sábado, 29 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desempenho ruim alimenta pressão para Biden desistir

O Globo

Diante das dúvidas depois do debate, democratas questionam se presidente deveria abandonar a candidatura

Do início ao fim, o desempenho de Joe Biden no debate com Donald Trump, primeiro do ciclo eleitoral que decidirá quem comandará os Estados Unidos a partir do ano que vem, foi constrangedor. Ao defender o embate contra Trump antes das convenções democrata e republicana que escolherão oficialmente os candidatos, partidários de Biden pretendiam afastar as preocupações com sua idade avançada (81 anos) e as dúvidas sobre sua capacidade cognitiva. O efeito foi o oposto. Na saída do evento em Atlanta, estavam instalados entre os democratas o pânico e a discussão sobre o que fazer para convencer Biden a desistir da candidatura.

Já na primeira pergunta, Biden falou com voz tíbia e rouca. Em seguida, teve um lapso de memória ao discorrer sobre o sistema de saúde. Repetidas vezes, interrompeu frases no meio para seguir outro fluxo de pensamento. Ao comentar a guerra na Ucrânia, confundiu Trump com o russo Vladimir Putin, numa de suas dezenas de frases tortuosas: “Se você der uma olhada no que Trump fez na Ucrânia, ele, esse sujeito disse à Ucrânia, disse a Trump, faça o que quiser, faça o que quiser, e foi exatamente isso que Trump fez. Putin o encorajou, faça o que quiser. E ele entrou”. Ao final de outra resposta obtusa de Biden sobre segurança na fronteira, Trump retrucou: “Realmente não sei o que ele disse no final daquela frase. E acho que ele também não sabe”.

Marco Aurélio Nogueira - Atropelos em série

O Estado de S. Paulo

Lula está se dando conta de que o desafio ao ser eleito presidente não era bloquear a extrema direita bolsonarista: era fazer o País ingressar em outra rota

Junho foi ruim para o governo. Não por ter ele acumulado derrotas ou sofrido um assédio vencedor da extrema direita. Mas sim porque o governo não saiu das cordas em que sua própria atuação o jogou.

O leilão de importação emergencial de arroz foi suspenso por suspeita de fraude. O governo perdeu no Congresso em áreas estratégicas, como a da reforma tributária. Recebeu de volta, por decisão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a anuência de parlamentares petistas, a medida provisória com mudanças no PIS/Cofins. Lula da Silva, por sua vez, peitou o presidente do Banco Central, mas engoliu a manutenção da taxa básica de juros. O ataque a Roberto Campos Neto foi visceral, abertamente político e ideológico, revelando certa fúria descalibrada.

Dora Kramer - Conciliar e avançar

Folha de S. Paulo

No lugar de brigar, Congresso pode aperfeiçoar a decisão do STF sobre drogas

Como quem reconhece que transita na seara alheia, o Supremo Tribunal Federal fez uma ressalva à decisão ao criar critério de quantidade para diferenciar o usuário do traficante de maconha: 40 gramas "até que o Congresso legisle sobre a matéria".

Um jeito, um tanto enviesado é verdade, de acenar ao equilíbrio institucional. O Parlamento pode ou não aceitar o aceno, embora num primeiro momento de reações acaloradas pareceu optar por ignorar o gesto algo encabulado do tribunal.

Alvaro Costa e Silva - Dinheiro na mão é vendaval

Folha de S. Paulo

PEC das Drogas tem a mesma urgência da PEC da Anistia

Antes do São João e do "Gilmarpalooza", que esvaziaram o Congresso, Arthur Lira desengavetou a PEC da Anistia. É o maior perdão da história a irregularidades cometidas por partidos políticos, entre elas o descumprimento das cotas eleitorais para mulheres e negros. Aprovada a proposta, as dívidas pendentes não vão impedir as siglas de obter recursos destinados a financiar as campanhas de 2024.

Pois vem aí um vendaval de dinheiro. PL (R$ 886,8 milhões), PT (R$ 619,8 milhões) e União Brasil (R$ 536,5 milhões) receberão as maiores fatias do bolo, 41% do total de R$ 4,9 bilhões, recorde que supera em mais de duas vezes o reservado para 2020 e equivale ao distribuído nas eleições de 2022 para presidente, governadores, senadores e deputados. Nunca fazer um prefeito ou não conseguir eleger um vereador nos mais de 5.000 municípios custou tão caro aos cofres públicos.

Hélio Schwartsman - Insofismável massacre

Folha de S. Paulo

Ceticismo do próprio partido em relação à candidatura poderá ser fatal

A performance de Joe Biden no debate de quinta-feira (27) foi nada menos que desastrosa. Em tese, isso não precisaria ser um grande problema.

Jornalistas, marqueteiros e os próprios políticos nutrem um certo fetiche por debates, mas eles são menos importantes do que se imagina. Em condições normais, isto é, quando os contendores alternam momentos positivos e negativos, o eleitor, mobilizando seu viés de confirmação, valoriza as boas tiradas do candidato para o qual torce e menospreza seus tropeços. O simpatizante do postulante rival faz o mesmo e, no cômputo geral, pouca coisa muda.

Demétrio Magnoli - Le Pen rompe o 'cordão sanitário'

Folha de S. Paulo

Política lidera intenções de voto porque desistiu do extremismo

"Os herdeiros políticos de Vichy chegam ao governo francês" —eis uma manchete sensacionalista possível para, caso se confirmem as pesquisas, sintetizar o resultado das eleições parlamentares antecipadas que começam neste domingo (30/6). Nas sondagens, a Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, tem 36% das intenções de voto, contra 28% para a Nova Frente Popular, de esquerda, e apenas 22% para os centristas liderados por Macron. Contudo, seja qual for o veredito das urnas, a manchete precisa é outra: a que intitula esta coluna.

Partidos não mudam seu nome por acaso. A RN nasceu em 1972, como Frente Nacional (FN), sob o comando do pai de Marine, Jean-Marie. O líder admirava o general Pétain, que governou, como colaboracionista, a parte da França não ocupada pela Alemanha nazista. Marine assumiu o controle do partido em 2011 e expeliu seu pai em 2015, reagindo a elogios a Pétain e à classificação das câmaras de gás como um "detalhe" histórico. A troca de nome veio em 2018.

Carlos Andreazza - Luiz Fux desabafa

O Estado de S. Paulo

Ministro lastima que o Supremo arque com o ‘preço social’ de decidir sobre o que não lhe cabe

Luiz Fux resolveu desabafar sobre o “protagonismo deletério” do Supremo. Foi na sessão em que o tribunal legislou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Aquela jornada em que se usou a balança da Justiça – de alta precisão – para pesar gramas de droga, expostos juízes da Corte constitucional, em busca da batida perfeita, ao debate-definição sobre qual seria a gramatura justa.

“Não se podem desconsiderar as críticas de que o Judiciário estaria se ocupando de atribuições próprias dos canais de legítima expressão da vontade popular, reservada apenas aos

Poderes integrados por mandatários eleitos” – disse o ministro que suspendeu individualmente a implementação de lei, a que instituíra o juiz de garantias, aprovada pelo Parlamento.

Eduardo Affonso - A falta que um Chico faz

O Globo

Militância progressista boicota, intimida e cancela quem desafia o coro dos onipotentes e não reza conforme sua cartilha

No mesmo 19 de junho em que Chico Buarque fez 80 anos, Solano Fernandes (nome fictício — como, aliás, quase tudo o que se segue) completou 100. Tinha 46 quando lhe caiu nas mãos um inocente samba em que a vítima de um relacionamento tóxico (Hoje você é quem manda/Falou, tá falado/Não tem discussão) se ressignifica enquanto pessoa subalternizada (Apesar de você/Amanhã há de ser outro dia) e exige reparação da dívida histórica (Vou cobrar com juros, juro (...) Você vai pagar e é dobrado/Cada lágrima rolada nesse meu penar).

De boa-fé, Solano — censor, servidor público concursado — liberou o samba. Desde então, têm sido 54 anos de culpa e autoflagelação por não ter captado a mensagem subliminar. Como um garoto de 20 e poucos anos pôde enganá-lo e a toda a máquina montada para proteger o público e as autoridades daqueles que tentavam ferir a dignidade e o interesse nacionais?

Pablo Ortellado - O cerco às mídias sociais nos EUA

O Globo

Popularização do uso das redes coincidiu com saltos nos índices de doença mental entre adolescentes

Enquanto, no Brasil, o Congresso enterrou o PL 2.630, que tentava regular as mídias sociais, nos Estados Unidos as plataformas sofrem uma espécie de cerco, tendo de responder a três movimentos simultâneos: processos coordenados contra a Meta (dona do Facebook e Instagram) pelas promotorias de diversos estados; um Projeto de Lei para conter o efeito compulsivo e viciante que as mídias sociais têm sobre as crianças e adolescentes; e a tentativa do cirurgião-geral — principal autoridade do governo americano para questões de saúde — de rotulá-las com uma advertência, como a que aparece nas embalagens de cigarro.

O ponto de partida de todos os projetos de lei é a evidência empírica alarmante que vem mostrando aumento de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio entre os adolescentes. É muito difícil determinar a causalidade, mas a popularização do uso das redes sociais pelos smartphones, nos anos 2010, coincidiu com saltos nos índices de doença mental entre adolescentes.

Carlos Alberto Sardenberg - As crises do Real

O Globo

A população andava cansada da inflação e dos sucessivos planos que só tornavam ainda mais complicada uma situação difícil

De Fernando Henrique Cardoso:

— Não se pode desperdiçar uma crise.

FH deve ter chegado a essa conclusão depois das diversas crises que enfrentou na elaboração, na implantação e no desenvolvimento do Plano Real, que completa 30 anos na próxima segunda-feira.

A primeira crise foi o ambiente em torno de sua nomeação para ministro da Fazenda, em maio de 1993. Seria o quarto ministro de um presidente fraco, Itamar Franco, com o país tomado pela hiperinflação. Os preços subiram 27% no mês da posse de FH, que se tornava o maior e talvez o único ativo de Itamar. Como o próprio Itamar disse a seu novo ministro: sua nomeação foi muito bem-aceita. FH entendeu: tornara-se responsável de fato pela política econômica. Na circunstância, dono de uma crise grave e piorando.

O lado promissor: a população andava cansada da inflação e dos sucessivos planos que só tornavam ainda mais complicada uma situação difícil. Provavelmente, toparia sacrifícios para um programa crível com uma equipe respeitada. Ainda assim, o propósito de FH e de sua então reduzida equipe era modesto: dar uma arrumada na casa, especialmente nas contas públicas, deixando qualquer coisa mais ousada para um futuro governo. O próximo presidente seria eleito em outubro de 1994.

Manfred Back e Luiz Gonzaga Belluzzo - Amém, irmãos!

CartaCapital

A autonomia operacional deve ser contida nos limites do sacramento das metas de Inflação

“A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam.”
Baruch Espinosa

Na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom), por unanimidade, foi ratificada a manutenção da Taxa Selic em 10,5% ao ano e a suspensão temporária de corte na taxa básica. No Templo dos Milagres do Financismo, localizado na Avenida Faria Lima, o pastor J.P. ­Morgan, no final do culto, bradou em êxtase: “Amém, irmãos! A credibilidade voltou! Nossas preces foram ouvidas, somos o povo escolhido para ganhar dinheiro, nossa verdade é a nossa fé!” Os fiéis gestores do dinheiro alheio fizeram o coro: “Oh a credibilidade voltou, oh oh…”

O Deus Mercado sempre está certo, amém irmãos! Quem melhor entende do vil metal? Nós ou o Banco Central? Nossa autoridade monetária voltou ao caminho da fé financista, viu a luz no caminho de Damasco… Faria Lima! Amém…

O dilúvio da desancoragem das expectativas inflacionárias foi salvo pelas mãos divinas do mercado. Contra a fé e o dogma metamorfoseados em Ciência, ninguém pode! Nem o Bacen! Amém duas vezes, irmãos!

Marcus Pestana - Um alerta para o risco de estrangulamento fiscal

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal, publicou o seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) No. 89, relativo a junho de 2024, onde faz a revisão dos cenários de médio e longo prazo (2026/2034).

A perspectiva de crescimento médio anual do Produto Interno Bruto foi ajustada de 2,0% para 2,2% ao ano em função, fundamentalmente, dos ganhos de produtividade derivados dos efeitos da Reforma Tributária.

Nos médio e longo prazos, a IFI acredita que haverá convergência da inflação para níveis muito próximos a atual meta inflacionária, ficando, em média, no patamar de 3,1% ao ano.

Thomas L Friedman - Chorei ao assistir ao debate

The New York Times / O Globo

Se encerrar agora, poderá deixar a Presidência como um dos melhores líderes da História americana e mostrar aos eleitores que o país vem antes de seus interesses

Assisti ao debate entre Biden e Trump sozinho em um quarto de hotel em Lisboa, Portugal, e ele me fez chorar. Não consigo me lembrar de um momento mais desolador na política da campanha presidencial americana em minha vida — justamente por causa do que ele revelou: Joe Biden, um bom homem e um bom presidente, não tem condições de concorrer à reeleição. E Donald Trump, um homem malicioso e um presidente mesquinho, não aprendeu nada e não esqueceu nada. Ele é a mesma fonte de mentiras que sempre foi, obcecado por seus ressentimentos — nem perto do que será necessário para que os Estados Unidos liderem no século XXI.