sábado, 20 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Parlamentares usam emendas em favor de parentes candidatos

O Globo

Antecipação permitiu driblar regra em ano eleitoral. Laço familiar é exaltado em palanques sem constrangimento

As eleições municipais têm funcionado como estímulo para deputados destinarem emendas parlamentares a prefeituras de parentes. Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais as emendas identificadas pela sigla RP9, ou “emendas do relator”, os congressistas passaram a usar as RP8, ou “emendas de comissão”, para alocar recursos a seus projetos particulares.

Até a semana passada, o governo federal programara pagar R$ 9,1 bilhões em emendas de comissão, garantindo o envio do dinheiro depois de esgotado o prazo determinado pela Justiça Eleitoral para essas transferências, o início de junho. Com a garantia dos recursos, as prefeituras e seus padrinhos poderão erguer palanques, anunciar e iniciar obras a tempo de conquistar votos para prefeito e vereador.

Carlos Alberto Sardenberg - O risco de complicar

O Globo

O texto básico, já aprovado, é bastante bom. Mas os detalhes podem pôr muito a perder

Há pelo menos duas décadas, a reforma tributária está na pauta política e econômica. Pode-se entender isso como perda de tempo, a versão pessimista. Faz sentido. Os temas se repetiram demasiadamente. Parecia impossível chegar a uma decisão, a um projeto abrangente de reforma. Até surgiram alguns, mas não pegaram embalo. Mas há também uma versão mais esperançosa. Foi o tempo necessário para decantar as propostas e chegar a um entendimento sobre as bases da reforma.

Fiquemos com essa última linha, pois o Congresso Nacional acaba de aprovar uma abrangente reforma dos impostos sobre o consumo. Caminhamos, portanto, para uma mudança por acumulação, não por ruptura. Mesmo porque, depois de tudo aprovado, será implantada ao longo de dez anos. Mais ainda: o texto básico é exatamente do que o Brasil precisa. Simplifica o sistema, facilitando a vida das empresas, torna-o mais eficiente e justo.

Pablo Ortellado - ‘Hashtags’ mostram riscos à democracia

O Globo

Na esquerda, a teoria conspiratória dominante sustenta que o atentado a Trump foi encenado

A democracia americana balançou no último sábado quando um atirador disparou contra a cabeça de Donald Trump durante um comício, gerando uma tempestade de teorias conspiratórias e ameaças de mais violência. Duas hashtags rapidamente se tornaram os assuntos mais comentados nas mídias sociais, destacando os riscos que um episódio de violência política como esse pode trazer num cenário de polarização crescente.

Poucos minutos depois dos disparos, a expressão staged (armado/encenado) já estava entre os tópicos mais discutidos no X. Postagem após postagem especulavam sobre que forças ocultas estariam por trás do atentado suspeito. A discussão girava em torno das falhas graves do serviço secreto e da polícia, que, supostamente alertados sobre a presença do atirador, demoraram a agir. Também foi considerada suspeita a rapidez com que Trump se recompôs e “posou” para a famosa foto produzida pela agência Reuters, em que aparece com o punho erguido, cercado por seguranças, sob uma bandeira americana tremulando.

Eduardo Affonso - Falso ou verdadeiro?

O Globo

O brasileiro está mais exposto aos vieses dos algoritmos, a ficar refém da própria bolha

Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicada em junho, avaliou em 21 países a capacidade da população de identificar notícias falsas. Para surpresa de ninguém, o Brasil ficou em último lugar.

São vários os motivos para nossa constrangedora credulidade. Alguns, universais — como o viés de confirmação, que nos leva a acreditar no que mais nos convém (vide os “patriotas” identificando sinais de uma iminente operação de “garantia da lei e da ordem”, que lhes garantiria burlar a lei e institucionalizar a desordem). Outros, ligados ao estágio de qualquer país eternamente “em desenvolvimento” — como o baixo nível de alfabetização digital, que nos deixa acríticos (vide a quantidade de gente que ainda cai em golpes na internet). Há também a desinformação sistêmica — uma força-tarefa trabalhando em tempo integral para desintegrar nossos detectores de mentiras.

Dora Kramer - A arte da zoeira

Folha de S. Paulo

Criativo na era analógica, na digital PT foi pego no contrapé do novo tempo

Na era analógica, o PT era eficiente no embate. Naqueles idos do final do século passado, era também bom de festa, de (algum) humor e criatividade. Com esses atributos, tanto fez oposição que conseguiu, e segue conseguindo, ser situação.

Nesse lugar de poder pela quinta vez e na era digital, o partido parece ter sido pego de jeito no contrapé do novo tempo. Perde de lavada num ambiente dominado pela direita. Não consegue pautar as provocações nem reagir a elas de modo eficaz.

Leva o tranco e, quando (raramente) se anima a dar o troco, o faz em moeda de menor valor.

Hélio Schwartsman - Física do crime

Folha de S. Paulo

Números do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública esmiúçam os padrões da violência no país e oferecem possibilidades de intervenção

Se a física com suas fórmulas e números longos parece uma coisa complicada, as ciências sociais são muito mais. É que o reducionismo, isto é, a possibilidade de quebrar um fenômeno complexo em elementos mais simples para entendê-lo, funciona melhor nas ciências exatas do que nas que envolvem seres humanos. Átomos são comportamentalmente mais consistentes do que pessoas.

A dificuldade não é motivo para desistir. Mesmo em fenômenos multifatoriais complexos como a criminalidade é possível identificar tendências e encontrar oportunidades de intervenção.

Alvaro Costa e Silva - O medo dá voto

Folha de S. Paulo

Bancada da bala já dispara contra PEC de Lewandowski

Ricardo Lewandowski disse o óbvio: o atentado contra Trump mostra as consequências negativas de armar a população. A bancada da bala, no entanto, não está nem aí para o ministro da Justiça. Ainda comemora a exclusão de armas de fogo do imposto do pecado, que encarece refrigerantes, mas nada cobra de pistolas.

Uma espécie de incentivo fiscal para os bandidos que se abastecem na compra e venda de material desviado não só de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores como de polícias e empresas de segurança.

Demétrio Magnoli -Pedrinho gritou 'lobo'!

Folha de S. Paulo

O analista concentra-se nas nuances; o pregador, na caricatura que lhe serve

"Não rir, nem lamentar, nem odiar, mas compreender". A prescrição de Spinoza, que serviu como guia para os intelectuais públicos, saiu da moda. Na era das redes sociais, os intelectuais públicos desistiram de decifrar os fenômenos políticos, dedicando-se à tarefa banal de exprimir indignação moral perante suas bolhas ideológicas. De analistas, tornaram-se pregadores. Daí, o pequeno escândalo provocado por meus comentários, aqui e na GloboNews, sobre a ascensão da Reunião Nacional (RN) francesa.

Num passado menos envenenado, rótulos políticos serviam para descrever fenômenos dinâmicos. A atual RN, de Le Pen, emanou de um longo processo de revisões históricas e dramáticas cisões internas que ainda não se concluiu. Nessa trajetória, renunciou às suas raízes, fincadas na França de Vichy, para aderir à narrativa gaullista da França da Resistência. A estratégia permitiu-lhe capturar a maior parte do eleitorado da centro-direita tradicional, relegando o velho partido gaullista a um gueto. A extrema direita tornou-se direita nacionalista.

Fareed Zakaria - O cerco democrata ao presidente americano

O Estado de S. Paulo

Sem muitas alternativas, resta ao partido tentar convencer Biden a desistir da corrida presidencial

As primárias passaram o poder das líderes partidários para os ativistas do partido

Nos EUA, os partidos são conchas nas quais os empresários operam à vontade. Os democratas que mais ou menos revelaram que querem a saída de Joe Biden – um grupo que agora inclui Chuck Schumer, Nancy Pelosi e Hakeem Jeffries – não têm nenhum mecanismo formal para expulsá-lo. Tudo o que podem fazer é pressioná-lo nos bastidores, envergonhá-lo publicamente (como estão fazendo) e ameaçar deixá-lo sem dinheiro e sozinho.

Mas essas são apenas ameaças. Elas só funcionam se Biden acreditar nelas – acreditar que o partido se manterá firme contra ele, mesmo com a proximidade da eleição e o risco de outra presidência de Trump aumentar.

Carlos Andreazza - Arcabouço final: o finado exausto

O Estado de S. Paulo

Metas fiscais são meras fabulações do governo Lula. Mas a culpa, claro, é de quem lhe cobra - o maldito mercado, a mídia vendida - o cumprimento do contrato

O arcabouço fiscal – presunto difícil de carregar – foi criado pelo governo Lula. Idem a ficção-base do orçamento. As metas fiscais – inclusive as já adulteradas, vilipendiado o corpo natimorto – são fabulações do governo Lula. De modo que: o governo Lula terá inventado – faz parecer herança – um problema para si. Culpa, porém, de quem lhe cobra – o maldito mercado, a mídia vendida – o cumprimento do contratado.

“Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la, se você tiver coisas mais importantes para fazer” – disse o presidente; que tem, segundo Alexandre Padilha, “compromisso fiscal inegociável”.

Não mente o ministro. “Compromisso fiscal inegociável” pode ser com o incremento da arrecadação. Já não bastou.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Entre Lincoln e Trump

CartaCapital

Apenas o Estado, fundado na lei, pode proteger a sociedade dos que visam impor o terror privado

O tiro que raspou a orelha de Donald Trump em um comício na Pensilvânia foi tão somente mais um entre tantos que vitimaram presidentes e políticos americanos ao longo da história. Não vou aborrecer os leitores com a lista de mortos e sobreviventes.

Depois do tiroteio, o festival de manifestações espargido nas mídias despertou em minha memória o atentado perpetrado contra Abraham Lincoln, em 14 de abril de 1865. Lincoln iniciava seu segundo mandato presidencial e foi morto no teatro por um tiro na cabeça disparado pelo ator John Wilkes Booth.

Aldo Fornazieri - O erro da isenção da carne

CartaCapital

A medida produz dois grandes danos: aumenta as desigualdades sociais e contribui para o aquecimento global

Quem estudou ou estuda Maquiavel sabe que o bem e o mal são intercambiáveis. Muitas vezes aquilo que se apresenta como o bem produz o mal e outras vezes aquilo que parece uma crueldade é mais piedade do que algo apresentado como piedade. A ocorrência quase universal desse intercâmbio é praticamente diária nos acontecimentos políticos mundanos e nos negócios humanos.

Alguém minimamente informado sabe também que a principal causa formadora das desigualdades sociais no Brasil reside na estrutura tributária injusta e concentradora de renda. A regulamentação da reforma tributária deu mais um passo para reforçar e ampliar as causas da geração das desigualdades. Esse feito conseguiu unir quase todos os deputados, o governo e a oposição, Lula e os deputados do PL, o agronegócio e as esquerdas, e por aí vai. Trata-se da inclusão da isenção tributária da carne bovina e de outras proteínas animais em nome de garantir o acesso aos pobres. Essa suposta piedade aumenta a crueldade das desigualdades e beneficia os mais ricos e os grandes produtores de carne – o agronegócio, geralmente depredador.

Marcus Pestana - Como a questão fiscal mexe com a vida de todos nós?

O Brasil é um país emergente, relativamente pobre e bastante desigual. O papel da ação governamental é essencial para a melhoria da qualidade de vida da população, dadas as fragilidades existentes em nosso tecido social e econômico. A implantação das diversas políticas públicas exige um padrão de financiamento consistente e equilibrado. A crise ou o estrangulamento fiscal afetam todos nós: as crianças e jovens do ensino público, os usuários do SUS, as vítimas do crime organizado, os dependentes dos programas governamentais de transferência de renda. Sendo assim, a eficácia e a qualidade das políticas públicas dependem visceralmente da saúde financeira dos governos. Além disso, o desequilíbrio fiscal permanente interfere na vida de toda a sociedade pelas suas implicações na inflação, na taxa de juros, no ritmo do crescimento da economia e do emprego, na dívida pública e nas expectativas sobre o futuro.