sábado, 18 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Não dá para tolerar reconstruções em área de risco

O Globo

Como Nova Orleans no pós-Katrina, Rio Grande do Sul deverá manter desocupadas as regiões vulneráveis

Respondendo ao clamor público diante da enchente no Rio Grande do Sul, o governo federal tem feito anúncios quase diários de ajuda para os atingidos pela catástrofe. Dinheiro é, sem dúvida, crucial para o socorro imediato e para a reconstrução do estado. Mas os recursos só contribuirão para evitar novas tragédias se as três esferas de governo aprenderem com os erros cometidos nas anteriores. É, antes de tudo, preciso desocupar áreas de alto risco. Não dá mais para tolerar casas e moradias em locais sujeitos a repetidas inundações, como partes de Lajeado e cidades vizinhas. Mesmo quando a memória da enchente de 2024 perder a força, é preciso manter desocupadas as áreas vulneráveis.

Oscar Vilhena Vieira – Código de conduta

Folha de S. Paulo

Para 58% nos EUA, Suprema Corte não tem se conduzido a adequadamente

A Suprema Corte norte-americana atingiu em 2023 um dos mais baixos níveis de confiança junto à população desde que a mensuração começou a ser feita, em 1973, pelo instituto Gallup. Enquanto 41% dos entrevistados aprovam o trabalho do tribunal, 58% entendem que a Suprema Corte não tem se conduzido adequadamente.

Há hoje uma percepção de que a Corte se voltou muito à direita, tornando-se "extremamente conservadora". A decisão no caso Dobbs, que transferiu aos estados o poder de regulação sobre o aborto, além de decisões graves no campo ambiental e a não responsabilização das plataformas em relação a discursos de ódio por elas veiculadas, confirmam essa guinada à direita.

Hélio Schwartsman - O problema da esquerda

Folha de S. Paulo

Excesso de otimismo quanto ao futuro e de pessimismo em relação ao presente configura erro de avaliação

É difícil não simpatizar com José "Pepe" Mujica, o ex-presidente do Uruguai que se tornou o símbolo mesmo das lideranças de esquerda na região.

Pepe começou sua trajetória na luta armada (queria instalar uma ditadura do proletariado), mas soube se reinventar como político democrata. Saiu da Presidência tão pobre quanto entrou e demonstrou um incomum desapego ao poder. Mais importante, não trocou a clareza moral por tribalismo ideológico. Ao contrário de Lula, não hesitou muito antes de condenar os abusos de Nicolás Maduro.

Alvaro Costa e Silva - Os terroristas do like

Folha de S. Paulo

Até o Exército, antes idolatrado pelos 'patriotas', hoje é vítima da desinformação

Programado para o segundo semestre, no clima das eleições municipais, o Femeapá —Festival de Mentira que Assola o País— começou bem antes e de maneira incontrolável. Mais eficiente para propagar desinformação em doses industriais, a edição deste ano promete superar os piores momentos das turnês de 2018, 2020 e 2022. Portando celulares na mão e rolando a timeline sem parar, parte do público delira com a autopromoção e o discurso "libertário"; outra parte se revolta, já cansada de denunciar a má-fé.

Um dos maiores patrocinadores do espetáculo é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que em abril anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir a regulação das big techs. Desde 2020 tramita o PL 2.630, que já passou por dezenas de audiências públicas. Na prática, o que Lira fez foi enterrar, mais uma vez, o projeto.

Dora Kramer - Cartucho queimado

Folha de S. Paulo

Lula ignora o eleitorado da frente ampla com o qual talvez não conte em 2026

A realidade afirma, o bom senso reafirma e as pesquisas confirmam: Lula queimou o cartucho da frente ampla e em 2026 não contará com esse recurso para tentar a reeleição, caso seja mesmo o seu plano.

Ao contrário do que dizem, o presidente entende sim que ganhou a eleição por um triz e que deve isso ao pavor provocado pela perspectiva de mais quatro anos do horroroso governo do antecessor. Tanto que está constantemente a relembrar aos brasileiros o que foi aquilo.

Só parece não compreender que a comparação não basta. Não dá mostra de perceber que o eleitorado fiel da balança em 2022 é volátil e precisa ser fidelizado.

Demétrio Magnoli - Israel não chora mais

Folha de S. Paulo

Tortura não é novidade na Terra Santa; novidade, porém, está na motivação

Khirbet Khizeh, de S. Yizhar, a história ficcional da expulsão dos palestinos de seu povoado pelas forças do proto-Estado judeu, na guerra de 1948, foi publicado no ano seguinte. "Atirar –e, depois, chorar": o remorso do narrador, um jovem soldado que cumpre a ordem de remoção dos habitantes, pertence ao mito nacional de Israel. Hoje, porém, sob um governo controlado por extremistas, Israel não chora mais: atira e, depois, tortura.

Tortura não é novidade na Terra Santa. Agentes israelenses torturam prisioneiros palestinos. Policiais da Autoridade Palestina torturam prisioneiros do Hamas e vice-versa, na Cisjordânia e em Gaza. O Hamas cometeu abusos sexuais contra reféns israelenses. A novidade, porém, está na motivação.

Bolívar Lamounier - O fio da lâmina

O Estado de S. Paulo

Como compreender que um país facilmente governável permaneça neste estado de miséria e malquerenças políticas estúpidas como a que teve início na eleição presidencial de 2018?

Alguns dos leitores que me honram com sua atenção consideram como “exagerado” o meu pessimismo sobre o Brasil atual.

Não sei se pessimismo é o termo adequado, mas reconheço a relevância do questionamento, pois, de fato, exageros (pessimistas ou otimistas) comprometem a objetividade de qualquer reflexão sobre as condições da sociedade. Assíduo leitor das publicações diárias, admito que raramente encontro nelas alguma razão para alívio. Um exemplo: na página A8 da edição de 11 do corrente mês, este jornal estampou a seguinte manchete: Com RS em crise, Lula envia texto ao Congresso que eleva salários no STF. Não ficaria chocado se entendesse que os mais altos magistrados vivem como miseráveis, mas esse não me parece ser o caso. Na edição de 16 de maio, na primeira página, o jornal voltou ao tema: No RS, Lula anuncia ajuda federal aos gaúchos com tom de comício. Por aí se vê que nosso principal aspirante a estadista não se preocupa sequer em disfarçar sua sensibilidade meramente eleitoreira.

Carlos Andreazza - Ode ao corpo mole

O Estado de S. Paulo

Haddad deveria se ver em Prates. A engenharia da queda de um é a mesma da carga sobre o outro

Jean Paul Prates caiu. Caiu o caído. A morte e a morte de. História que lembra a do arcabouço fiscal: o natimorto que vai morrendo até morrer. Só ele terá sido pego de surpresa. Insuficientemente petista, aquém do índice Gabrielli de pasadenismos. Haviam lhe dado o veredicto: corpo mole.

Talvez seja o elogio possível à sua gestão. Ode ao corpo mole! O que – quantos ímpetos “reindustrializantes” – a moleza terá atrasado? Homem “do mercado”, assim como Haddad é “fiscalista”. Classificações que só fazem sentido na métrica do ecossistema petista, por oposição a Gleisi Hoffmann.

Pablo Ortellado - Como lidar com a desinformação?

O Globo

Não foram os fatos que formaram as convicções; foram as convicções que convocaram os fatos

Vou pedir licença ao leitor para retomar o assunto da semana passada, com enfoque ligeiramente diferente. Creio que a gravidade da situação no Rio Grande do Sul justifica minha insistência.

Estamos todos chocados com a profusão de conteúdos desinformativos sobre a atuação do governo na crise humanitária no Rio Grande do Sul: informações distorcidas, exageradas, retiradas de contexto ou simplesmente falsas infestaram as mídias sociais e os aplicativos de mensagens. Segundo essas mensagens, os governos federal (PT) e estadual (PSDB) não apenas não fazem o necessário, como criam ativamente obstáculos para o auxílio às vítimas das cheias, retendo doações nos centros de distribuição e impondo entraves burocráticos à doação de remédios, à operação de barcos e jet-skis ou à chegada de caminhões com alimentos. Ao povo vítima das cheias, restaria apenas recorrer aos cidadãos brasileiros que lutam como podem para contornar os obstáculos criados pelos governos (“de esquerda”). Dados colhidos nas mídias sociais e em pesquisas de opinião sugerem que esse discurso pegou.

Eduardo Affonso - A próxima revolução

O Globo

Pleitear igualdade moral para os animais ainda soa absurdo para muitos. Afinal, os ‘Homo sapiens’ seriam superiores por direito divino

Em 2022, Bolsonaro autorizou que os brasileiros repatriados da Ucrânia trouxessem consigo, nos aviões da FAB, seus animais de estimação. Um ano depois, Lula fez o mesmo em relação aos cidadãos resgatados de Gaza. Diferentes em (quase) tudo, os dois presidentes estiveram de acordo ao reconhecer os vínculos entre os humanos e seus companheiros de outras espécies. Não se cogitou deixar ninguém para trás.

A história se repete, agora, no Rio Grande do Sul. Cerca de 11 mil animais — entre domésticos e silvestres — foram salvos e levados para abrigos (isso sem contar os milhares de resgates feitos por prefeituras, ONGs e voluntários). Um hospital veterinário de campanha foi montado em Porto Alegre. Reencontros de cães e seus tutores renderam momentos emocionantes. O cavalo impassível sobre uma improvável ilhota metálica, que um dia fora um telhado, se tornou símbolo ao mesmo tempo de vulnerabilidade e resistência. Do frágil equilíbrio em que estamos todos — e da esperança que não podemos perder.

Haddad: ‘Não se corrigem dez anos em seis meses’

Haddad diz que busca trajetória de ajuste nas contas após dez anos de déficit

Bernardo Lima / O Globo

Ministro alega que ‘distorções’ estão sendo corrigidas, mas que não é possível ‘corrigir 10 anos em 6 meses’

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta sexta-feira que o governo busca uma trajetória de ajuste nas contas públicas após 10 anos seguidos de déficit primário, nas suas palavras. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fixou como zero (ou seja, receitas iguais às despesas) a meta de resultado das contas públicas de 2024.

— Nos últimos 10 anos foram R$ 2 trilhões de déficit público e eu tenho dito que isso não favorece um crescimento maior da economia brasileira. O que está garantindo isso é justamente fazer o que estamos fazendo, recompondo a base fiscal do estado brasileiro, que foi erodida ao longo desses anos — disse o ministro.

Segundo Haddad, o governo está buscando uma trajetória de ajuste.

— Nós estamos procurando justamente fazer uma trajetória de reajuste, depois de 2022, onde houve um enorme desarranjo em função do processo eleitoral — disse Haddad a jornalistas no Ministério da Fazenda nesta sexta.

Economistas apontam uma piora no quadro das contas públicas a curto e longo prazo, o que, segundo especialistas, dificulta o crescimento da economia brasileira.

Carlos Alberto Sardenberg - O governo gastará. Só falta o dinheiro

O Globo

A situação tende a piorar, pois os gastos obrigatórios crescem mais rápido que o PIB e a arrecadação

Diante do colapso do Rio Grande do Sul, muita gente aproveitou para defender a política de gastos públicos. Disseram: “Estão vendo? O governo precisa gastar. Se não fizer isso, quem atenderá a população?”.

Fraco argumento.

Óbvio que o governo precisa gastar. Ou terá passado pela cabeça de alguém lançar uma megaprivatização de atendimento a tragédias ambientais? Também não, claro. Isso mostra que o tema é bem mais complexo.

Carlos Góes - Lições de uma tragédia climática

O Globo

O mais importante é mobilizar recursos para salvar vidas. Mas quando os restos sedimentarem, será necessário pensar em meios para adaptar o país, a economia e a vida a esta nova realidade de extremos

A crise que hoje ocorre no Rio Grande do Sul tem sido corretamente tratada como uma crise climática. Mas o que isso quer dizer — e que lições desta crise devem ficar para o futuro?

O clima é um sistema complexo, sendo muito difícil estabelecer a causalidade da mudança climática sobre qualquer evento em particular. Mas o que os climatologistas conseguem afirmar definitivamente é que eventos extremos (de muita chuva e muita seca, por exemplo) devem ocorrer com maior frequência à medida que a temperatura do planeta aumenta.

José Eduardo Agualusa - O rancor do populismo

O Globo

Contrariar o avanço do pensamento autoritário, com a sua cultura da mentira, da demagogia e do ódio, é um grande desafio do nosso tempo

Um menino de 9 anos, de origem nepalesa, foi espancado por cinco colegas, que gritavam “volta para a tua terra!”, enquanto um sexto filmava a cena.

O episódio, ocorrido numa escola de Lisboa, é mais um, entre vários, que testemunham o crescimento do racismo e da xenofobia em Portugal.

O surgimento do Chega — partido de extrema direita que nas eleições do passado mês de março conseguiu 50 lugares no parlamento português — vem legitimando e fortalecendo movimentos radicais, alguns deles assumidamente neonazis, que até há poucos anos não mobilizavam senão meia dúzia de sujeitos espiritualmente deformados.

Marcus Pestana - Flexibilidade de gestão e resultados para a população

Acompanhei com interesse natural a intenção do Governo de Minas de entregar a gestão dos hospitais da FHEMIG à um Serviço Social Autônomo e a polêmica inicial envolvendo a Assembleia Legislativa, os servidores públicos e a sociedade civil organizada. Longe de ser um assunto restrito à Minas, a discussão permanente é sobre a reforma do Estado e a melhor forma de viabilizar a prestação de serviços públicos com eficiência, eficácia e qualidade.

A busca da transição de um modelo de intervenção burocrático, com foco em processos, estruturas e controle das atividades-meio, para uma gestão pública gerencial, com foco em resultados para a população, ganhou corpo em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, com a apresentação do “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, desenvolvido sob a liderança do Ministro Bresser Pereira.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Trombadas da desglobalização

CartaCapital

O protagonismo da grande empresa e a relação de gato e rato entre protecionismo e livre-comércio continuam a dar o tom na economia internacional

Em sua edição de segunda-feira 13 de maio, o jornal Valor apresenta um artigo de ­Assis Moreira. Empenhado em advertir os leitores para o recrudescimento do conflito entre os espaços econômicos nacionais e o retrocesso da globalização, o autor abre a matéria dedilhando os acordes sensíveis dos desarranjos em curso:

“A taxação adicional dos EUA contra carros elétricos e outros produtos ambientais chineses, esperada para esta semana, será uma ilustração a mais da persistente erosão do sistema comercial e mais turbulências à frente nas trocas globais. Isso ocorre em meio à aceleração das transições ambientais e tecnológicas que estão mudando profundamente a forma como vivemos e produzimos”.

Peço licença aos leitores de nossa ­CartaCapital para reproduzir o que escrevi no livro Os Antecedentes da Tormenta.

Marcus Cremonese - Notícias gratuitas? Podem custar caro

Observatório da Imprensa

Mundo afora, jornais e revistas deram bastante atenção ao atrito entre o Facebook e o governo australiano por volta de fevereiro de 2021. O conflito tende a se repetir agora, neste maio de 2024.

Como sempre, ao tentar entender o presente é bom dar uma olhada no passado. Em 1631 o francês Théophraste Renaudot criou a primeira publicação periódica impressa, o La Gazette. Seu objetivo inicial foi a publicação de anúncios. La Gazette existiu até 1917.

Assim sendo, a venda de espaço para a publicidade – que ali acabara de nascer – foi a alavanca que levantou todas as publicações periódicas desde então. Algumas delas se tornaram verdadeiras entidades corporativas que – sob o pretexto de divulgar fatos, apenas – passaram a manipular a opinião pública, até mesmo colocar ou retirar governantes.