sábado, 31 de agosto de 2024

Opinião do dia -: Karl Marx* (Democracia)

“Hegel parte do Estado e faz do homem o Estado subjetivado; a democracia parte do homem e faz do Estado o homem subjetivado. Do mesmo modo que a religião não cria o homem, mas o homem cria a religião, assim também não é a constituição que cria o povo, mas o povo a constituição. A democracia, em um certo sentido, está para as outras formas de Estado como o cristianismo para as outras religiões. O cristianismo é a religião ’preferencialmente’, a essência da religião, o homem deificado como uma religião particular. A democracia é, assim, a essência de toda constituição política, o socializado como uma constituição particular; ela se relaciona com as demais constituições como gênero como suas espécies, mas o próprio gênero aparece, aqui, como existência e, com isso, como uma espécie particular em face das existências que não contradizem a essência. A democracia relaciona-se com todas as outras formas de Estado como com seu velho testamento. O homem não existe em razão da lei, mas a lei existe em razão do homem, é a essência humana, enquanto nas outras formas de Estado o homem é a existência legal. Tal a é a diferença fundamental da democracia. "

*Karl Marx (1818-1883), Critica da Filosofia do Direito de Hegel, p. 50. Boitempo Editorial, 2005

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Musk deve cumprir ordens, mas STF não pode extrapolar

O Globo

Liberdade de expressão não justifica que redes sociais fujam a suas responsabilidades jurídicas

A reação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), à recusa do empresário Elon Musk em cumprir decisões judiciais para remover contas e publicações ilegais de sua rede social X e em indicar um representante legal para responder por suas decisões no Brasil apresenta pontos extremamente controversos. O primeiro foi notificá-lo por meio de um post em rede social, o próprio X. Que farão agora os oficiais de justiça diante da árdua tarefa de notificar alguém que evita ser encontrado? Usar as redes sociais do cidadão? Cabe tal procedimento em nosso sistema de justiça ou a inovação valerá apenas para ministros do Supremo?

É verdade que Musk acabou dando ciência à notificação, ao respondê-la de modo grosseiro. Mas o certo teria sido enviar uma carta rogatória, a que o comum dos mortais tem de recorrer quando depara com situação semelhante. O segundo ponto, ainda mais heterodoxo e esdrúxulo, foi o congelamento das finanças de outra empresa controlada por Musk, a Starlink, que nada tem a ver com o X e oferece serviço essencial de internet por satélite em regiões remotas — a medida é tida como ilegal por juristas respeitados. É certo que chegar a Musk é difícil, mas, por moroso que seja o processo, ele tem de ser feito dentro da lei. Espera-se que o plenário do STF corrija esses desvios. Nenhum ministro deve ser considerado imune a erros ou dono da palavra final.

Marco Aurélio Nogueira - Sem eleições limpas, a democracia sofre

O Estado de S. Paulo

Candidatos há que costumam fraudar eleições mediante formas ‘discretas’: mentiras, fuga do debate público, ausência de programas e intenções

Eleições são decisivas para o bom funcionamento da democracia. Por meio delas, mostra-se a qualidade da representação, a resiliência da estrutura institucional e o desempenho governamental. Governantes são premiados ou castigados pelos eleitores quando buscam sua reeleição. Políticos insurgentes podem ganhar o palco da política quando reúnem bons votos. Eleitores extravasam nas urnas suas esperanças, seu descontentamento e sua desconfiança nos políticos.

Diferentemente da Venezuela e de outras ditaduras praticantes do autoritarismo eleitoral, o Brasil tem convivido bem com as eleições. Elas foram suspensas e reprimidas durante a ditadura militar, entre 1968 e 1972, mas a queda do regime ditatorial se deu por via eleitoral, mediante a qual preparou-se o caminho para que o regime fosse se desfazendo, primeiro a partir das bordas e, depois, em seu sistema nervoso central.

Carlos Melo – Frentes políticas contra os filhos da fúria

O Globo

Mesmo que formalmente reverencie ex-presidente, ele não é seu discípulo ou fiel a seus interesses

A disputa patrimonial na extrema direita nacional é a sensação da temporada. Está além das eleições municipais. Pablo Marçal ocupou espaço sem pedir licença; contestado, resistiu. Debilitou as forças de Jair Bolsonaro e pôs em dúvida sua liderança. Modelo 4.0 do reacionarismo, reduz o ex-presidente a uma versão beta, ultrapassada, cheia de bugs. Mesmo que formalmente o reverencie, Marçal não é seu discípulo ou fiel a seus interesses. Antes, parece a kryptonita de Bolsonaro.

Mais ousado, de ataques mais baixos, fortes e desconcertantes, o ex-coach se coloca não apenas como empecilho para a reeleição do prefeito Ricardo Nunes, mas também como pesadelo às pretensões do ex-presidente e, talvez, aos projetos de Tarcísio de Freitas, que, ironicamente, passam a ser percebidos como parte do sistema.

Contudo Marçal não é novo, menos ainda surpreendente. Brota da mesma escuridão do presente. Pertence à novíssima geração de extremistas reacionários, antissistema, candidatos a autocratas, montados num pretensioso anarcocapitalismo que confunde esforço pessoal e empreendedorismo com bizarrice, caos e carnificina social.

Pablo Ortellado - Democracia sai derrotada

O Globo

A disputa entre Elon Musk e Alexandre de Moraes tem provocado defesas apaixonadas e unilaterais, alimentadas pela dinâmica polarizada que exige apoio entusiasmado ao adversário do inimigo. Uma análise cuidadosa sugere, porém, que os dois, Musk e Moraes, cada um a sua maneira, contribuem para o enfraquecimento da democracia brasileira.

Os inquéritos dos movimentos antidemocráticos conduzidos por Moraes apresentam problemas de forma, como já discuti noutras ocasiões nesta coluna, mas também de conteúdo. No que se refere às publicações nas mídias sociais com conteúdos ilícitos, Moraes tem adotado uma abordagem mão pesada.

No passado, a punição-padrão para uma publicação considerada ilícita pela Justiça era a exclusão dela especificamente. Considerava-se que a exclusão da conta do infrator configurava censura prévia, uma vez que o impedia de cometer um novo ato ilícito antes mesmo de ser cometido. Os inquéritos do STF, porém, tornaram triviais as suspensões de contas, em vez de apenas das publicações problemáticas.

Eduardo Affonso - Mátria amada, Brasil!

O Globo

Nosso belo hino, decentemente executado por qualquer banda de música, funciona como kryptonita para cantores populares

O Hino Nacional não dá sorte, coitado. É sonoro, poético, arrebatador, mas ele mesmo não se ajuda. A começar pela letra — hermética, quilométrica, redigida na fronteira entre o hipérbato e a sínquise, eivada de proparoxítonas (é provável que, nesse quesito, só perca para “Construção”, de Chico Buarque, e “O drama de Angélica”, de Alvarenga e Ranchinho).

Suas estrofes são intercambiáveis, sem obedecer a uma sequência lógica — e a maior dúvida da nossa literatura não é se Capitu traiu Bentinho, mas se o “sonho intenso” vem antes ou depois do “amor eterno”. (Repare: sempre haverá uma pausa dramática ao fim do refrão Ó Pátria amada,/Idolatrada,/Salve! Salve!, e nos quedamos em obsequioso silêncio, à espera de ver — ouvir — para onde vai aquela minoria que inventou uma fórmula mnemônica para não se perder.)

Há quem diga que a melodia foi inspirada em obras de Beethoven, Rossini, Liszt, Paganini, Neukomm e do padre José Maurício — mas ninguém sabe ao certo, nesse caso, quem é o ovo, quem é a galinha.

Carlos Alberto Sardenberg - Prejuízos à vista

O Globo

A despesa do INSS cresce pela concessão de novos benefícios, em número bem superior ao que será eliminado

INSS deve gastar neste ano cerca de R$ 900 bilhões em benefícios previdenciários, como aposentadorias, pensões, auxílios-doença, e outros pagamentos obrigatórios, que compõem 33% das despesas totais do governo federal. Para 2025, a previsão é de R$ 1 trilhão. Menos uma economia de R$ 7 bilhões que o governo pretende obter passando um pente-fino nos benefícios.

Ridículo, não é mesmo? Um corte de 0,7%.

A redução foi anunciada nesta semana, quando o governo também informou que ampliará o programa vale-gás a partir do próximo ano. A ideia é distribuir um botijão a cada dois meses para 20 milhões de famílias. O custo final será de R$ 13,5 bilhões anuais, ante os R$ 3,5 bi gastos atualmente.

Dora Kramer - Discurso caduco

Folha de S. Paulo

PT paga o preço da falta de renovação, atrelado à visão passadista de Lula

A interdição ao crescimento de novas lideranças com obediência cega e longeva aos ditames de um só líder cobram um preço alto ao PT. Atrelado a uma visão passadista de seu comandante, tem dificuldade de dialogar com o novo tempo.

As pesquisas indicam que o partido se arrisca na presente campanha municipal a repetir o fracasso de 2020, quando não conseguiu eleger ninguém nas capitais e se viu reduzido a 183 prefeituras no país, numa desidratação e tanto para quem já teve 638. Isso foi há 12 anos.

Pode ganhar em São Paulo? Pode, mas para se tornar competitivo precisou recorrer a alguém de fora de seus quadros, porque é Guilherme Boulos (PSOL) e não um petista, o candidato em condição de colocar a esquerda na disputa.

Alvaro Costa e Silva - A moda 'fofa' dos pets nas campanhas políticas

Folha de S. Paulo

Novos cabos eleitorais miam, latem e abanam o rabinho

Em contraponto ao conteúdo sensacionalista e assumidamente picareta das campanhas, o cabo eleitoral da moda são os pets. No país que deu votos de protesto para uma rinoceronte e um chimpanzé —Cacareco na eleição paulistana de 1959 e Macaco Tião na carioca de 1988—, a repórter Fernanda Alves mostrou que os animais de estimação participam de agendas na rua e até de debates. E, claro, são presença incessante nas redes.

É a tática da fofura contra a da baixaria. No Rio, o candidato a prefeito Marcelo Queiroz (PP) tem na pauta animal sua maior bandeira, a ponto de promover "cãominhadas" em Copacabana. Tarcísio Motta (PSOL) é um orgulhoso pai de pets (um gato e um cão). Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) abriga quatro cachorros da raça spitz e Tabata Amaral faz questão de lembrar que adotou sete animais.

Hélio Schwartsman - Desespero ambiental

Folha de S. Paulo

Aquecimento global vai criar tentação de recorrer às geoengenharias; seria bom acordar desde já regras para isso

Cedo ou tarde vai acontecer. A crise climática veio para ficar. Algumas nações sofrem bem mais do que outras. É mais ou menos inevitável que em algum momento algum país ou bloco de países se sinta tentado a apelar para medidas drásticas. Na prancheta, elas existem.

Geoengenharia é o termo guarda-chuva para descrever intervenções humanas com o objetivo de conter o aquecimento global. Ela abarca desde técnicas pouco polêmicas de sequestro de CO2 atmosférico, como o reflorestamento, já amplamente utilizado, até ideias mais ousadas, como a fertilização de oceanos com compostos de ferro, a fim de estimular a produção de fitoplâncton, que também fixa carbono. O problema é que isso nunca foi tentado em grande escala e poderia gerar efeitos adversos dos quais nem desconfiamos.

Demétrio Magnoli - Ser e não ser

Folha de S. Paulo

Os 3 principais candidatos em São Paulo encaram uma versão aditiva da encruzilhada clássica

Ser ou não ser? O dilema envolve uma alternativa implacável: a morte ou, talvez pior, uma vida de dor. Diferentemente de Hamlet, os três principais candidatos à prefeitura paulistana encaram uma versão aditiva da encruzilhada clássica: ser e, simultaneamente, não ser. Ricardo Nunes precisa ser e não ser bolsonarista. Guilherme Boulos está condenado a ser e não ser da esquerda irredutível. Pablo Marçal deve solucionar a equação de ser e não ser o arauto do individualismo antissocial.

Nunes, o vereador cinzento elevado pelo destino à prefeitura, não é nenhum Eduardo Paes. O carioca, com gestão bem avaliada, move-se fora do campo de força da polarização nacional e, por representar a única opção não-bolsonarista viável, recebeu sem contrapartida o apoio de Lula. Já o paulistano, alcaide sofrível, depende do eleitorado bolsonarista para sonhar com o triunfo.

Carlos Andreazza - Xandão censor

O Estado de S. Paulo

A razão para a censura sempre é virtuosa

A Folha tentou entrevistar Filipe Martins e foi proibida por Alexandre de Moraes. Censura prévia. Esqueça Martins e as certezas sobre o ex-assessor de Bolsonaro. A entrevista foi censurada previamente. O Supremo formulando novas restrições à liberdade de imprensa.

Não importa quem seria o entrevistado; tampouco as investigações que correm contra ele. Importa que um jornal está impedido de ouvir sujeito em nada impedido – se válida a Constituição – de falar à imprensa. Censura. Prévia.

Importa também que Martins esteve preso ilegalmente por meses, documentado – provado bem cedo – que as razões para aquela preventiva não se sustentavam. Prisão que Moraes manteve, à revelia das provas e da manifestação da PGR. Revogada apenas no começo deste agosto, impostas medidas cautelares.

Luiz Gonzaga Belluzzo - A economia do gasto e da renda

CartaCapital

Se setor privado e governo cortam gastos, a renda agregada cai e o risco de crédito sobe

Nos tempos da crise financeira de 2008, Paul Krugman discorreu a respeito das relações entre gasto, renda e dívida. Peço licença ao leitor de CartaCapital para relembrar as afirmações do economista americano:

Nossa dívida (privada) consiste principalmente de dinheiro que devemos uns aos outros; ainda mais importante, nossa renda provém principalmente de vender coisas uns aos outros. Seu gasto é minha renda e meu gasto é sua renda. Assim, o que acontece se todo mundo reduzir gastos simultaneamente a fim de reduzir ­suas dívidas? Resposta: a renda cai.

Outro exemplo de inconsistência conceitual está abrigado na separação entre oferta e demanda, apresentada nos manuais de Macroeconomia. A separação – o “lado da demanda” e o “lado da oferta” – não faz sentido para o tratamento da “economia como um todo”, tal como a concebia Keynes, o John Maynard.

Em uma carta endereçada aos assessores de Roosevelt, Keynes desfiou argumentos a respeito das relações oferta e demanda.

Aldo Fornazieri - O custo da omissão

CartaCapital

Os incêndios devastadores provam o fracasso do governo Lula no enfrentamento dos problemas ambientais

O sucesso ou o fracasso do governo Lula no enfrentamento dos problemas ambientais e da crise climática não pode ser medido pelo metro do que tem sido feito em relação à gestão criminosa e devastadora do governo de Jair Bolsonaro nessas áreas. O metro precisa ser definido em relação às urgências e necessidades que esses temas requerem em termos de ações de uma administração com consciência da gravidade desses problemas. E se o metro deve ser esse, não há o que tergiversar: o governo Lula tem fracassado no enfrentamento dos desafios.

No governo Bolsonaro, o negacionismo da crise climática era ideológico. No governo Lula, o negacionismo é omissivo. Isto é, o governo não faz o que deveria ser feito de forma consciente. E aqui não se trata de jogar o peso do fracasso nos ombros do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e demais institutos ou do Ministério dos Povos Indígenas. Bolsonaro deixou o ministério, o Ibama e demais institutos esquálidos. Lula os mantém esquálidos, depauperados, sem recursos e sem meios e condições para agir. Esta é a natureza do negacionismo omissivo que domina a cúpula do atual governo.

Marcus Pestana - O jogo ainda aberto da democracia brasileira

O emocionante jogo entre o legado da redemocratização e os passivos da Nova República chegou ao placar apertado de 4 x 3, a favor de nossa recente democracia construída nos últimos 40 anos. Mas a peleja não havia terminado. E, infelizmente, esse jogo de ida terminou 6 x 4 com a virada feita pelos gargalos e fracassos colhidos. Quais foram os últimos três gols que tomamos?

O primeiro e mais agressivo é a permanência de um quadro inaceitável de desigualdades de renda e riqueza. Segundo o Observatório Brasileiro das Desigualdades, a desigualdade subiu de 2022 para 2023. Em 2023, o rendimento médio dos 1% mais rico da população foi 31,2 vezes superior ao dos 50% mais pobres. Ou seja, o que já era escandalosamente ruim, piorou um pouco. Este quadro de desigualdades de renda é agravado pelas condições sub-humanas de moradia, insuficiência alimentar, falta de coleta de esgoto e água tratada, péssima qualidade do ensino, baixo acesso aos bens culturais, subemprego, qualificação profissional precária, dificuldades de acesso ao SUS, deficiências do sistema de transporte público. Quando se joga o foco para o Nordeste e o Norte do Brasil, os indicadores pioram ainda mais e muito. Não foi esse o sonho acalentado pelos líderes do movimento das Diretas-Já e por nossos Constituintes de 1988. Gol das forças do retrocesso, empate de 4 x 4.