sábado, 13 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anistia vergonhosa une esquerda e direita

Folha de S. Paulo

Medida que concede impunidade a partidos é subversão da atividade parlamentar, aprovada pelas maiores forças da Câmara

Apesar das merecidas críticas e a despeito de seus inúmeros problemas, a famigerada PEC da Anistia passou com folga pela Câmara. Menos de 20% dos deputados federais tiveram a dignidade de votar contra essa proposta de emenda à Constituição que, na prática, concede um atestado de impunidade a todos os partidos políticos.

Ainda pendente de aval do Senado, a medida oferece às legendas três tipos de perdão, os quais têm em comum o descaso com a opinião pública e a subversão traiçoeira da atividade parlamentar.

Em uma das frentes, estende-se a imunidade das agremiações políticas, bem como de seus institutos e fundações, a todas as sanções de natureza tributária, com exceção para as previdenciárias. Entram nessa patuscada até mesmo os processos de prestação de contas eleitorais e anuais, incluindo juros, multas e condenações.

Pablo Ortellado - A acusação mais comprometedora

O Globo

Como ele explicará o uso da estrutura do Estado para perseguir inimigos?

De todas as acusações que pesam contra Bolsonaro, a criação de uma espécie de serviço de inteligência paralelo é a que ele terá mais dificuldade de explicar. Bolsonaro alega que tentou vender joias que julgava ser presentes “personalíssimos” e que, tão logo o estatuto dos presentes foi contestado, ele os devolveu, sem prejuízo ao Erário. Alega também que sempre afirmou publicamente que não tinha tomado a vacina contra a Covid-19 e que, se houve fraude no cartão de vacinação, não aconteceu por iniciativa dele. Até a participação na tentativa de golpe, no fim de 2022 e começo de 2023, não passou, segundo ele, de discussões que nunca foram levadas a cabo e que, além do mais, estavam respaldadas pela Constituição — ou por certa leitura da Constituição.

Eduardo Affonso - A idade da razão

O Globo

Aos 81 anos, candidato favorito à derrota, não satisfeito com o apagão no debate, ele dobrou a meta e chamou Zelensky de Putin

Quando teve de renunciar ao cargo de presidente da Universidade Harvard — pela tibieza no enfrentamento dos casos de antissemitismo e sob acusações de plágio —, a economista Claudine Gay alegou ser vítima de racismo.

— A história ainda dirá quanto de violência contra a mulher, quanto de preconceito contra a mulher tem nesse processo de impeachment golpista — sofismou Dilma Rousseff pouco depois da cassação de seu mandato, por crime de responsabilidade.

Claudine tinha 53 anos na ocasião da renúncia; Dilma, 68 quando do afastamento. Com alguns anos ou quilos a mais, poderiam ter se declarado vítimas de etarismo ou gordofobia. Tivessem passado por transição de gênero, certamente a carta da transfobia teria sido sacada. E desperdiçaram, ambas, a da xenofobia: Claudine é filha de haitianos; o pai de Dilma era búlgaro. Valia tudo, menos admitir uma gestão desastrosa.

Carlos Alberto Sardenberg - Mudar por acumulação, não por ruptura

O Globo

Plano Real hoje é muito maior. Desconfio que algo semelhante, embora não do mesmo tamanho, ocorra com a reforma tributária

Em seu pequeno e precioso livro “A soma e o resto”, Fernando Henrique Cardoso, ao tratar das características da sociedade contemporânea, cita esta entre as mais relevantes: “A mudança por acumulação, não por ruptura”.

O Plano Real, que continua em modo comemoração dos seus 30 anos, é um exemplo. A nova moeda não foi imposta por um golpe na calada da noite. Resultou de um processo — que começou com a formulação de uma teoria e seguiu por várias etapas preparatórias nos campos político e econômico.

Podem-se incluir nessas ondas de acumulação os seguidos fracassos de planos anteriores e a inflação que atormentava os brasileiros por décadas. No primeiro caso, os erros mostraram o que não deveria ser feito. No segundo, a carestia resiliente sugeria que havia ambiente para uma nova tentativa de reforma monetária.

Paulo Delgado - Menos médicos, menos SUS

O Estado de S. Paulo

A grita contra novos cursos vem dos que veem a medicina como clube de elite, espalhando pânico sobre a insegurança humana diante da doença

Há uma variedade enorme de situações no Brasil cujo ruído que espalha, a moralidade que desperta, o sentimentalismo que divulga, a distorção que alimenta e o barulho que provoca é maior do que a música tocada pela orquestra. A polêmica da vez é falar mal dos cursos de Medicina autorizados a funcionar por via judicial. Se a luta não é por mais médicos para a população, menos médicos revela a desnecessidade social do Sistema Único de Saúde (SUS) e a diminuição do alcance do Programa Saúde da Família.

Há, de fato, impulsos sacrílegos no Supremo Tribunal Federal (STF) próprios de más influências de poder interessado em subtrair ou purgar pecados da sociedade. Mas como o sentimento de culpa é universal nem sempre o STF é o veículo dessa culpa. Nesse caso o Supremo acertou ao autorizar destrancar cursos de Medicina, e por isso a decisão surpreendeu. Conciliou dois direitos: não seguiu nem condenou o modelo de editais congelados do Ministério da Educação (MEC) e reconheceu a necessidade de abrir outra porta de entrada para novos médicos sob a responsabilidade de mantenedores privados.

Carlos Andreazza - Consenso imposto

O Estado de S. Paulo

Com a omissão estimulante do TCU, governo Lula manteve em termos generosos contrato que a Âmbar Energia descumpriu

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu a suspensão cautelar do acordo entre governo Lula, Aneel (outrora agência reguladora) e Âmbar Energia.

Suspender para avaliar o troço. O mínimo, se preocupação houver com o interesse público. O arranjo a ter eficácia a partir de 22 de julho. Concerto pelo qual o TCU, órgão fiscalizador que se atribuiu a conflitante função conciliadora, demonstra simpatia.

Por eficácia, compreenda-se: pagamentos de dinheiros públicos à empresa. Por simpatia: desqualificadas as recomendações contrárias da unidade especializada da corte, abençoar o bicho tirando o corpo fora e deixar consagrar. Bastaria – bastará – um senão do TCU para brecá-lo. O silêncio a dez dias de fazer a simpatia se materializar em eficácia.

Oscar Vilhena Vieira - O grande bazar de direitos

Folha de S. Paulo

Se o STF assumir funções de natureza governativa, quem ficará responsável por garantir a regra da lei?

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, declarou nesta semana estar "muito entusiasmado com a iniciativa do STF [Supremo Tribunal Federal] de, ao invés de simplesmente decidir pela inconstitucionalidade daquilo que aprovamos no Congresso, poder inaugurar um ambiente de conciliação e composição". Mais entusiasmados ainda devem estar todos aqueles que se apropriaram ou adquiriram ilegitimamente terras indígenas nas últimas décadas.

Constituição de 1988 reconheceu aos povos indígenas "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam". Essas terras são "inalienáveis e indisponíveis", sendo "nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras". Cabendo à União demarcá-las.

Hélio Schwartsman - Uma PEC sem-vergonha

Folha de S. Paulo

Proposta de anistia a partidos por infrações eleitorais desgasta a democracia

Se fizermos uma pesquisa entre cientistas políticos perguntando qual é o princípio mais fundamental das sociedades civilizadas, são grandes as chances de que a resposta majoritária seja "o império da lei" ("rule of law"), a noção de que todos, incluindo governantes e legisladores, estão sujeitos às mesmas leis.

É o que assegura um mínimo de igualdade entre os cidadãos e previne o exercício arbitrário do poder. De forma mais pragmática, é o que possibilita um mercado razoavelmente competitivo de ideias, que tem favorecido os avanços tecnológicos e o aumento da produtividade econômica.

Dora Kramer - Popularidade x credibilidade

Folha de S. Paulo

Melhora na avaliação de Lula não é necessariamente sinônimo de confiabilidade

Três pesquisas (Datafolha, Quaest e Ipec) registraram nos últimos dias uma melhora na avaliação do presidente. A isso dá-se o nome de popularidade, termo que não necessariamente se traduz como confiabilidade e credibilidade no desempenho do governante.

São conceitos diferentes, pois nem tudo o que é popular sobrevive ao crivo do que é melhor para o andamento dos trabalhos governamentais em prazos estendidos.

O Plano Cruzado em seu congelamento de preços foi extremamente popular. Levou aos píncaros da glória o governo José Sarney, que terminou afundado em hiperinflação e resultou na eleição de Fernando Collor, em 1989.

Alvaro Costa e Silva - O incansável golpismo de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ex-presidente defende o direito de agir como fora da lei

Um áudio gravado em 8 de março de 2023, cinco dias após estourar o escândalo das joias, revela que Frederick Wassef orientou Bolsonaro a manter uma linha de defesa qualquer nota: classificar a notícia publicada em O Estado de S. Paulo como fake news, enfatizar a legalidade dos atos e acusar adversários de distorcer os fatos. "Sem adentrar em detalhes, em questões de leis e nem nada, porque o povo não tem tempo para ler e nem vai entender isso", disse Wassef, caprichando na linguagem que mistura trapaça com advocacia de porta de cadeia.

Demétrio Magnoli - Encarando o abismo

Folha de S. Paulo

Na sua febre de orgulho e arrogância, Biden invoca Deus, mas pratica a muito terrena política da chantagem

"Se Deus Todo-Poderoso aparecer e disser ‘Joe, desista da candidatura’, eu desistiria." Mas, como concluiu Biden, obviamente "Deus Todo-Poderoso não descerá até aqui". Tradução: sua candidatura à reeleição não pertence ao domínio da política, mas à esfera divina. A frase, por si mesma, deveria desqualificá-lo à Presidência. Paradoxalmente, produziu o desejado efeito de congelar o Partido Democrata, resignando suas principais lideranças a aceitar uma marcha sombria rumo à derrota.

Qualquer partido tem, em condições normais, o direito de perder com o candidato que quiser. Só que, segundo os democratas, a próxima eleição nos EUA é tudo menos um pleito normal: o triunfo de Trump representaria uma ameaça existencial à democracia americana. Ao nomear o candidato menos capaz de vencer, e ao conservá-lo por medo de ousar, os democratas traem o princípio inviolável pelo qual juram combater.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back - O Médico e o Monstro


CartaCapital

Mercado financeiro e especulação não são opostos, apenas modos de existência do capitalismo

“O Sr. Hyde é o outro oculto no médico, o outro que, por obra de um experimento químico inventado e ingerido pelo próprio Dr. Jekyll, surge como uma figura grotesca, simiesca, um monstro moral, resultado da transformação que se processa no Dr. Jekyll ao testar em si mesmo a droga por ele criada.

Esse ‘outro’ nascido da mutação sofrida pelo Dr. Jekyll não é, contudo, um outro externo, um outro que se apresenta diante do Dr. Jekyll como alguém pronto a confrontar o médico ou passível de ser confrontado ou mesmo destruído por ele. Em nenhum momento o Dr. Jekyll e o Sr. Hyde se veem frente a frente; não são duas pessoas, e sim dois modos de ser de uma mesma pessoa.” (Robert Louis ­Stevenson, O Médico e o Monstro: O ­Estranho Caso do Dr. Jekyll e Sr. Hyde).

Carlos Drummond - Retrato parcial

CartaCapital

Os elogios ocultam um empoderamento sem precedentes do sistema financeiro sobre a política nacional

A foto comemorativa dos 30 anos do Plano Real é reveladora mais pelo que oculta do que por aquilo que mostra. Lá estão, reunidos na Fundação FHC, Pérsio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco, que ocuparam a presidência do BNDES, o Ministério da Fazenda e a presidência do Banco Central quando Fernando Henrique Cardoso, em primeiro plano, foi presidente da República. Um dos principais elaboradores do Plano, o economista André Lara Resende, não aparece no retrato. A entidade não explicou a ausência, tampouco alguém perguntou sobre isso. Sua participação no projeto foi, porém, decisiva. A Proposta Larida, para criação de uma moeda indexada que circularia em paralelo com o cruzeiro, e depois constituiu a base para o Plano Real, foi assim batizada pela junção de sílabas dos sobrenomes Lara e Arida.

Marcus Pestana - Esquerda e direita: distinção renovada

Faz ainda sentido no mundo contemporâneo o uso dos conceitos direita e esquerda? Essas definições surgiram a partir de uma referência espacial na Assembleia Nacional Constituinte, instalada após a Revolução Francesa. Os jacobinos, corrente revolucionária radical, sentavam-se à esquerda da mesa que presidia os trabalhos. Já os girondinos, mais moderados, ocupavam o espaço à direita. Desde então, conservadores, liberais, e, mais recentemente, populistas autoritários ou iliberais, são identificados, apesar das nuances e diferenças, como pertencentes à direita do espectro político. Em contrapartida, socialistas, comunistas, social-democratas e verdes são ditos atores de esquerda na arena política.