segunda-feira, 20 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Recursos para reconstrução ainda são problema para RS

Valor Econômico

Mesmo com suspensão do pagamento das dívidas, receitas do Estado estão em previsível queda livre

Mais de três semanas depois que as chuvas começaram a desabar sobre o Rio Grande do Sul, grande parte do Estado continua debaixo d’água, com restrita mobilidade nas e entre as cidades, com enchentes que atingiram 461 dos 497 municípios. O rio Guaíba continuará acima do nível de inundação até o fim de maio. As águas da Lagoa dos Patos ainda sobem, ameaçando cidades vizinhas. Noventa por cento das indústrias estavam paralisadas até quinta-feira. Nunca o Rio Grande do Sul e o Brasil viram uma tragédia igual por sua intensidade, extensão e duração. O trabalho de reconstrução será demorado, caro e bem mais complexo que uma simples reposição do que foi destruído. O aguaceiro deixou claros muitos locais onde os gaúchos não podem mais habitar, com risco de vida certo. Planeja-se até mesmo mudar algumas cidades de lugar.

Fernando Gabeira - A esperança vem do Sul

O Globo

A sociedade gaúcha tem grande potencial e pode exigir uma reconstrução que supere os erros do passado

Nos dias das grandes enchentes no Sul, morreu no Rio um gaúcho especial, o ator Paulo César Pereio. Fomos amigos, vivemos juntos alguns meses num pequeno apartamento da Figueiredo de Magalhães, em Copacabana. Não tínhamos onde morar e aproveitamos que Tarso de Castro, outro gaúcho, precisava sumir para tomar conta do lugar. Era o momento do pós-golpe de 1964, e Tarso se sentia visado por ter dirigido o Panfleto, um jornal de Brizola.

No mesmo prédio, alguns andares acima, viviam duas recém-chegadas garotas gaúchas. Uma gostava de literatura, outra era cantora. Eu me interessava pela literatura do Sul, pois tinha lido um conto de Josué Guimarães, publicado na revista Senhor. A cantora se apresentava no Beco das Garrafas e alguns anos depois se tornou famosa: Elis Regina.

Miguel de Almeida - A culpa é nossa

O Globo

Verdade não tem muito valor no cotidiano brasileiro

O que veio primeiro: o político mentiroso ou o eleitor que inventa mentiras? Melhor seria perguntar: por que deixamos de acreditar na verdade?

Não é correto dizer que Bolsonaro, na extrema direita, tampouco Lula, na esquerda, sejam os primeiros a se valer de inverdades como instrumento político. No Brasil, o recurso à traquinagem tem tradição, régua e compasso.

Não indo muito longe, podemos ficar na eleição de Artur Bernardes no problemático 1922. Ano do centenário da Independência, da Semana de Arte Moderna e da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, quando alguns tenentes quiseram derrubar o governo à bala (a coisa vem de longe). No meio da campanha, surgiram várias cartas creditadas a Bernardes, recheadas de ataques ao marechal Hermes da Fonseca, chamado de “sargentão sem compostura”. Eram apócrifas, inventadas pelos partidários de Nilo Peçanha, que seria derrotado nas urnas. Mesmo desmascaradas, as mentiras serviram para azedar a relação de Bernardes, obrigado a governar sob estado de sítio, com os militares.

Irapuã Santana – Quantas vidas para aprender?

O Globo

É desolador ver a quantidade de absurdos despejados nas redes sociais a respeito da tragédia no Rio Grande do Sul

As imagens com ruas, bairros e cidades inteiras alagados, carros e casas submersos serão difíceis de esquecer para quem está longe do Rio Grande do Sul. Não é possível mensurar o dano de quem vivencia tudo isso.

Com 2 ou 3 anos, vi as águas da chuva invadirem minha casa em Madureira, no subúrbio carioca. Mesmo com tão pouca idade, guardei duas memórias até hoje, aos 37. A primeira foi minha mãe me pegando no colo, tentando sair de casa e gritando porque algum bicho tinha passado por ela. Lembro o grito de medo com a possibilidade de ser um rato ou uma cobra. A segunda é o que as águas deixaram para trás. O quarto tinha chão de tacos, e me chamou muito a atenção que todos eles tinham sido levados e, no lugar, ficado uma imensidão de pregos, impossibilitando uma família de dormir no cômodo. Naquele mesmo dia, a bola com que eu brincava escapou e foi parar lá. Furou assim que tocou nos pregos.

Ricardo Henriques - Rio Grande do Sul e a emergência climática

O Globo

Precisamos avançar numa agenda que coloque a tecnologia a serviço do desenvolvimento dos estudantes, e não o contrário

Em incêndios, terremotos, secas, inundações ou acidentes aéreos, passada a fase de consternação e solidariedade com as vítimas, mobilizamos sempre nossos melhores esforços para diagnosticar causas e criar caminhos que minimizem riscos ou impactos de uma nova tragédia. O que testemunhamos agora no Rio Grande do Sul deveria, de uma vez por todas, ser entendido como um desses momentos críticos.

Em todas as áreas, em todo o território nacional, precisaremos intensificar os esforços de elaboração e implementação de estratégias de mitigação e de adaptação dos efeitos das catástrofes climáticas. Será fundamental desta vez fortalecer o controle social e a cobrança por transformações para evitar o fenômeno frequente da memória curta que se esvai e reduz o fôlego para sustentar as mudanças estruturais que se fazem urgentes.

Bruno Carazza - De onde vem a influência de Alexandre Silveira

Valor Econômico

De político apagado a vencedor de embate na Petrobras, ministro tem ambições políticas e conexões com empresariado

Figura central na crise que levou à demissão do presidente da Petrobras, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é um personagem do qual muito se fala, mas pouco se conhece.

Quem lê sua biografia nas redes sociais é levado a acreditar na história de sucesso de um garoto de origem humilde, que começou a trabalhar com 14 anos e foi aprovado em concurso público para delegado da Polícia Civil de Minas Gerais.

Tudo isso pode ser verdade, mas omite as conexões políticas e empresariais que facilitaram a sua ascensão.

Alex Ribeiro - Projeção do BC levanta dúvida sobre corte de juro

Valor Econômico

Banco Central segue com a espada na sua cabeça da tendência de piora nas expectativas de inflação

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central fez um grande esforço nos últimos dez dias para mostrar que, apesar da votação dividida para a baixa de juros na sua mais recente reunião, a partir de agora estão todos juntos numa estratégia mais conservadora. Mais falta ainda o principal: mostrar concretamente no encontro de junho e nos seguintes, com placares unânimes, que existe uma unidade de propósitos.

Diogo Schelp - Não foi por falta de aviso

O Estado de S. Paulo

Não há contradição em defender Estado enxuto e pedir auxílio na calamidade

Na onda dos que se gabam, com indisfarçável satisfação, de que “não foi por falta de aviso” que a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul aconteceu, surgiram também os arautos do Estado mastodôntico para expor os pedidos de ajuda do governo gaúcho a Brasília como um troféu contra o liberalismo econômico. Argumentam que quem vive dizendo que o Estado precisa gastar pouco e interferir menos na economia acaba caindo do cavalo quando exige socorro desse mesmo Estado em meio à calamidade.

Denis Lerrer Rosenfield - Sofrimento e solidariedade

O Estado de S. Paulo

O que estamos vivenciando exprime o que há de pior e de melhor na natureza humana, felizmente para nós com o predomínio do último

A calamidade climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul é um espetáculo de tristeza e compaixão, isolamento e ajuda mútua, conduzindo a solidariedade de pessoas privadas a um nível de beleza, em dessemelhança com a tragédia reinante. Os contrastes não poderiam deixar de ser inauditos: de um lado, roubos, saques e abusos sexuais dos mais diferentes tipos e, de outro lado, a preocupação com o próximo, o amor às pessoas e a atenção aos necessitados. O que estamos vivenciando exprime o que há de pior e de melhor na natureza humana, felizmente para nós com o predomínio desse último.

Marcus André Melo - Pandemia e inundações

Folha de S. Paulo

A polarização afeta a onda de solidariedade e a janela de atenção nos dois eventos

Desastres naturais afetam a popularidade de governantes: o sentimento negativo gerado contamina sua avaliação como argumentei aqui. Logo após o evento, surge uma onda de solidariedade com as autoridades (no jargão, o rally round the flag), ao que se segue certa fadiga e insatisfação.

Os desastres criam uma janela de atenção sobre quem está no poder que é muito arriscada. O comportamento oportunista em contextos de comoção gera custos e qualquer vacilo ou frase mal-empregada terá efeitos cataclísmicos. Muitos presidentes, ex. George W. Bush após o furacão Katrina, naufragam. Mas há alguns casos de desempenho heroico que alavancam a popularidade.

Ana Cristina Rosa - O Congresso está cego?

Folha de S. Paulo

Mesmo com um estado embaixo d'água, tramitam 25 Projetos de Lei que agridem normas ambientais

Há mais de 20 dias o Rio Grande do Sul, meu estado natal, está debaixo d’água em razão de um dos maiores desastres naturais do Brasil. O rastro da destruição se compara a cenas de guerra. As implicações materiais são visíveis a olho nu. Contudo, a tragédia não se mostrou suficiente para sensibilizar o Congresso Nacional, onde tramitam 25 Projetos de Lei (PL) que agridem normas ambientais.

Tem PL para reduzir a reserva legal na Amazônia (o pulmão do mundo); eliminar a proteção dos campos nativos e outras formações não florestais; flexibilizar normas de regularização fundiária; admitir a exploração mineral em unidades de conservação; anistiar desmatadores; esvaziar o poder de fiscalização do Ibama; e por aí vai...

Patrícia Campos Mello - Livro aborda derrota de Bolsonaro e resiliência do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Gestão da Covid, inflação de alimentos, quebra no auxílio emergencial e estagnação do salário mínimo são alguns dos fatores

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) "perdeu para ele mesmo" a eleição presidencial de 2022 porque pecou por um excesso de bolsonarismo e se limitou a cultivar seus mais fiéis eleitores. Mas Bolsonaro perdeu por muito pouco para o presidente Lula (PT) —menos de dois pontos percentuais dos votos válidos, a menor margem desde a redemocratização. E esse mesmo bolsonarismo que lhe custou votos se mantém uma potência para 2026.

Essas são algumas das conclusões do livro "Voto a Voto – Os Cinco Principais Motivos que Levaram Bolsonaro a Perder (por Pouco) a Eleição", da jornalista Maria Carolina Trevisan e do economista Maurício Moura, professor da Universidade George Washington.

A obra fala sobre os motivos que levaram Bolsonaro a ser o primeiro candidato à reeleição a perder o pleito.

As razões são conhecidas, mas o livro mostra, com pesquisas quantitativas e qualitativas, como cada um desses aspectos impactou as chances de reeleição do ex-mandatário.

A gestão da pandemia, a crise econômica, o contexto internacional de desgaste da antipolítica, a resistência das mulheres e a presença de um candidato de oposição forte fadaram o ex-presidente à derrota.

André Barrocal - O “mercado” agradece

CartaCapital

Integrantes do governo flertam com a ideia de desvincular o salário mínimo da Previdência, um perigo para os aposentados

O governo e 17 setores empresariais chegaram a um acordo sobre a volta da contribuição patronal ao INSS baseada na folha salarial. A taxação de 20%, abolida em 2011 e substituída por uma de 1% a 4,5% incidente sobre o faturamento, será retomada aos poucos a partir de 2025, até o valor cheio ser restabelecido em 2028. Vitória do governo, embora parcial. Parcial, pois o desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era cobrar 20% já em 2024, o que geraria 12 bilhões de reais no ano. O empresariado não queria a tributação ressuscitada e se escondia atrás do Congresso. Não contava que o governo perderia a paciência diante do que um integrante da equipe econômica classificou nos bastidores de “arrogância” e apelaria ao Supremo Tribunal Federal. Foi uma liminar concedida por Cristiano ­Zanin em abril, a pedido do governo, que obrigou empresários e congressistas a negociar. Na quarta-feira 15, o governo requereu a Zanin a suspensão dela, enquanto os termos do acordo sejam convertidos em uma lei votada primeiro por senadores, depois por deputados.