segunda-feira, 9 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nova reforma da Previdência se tornou mais urgente

O Globo

Com envelhecimento mais veloz da população, efeitos das mudanças de 2019 se esgotarão já em 2027

Foi-se o tempo em que o termo “pirâmide etária” descrevia a distribuição da população brasileira por idade. O país envelhece, cai o número de filhos por mulher, e hoje o gráfico nada mais tem a ver com a clássica pirâmide, em que a grande quantidade de jovens na base sustenta os mais velhos no topo. Ao longo dos próximos anos, como mostram as projeções do IBGE, seu formato se aproximará mais e mais de um pentágono, com uma população de jovens bem menor que a dos idosos na posição superior do gráfico.

O sistema brasileiro de Previdência, por ser de repartição — contribuintes que entram no mercado formal pagam a aposentadoria dos que saem —, sofrerá impacto imediato do envelhecimento populacional. A tendência de queda nos contribuintes do INSS e de crescimento no contingente de aposentados levou à reforma aprovada em 2019, estabelecendo idades mínimas mais altas (62 anos para mulheres e 65 para homens) — com inúmeras exceções e regras de transição que permitem aposentadoria mais cedo.

Paulo Fábio Dantas Neto** - Perguntas e conjecturas sobre assédio e subpolítica: Lete...Eris...Poseidon *

Permitam-me tentar falar sobre o que considero haver de política, implicado na situação crítica que envolve, nos últimos dias, o agora ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, a ONG Me Too Brasil, a primeira-dama Janja da Sllva e o governo federal.

O propósito de falar em política, quando o tema da trama é assédio sexual, justifica-se, como é óbvio, porque o acusado, no momento da acusação e do possível delito, era um ministro, assim como é ministra uma das virtuais acusadoras. Claro (não precisaria dizer, mas no ambiente atual, é preciso) que não subestimo as histórias pessoais, nem as questões de gênero, muito menos o crime, se cometido, ainda mais pelo papel público do seu presumido agente. E também não acho que política é mais importante do que isso, ou aquilo. Só penso que em nome disso ou daquilo não se deve fechar olhos, ouvidos e mentes também para o que ocorre com a política, quando ela se entrelaça com temas tais. Principalmente se passam a ser objeto de uma subpolítica, crente de que “tudo é pequena política”.

Penso que precisamos de um grau minimamente satisfatório de qualidade na política para termos condições de empreender ações em torno de causas sociais, econômicas, culturais ou existenciais, inclusive as da igualdade de gênero e de raça. Uma política que cheira mal atrapalha tudo isso. E nesse caso, o cheiro é de um vale-tudo sufocante, que olfatos ativos e sensíveis não conseguem racionalizar.

Fernando Gabeira - O fascínio da riqueza nas redes e na política

O Globo

As políticas públicas precisam funcionar, e a prosperidade obedecer a alguns princípios éticos

Há duas semanas, eu disse na TV que Pablo Marçal usava uma aura de sucesso profissional e prosperidade para seduzir a juventude da periferia. As patrulhas caíram em cima, por acharem que não o criticava com vigor. Ignoram meus artigos e não percebem que eu apenas buscava uma vereda de análise para entender um fenômeno político.

Com a prisão no Recife da advogada Deolane Bezerra, posso voltar ao tema, com um pouco de calma. Ela tem 20 milhões de seguidores. O exame de suas postagens nas redes sociais mostra Deolane testando carros de luxo, navegando com a família, saindo carregada de compras de uma loja da Louis Vuitton. Tudo com a ajuda de Deus.

Miguel de Almeida -A solidão da militância

O Globo

Pedia-se tolerância religiosa, passaram a perseguir as religiões afro-brasileiras

Faz pouco, as ruas quase só eram ocupadas pelos movimentos de esquerda. Com as redes sociais e o fim do imposto sindical, a militância mudou de mãos. Sob nova administração, a defesa da liberdade de expressão tornou-se um mantra onipresente.

Antigas bandeiras como moradia popular ou menos desigualdade econômica foram substituídas no discurso, e algumas vezes na prática, pela rejeição às cotas sociais, pela volta da ditadura militar e pela estridente homofobia. Ah, pediu-se tolerância religiosa enquanto passaram a perseguir as religiões afro-brasileiras.

A coerência não é um atributo da política. Nela, ao contrário do que dizia Gertrude Stein, uma rosa não é uma rosa. Ao falar de democracia, a prática da extrema direita mostra a tentativa de erodir a coesão social. O intuito é o reino do medo. As inconstâncias propiciadas pelas novas tecnologias ajudam na venda de um futuro apocalíptico. Por que será que o Inferno surgiu com as religiões? Ainda bem que na Idade Média inventaram o Purgatório — na lojinha da fé, já é uma pechincha.

Irapuã Santana - Atenção à política do idoso

O Globo

É importante procurar saber o que o candidato em quem você pretende votar fará a respeito dos idosos

número de pessoas com mais de 65 anos no Brasil ultrapassou 22 milhões, um crescimento de 57,4% em relação a 2010. No mesmo período, jovens de até 14 anos saíram de 24,1% para 19,8%. O país está ficando mais velho, e algumas reflexões precisam ser feitas.

Uma recente foi a reforma da Previdência. No livro “Reforma da Previdência — Por que o Brasil não pode esperar?”, Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery apontam a necessidade de modificar o sistema para ele não ruir. O aumento da expectativa de vida e a redução na taxa de natalidade geram pressão cada vez maior sobre o sistema previdenciário, que precisa arcar com um número crescente de aposentados e um número menor de contribuintes.

Bruno Carazza - As forças que definirão as eleições

Valor Econômico

Disputas nas capitais testam várias hipóteses sobre o que rege a política brasileira atualmente

Toda eleição é uma nova oportunidade de verificar como estão funcionando as engrenagens que movem a política brasileira. Nas disputas para as prefeituras, fica ainda mais nítida a interação de forças relacionadas aos atributos pessoais dos candidatos (carisma, estratégia de comunicação, preparo profissional etc.) e toda a estrutura que movimenta as campanhas (apoios políticos, acesso a financiamento, uso de cargo público, entre outras).

O peso que cada característica terá no resultado final depende das circunstâncias em cada lugar, mas é importante observar as tendências, pois algumas vêm para ficar, enquanto outras se revelam modismos passageiros.

César Felício - Quase mil cidades no Brasil têm menos habitantes do que eleitores

Valor Econômico

Piauí lidera ranking e pequenos municípios predominam

Uma em cada cinco cidades no Brasil conta com mais eleitores do que habitantes, uma anomalia que atinge sobretudo pequenos municípios e se concentra principalmente em cinco estados: Minas Gerais, Goiás, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Sul. Eles somam 624 das 995 localidades com mais voto na urna do que residentes. O resultado é absurdo, já que pelo menos 20 % da população no Brasil está abaixo do limite etário para votar, de 16 anos. O levantamento cruza dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de julho de 2024 com os dados preliminares do censo do IBGE de 2022 e foi elaborado pelo Valor Data.

Oliver Stuenkel - O extremismo renasce na Alemanha

O Estado de S. Paulo

Os jovens no leste da Alemanha já não têm memória da repressão e do fracasso do socialismo

Quase 35 anos após a reunificação alemã, as discrepâncias políticas entre os estados que integravam a antiga Alemanha Oriental e o restante do país permanecem nítidas. O aspecto mais chamativo talvez seja a firme disposição dos eleitores do leste para votar em partidos radicais antissistema, tanto à esquerda quanto à direita.

Isso se evidenciou durante as recentes eleições estaduais. Na Turíngia, o Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita, foi o partido mais votado – obteve 32,8% dos votos. Três dos quatro partidos com melhor desempenho podem ser considerados radicais.

O recém-criado BSW, que funde pensamento nacionalista, anticapitalista, pró-Rússia e anti-imigração com uma visão conservadora nos costumes, obteve 15.8% dos votos, e A Esquerda, sucessora do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), que governou a antiga Alemanha Oriental de 1949 a 1989, teve 13.1% dos votos.

Diogo Schelp - Bolsonaro, um populista desatualizado

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não se reinventa, apesar de o fenômeno que o alavancou continuar firme e forte

A pretexto de alavancar candidaturas municipais do seu partido e de aliados, Jair Bolsonaro (PL) dedicou-se nos últimos meses a uma agenda de viagens e eventos com o objetivo de manter acesa a chama do seu capital político e elevar o custo de eventuais condenações na Justiça. Por onde passa, ele confirma sua capacidade de reunir multidões, mas há sinais de desgaste nos fundamentos de sua liderança. Isso ficou claro na manifestação de 7 de setembro realizada em São Paulo, que reuniu cerca de 45 mil pessoas, bem menos do que as 185 mil que estiveram no ato bolsonarista anterior, em fevereiro deste ano.

Denis Lerrer Rosenfield - A ideia de socialismo

O Estado de S. Paulo

Ideia sem seu processo, histórico, é uma mera abstração, carente de significado. Sobra somente esta forma específica de fanatismo teológico/político

Há ideias bizantinas em curso sobre a ideia de socialismo, como se fosse uma proposta etérea, quase divina, que se confrontaria contra todas as formas existentes de organização social, política e econômica, sobressaindo o capitalismo como o inimigo número um. Capitalismo, entenda-se, a economia de mercado, a democracia, a livre concorrência, a liberdade de escolha que os cidadãos têm de decidirem sua própria vida e o Estado de Direito.

Cria-se uma situação assaz curiosa, a de comparar a ideia de uma sociedade perfeita, a cidade de Deus, a todas as sociedades existentes. Nessa lógica desprovida de razão, o embate seria sempre favorável ao socialismo. Não é feita a comparação entre o socialismo existente, em suas várias realizações históricas, exemplificado na experiência comunista, e as sociedades capitalistas, exemplares na democracia e na defesa das liberdades, além de propiciarem a mudança do padrão de vida dos mais necessitados.

André Gustavo Stumpf - Cortesia com chapéu alheio

Correio Braziliense

Quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os números do desempenho da economia nacional, os técnicos descobriram perplexos que o Brasil tinha sido o segundo maior país em crescimento de seu produto interno bruto

Especialistas, agências e institutos que se dedicam a fazer projeções sobre o desenvolvimento da economia brasileira continuam a errar muito. De novo, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os números do desempenho da economia nacional, os técnicos descobriram perplexos que o Brasil tinha sido o segundo maior país em crescimento de seu Produto Interno Bruto, perdeu apenas para o Peru, e empatou como potências do quilate de Arábia Saudita e Noruega. Os técnicos que fazem as profecias ficaram perplexos e não tiveram a humildade de vir a público e tentar explicar o que aconteceu. Este número resulta em crescimento anual próximo a 3%. As projeções eram inferiores a 2%. Um vexame. 

Ruy Castro - Pensar dói?

Folha de S. Paulo

Segundo pesquisa na Holanda, algumas atividades cerebrais são dolorosas. Uma surpresa, porque vinda de um país de grandes pensadores

Pesquisadores da Universidade Raboud, na Holanda, analisando cerca de 5.000 participantes de 358 tarefas cognitivas, chegaram à conclusão de que pensar dói. Não ria. A análise foi feita com o auxílio de um programa especial da Nasa, o que lhe dá mais autoridade do que a de pesquisadores limitados a só usar o cérebro. Pelo que entendi, certas atividades cerebrais, como fazer cálculos matemáticos, ler Gertrude Stein ou tomar decisões que envolvam um sim ou não de vida ou morte, provocam sensações orgânicas que podem ser classificadas como dolorosas.

Marcus André Melo - A teoria dos elefantes brancos

Folha de S. Paulo

Projetos inviáveis ou economicamente deficitários representam uma forma de transferência de renda para grupos

Por que há tantas obras inacabadas em nosso país? Já faz parte da nossa paisagem como uma segunda natureza estradas que ligam nada a lugar nenhum; obras prontas que se mostram inviáveis ou com defeitos insanáveis: estaleiros, refinarias, cidades da música. A variável explicativa central é a corrupção.

Mas não dá conta de explicar muitos casos, onde não há evidências de desvios. Ou de imperícia técnica.

Uma explicação foi proposta por James Robinson e Ragnar Torvik em um paper intitulado sugestivamente "White Elephants". Robinson é um cientista político e coautor com Daron Acemoglu de "Por que as Nações Fracassam?" e "O Corredor Estreito: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza". Os autores enumeram inúmeros elefantes brancos em vários continentes e formalizam o argumento.

Vagner Gomes de Souza* - Enquadramentos sobre as eleições em São Paulo

Os estudiosos do pensamento político brasileiro ainda tem muito que contribuir nas análises do cenário eleitoral municipal em 2024 ao revisitarem as considerações do saudoso professor Luiz Werneck Vianna no ensaio “Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos**. Mais do que referendar uma polarização entre dois campos interpretativos, o autor demonstra como melhor interpretar nosso país poderia nos auxiliar no desafio da previsão em política. Segundo ele,

“Decerto que nos originamos de uma espécie peculiar de Ocidente, a chamada ‘opção ibérica’, como analisou Morse em seu fecundo O espelho de Próspero, a carga de pragas, segundo os liberais, que nos teria interditado o caminho progressista e libertário da região ao norte do nosso continente. Filhos diletos do capitalismo mercantil, não fomos postos no mundo por uma história sem intenções. Nas palavras da forte ensaística de Angel Rama, aqui o ideal precedeu o material; o signo, as coisas; o traçado geométrico do plano, as nossas cidades; e a vontade política de explorar, o sistema produtivo.”***

Bruno Ghetti - Festival de Veneza dá um 'chega para lá' em discursos de ódio

Folha de S. Paulo

Premiação laureou Pedro Almodóvar em trama sobre eutanásia e o brasileiro ‘Ainda Estou Aqui’, sobre morte na ditadura militar

Os grandes festivais tinham uma desconcertante dívida com Pedro Almodóvar: laureado diversas vezes com troféus secundários, o espanhol ainda não tinha recebido um prêmio principal em Berlim, Cannes ou Veneza, os mais importantes festivais do mundo. Pois os italianos se encarregaram de corrigir isso na premiação deste ano: "The Room Next Door", seu primeiro longa em inglês, ganhou um relativamente justo Leão de Ouro.

Não é o melhor filme do cineasta, mas é um Almodóvar de muito alto nível. Traz Julianne Moore no papel de uma escritora que ajuda uma velha amiga com câncer, vivida por Tilda Swinton, em seus dias finais. Ela lhe ajuda inclusive em sua eutanásia, em um filme muito bem conduzido e que não tem o peso que a trama talvez faça parecer.

Há melancolia, mas há humor e uma grande fúria com um certo estado de coisas no mundo, que dá a esse filme uma vitalidade inesperada —uma energia de combate. É uma obra altamente política, que faz uma cáustica análise do mundo atual, com canhões voltados sobretudo a ideias reacionárias.