domingo, 28 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Portugal dá lições sobre democracia

Correio Braziliense

As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa

Na última quinta-feira, os portugueses deram uma grande demonstração do quanto estão dispostos a manter a democracia que reconquistaram há 50 anos. As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa. Foram 48 anos de um regime que perseguia, prendia e matava seus opositores, mantinha a maior parcela da sociedade na pobreza quase absoluta e protegia uns poucos privilegiados. Esses tempos cruéis continuam vivos na memória de muita gente, mas, nem por isso, Portugal está livre de retrocessos.

Nas eleições realizadas em março último, 1,1 milhão de portugueses votaram no partido de extrema-direita Chega, garantindo 50 assentos à legenda na Assembleia da República. Esse grupo de parlamentares, muito barulhento nas redes sociais, dissemina discursos de ódio, incentiva o racismo e a xenofobia e propaga a imagem de um país que não existiu sob a ditadura de António Salazar. Não se acanha em dizer, publicamente, que se orgulha do período colonialista e da escravidão. Ao longo de quase quatro séculos, Portugal traficou mais de 6 milhões de africanos. O domínio sobre países da África, como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, só foi rompido nos anos de 1970, quando a ditadura salazarista foi derrubada.

Luiz Sérgio Henriques* - Portugal em abril

O Estado de S. Paulo

Cárceres que pareciam eternos, como o Aljube, a depender de engenho e arte, podem se tornar ocasião de catarse e, também, de esperança

Edifício maciço que ladeia a milenar Sé Patriarcal de Lisboa, o Aljube é um destes lugares que desafiaram os séculos, mantendo-se absurdamente fiel à soturna vocação de abrigar tortura e morte. Uma modesta placa na fachada adverte que do silêncio das suas gavetas ou curros, celas obscenamente exíguas, bem como dos corpos desfigurados pela polícia política iria florir abril há exatos 50 anos. Cravos vermelhos e versos admiráveis pelas paredes redimem o ambiente, que agora, como museu e lugar de memória, evoca não só o ilimitado sofrimento humano, mas também o anseio de liberdade que brota de cada chaga e cada grito de dor.

A revolução quase sem sangue de 25 de abril não iria mudar só Portugal. Na conhecida visão de Samuel Huntington, ali teve início uma nova onda forte de democratização – uma onda que se espalharia na direção do Brasil e da América Latina, bem como dos países do Leste Europeu, antes do atual refluxo “desde-mocratizador”. O caso português, naturalmente, teve características específicas. Tratava-se, antes de mais nada, de estancar a sangria provocada pela guerra colonial tardia de um regime contemporâneo dos fascismos clássicos – e ele mesmo fascista à sua maneira.

Merval Pereira - Jogo combinado

O Globo

Ainda há tempo de evitar nova crise institucional, para que a atitude do governo não se confirme como uma afronta política ao Parlamento

O voto monocrático do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, bloqueando a decisão do Congresso de desonerar a folha de pagamentos de empresas de 17 setores da economia, revela uma tabelinha entre Executivo e Judiciário que há muito vinha sendo cultivada pelo presidente Lula. O Legislativo aprovou a prorrogação com apoio da ampla maioria dos parlamentares, inclusive de boa parte da base aliada, mas o Executivo vetou. Veto que foi derrubado sem qualquer dificuldade, mas, mesmo assim, o Executivo voltou à carga, editando, em pleno recesso, uma medida provisória para reonerar a folha, insistindo em afrontar a vontade dos legisladores.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um dos apoiadores mais consistentes do governo, anotou que a medida provisória foi editada após a aprovação de temas importantes da agenda econômica proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns aspectos, fundamentais, só entrariam em vigor meses depois, o que parecia indicar a vontade de ganhar tempo para negociar com o Congresso.

Luiz Carlos Azedo - Com o Congresso, tudo; sem o Congresso, nada

Correio Braziliense

Um passeio pela história serve para reflexão sobre Lula e a maioria conservadora do Legislativo. É um equívoco imaginar uma aliança entre o Executivo e STF para domar o Congresso

Na década de 1960, as reformas de base eram um conjunto de mudanças de caráter liberal-social, faziam sentido diante das necessidades de modernização do país. Consistiam nas reformas agrária (distribuição de títulos de terras, desapropriação de terras improdutivas e produção para o mercado interno), administrativa (sistema de compras, meritocracia e regras orgânicas), eleitoral (voto para militares de baixa patente e analfabetos), bancária (controle da inflação por órgão central), tributária (sistema de arrecadação e combate a fraudes e evasão fiscal) e constitucional (necessária para viabilizar as demais).

Bruno Boghossian - Uma arma nada secreta

Folha de S. Paulo

Lula tem direito de recorrer ao tribunal, o que é bem diferente de fazer uma tabelinha permanente

O pedido de Lula para acionar o STF no caso da desoneração dormia desde dezembro na gaveta do advogado-geral da União. O governo adiou por quatro meses a deflagração de mais uma briga na praça dos Três Poderes. Sem sucesso nas negociações políticas, o presidente deu as mãos ao tribunal para derrubar uma decisão do Congresso.

A aliança entre Lula e o Supremo é a arma menos secreta de Brasília. Ainda na transição, o petista deu indicações públicas de que buscaria uma aproximação com o tribunal. O acordo foi estimulado por uma convergência de propósitos que teve como base uma espécie de consenso pós-bolsonarista e uma desconfiança em relação ao Congresso.

Bernardo Mello Franco – A receita de Graciliano

O Globo

Em tempos de reforma tributária, relatórios do escritor ensinam a eliminar privilégios e proteger os mais pobres

Em janeiro de 1929, Graciliano Ramos escreveu um relatório para o governador de Alagoas. Queria prestar contas dos primeiros atos como prefeito de Palmeira dos Índios. “Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos”, avisou, logo na abertura do documento.

O desafio inicial foi estabelecer “alguma ordem” no município. “Havia em Palmeira inúmeros prefeitos”, anotou, numa crítica à bagunça deixada pelos antecessores. De coronéis a “inspetores de quarteirão”, todos mandavam e ninguém se entendia na cidade. “Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administra melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro”, anotou, com a concisão e a ironia que se tornariam marcas de seus romances.

Míriam Leitão - O caminho da Reforma

O Globo

Projeto de regulamentação avançou em diversos pontos, como o cashback, mas mantém privilégios e isenções inexplicáveis

Reforma Tributária, se bem implantada, pode reduzir um velho problema brasileiro, a sonegação. Pelo mecanismo da não cumulatividade, cada etapa da cadeia produtiva só terá crédito se seus fornecedores tiverem recolhido imposto. Isso está sendo criticado como sendo uma forma de transferência da responsabilidade de fiscalização ao contribuinte. É, na verdade, um dos seus méritos. O país precisa de uma nova atitude de empresas e pessoas em relação ao dinheiro coletivo. Não basta apenas pagar impostos, é preciso que o consumidor exija nota fiscal e as empresas usem seu poder para que seus fornecedores e clientes também paguem. Isso é cidadania fiscal.

Celso Rocha de Barros - Reforma tributária e desenvolvimento

Folha de S. Paulo

Mudança pode resolver problemas do desenvolvimento brasileiro

O governo Lula apresentou ao Congresso sua proposta de regulamentação da reforma tributária. Se você pensou em parar de ler a coluna porque o assunto parece chato, não faça isso: hoje em dia, não se pode desperdiçar a chance de conversar sobre coisas que existem, ao contrário da ideologia de gênero ou da ditadura de Alexandre de Moraes.

O problema tributário brasileiro, indiscutivelmente, existe.

Segundo os especialistas, o sistema brasileiro atual é altamente cumulativo. A fábrica de roupas compra tecido e vende camisas. Recolhe imposto na venda de camisas, mas também paga, embutido no preço do tecido, parte do imposto que a tecelagem pagou. Esses restos de impostos que vão se acumulando pela cadeia produtiva são chamados de resíduos tributários.

Um dos principais objetivos da reforma proposta pelo governo é eliminar o resíduo tributário. Se a reforma for aprovada, a fábrica de roupas do exemplo acima receberá um crédito igual ao imposto já pago pelo plantador de algodão. Ele só pagará imposto sobre o valor que ele adicionou. Daí o nome: Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).

Vinicius Torres Freire - O preço de carne e os impostos de Lula 3

Folha de S. Paulo

Para o governo, Congresso é ruim quando veta imposto e bom quando deixa aumentar gasto

Quanto se vai cobrar de imposto sobre venda de carros? De carne e outras comidas? O que vai ser de planos de saúde? Cada empresa ou ramo de negócios tenta puxar a brasa para sua sardinha enquanto o Congresso discute a lei que vai definir os detalhes que darão sentido prático à reforma dos tributos sobre o consumo, que por enquanto é uma mudança mais genérica inscrita na Constituição.

Essa disputa já está clara. Deve ficar mais complicada porque se expande a guerra dos impostos e sobre outros dinheiros públicos. São dezenas de setores empresariais, com apoio do Congresso, versus Lula 3; é STF versus Congresso; são estados e municípios versus governo federal. Etc.

Quanto menor a alíquota do imposto sobre o consumo de um produto ou serviço, maior será a de outros. O conflito em parte é normal. Em parte, é resultado de velhos vícios, a tentativa de cavar favores estatais para beneficiar o próprio negócio, o que ajudou a criar o monstro tributário brasileiro.

Muniz Sodré - Brasil! Selva!

Folha de S. Paulo

Por mais disparatado que seja, o golpismo precisa de algum discurso

Pelo que se vê na mídia, toda a expertise e o dinheiro de Elon Musk não lhe valem uma fala com algum sentido. Ele padece da mesma afecção linguística da ultradireita brasileira, cujo vocabulário político ativo, fora as narrativas mentirosas, resume-se a "liberdade". Isolada, a palavra não significa nada.

O mesmo drama transparece nas investigações do ataque do 8 de janeiro: nos relatos quase etnográficos sobre o famigerado acampamento dos insurretos salta à vista a escassez de palavras de ordem coerentes.

Reconfortaram-se um dia ao saberem que a esposa de um general, ícone do golpismo, em visita ao local, faria um discurso. E ela fez: "Brasil! Selva!". Curto, não grosso, sem narinas dilatadas nem olhar de ódio.

Elio Gaspari - Netanyahu no golpe do ‘cachorro doido’

O Globo

'Governo de Israel atravessa um inédito processo de isolamento fora do mundo islâmico'

Em 2007, quando estava na oposição, Benjamin Netanyahu ensinou:

“Você não pode ter um primeiro ministro num país como Israel se ele não tem algum tipo de habilidade para conceber um conceito de diplomacia e segurança.”

Desde outubro, quando os terroristas do Hamas atacaram Israel, sabia-se que seus serviços de inteligência haviam fracassado. Só agora o general que os comandava deixou o cargo. Seis meses depois, enquanto o governo de Netanyahu atravessa um inédito processo de isolamento fora do mundo islâmico.

As manifestações de estudantes americanos acampando em universidades são um aviso de que algo está acontecendo. Eles não são contra Israel. Condenam o tipo de guerra que Netanyahu faz na Faixa de Gaza.

O primeiro-ministro de Israel entrou na tenebrosa galeria dos governantes que fazem o jogo do “cachorro doido”. Acreditam que prevalecerão indicando aos outros que são capazes de fazer o impensável.

Dorrit Harazim - Sumidouro

O Globo

Quanto mais longa, mais nos entorpecemos com o noticiário repetitivo. Só quando a desgraceira acusa algum pico de desumanidade, voltamos a prestar atenção ao horror

É sabido que somente cada um de nós pode construir a ponte em que atravessará o rio da vida. Nessa trajetória, somos únicos e estamos sozinhos. O caminho de fuga mais fácil para essa travessia, esse navegar pela vasta e complexa realidade que escapa a nosso controle e compreensão, é acumular certezas. Só que certezas de porteira fechada, além de daninhas para nós mesmos, em nada ajudam o convívio em sociedade. Como escreveu o espirituoso ensaísta americano George Saunders, neste mundo cheio de pessoas que confundem certeza com poder, é um alívio encontrar alguém que não teme a própria insegurança. Não raro são mentes privilegiadas, perpetuamente curiosas, que sabem como a realidade é plural, não singular, planície para vários pontos de vista, não ponto de observação com foco único.

Eliane Cantanhêde – O refresco durou pouco

O Estado de S. Paulo

A ciranda continua: governo, Congresso e Supremo correndo um contra o outro

Tudo muito bem, tudo muito bom, mas... A articulação política e as relações entre os Poderes pareciam ter avançado ao longo da semana, mas sofreram um freio brusco que embola todos os problemas e desacertos: o pedido do governo e o julgamento do Supremo contra a desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios. O Congresso prorrogou a desoneração, o presidente Lula vetou, o Congresso derrubou o veto de Lula e o Supremo agora entra para arbitrar o jogo.

Rolf Kuntz - A desigualdade, a pauta e o crescimento

O Estado de S. Paulo

Apesar dos obstáculos à expansão duradoura da atividade econômica, a inclusão da igualdade no topo da agenda do governo já é um dado especialmente positivo

Ruim em qualquer país, a desigualdade econômica é trágica no Brasil, porque envolve baixa educação, subemprego ou desemprego, dificuldade de acesso a alimentos e até fome. Havia insegurança alimentar em 21,6 milhões de domicílios, 27,6% do total, no quarto trimestre do ano passado. A insegurança era grave em 4,1%, ou 3,2 milhões de domicílios. Assustador em outros países, um quadro como esse é especialmente preocupante no caso do Brasil, grande produtor de alimentos e uma das dez maiores economias do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.

Para cientista, o país está sob o domínio da política do ‘eu quero o meu’

Para o professor Alberto Aggio, da Universidade Estadual de São Paulo, o governo e o PT são parte desse sistema

Por Hugo Marques / Revista Veja

Diante de um orçamento apertado, o Congresso está em vias de aprovar a PEC do Quinquênio, que vai engrossar aumentar as despesas em estimados 42 bilhões de reais em vantagens que serão pagas a juízes e outras categorias do serviço público. Reportagem de VEJA desta semana mostra este descompasso com o mundo real. No município baiano de Dias D’Ávila, por exemplo, os professores foram “agraciados” com um reajuste salarial de inacreditáveis 46 centavos.  Para o cientista político Alberto Aggio, da Universidade Estadual Paulista, os setores mais organizados têm prevalecido cada vez mais na definição do Orçamento, inclusive porque atores políticos importantes do passado perderam força. Para ele, o próprio PT não tem mais a capacidade de articular com segmentos da sociedade para tentar democratizar o Orçamento. Essa é a realidade. E o governo Lula é parte dela.

Responsabilidade fiscal não é aderir ao Executivo, diz Pacheco

Douglas Gravas / Folha de S. Paulo

Presidente do Senado rebate críticas do ministro ao Congresso feitas em entrevista à Folha

O presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG), rebateu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, em entrevista à Folha, disse que o Congresso também precisa ter responsabilidade fiscal.

"Uma coisa é ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil", disse o senador, por meio de nota enviada à imprensa neste sábado (27).

Segundo Pacheco, "o progresso se assenta na geração de riquezas, tecnologia, crédito, oportunidades e empregos, não na oneração do empresariado, da produção e da mão de obra".