sábado, 11 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Supremo restaura critério técnico nas estatais

O Globo

Apesar de condescendente com governo Lula, STF ajuda a manter qualificação do setor público

A Lei das Estatais está no centro de intensa discussão jurídica desde que o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski concedeu, em março do ano passado, liminar para suspender artigos que estabeleciam requisitos — comuns na iniciativa privada — para nomeação à diretoria e participação em conselhos dessas empresas públicas. Por 8 votos a 3, o STF avalizou a constitucionalidade da lei e confirmou as exigências que, ao restringir a nomeação de políticos, preservam a administração técnica das estatais.

Numa solução de compromisso, a decisão incluiu a garantia de que os nomeados durante a vigência da liminar expedida por Lewandowski poderão permanecer no cargo, ainda que não atendam ao perfil determinado pela lei. Não é a melhor solução possível para a gestão durante o atual governo. Mesmo assim, a confirmação da constitucionalidade da lei representa um avanço na direção da desejada profissionalização do setor público.

Pablo Ortellado - Guerra de informação em meio à tragédia

O Globo

Perdemos outra vez a oportunidade de nos unir e dar as mãos em solidariedade

Uma antiga máxima política diz que guerras e catástrofes unificam o país. No passado, políticos enfrentando dificuldades chegaram a se lançar em guerras com o único propósito de unir o país sob sua liderança. Mas a máxima não tem funcionado adequadamente em tempos de polarização. Na pandemia, o Brasil não se uniu, mas se dividiu, de maneira ainda mais aflitiva que em tempos de normalidade. Agora, com a tragédia no Rio Grande do Sul, perdemos outra vez a oportunidade de nos unir e dar as mãos em solidariedade.

Quando meio milhão de gaúchos atingidos pelas enchentes tiveram de abandonar suas casas, uma enxurrada de publicações e mensagens no meio digital passou a promover a ideia de que o governo e entidades governamentais não apenas não se empenhavam em ajudar a população, como criavam obstáculos, exigindo licenças de quem queria ajudar com lanchas, barcos e jet-skis ou notas fiscais de caminhões e carros que traziam doações. Nem o Exército brasileiro foi poupado das críticas.

Alvaro Costa e Silva - A chuva política

Folha de S. Paulo

Quem mais trabalha para acelerar a crise climática é o Congresso

"Todos os modelos climáticos mostram que, com o aumento da temperatura global, vai aumentar a quantidade de chuvas e secas intensas", disse o físico Paulo Artaxo para a repórter Jéssica Maes. Ele deu a declaração após o flagelo no Rio Grande do Sul. Mas há pelo menos 20 anos ouvimos a frase, quase com as mesmas palavras, e nada tem sido feito.

Na contramão do que recomenda o pesquisador da USP, a Prefeitura de Porto Alegre não investiu um real em prevenção a enchentes em 2023. "Aumentar o orçamento das defesas civis, multiplicando por cinco, por dez. Desse modo, é possível ter toda a estrutura de resgate pronta antes de desastres acontecerem e salvar vidas", afirmou Artaxo, lembrando que o prejuízo é maior para a população de baixa renda, que não tem para onde ir.

Eduardo Affonso - Oportunismo e insensibilidade

O Globo

É a eterna briga entre Estado mínimo e Estado paternalista, e o Estado eficiente que lute para ser levado em conta

Uma lenda urbana prosperou durante a pandemia de Covid-19: superada a emergência sanitária, nos tornaríamos pessoas melhores. A tragédia global teria o “lado bom” de turbinar a solidariedade. O isolamento social nos faria redescobrir a vida, à Vinícius de Moraes, como a arte do encontro. Passado o flagelo, caídas as máscaras, haveria mais abraços, e ninguém soltaria a mão de ninguém.

Balela.

A calamidade no Rio Grande do Sul mostra que continuamos como dantes — os antivacina e os anticloroquina ladrando uns contra os outros enquanto a enxurrada passa, arrastando vidas, histórias, História. Catástrofes em regiões de população majoritariamente preta e parda recebem o carimbo de “racismo ambiental”; no Sul, com vítimas de ascendência europeia, a responsabilidade vai para os governos neoliberais. É a eterna briga entre Estado mínimo e Estado paternalista — e o Estado eficiente que lute para ser levado em conta.

Hélio Schwartsman - Lula, Caramelo e a tragédia

Folha de s. Paulo

Muitas falhas contribuíram para o desastre no RS, mas nas batalhas simbólicas Brasil não se sai tão mal

situação no Rio Grande do Sul é de guerra, e guerras são vencidas ou perdidas também no plano simbólico. Isso gera alguns paradoxos.

No reino do estritamente objetivo, não faria sentido mobilizar recursos para salvar o cavalo Caramelo, em Canoas, quando ainda há muitos seres humanos que precisam de socorro. Mas o resgate do equino, que comoveu o país, cumpre a função de unir a população para enfrentar a tragédia. O sinal que a operação transmitiu foi o de que não somos indiferentes à dor de ninguém —nem mesmo da de outras espécies— e saberemos superar os desafios que nos são impostos. Caramelo é o Rio Grande.

Dora Kramer - Lição do abismo

Folha de S. Paulo

O Brasil é bom de ajuda, mas é preciso ser ainda melhor na prevenção dos desastres

O Brasil é um país bom de ajuda. A sociedade se mobiliza e o poder público, quando quer e se empenha, faz a sua parte com rapidez e competência. Vimos isso nas ações de solidariedade na pandemia, nas atuações de estados, dos Poderes Legislativo e Judiciário num momento em que o Executivo jogava contra.

Estamos vendo agora o país se movimentar em socorro ao Rio Grande do Sul. A tragédia sensibiliza, mas a precaução que poderia minorar as consequências de desastres, naturais ou não, não é um fator que nos aflija de modo contundente. Fala-se disso na hora do aperto, e depois o habitual tem sido o esquecimento até a próxima calamidade.

Rodrigo Zeidan - A reconstrução do Rio Grande do Sul

Folha de S. Paulo

Podemos aprender com erros e acertos de experiências como o furacão Katrina

Os efeitos econômicos de desastres naturais podem ter dono ou não. Não me interessa muito, neste momento, buscar culpados. Como muitos brasileiros, admiro quem está fazendo o máximo para ajudar e espero muito mais das esferas governamentais. Obrigado a todos os brasileiros que estão doando, dos mais pobres às celebridades, que estão gastando tempo e dinheiro tentando fazer algo.

Como analista, me preocupo com a reconstrução de Porto Alegre e outras cidades. E, sim, partes de muitas cidades precisam ser reconstruídas, não na sua essência, mas em infraestrutura e organização para sobreviver aos próximos desastres, alguns que serão inevitáveis. E podemos aprender com os erros e acertos de experiências internacionais, como as dos furacões Katrina e Rita, que devastaram Nova Orleans e outras cidades em 2005.

Demétrio Magnoli - Vozes do país carimbado

Folha de S. Paulo

Há contraste entre um país abençoado por verbas e outro na incerteza dos recursos extraordinários

As águas do Guaíba submergiram vastas áreas da Grande Porto Alegre. Mas as enchentes trouxeram à tona o contraste entre dois países: um abençoado por verbas carimbadas; outro suspenso na incerteza dos recursos extraordinários.

No ápice da tragédia, com águas ainda superando a cota dos 5 metros, o Congresso e o governo concordaram em desviar as emendas de parlamentares do RS para as urgências da catástrofe. Generoso, à luz dos holofotes, o país carimbado estendia uma mão ao país mendicante. Lá, na trincheira, voluntários empregavam barcos, jet skis e até pranchas de surfe no resgate das vítimas.

Carlos Andreazza - Bravo Dias Toffoli

O Estado de S. Paulo

É um perigo quando nosso editor supremo fica bravo com a imprensa

Dias Toffoli não gosta de jornalismo e está bravo com a imprensa. Não quer que suas viagens para palestrar em eventos privados sejam questionadas. As reportagens a respeito seriam “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”.

É um perigo quando nosso editor supremo – “enquanto Suprema Corte, nós somos editores de um país inteiro” – fica bravo com a imprensa. O monocrata, que compreende o tribunal como poder moderador, pode exercer seu autoritarismo – não deixa de ser forma de edição – ordenando censura.

Não é preconceito. O “amigo do amigo do meu pai” não apreciou quando a Crusoé contou que ele seria o amigo de Lula, amigo de Emílio, pai do delator Marcelo Odebrecht. A matéria foi tirada do ar, os inquéritos xandônicos mostrando a que vinham – em defesa da democracia – já em 2019. Censura virtuosa. Ninguém está livre.

Roberto Freire, Eduardo Jorge, Gilberto Natalini e Augusto de Franco - Livres da polarização

O Estado de S. Paulo

Quem falará pelos 40% de brasileiros que não são petistas nem bolsonaristas, nem apoiam essas forças políticas populistas?

Há no Brasil de hoje dezenas de milhões de eleitores que não se sentem representados pelas forças que dominam a arena política. São esses – em boa parte – os que apoiam a democracia como um valor universal e que são contra toda sorte de preconceitos e discriminações. São os que acreditam na eficiência do Estado, mas defendem uma economia livre, querem aliar desenvolvimento e sustentabilidade, desejam empreender, mas precisam de apoio ou, quando menos, que não sejam atrapalhados, os que sabem que segurança é inteligência e a violência, irmã da desigualdade.

Cristovam Buarque - Populismo educacional

Revista Veja

É errada a ideia de educação superior como sinônimo de civilização

Nas últimas décadas, sucessivos governos democráticos adotaram o populismo educacional que prioriza o ensino superior sobre a educação de base. Aumentaram nas universidades vagas que agora não são preenchidas por três razões: o número de concluintes do ensino médio não cresceu na mesma proporção do aumento de vagas no ensino superior; a falta de cuidado com a educação de base forma candidatos reprovados no vestibular ou sem preparo para concluir seus cursos; e o ensino superior já não atrai porque seu propósito passou a ser o diploma, sem compromisso com a qualidade para assegurar empregabilidade e inclusão na atual era do conhecimento. Com o ensino médio de qualidade apenas para poucos, fracassou a estratégia educacional de iludir com a promessa de universidade para todos.

Aldo Fornazieri - A era das catástrofes

CartaCapital

Os desastres ambientais só vão piorar. É hora de a sociedade tratar os políticos negacionistas como criminosos

As enchentes diluvianas que devastam o Rio Grande do Sul, somadas a outros desastres ambientais em todo o planeta, não deixam dúvida: vivemos uma era de eventos catastróficos que só tendem a se ampliar e se intensificar. Mesmo assim, os governantes e as sociedades se comportam como ébrios delirantes que caminham alegremente para o abismo.

Não existem mais dúvidas científicas de que essa era é provocada pela ação depredadora dos seres humanos. Catástrofes ambientais ocorreram no passado, mas, pela primeira vez na história do planeta, as violentas mudanças ambientais são provocadas pelas ações humanas. O antropocentrismo tem gerado o caminho de uma mudança de era geológica, caracterizada como Antropoceno. Embora o Comitê da União Internacional de Ciências Geológicas, em votação realizada em fevereiro de 2024, tenha recusado reconhecer a presente era como Antropogênica, muitos cientistas e pesquisadores argumentam que as evidências e as marcas das ações humanas no planeta legitimam a adoção da tese.

Nathan Caixeta e Luiz Gonzaga Belluzzo - Traquinagens econométricas

CartaCapital

Avesso a incertezas, o modelo traz a convicção de que expansão fiscal é desgraça e austeridade, salvação

Em sua coluna semanal na ­Folha, o simpático palmeirense e economista Samuel Pessôa ofereceu espaço ao conceito de “superávit primário estrutural”, uma metodologia de cálculo do resultado fiscal que pretende normalizar as flutuações do ciclo econômico sobre as contas do governo, ocupando-se também dos eventos “não recorrentes”, como os gastos com a pandemia, desastres climáticos etc.

O Instituto Fiscal Independente (IFI) tem se encarregado de adaptar essa metodologia para as contas públicas do ­País desde 2021. A ideia de Resultado Fiscal Estrutural, segundo seus orgulhosos desenvolvedores, é a seguinte: “…eliminar efeitos alheios ao comportamento da autoridade fiscal e que possam turvar as análises sobre o resultado primário convencional. Assim, o RPE viabiliza obter análise mais acurada a respeito do grau de expansionismo da política fiscal ao longo do tempo”.

Marcus Pestana - Orçamento público x Orçamento Familiar

A economia tem múltiplas consequências na vida social, no processo político e no cotidiano das famílias.

Nos últimos artigos procurei discutir a dinâmica da economia brasileira através de conceitos simples. Qualquer um sabe o que são receitas, despesas, poupança, déficits, dívida e juros. 

Como vimos, o governo federal brasileiro tem acumulado déficits primários (onde se excluem as despesas de juros) desde 2014, com a exceção do pequeno e artificial superávit de 2022. Ou seja, o governo gasta mais do que arrecada. Se somarmos os juros da dívida, o quadro fica ainda pior. A dívida pública brasileira é alta para um país emergente.