quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Renegociação de leniências não é revisionismo

O Globo

Prazo de 60 dias concedido no STF se destina a rever valor das multas, não a anular provas de corrupção

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) adiou a análise de decisão do ministro Dias Toffoli que anulou as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht (rebatizada de Novonor) no âmbito da Operação Lava-Jato. O colegiado decidiu por unanimidade esperar a tentativa de conciliação, promovida noutro processo, envolvendo 11 empresas que assinaram acordos de leniência num valor estimado em R$ 17 bilhões — Odebrecht inclusive.

Os partidos PSOL, PCdoB e Solidariedade alegaram ilegalidades nesses acordos de leniência e pediram a suspensão das multas das companhias que confessaram envolvimento em corrupção. Argumentam que eles foram fechados em momento marcado por “reprovável punitivismo”. Afirmam que houve “coação” e falam em “Estado de Coisas Inconstitucional”. Sustentam, por fim, que o Acordo de Cooperação Técnica (ACT), com regras sobre os procedimentos em leniências, foi posterior à Lava-Jato e pedem a revisão do que foi fechado antes.

Merval Pereira - Massa aspiracional

O Globo

Lula tenta se aproximar dos evangélicos abrindo as burras do governo com isenções até para compra de carros para as cúpulas

Quanta diferença do Lula que, em recente entrevista, declarou querer fazer “um governo para a classe média” para o dia em que a filósofa Marilena Chaui gritou que detestava “a classe média”, provocando risos do próprio Lula. Já se passaram muitos anos, e a ficha caiu, pelo menos para o presidente. Às voltas com o aftershock da manifestação bolsonarista na Paulista, ele tenta se aproximar dos evangélicos abrindo as burras do governo com isenções tributárias até para compra de carros para as cúpulas religiosas, num Estado supostamente laico.

Melhor faria se olhasse para dentro das comunidades evangélicas e demais segmentos comunitários das periferias para entender seus sentimentos, detectados logo após a eleição municipal que o PT perdeu em São Paulo, em 2016, por uma pesquisa do Instituto Perseu Abramo, do próprio partido. O que o então diretor do Datafolha Mauro Paulino, hoje comentarista da GloboNews, chamou de “aburguesamento de valores” da classe média brasileira já estava identificado ali.

Malu Gaspar - Os recados da Paulista

O Globo

Desde o primeiro momento, Jair Bolsonaro disse que seu maior objetivo com a manifestação do último domingo era produzir uma “fotografia para o mundo”.

Como Bolsonaro não costuma ser bom em esconder seus reais propósitos, é razoável apostar que ele não esperava comover ninguém que já não o apoie com seus pedidos de pacificação e anistia — muito menos o Supremo Tribunal Federal (STF). Tampouco achava que convenceria alguém de que não planejou um golpe de Estado. O que ele queria era a imagem mesmo, e para passar mensagens bastante claras.

A primeira, para o STF. A foto da Avenida Paulista mostra que prender Bolsonaro não será uma operação fácil, agora ou mais adiante. Quem se lembra do comício de Lula em São Bernardo do Campo em abril de 2018, horas antes de ser levado para Curitiba pela Polícia Federal, sabe por quê.

A Suprema Corte está até hoje expiando o trauma de ter prendido um ex-presidente popular, e mesmo o intrépido Alexandre de Moraes vai pensar algumas vezes antes de confrontar os bolsonaristas.

Outro recado foi aos aliados, especialmente aos governadores que se aboletaram no carro de som.

Luiz Carlos Azedo - Enquanto Lula está na Guiana, Bolsonaro vai a Itu

Correio Braziliense

O presidente brasileiro refaz seus laços com os governos da fronteira norte e caribenhos, o ex-presidente mergulha de cabeça nas eleições municipais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em Georgetown, capital da Guiana, para onde viajou nesta quarta-feira, e deve se reunir com chefe de governo do país vizinho, Irfaan Ali, para tratar da crise entre Guiana e Venezuela pelo território de Essequibo, disputado pelos dois países. Lula foi convidado especial no encerramento da 46ª Cúpula de Chefes de Governo da Comunidade do Caribe (Caricom).

A viagem de Lula é ambiciosa do ponto de vista da nossa política externa, porque o Brasil precisa demonstrar capacidade de liderança e de mediação de conflitos no subcontinente. Ainda mais depois dos ataques que sofreu do presidente da Argentina, Javier Milei, por causa das suas críticas ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que Lula acusa de promover um genocídio em Gaza. Nesta quarta-feira, o líder brasileiro esteve com o presidente do Suriname, Chan Santokhi, e com a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley.

Míriam Leitão - Alckmin e a nova política industrial

O Globo

Vice-presidente afirma que novo plano para indústria não é repetição do passado, como dizem os críticos, e que há muita desinformação

O vice-presidente Geraldo Alckmin defendeu a nova política industrial, garantindo que a ideia do “conteúdo nacional” não é para proteger empresa ineficiente, que o BNDES entrará de sócio apenas em startups e com investidores privados, que o governo “não vai pôr dinheiro em navios”, e que a política será horizontal, para melhorar a competitividade da economia como um todo e não para “a empresa A, B ou C”. Contudo, ele admitiu que não gosta dos movimentos da Petrobras de recomprar empresas privatizadas. “Não gosto, porque você cria insegurança jurídica”. Falou também de política em entrevista que me concedeu, e que foi ao ar ontem à noite na GloboNews, e pode ser vista no Globoplay, e o texto na íntegra no blog.

Diante da pergunta se o presidente Lula não estaria governando apenas para o PT, apesar de ter sido eleito falando em frente política, Geraldo Alckmin foi firme.

— Eu tenho a convicção de que o presidente Lula salvou a democracia, quando eles tentaram dar um golpe de estado. Quem defende a Constituição, defende eleição, defende o povo, é democrata. O inverso disso é golpista. Se perdendo a eleição eles tentaram um golpe, imagina se tivessem ganho. E isso é a pior coisa também para a economia. As ditaduras suprimem a liberdade em nome do pão, não dão o pão, nem devolvem a liberdade que tomaram.

Assis Moreira* - Países em desenvolvimento sem ‘pouso suave’

Valor Econômico

Cicatrizes da pandemia só se aprofundaram para o grupo de economias em desenvolvimento, alerta agência da ONU

As economias desenvolvidas se preparam para uma “aterrissagem suave” (soft landing) em 2024, mas países em desenvolvimento não estão fora de perigo ainda. A constatação é do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), enquanto os ministros de finanças e de presidentes de bancos centrais do G20 terminam hoje em São Paulo reunião que examina a situação global.

A publicação dessa agência da ONU focada em desenvolvimento internacional confirma a importância da agenda do Brasil para sua presidência do G20, ancorada na relação entre desigualdade e políticas econômicas, cooperação para desenvolvimento sustentável, modelos de tributação progressiva e aliviar realmente a dívida de países em desenvolvimento.

Nicholas Reed Langen* - Dias de julgamento para a democracia

Valor Econômico

Diante da crescente pressão populista, os tribunais podem ser os últimos garantidores da ordem constitucional democrática

Dia após dia, semana após semana, os tribunais estão cada vez mais na linha de frente da luta para preservar a democracia contra populistas e autoritários. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte ouviu recentemente as argumentações sobre a decisão do mais alto tribunal do Colorado de considerar que o ex-presidente Donald Trump não estava qualificado para ter seu nome incluído nas cédulas do Estado para as eleições presidenciais, por causa de seu papel na insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio. E uma corte de apelação rejeitou a alegação de Trump de que presidentes gozam de imunidade no caso de qualquer ação tomada durante seus mandatos.

Maria Cristina Fernandes - Os riscos do fosso entre a avenida e o palanque

Valor Econômico

Golpismo dos manifestantes não encontrou eco nos discursos mas serve de alerta contra a polarização

O fosso entre aquilo que os manifestantes do domingo na avenida Paulista queriam ouvir e aquilo que foi dito no palanque contém um alerta desprezado pelo partido do presidente da República e movimentos sociais e até por setores do governo.

Não era fácil encontrar alguém naquela avenida que acreditasse na lisura do processo que colocou Luiz Inácio Lula da Silva no poder. Esta dificuldade foi mensurada pelo Monitor Digital da USP, que atestou a crença de 88% dos manifestantes de que a eleição de Lula foi fraudada.

Esta expressiva maioria de manifestantes não encontrou eco no palanque. Não ouviu isso do estridente Silas Malafaia, que protestou contra a “perseguição” a Jair Bolsonaro mas não questionou o resultado, nem da pastora Michelle e menos ainda do ex-presidente, que só queria mesmo “apagar o passado”.

Talvez por isso quando a Genial/Quaest saiu pelo país a perguntar sobre a manifestação, identificaria, em apenas 11% de seus questionários, a convicção de que aquele ato frearia as investigações em curso.

Esta frustração acomodará o golpismo? É o cerco do Supremo aos militares que o fará. O mais provável é que a insatisfação dos bolsonaristas sobreviva como uma centelha da radicalização.

William Waack - Ferrolho político

O Estado de S. Paulo

As dificuldades de Lula e Bolsonaro para obter maiorias consistentes

Conciliação e pacificação são palavras de fácil uso e difícil implementação. Aparecem com certa frequência nos pronunciamentos dos dois personagens que dominam a política brasileira, Lula e Bolsonaro. Mas não são para valer.

Ambos subordinam a própria sobrevivência política à “missão” de liquidar o adversário. Operam por contraste em relação ao oponente. Isso foi sempre parte da postura de Bolsonaro frente “à esquerda”, mas é razoavelmente novo em Lula, que passou de “pai dos pobres” para “pai da democracia” (quer dizer, campeão do antibolsonarismo).

Do ponto de vista de Lula, as investigações criminais e o STF não eliminaram seu adversário, pelo menos não na rapidez desejada. Cujo atual peso eleitoral, mesmo inelegível, se explica em boa medida pelo próprio... Lula.

Bruno Boghossian - Uma doutrina econômica precária

Folha de S. Paulo

Governo tem ferramentas de sobra para influenciar o mercado, mas não tem armas para exigir obediência de empresas privadas

A cada duas ou três semanas, Lula abre espaço na agenda para dar uma pancada na gestão da Vale. Na bordoada mais recente, ele lançou mão de figurinhas repetidas: citou atrocidades ambientais e bateu no que seriam distorções criadas pela empresa num setor produtivo estratégico.

Um presidente que não domina o próprio megafone deveria economizar nas palavras. Não é o caso de Lula. Já um político que conhece o poder de suas declarações nunca se contentará com o papel de comentarista inofensivo.

Lula foi além de uma análise inocente sobre uma empresa que atua num setor regulado, submetida à legislação ambiental. Depois de criticar a mineradora, o petista exibiu a visão crua de um capitalismo de Estado. "As empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro", disse.

Maria Hermínia Tavares - Avenida dos vencidos

Folha de S. Paulo

No Brasil, extrema direita se vale das regras democráticas para avançar sua agenda reacionária

O entusiasmo da multidão que Jair Bolsonaro levou à avenida Paulista, no domingo, 25/2, não foi suficiente para esconder que ali se saudava um derrotado: nas urnas e no intento de permanecer no poder por meio de um golpe. Este só não se consumou porque as instituições democráticas e as lideranças que as animam, no Estado e na sociedade, barraram-lhe os passos.

Não foi por outra razão que, vencido, o ex-presidente abandonou a retórica incendiária –sua marca desde sempre– pela moderação, loas à democracia e apelos autointeressados de pacificação e anistia para os conspiradores –de gravata ou farda– e para os descerebrados que invadiram a praça dos Três Poderes.

Ruy Castro - Bolsonaristas de esquerda

Folha de S. Paulo

Uma massa de católicos ouvindo evangélicos e cantando um explosivo hino contra a ditadura militar

As palavras, coitadas, não têm como se defender. Existem para ser usadas e não podem impedir que energúmenos as torturem em palanques, obrigando-as a dizer o contrário do que significam. Foi assim no domingo (25) quando Bolsonaro, a bordo de uma caçamba na avenida Paulista, bradou mais uma vez atuar "dentro das quatro linhas da Constituição", defender o "estado democrático de direito" e lutar pela "nossa liberdade".

João Paulo Charleaux* - Intencionalidade é chave para provar crime de genocídio de Israel

Folha de S. Paulo

É inútil mencionar os quase 30 mil mortos em Gaza ou argumentar que é um número baixo comparado ao Holocausto

Concluir se Israel comete ou não genocídio depende de provar que as forças israelenses e o atual governo têm a intenção de exterminar a totalidade ou uma parte do povo palestino; e que as mortes de civis não são apenas decorrência de ataques desproporcionais ou de danos colaterais causados pelo enfrentamento ao Hamas.

Nesta quarta-feira (28), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atribuiu pela segunda vez em 24 horas o crime de genocídio a Israel, como havia feito no dia anterior, em entrevista à Rede TV. Ele cita com frequência a amplitude da tragédia humanitária em Gaza, sobretudo a morte de mulheres e crianças, para embasar sua percepção sobre genocídio.

A Convenção sobre Genocídio de 1951 não menciona números, escala ou proporções. Então, é inútil mencionar os quase 30 mil mortos em Gaza, segundo dados palestinos, como forma de provar a existência de um genocídio, como faz Lula; assim como é inútil argumentar que esse número é relativamente baixo se comparado aos 6 milhões de judeus mortos no Holocausto, para refutar a tese de que há um genocídio em curso. Juridicamente, o que importa é a intenção de varrer do mapa, total ou parcialmente, um grupo humano. Mas é preciso provar que existe essa intenção.