domingo, 23 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Produtividade baixa é raiz da pobreza brasileira

O Globo

Crescimento de apenas 0,3% ao ano desde 2010 é insuficiente para aumentar renda da população

Há cinco anos o Brasil está entre as dez piores posições no ranking de competitividade do International Institute for Management Development (IMD), da Suíça. Na última edição, ocupa a 62ª posição num total de 67 países, à frente apenas de economias desajustadas como Nigéria ou Venezuela. Um olhar sobre o histórico recente da produtividade mostra onde estão as deficiências. Em 1980, eram necessários dois brasileiros para produzir tanta riqueza quanto um americano. Hoje é preciso quatro.

Quando se discute a pobreza persistente no Brasil, muito se fala na necessidade de ampliar e aprimorar programas sociais. Eles são necessários no presente, mas insuficientes para o futuro. Pouco se discute o principal indicador que traduz o atraso da nossa economia: a produtividade. Desde 2010, ela cresceu 0,3% ao ano, acima apenas da década perdida nos anos 1980. Nos últimos 13 anos, o investimento na produção aumentou pouco, e a alocação de recursos perdeu eficiência.

Luiz Sérgio Henriques - A bússola que resta

O Estado de S. Paulo

Circunstâncias críticas tornam especialmente claro o lugar que cabe à esquerda na defesa das instituições e na busca das alianças que tal defesa requer

As democracias típicas da “onda” que se espraiou nas décadas finais do século 20 resistem mais do que se supõe. Essa é a boa notícia que estudiosos respeitados, a exemplo de Steven Levitsky, têm buscado ressaltar, ainda que com todas as cautelas que o argumento requer. A hora permanece difícil, mas a ideia básica desses autores é de que a modernização das sociedades implica a constituição de uma ordem política plural e o surgimento de contrapoderes sociais que diminuem as possibilidades de generalização das autocracias, ao contrário do que aconteceu há cerca de cem anos.

O quadro daí decorrente seria, portanto, mais compatível com uma árdua e continuada guerra de posições entre regimes democráticos e autoritários em escala global. Choques duros de absorver, como a posição “central” que adquiriram movimentos antes marginais, como o Reagrupamento Nacional na França e a Alternativa para a Alemanha, são de certo modo compensados com a relativa frustração eleitoral de Narendra Modi, na Índia, ou do partido governante na África do Sul, hoje distante do legado conciliador de Nelson Mandela. Ou então, tomando o caso italiano, a primazia de Giorgia Meloni e seus Fratelli d’Italia, de equívoca raiz neofascista, não deixa de ter como contraponto o Partido Democrático, no qual, com contida nostalgia, é possível recolher fragmentos do mais criativo dos antigos partidos comunistas.

Merval Pereira - A direita mostra sua cara

O Globo

Seria preciso uma vitória econômica vigorosa para que o eleitor acreditasse que o PT, sem Lula, terá vida própria

A careta que a primeira-ministra da Itália Geórgia Meloni fez ao ser cumprimentada pelo presidente francês Macron, e a conversa amistosa que ela teve com o presidente argentino Javier Milei, que por sua vez declarou ter amizade pelos Bolsonaro, mostra como a direita internacional sente-se à vontade no atual confronto com as forças do centro, e da esquerda, no mundo.

O ex-presidente brasileiro não hesitou em impor um candidato de extrema direita ao prefeito paulistano Ricardo Nunes, que tentou até o fim um companheiro de chapa menos bandeiroso, mas teve que ceder à força de Bolsonaro, que parece estar disposto a acelerar a polarização com Lula. Ricardo de Mello Araújo (PL), ex-coronel da Polícia Militar e ex-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), será seu companheiro de chapa, mesmo que sua escolha tenha irritado parte do MDB, partido do prefeito, e outros partidos da coligação.

Dorrit Harazim - Cara ou coroa

O Globo

Tanto o ocupante da Casa Branca quanto seu antecessor parecem convencidos de que a comparação direta lhes será favorável

Vale acertar os relógios e calcular fusos horários. Na próxima quinta-feira, 9 da noite pelo horário local, Joe Biden e Donald Trump se enfrentarão no Q.G. da CNN em Atlanta, capital da Georgia. Será o primeiro debate eleitoral da História entre dois presidentes dos Estados Unidos — um titular e um ex —, ambos em busca de uma nova eleição. No cara ou coroa para definir o lugar de cada um no pódio, deu “coroa”, e Biden optou por ficar à direta do adversário. Em compensação, Trump ganhou o direito de ter a última palavra. Serão dele as conclusões finais do embate.

Míriam Leitão - A inútil briga com o Banco Central

O Globo

Se Lula propuser o fim da autonomia do BC terá duas derrotas: no Congresso e com aumento de preços da economia real

Banco Central autônomo não é de esquerda, nem de direita. O Partido Trabalhista aprovou a independência do Banco da Inglaterra, no governo Tony Blair, em 1997, e agora os conservadores é que falam em rever a lei. Donald Trump brigou ferozmente com o presidente do FED, Jerome Powell, e chegou a postar nas redes: “minha única dúvida é: quem é o maior inimigo, Powell ou o presidente Xi”. Já o presidente Joe Biden manteve o indicado por Trump. Não é exclusividade do presidente Lula escolher como alvo o Banco Central. Mas o PT tem uma curiosa história com o BC.

Bernardo Mello Franco - O homem que assinou o real

O Globo

Em memórias, ex-ministro da Fazenda relembra a relação com Itamar, o escândalo da parabólica e a tensão antes do lançamento da moeda

Às vésperas do lançamento do real, o presidente Itamar Franco mandou chamar o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Tinha uma notícia inesperada: contrariando o combinado, ia decretar um congelamento dos preços.

Surpreso, o embaixador usou a diplomacia para tentar desarmar a bomba. Com cuidado para não melindrar o chefe, lembrou que o tabelamento já havia levado à derrocada de outros planos econômicos, como o Cruzado.

“Minhas razões não bastaram. Ele não se sentia seguro”, lembra Ricupero, 30 anos depois. Ao fim da conversa, o presidente devolveu o problema: “Não estou convencido. A responsabilidade é do senhor”. O ministro manteve a palavra com sua equipe, salvando a nova moeda da morte prematura.

Elio Gaspari - Juízes estimulam ações impróprias das PMs

O Globo

Contam-se às centenas os casos em que magistrados deferem pedidos de busca e apreensão solicitados pelas corporações

Em outubro do ano passado o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, representando a Associação de Delegados do Estado de São Paulo, pediu ao corregedor nacional de Justiça que recomende aos magistrados o respeito ao dispositivo constitucional que delimitou as jurisdições das polícias Civis e Militares.

O artigo 144 da Constituição é claro:

“Às polícias Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto a militares.”

“Às polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos Corpos de Bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”.

Cacá Diegues - As diferenças não somem assim com facilidade

O Globo

Uma mesa na Rua do Comércio, em Maceió, foi um pilar do modernismo nordestino

Em 1930, a escritora Rachel de Queiroz, uma menina, mal saída do curso superior e tendo recém-lançado “O Quinze”, abriu fogo contra um tal “manifesto” formulado e assinado pelo que havia de mais reacionário no governo de então. Da noite pro dia, Rachel se tornou musa, estrela que iluminava nosso curto céu democrático.

Mas não foi apenas a ação intempestiva dela que influenciou. Rachel começou a escrever artigos sobre liberdade de expressão que mandava publicar nos jornais mais à mão.

Na mesma época, numa mesa da Rua do Comércio, em Maceió, se reunia um grupo de amigos que, embora não se expressasse de um só modo, tinha algumas ideias em comum. E uma dessas era a ideia de liberdade. Eles achavam que sem liberdade não era possível construir alguma coisa que valesse à pena, sobretudo no campo cultural.

Eliane Cantanhêde - De bandeja para a oposição

O Estado de S. Paulo

Lula sobre Juscelino Filho, vacina escondida, licitação de arroz, BC, Petrobras e cultura

Não há dúvidas de que o governo tem muito o que mostrar, como na economia e na área social, mas é impressionante a capacidade do presidente Lula de dar munição para a oposição, principalmente para Jair Bolsonaro. Os casos se acumulam, deixando a sensação de que, no seu terceiro mandato, Lula está se sentindo acima do bem e do mal, imunizado contra críticas e pode cometer erros à vontade.

Por que raios Lula esperou nove dias para se manifestar sobre o indiciamento do ministro Juscelino Filho (Comunicações) pela PF, por corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa? Pior: para, no fim, aparecer num evento ao lado do ministro, dizer que tem “muito orgulho” da sua equipe e está “feliz” com Juscelino, alvo de uma lista de suspeitas desde o primeiro mês de governo. Lula aguarda a PGR e o STF para ver o óbvio.

Rolf Kuntz - 30 anos do real, uma celebração necessária

O Estado de S. Paulo

Um presidente mais preocupado com a dignidade de seu cargo tornaria mais fácil a comemoração do início da recuperação econômica do Brasil

Terremoto na economia: o dólar sobe, o mercado se agita e o presidente Lula briga com o Banco Central num momento de inflação em alta e temor de um buraco maior nas contas públicas. As projeções hoje inquietantes – inflação próxima de 4% e rombo fiscal de 0,7% do PIB neste ano – seriam festejadas há 30 anos. Naquele momento, o governo implantava um novo plano para tentar, mais uma vez, conter os preços disparados e arrumar a bagunça nos mercados. Em 1993 o aumento do custo de vida havia batido em 2.477%. Era urgente deter a onda inflacionária. Mas um sucesso duradouro dependeria de uma reordenação financeira em todos os níveis da administração pública. A grande mudança, no entanto, havia começado. Um programa de ajuste e reconstrução seria implantado sem mágicas, sem grandes truques e sem tentativas de contornar a realidade. Uma economia renovada poderia surgir a partir de 1994.

Luiz Carlos Azedo - O supremacismo branco disfarçado na política

Correio Braziliense

A baixa representatividade de negros na política é um problema para toda a população e impede um desenvolvimento social necessário a todos

A baixa representatividade de negros na política é um problema para toda a população e impede um desenvolvimento social necessário a todos. Por isso mesmo, a anistia às multas impostas aos partidos por não cumprirem as cotas destinadas ao financiamento das candidaturas de mulheres e de negros autodeclarados (pretos e pardos) seria um desserviço do Congresso à democracia brasileira. A proposta foi aprovada na Câmara, por iniciativa de seu presidente, Arthur Lira (PP-AL), cujo legado legislativo, se insistir nas pautas que vem apresentando, será um dos mais reacionários da história da Casa. Felizmente, o projeto de anistia das multas subiu no telhado do Senado, depois da insurgência do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que apontou o caráter regressivo da proposta.

Celso Rocha de Barros - Ajuste de meio de governo

Folha de S. Paulo

Turbulências devem obrigar equipe econômica de Lula a antecipar discussão sobre gastos públicos

A vida da equipe econômica de Lula está mais difícil. As derrotas no Congresso, os juros nos Estados Unidos e a turbulência no mercado financeiro devem obrigar a equipe econômica a antecipar, ao menos em parte, a discussão sobre gastos públicos que só pretendia fazer em 2025.

As medidas mais controversas, que ainda não sabemos se serão mesmo apresentadas, seriam a desvinculação do piso da previdência do salário-mínimo e a revisão dos mínimos constitucionais de gasto com saúde e educação.

O economista Bráulio Borges, que já teve suas propostas elogiadas por Haddad, defende que o piso da previdência seja reajustado pelo índice de inflação da terceira idade (IPC3-i) calculado pela Fundação Getúlio Vargas, e que os mínimos para saúde e educação sejam substituídos por pisos de gasto per capita que poderiam subir com o tempo.

Vinicius Torres Freire - O que Lula disse sobre o futuro do governo

Folha de S. Paulo

Presidente não falava tanto desde março, quando começou onda de azares, crises e erros

Luiz Inácio Lula não dava entrevistas exclusivas desde março. Foi quando o caldo engrossou. No Congresso, ainda mais. Também na inflação e nos juros dos EUA, o que teve efeito ruim sobre juros e dólar no Brasil, piorado pela mudança de metas fiscais. Sobreveio a catástrofe no Rio Grande do Sul. Discursos e decisão desastrada do Banco Central azedaram o caldo grosso.

Foi um trimestre de inversão de expectativas na finança, embora menos em relação a PIB e emprego neste ano.

Na semana que passou, talvez o pico da crise recente, o presidente deu entrevistas exclusivas às rádios CBN (São Paulo), Verdinha (Ceará), Meio (Piauí) e Mirante (Maranhão) e ao jornal "O Imparcial" (Maranhão).

Bruno Boghossian - As farsas da operação antiaborto

Folha de S. Paulo

Operação cheia de oportunismo político pôs proposta na boca de uma votação no Congresso

A operação que levou adiante o projeto de lei Antiaborto por Estupro tomou impulso numa sequência de farsas. Para chegar até a boca de uma votação no Congresso, os defensores da proposta lançaram mão de abusos, artimanhas e uma boa dose de malandragem política.

A primeira trapaça foi armada pelo Conselho Federal de Medicina. Em março, o órgão aprovou uma resolução que impedia médicos de usarem a assistolia fetal para o aborto em gestações acima de 22 semanas, mesmo em casos de estupro. Os doutores devem ter achado que estavam acima da lei, que não proíbe a interrupção da gravidez nesse estágio e não veda o uso da técnica, recomendada pela OMS.

Hélio Schwartsman - Liberalismo como modo de vida

Folha de S. Paulo

Livro prega transformação de liberalismo numa religião civil, que preencha necessidades metafísicas do homem

Pelo menos no Ocidente, nós respiramos liberalismo —não apenas as instituições políticas que nos acostumamos a associar a essa corrente de pensamento, como eleições livres, império da lei e livre mercado, mas também seu sistema de valores, que inclui noções como igualdade, equidade e respeito.

Esses elementos estão tão entranhados na cultura que nossa tendência é tomá-los como dados da natureza, não como resultado de um movimento filosófico. E, por estarmos tão imersos no liberalismo, deixamos de apreciar quanto ele molda nossa psicologia e influencia os mais diversos aspectos de nossa sociedade, da moral à estética.

Muniz Sodré - Direita, volver

Folha de S. Paulo

Extremistas se apoiam no anonimato da desinformação das redes e na blindagem parlamentar

Repercutiu uma discussão sobre se a universidade deveria abrir-se mais para o pensamento de direita. Houve quem enxergasse no argumento laivos de "Sobre a Liberdade", de John Stuart Mill, com sua ênfase no valor inerente da individualidade e da liberdade de expressão. Para o influente filósofo inglês oitocentista, uma opinião silenciada pode conter boa parte de verdade. Logo, diversidade e debate são eticamente saudáveis numa democracia, onde a razão estaria sempre com o povo, suposta expressão da vontade coletiva.

Mas argumento como intervenção racional no pensamento político precisa ser validado por prova prática. Isso ganha urgência nas mutações da experiência concreta, em que razão e percepção podem deixar de coincidir. São, portanto, viáveis alguns reparos empíricos à alegada ausência de direita no campo universitário.

Aldo Fornazieri - O baixo clero no poder

CartaCapital

O “PL do Estupro” e a PEC que criminaliza os usuários de drogas são reveladores da degradação moral e política do Congresso

Dois episódios maiores, um na Câmara dos ­Deputados e outro no Senado, e vários menores são reveladores da degradação moral e política do Congresso Nacional como um todo. São reveladores também do oportunismo e da mediocridade política dos presidentes das duas Casas Legislativas. Explicitam claramente a perda de significado e de sentido da representação política, que deveria guiar-se por critérios de prioridade dos interesses da sociedade e do País, diante de tantas urgências e necessidades que a maioria dos brasileiros padece.

Poesia | Graziela Melo - Poema para o filho morto

(José de Moura Cavalcanti de Melo, falecido em 23/6/1972, no exílio, em Santiago, Chile)

O Filho
perdido
na noite
da eternidade
estranha
sem
que possa
guardá-lo
no colo

vive,
no meu
desconsolo

como um
condor
desgarrado
no alto
de uma
montanha

Voa
à noite
as estrelas
são
ternas
brilhantes
e belas!!!

Voa,
Pequeno
Condor!!!

Na infinita
eternidade,
nas asas
da minha
saudade,

nas nuvens
do meu amor
nas pedras
da minha dor!!!

Graziela Melo
Santiago, ago./1972