jurídicas, habitações populares, casas e apartamentos da classe média e de alto padrão e chega ao topo, o agronegócio. Já imaginaram o Centrão botando a mão nisso tudo?

Almir Pazzianotto Pinto* - João da Silva, trabalhador brasileiro

Correio Braziliense

Com quase 10 anos de empresa e 20 de serviço, o maior temor é o desemprego

O meu herói não integra os altos escalões dos Três Poderes da União, das Forças Armadas, das universidades, das academias, da imprensa ou dos esportes.

É o trabalhador comum, ao qual darei o nome de João da Silva. Como tantos outros anônimos, levanta-se às 5 da madrugada, toma café, come pedação de pão, caminha 30 minutos até o ponto de ônibus, temendo ser assaltado. Registrará o ponto às 7h, para cumprir honesto dia de trabalho. Deixará o serviço no fim da tarde, quando empreenderá caminho de volta para casa. Se não chover e o trânsito fluir normalmente, chegará às 19h, para magro jantar com a família.

Trabalha 44 horas semanais em antiquada fábrica da zona leste, com outros 20 empregados. Recebe o salário no quinto dia útil do mês seguinte. O holerite é incompreensível. Reluta em tirar férias. Prefere vendê-las. Não se aborrece quando presta uma ou duas horas extraordinárias. Paga a contragosto a contribuição ao INSS e arca com desconto do Imposto de Renda.

Vinicius Torres Freire - Lula e a desinteligência do Brasil

Folha de S. Paulo

Energia, escola infantil, risco de privatização da saúde, ambiente: há tanto assunto bom

Temos uns assuntos importantes e interessantes para discutir, mesmo no universo nada divertido da economia. Mas nunca deixamos de discutir um assunto rudimentar, de resto de maneira tosca: uma dívida pública grande, cara (juros altos) e que é tratada de modo leviano, desinformado, demagógico e burro, ou uma mistura disso tudo.

A pauta do Congresso, cheia de projetos de estourar déficit e dívida, e a conversa desta sexta-feira (27) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva são exemplos desse diversionismo destrutivo. Pior e mais espantoso, Lula assim sabota o próprio governo.

Há tanto assunto crucial, para o que até o governo pode contribuir.

Celso Rocha de Barros - Impostos estão ficando mais justos

Folha de S. Paulo

Ricos só começaram a dar cota de sacrifício depois de pobres e classe média

Câmara dos Deputados aprovou o projeto do governo Lula que começa a fazer com que os super-ricos paguem tanto imposto quanto você. O projeto modifica as regras de tributação sobre os fundos de investimento offshore, situados no exterior, e sobre os fundos exclusivos, dos quais falei na coluna do dia 22 de julho.

Após muitos anos em que o Brasil teve problemas fiscais, a taxação dos ricos finalmente entrou em pauta, e só porque ninguém achou nenhum outro lugar de onde tirar dinheiro. Ou seja, os ricos só começaram a dar sua cota de sacrifício depois dos pobres, da classe média e até dos mais remediados já terem dado as suas.

Muniz Sodré* - Barbárie tem fonte, mas não tem identidade

Folha de S. Paulo

O que assombra a consciência global é o estado de desvario em que a dizimação do outro parece destino irrecorrível

Até agora, as sínteses de especialistas sobre o conflito entre Israel e o Hamas acentuam expressões fortes e pessimistas como "abismo de ódio" e "nenhuma porta de saída". Unânime é o reconhecimento enfático da barbárie perpetrada pelo Hamas contra a massa desarmada de mil e quatrocentos israelenses, embora a mesma ênfase arrefeça quanto à morte por bombardeios de mil e novecentas crianças, dentre um total de seis mil palestinos.

Hélio Schwartsman - Um pensador singular

Folha de S. Paulo

Autobiografia de Daniel Dennett vai dos hobbies à filosofia sem esquecer o ateísmo

Se todo livro deve ser lido com uma ponta de ceticismo, autobiografias exigem uma dose bem maior desse ingrediente. Exceto talvez por masoquistas e pacientes de depressão maior, ninguém resiste a polir sua própria imagem —e autobiografias são o gênero em que autores costumam fazer isso com pouco ou nenhum freio. É por isso que sempre penso duas vezes antes de abrir uma autobiografia, embora de vez em quando o faça.

Bruno Boghossian - Castro sabe o que quer na crise do Rio, e Lula sabe o que não quer

Folha de S. Paulo

Governador levou longa lista a Brasília para conter prejuízo político, enquanto presidente puxou o freio dos tanques

O governador do Rio levou uma lista de pedidos a Brasília. Para Cláudio Castro, o Congresso deveria endurecer a prisão de criminosos que usam armas de guerra, a Marinha deveria reforçar a presença na baía de Guanabara, a Aeronáutica deveria fiscalizar aeroportos, e a Polícia Rodoviária Federal deveria patrulhar estradas que cortam o estado.

Há medidas que fazem sentido para enfrentar o crime enraizado no Rio. Algumas têm baixa viabilidade e outras são velhos delírios reempacotados. Nenhuma vai resolver a crise da segurança no estado de uma hora para outra. Mas Castro conseguiu levar o problema para andar de avião e pediu socorro ao governo federal sem apresentar uma rendição.

Ruy Castro - Cuidado —frases feitas

Folha de S. Paulo

Quem garante que elefantes têm boa memória, peixes são mudos e ainda se possa matar um leão por dia?

Algumas expressões somem por algum tempo do nosso radar e, de repente, voltam com grande gala. Nos últimos dias, ouvi três pessoas se dizendo numa "sinuca de bico". Entendi, mas, pensei a respeito e, como nunca fui de sinuca, eu é que fiquei na própria. O que significa, tecnicamente, sinuca de bico? Sinuca tem bico? Ou é só um clichê, uma frase feita, que, como todas as frases feitas, nos saem da boca sem precisarmos pensar?

Poesia | A bela cidade de S. Paulo - Graziela Melo

Estrelas
eternas
e brilhantes

Não
conseguem
ofuscar

A paisagem
deslumbrante
ainda mais
ofuscante
da cidade
de São Paulo

Selva
de prédios
tijolos,
edifícios

de homens
e seus
sacrifícios
caminhando
para lá
e para cá,

sem nunca
deixar
de sonhar!!!

Desejos
deambulantes
Sonhos
mirabolantes,

de um dia
chegar lá!!!

São Paulo
brejeira,
pernambucana
carioca,
multinacional!!!

Te amo,
São Paulo
linda!

Italiana,
brasileira,
universal!!!