segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Efeito fiscal de pente-fino em benefícios é incerto

O Globo

Revisão em pagamentos do INSS e no cadastro do BPC é positiva. Mas economias projetadas são otimistas

Ao anunciar o detalhamento dos R$ 25,9 bilhões de cortes que pretende implementar no Orçamento de 2025, o governo deu destaque aos gastos sociais. Do total, a estimativa é que R$ 6,4 bilhões venham do Benefício de Prestação Continuada (BPC), R$ 10,5 bilhões de benefícios do INSS (incluindo o auxílio-doença) e R$ 2,3 bilhões do Bolsa Família. Só nessas três rubricas, o governo acredita haver R$ 19,2 bilhões em pagamentos indevidos.

Ao todo, 5,9% dos gastos do governo em 2023 (ou R$ 261,6 bilhões) foram destinados a programas como Bolsa Família e BPC. Numa definição mais elástica de gastos sociais que inclui a Previdência, 16,7% do PIB — ou quase R$ 800 bilhões — tem por finalidade a proteção social.

Ana Luiza Albuquerque - No turbilhão do passado

Folha de S. Paulo

Estratégia usada pelo nazismo e fascismo italiano é reeditada no século 21 por movimentos populistas e pela ultradireita

[RESUMO] A fabricação do mito de um passado glorioso, estratégia utilizada nas experiências fascistas do século 20, é reeditada no século 21 pela extrema direita e pela direita populista, com o mesmo intuito de implementar valores reacionários e fustigar o modelo de Estado de Direito liberal. No Brasil, percebe-se isso no movimento bolsonarista e na construção de um passado compartilhado judaico-cristão.

"Ele é o leão da tribo de Judá", cantava a senhora com a mão direita ao alto e a mão esquerda no microfone. O animal aparecia no manto que ela carregava nos ombros, junto às bandeiras de Israel e do Brasil. "Oh, esperança de Israel", a mulher repetia, entoando os versos de uma canção carimbada nos cultos evangélicos.

Naquele domingo, a reunião não era religiosa. O canto da senhora enchia a esvaziada casa de eventos que abrigou a convenção municipal do PRTB em São Paulo, confirmando a pré-candidatura do influenciador, empresário e ex-coach Pablo Marçal à prefeitura da capital.

Sem o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Marçal ativou símbolos caros para a direita bolsonarista: Deus, família e os perigos do comunismo, das drogas e da "ideologia de gênero". Israel foi mais um deles.

Cinco meses antes, as bandeiras do país judaico haviam tomado as ruas da avenida Paulista, no centro da cidade, em manifestação em defesa de Bolsonaro. Do alto do carro de som, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) pregou que política e religião devem, sim, se misturar, e anunciou que o povo brasileiro é cristão.

Terminou seu discurso com um recado ao Senhor: "Que tua verdadeira shalom esteja dentro dos muros de Israel. Nós abençoamos o Brasil. Nós abençoamos Israel. Em nome de Jesus, amém".

Oswaldo E. do Amaral - Populistas em série

CartaCapital

As redes sociais continuarão a produzir clones de Pablo Marçal

No começo de fevereiro deste ano, prestei atenção em Pablo Marçal pela primeira vez. Como alguém com uso apenas profissional de redes sociais, não me recordava de ter visto seu rosto ou ouvido sua voz. Lembrava apenas vagamente de sua aventura eleitoral, frustrada pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2022.

Meu filho, um adolescente de 13 anos, foi o responsável pela apresentação por meio de um vídeo em que o agora candidato explicava como conseguiu salvar sua família de um desastre de helicóptero usando a sua mente. Depois disso, passei a acompanhar as notícias sobre ele, invariavelmente polêmicas, produzidas para o engajamento nas redes. Em abril, ele filiou-se ao PRTB, pequeno partido de direita. Estava claro que seria candidato e que tinha potencial para influenciar a disputa na cidade de São Paulo.

Marcus André Melo - O semipresidencialismo é terapia para o Brasil?

Folha de S. Paulo

São múltiplos os fatores que poderão restaurar um equilíbrio de presidente forte

Como analisei em detalhes aqui, as patologias que os defensores do semipresidencialismo identificam no nosso sistema político são:
1. crises de governabilidade quando presidentes perdem sustentação parlamentar;
2. ascensão de outsiders sem base partidária;
3. ingovernabilidade devido à irresponsabilidade fiscal legislativa;
4. perda de racionalidade das políticas públicas em virtude do neolocalismo legislativo; e
5. malaise política que resulta de acordos não programáticos.

Carlos Pereira - Janela de oportunidade perdida?

O Estado de S. Paulo

Constitucionalidade das emendas impositivas é o problema mais relevante a ser enfrentado

Existem várias abordagens dos problemas decorrentes das emendas dos parlamentares. Pode-se analisar sob a perspectiva do volume de recursos. Hoje representa cerca de 23% das despesas discricionárias, muito superior a países da OCDE onde as emendas raramente chegam a 1%.

Outra abordagem é interpretar o problema sob a perspectiva da baixa transparência na alocação dos recursos públicos, como fez o STF. Decidiu suspender a execução das emendas impositivas e das Pix até que Executivo e Legislativo apresentem proposta que as tornem transparentes, rastreáveis e fiscalizáveis pelos órgãos de controle.

Bruno Carazza - O PT conhece o eleitor de Marçal há anos e o ignorou

Valor Econômico

Pesquisas feitas por fundação do PT já captavam a receptividade do eleitorado ao discurso proferido por Pablo Marçal, mas pouca gente deu importância

A fora a decisão de Alexandre de Moraes de tirar o X-Twitter do ar, as conversas sobre política nas últimas semanas giram sobre um só personagem: Pablo Marçal.

Muito se tem falado de seus métodos (os legítimos e os ilegais) comerciais, de seu marketing digital aplicado à campanha eleitoral e de seu discurso teológico coach (como caracterizou a cientista política Ana Carolina Evangelista), mas pouco ainda se discute sobre o seu potencial eleitorado.

E o mais interessante é que os eleitores que aderem em velocidade estonteante a Marçal hoje (não só em São Paulo, mas no Brasil todo) já vêm sendo mapeados há anos pelo PT - embora ninguém tenha dado a importância devida a esse fenômeno.

Nas eleições municipais de 2016, o então prefeito, Fernando Haddad, mesmo apoiado por Lula e Dilma Rousseff, foi derrotado por João Doria no primeiro turno, com menos de um terço dos votos válidos (53,3% a 16,7%). O tucano venceu em todas as regiões da cidade, com a exceção de Parelheiros e Grajaú, em que a maioria dos eleitores preferiu Marta Suplicy (então no MDB).

Perplexo por ter perdido por larga margem até nos bairros mais pobres da cidade, onde tradicionalmente era muito bem votado, o PT resolveu investigar as causas do desempenho tão ruim. Especialistas contratados pela Fundação Perseu Abramo realizaram então uma série de entrevistas qualitativas entre novembro de 2016 e janeiro de 2017 para entender o que pensava o morador dessas regiões.

Sergio Lamucci - Expansão fiscal se combina ao mercado de trabalho aquecido

Valor Econômico

Conjuntura se diferencia não tanto pelo fiscal expansionista ou pelo mercado de trabalho forte, quanto pelo fato de ocorrerem em paralelo, diz Fernando Montero

A economia brasileira passa por um momento de expansionismo fiscal e aquecimento do mercado de trabalho, com alta expressiva do nível de ocupação e da renda. Esse cenário impulsiona a atividade econômica, levando os analistas a projetar um crescimento do PIB no segundo trimestre perto de 1% em relação ao primeiro e de 2,5% ou até mais neste ano [ler mais em PIB pode trazer nova surpresa positiva no 2º tri, estimam economistas). Essa combinação de impulso das contas públicas, especialmente por meio de transferências de renda, e robustez do mercado de trabalho deverá perder força mais à frente, o que obviamente terá efeito sobre o ritmo da economia. Reduzir incertezas, para ter uma cotação mais baixa do dólar e retomar a ancoragem das expectativas de inflação, é fundamental para que a política monetária não jogue com força contra a atividade, num momento em que o estímulo fiscal deverá perder o ímpeto e o emprego e a renda terão menor dinamismo.

L. C. Bresser-Pereira e Tiago Porto - Abrir mais uma porta já escancarada?

Valor Econômico

É falso que a indústria continua gostosamente protegida

Edmar Bacha, no Valor (17.07.2024), procurou explicar por que a indústria brasileira encolheu tanto no período 1995 a 2023. Disse que a literatura econômica oferece duas explicações para o problema: a desindustrialização precoce e a doença holandesa.

Ele curiosamente descarta a explicação da desindustrialização precoce no mundo rico, porque verificou que na OCDE, no curto período por ele escolhido, a desindustrialização foi muito pequena. Quanto ao Brasil, ele informa ter calculado que para cada 1 ponto percentual de desindustrialização na OECD ocorre uma desindustrialização de 1,6 ponto percentual no Brasil.

Aqui, portanto, ocorreu desindustrialização prematura, ainda que ele diga que “a tese da desindustrialização precoce não parece explicar grande coisa da desindustrialização brasileira”. Claro que não explica. No Brasil houve desindustrialização precoce, mas isto não é uma ‘causa’ do encolhimento da indústria; é a própria desindustrialização precoce que é o problema que precisa ser explicado, porque então estará explicado o encolhimento.

André Gustavo Stumpf - Festival de besteiras

Correio Braziliense

As eleições municipais tendem a reduzir a reduzida capacidade de os políticos se preocuparem com o país. É mais importante produzir frases de efeito, atacar o oponente e ter o cuidado de não fixar nenhuma promessa na mente do eleitor

Coivara: substantivo feminino, quantidade de ramagens a que se põe fogo nas roçadas para desembaraçar o terreno e adubá-lo com as cinzas, facilitando a cultura; fogueira. Os melhores dicionários explicam o que é coivara. O hábito de limpar o terreno com fogo é muito antigo e tradicional no Brasil. Os índios faziam, e ainda fazem isso, nas suas áreas para afastar bichos e limpar o terreno. Os fazendeiros praticam. Além disso, há quem coloque fogo no mato para proteger a propriedade. É o fogo contra fogo, entre um e outro, constrói-se um acero — área capinada de três ou quatro metros de largura para impedir a progressão do incêndio. 

Fernando Gabeira - Queimar neurônios para deter o fogo

O Globo

Seca prolongada favorece os incêndios. É preciso remover do solo o que pudermos de material combustível

Grande parte do Brasil arde em chamas. Brasília amanhece enfumaçada, suas claras manhãs ficam cinzentas. Na cantina da Câmara, em torno de cestas de pão de queijo, deputados mal notaram as mudanças no céu do Planalto Central. Falam do Supremo:

— O STF nos sacaneou proibindo emendas Pix. Vamos sacaneá-los também, acabar com isso de decisões monocráticas. Vamos criar uma lei que nos permita dar a palavra final sobre o que decidem. Não é constitucional? Rui Barbosa já foi contra um dia? Foda-se o Rui. Temos voto; isso é o que importa.

A fumaça vem de São Paulo, talvez Minas, de Mato Grosso, onde queimam ao mesmo tempo pedaços de três biomas: Cerrado, Pantanal e Amazônia.

O deputado mantém o pão de queijo entre os dedos e diz em voz alta:

— Vamos cozinhar essas votações em banho-maria. Esse projeto na pauta, punição de devedor contumaz, faremos com ele o que fazem os devedores: empurrar com a barriga.

Preto Zezé - A Zona Franca das Favelas

O Globo

Vamos buscar incentivos para que os negócios desses territórios ganhem voo próprio e ocupem o espaço de protagonismo

Recentemente, na sede da ApexBrasil, estive com o CEO e criador da Favela Holding, a primeira do gênero, que reúne um ecossistema de 27 empresas atuando e desenvolvendo inovação e impacto social e econômico exclusivamente em favelas. A ApexBrasil é a agência responsável por promover os negócios do Brasil no exterior e tem escritórios nos países com as maiores economias do mundo. Como incentivadora de empreendimentos brasileiros, agora volta seu olhar de maneira diferenciada para as favelas.

Numa conversa com o presidente da ApexBrasil, Jorge Viana, foram apresentadas iniciativas que já existem e estão em pleno funcionamento, movimentando a economia e demonstrando a capacidade de inovação das favelas e sua pujança. As favelas brasileiras, para além das notícias trágicas e diagnósticos negativos, produzem R$ 212 bilhões em poder de consumo. Isso reflete a capacidade de gerar riquezas, superando o PIB de alguns países.

Demétrio Magnoli - A surpresa ucraniana

O Globo

Começou, à sombra da noite, nas primeiras horas de 6 de agosto. Ninguém sabia — nem as tropas mecanizadas envolvidas na operação, que receberam o aviso no último minuto, nem os Estados Unidos e os aliados europeus. As forças de elite da Ucrânia, cerca de 10 mil soldados, avançaram sobre a província russa de Kursk e, em duas semanas, ocuparam um saliente de mais de mil quilômetros quadrados e 92 povoados, inclusive a cidade de Sudja.

A ofensiva surpreendente foi descrita por analistas em termos que oscilam entre uma genial manobra tática e uma aventura desesperada. A operação tem uma série de objetivos que podem ser rotulados como propagandísticos, militares e diplomáticos.

Poesia | Marcelo Mário de Melo - O pão

O pão do amor 

não é pré-cozido.

Às vezes sai do forno antes da hora.

Às vezes demora. 

E isso se imprime no seu gosto.


É sempre bom 

tirar o pão do forno 

na hora certa.


Mas no caso do pão do amor 

ele é que pula 

para a degustação. 


Acontece 

de um amor antecipado 

ou demorado 

ser mais saboroso 

do que um pão 

da hora certa.


O pão do amor 

é cheio de manhas 

e incertezas.


E diferentemente 

do pão comum de padaria

ele passa por dois fornos.

O forno da mente 

e o forno do coração. 

Cada um 

com os seus imperativos 

na gangorra.


Assim se põe 

o pão do amor 

diante do amante.