sábado, 14 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Leniência com crimes ambientais interfere no clima

O Globo

Em vez de contribuir para capturar gases poluentes, Amazônia se transformou em fonte de emissões

Não é alarmismo de cientistas paranoicos. É fato: de acordo com dados do Copernicus, instituto de monitoramento climático mantido pela União Europeia, durante pelo menos cinco dias o sudoeste da Amazônia foi a região do planeta que mais emitiu gases de efeito estufa. Mais que áreas poluidoras da China, da Índia ou polos urbanos e industriais dos países ricos. Em vez de funcionar como o proverbial “pulmão do mundo” — chavão cunhado há décadas que não corresponde faz tempo à realidade — e de capturar gases poluentes, a Floresta Amazônica começa, ao contrário, a agravar o aquecimento global. Cientistas temem que a tendência se torne irreversível.

A causa da inversão de papéis é o desmatamento, agravado por incêndios devastadores sem precedentes. De 1º de janeiro a 9 de setembro, os 82 mil focos de fogo detectados foram o dobro dos mapeados no mesmo período do ano passado. A Amazônia chegou a tal ponto depois de muito descaso com a ocupação desordenada da região onde fica a maior floresta tropical do planeta. É fundamental cobrar do Executivo medidas de combate ao fogo e proteção da floresta. Mas a responsabilidade vai além. Precisa se estender ao Legislativo, onde ainda tramita uma “boiada” de projetos enfraquecendo a lei ambiental. E também ao Judiciário, onde são frequentes casos de leniência com crimes contra a natureza.

Pablo Ortellado - O que foi o 8 de Janeiro?

O Globo

Nem a Justiça nem a imprensa conseguiram comprovar para o público que havia um propósito golpista

A interpretação dos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 tornou-se a principal disputa da política brasileira. A maneira como esse episódio é caracterizado definirá tanto o legado democrático do bolsonarismo quanto a legitimidade da Justiça diante da opinião pública. O 8 de Janeiro ocupa hoje um lugar central, semelhante ao que a Lava-Jato uma vez teve, entre os anos de 2014 e 2018. Aquele que traça as linhas divisórias entre campos políticos e molda as posições. Há, porém, grande assimetria: enquanto a direita reconhece e, de certa forma, impõe essa centralidade, esquerda e centro não parecem perceber que a disputa está em curso.

A posição dos bolsonaristas sobre o 8 de Janeiro foi mudando. Num primeiro momento, quando as imagens da quebradeira ainda estavam frescas na memória coletiva, as pesquisas de opinião mostravam condenação universal aos acontecimentos. Em fevereiro de 2023, segundo a Quaest, 94% dos brasileiros reprovavam a invasão das sedes dos três Poderes. Nesse período, a principal alegação dos bolsonaristas era que infiltrados de esquerda haviam instigado um quebra-quebra. À medida que as investigações avançavam e se evidenciava que militantes bolsonaristas eram responsáveis por alguns dos atos mais execráveis, essa alegação foi sendo abandonada.

Eduardo Affonso – Pense na Inglaterra

O Globo

Teria a ministra ficado calada, resguardando sua privacidade por tanto tempo?

O presidente Lula considerou insustentável a permanência de Silvio Almeida em seu governo após as denúncias de que o ministro tivesse praticado assédio e importunação sexual. A insustentabilidade passou a existir quando a imprensa divulgou o escândalo. Lula e seu entorno já sabiam dos fatos, e o ministro continuava lá, firme e forte. O que a opinião púbica não vê a ética não sente.

Foi admirável o contorcionismo dos que não podiam deixar de apoiar a ministra Anielle Franco e tampouco se sentiam confortáveis em condenar o comportamento do único homem preto do Ministério (logo o padroeiro do conceito de racismo estrutural!). E que, para surpresa de ninguém, deu a carteirada racial para tentar desacreditar acusadoras e acusações.

As violações de conduta por parte do ex-ministro acontecem há mais de dez anos — as queixas não foram levadas em conta quando de sua nomeação. E não faltaram teorias conspiratórias acerca dos “reais” motivos da degola: sua proposta de uma nova Comissão da Verdade, sua oposição à privatização de presídios, uma queda de braço com o Me Too. Tudo, menos considerar que Almeida tenha “letramento de gênero” suficiente para entender o que é assédio, o que é importunação — e que “não é NÃO”.

(Antes de prosseguir, vamos ao mantra: “A culpa nunca é da vítima, a culpa nunca é da vítima, a culpa nunca é da vítima”.)

Carlos Alberto Sardenberg - Governo atordoado

O Globo

Há pelo menos 12 ministérios que têm ou deveriam ter o que fazer num plano nacional de combate imediato aos incêndios

O Supremo Tribunal Federal é uma Corte constitucional. É um poder independente, que deve decidir, nas mais diversas situações e casos, se a Constituição é ou não cumprida. Portanto foi com certo espanto que tomamos conhecimento, nesta semana, de uma ordem executiva de um ministro do STFFlávio Dino. Determinava que o governo federal enviasse mais bombeiros militares para atuar nas regiões afetadas pelos incêndios. Mandava também que se deslocassem mais equipamentos e veículos para apoiar os esforços da Força Nacional.

Onde estava a questão constitucional?

O Executivo também é um Poder independente, a que cabe justamente a função de executar políticas e tocar a administração. Governar, enfim. Não cabe ao STF determinar se bombeiros deveriam atuar aqui ou ali. Mas determinou. E o governo cumpriu. Dois dias depois da ordem de Flávio Dino, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, convocou 150 bombeiros para as ações de combate aos incêndios. Portanto dentro do prazo de cinco dias dado pelo STF.

Dora Kramer - Uma 'potência' impotente

Folha de S. Paulo

Há distância entre a fama de protagonista e a realidade ambiental no Brasil

Em abril/maio o Rio Grande do Sul ficou debaixo d’água e agora, em setembro, o Brasil, em parte, arde em chamas e sofre os efeitos do fogo. Nada disso aconteceu de repente ou por acaso. É obra de muita negligência e negação, o que soa incongruente num país tido e havido como potência ambiental.

Há um claro distanciamento entre a imagem vendida e a realidade vivida. Na prática, poder público e sociedade dão muito pouca atenção e valor às questões ambientais. Elas fazem bonito nos discursos, mas no cotidiano só são lembradas e (mal) tratadas quando as calamidades batem à porta. Despertam solidariedade, provocam susto, mas logo se muda de assunto até que no ano seguinte as enchentes e a seca voltem a provocar desastres cada vez mais graves.

Alvaro Costa e Silva - Tarcísio e Marçal correm atrás de Bukele

Folha de S. Paulo

Para reproduzir no Brasil a 'ditadura cool' de El Salvador

Ai-jesus da extrema direita global, Nayib Bukele esnobou Pablo Marçal. Deu um toco no boné do seu imitador brasileiro. Tratou o candidato a prefeito como idiota —para usar um termo do próprio Marçal ao definir eleitores que se encantam com tipos como ele.

Na semana passada o coach largou a campanha em São Paulo para fazer uma viagem internacional, garantindo que iria se encontrar com o presidente de El Salvador e dele extrair os "códigos de segurança" que fizeram a taxa de violência despencar no pequeno país da América Central. Passou dois dias lá e gravou um vídeo em frente ao megapresídio de Tecoluca. Só conseguiu reunir-se com o ministro da Justiça, sem a presença do presidente. Bukele lhe aplicou um perdido.

Marçal voltou ao Brasil a tempo de tirar uma casquinha no ato golpista de 7 de Setembro na avenida Paulista, mas com outras duas decepções na bagagem. Tinha a pretensão de conversar com Elon Musk depois da rápida visita a El Salvador. Também sonhava encontrar-se com o ex-presidente Trump.

Carlos Andreazza - Esforço concentrado em causa própria

O Estado de S. Paulo

Preocupações são eleições, sucessão na Câmara e emendas

São três – e indissociáveis – as preocupações no (do) Congresso, sobretudo da (na) Câmara. A primeira. As eleições municipais, razão por que o Parlamento se concedeu cerca de quatro meses de licença, período não à toa coincidente com aquele em que se restringem as distribuições de emendas parlamentares. A derrama já fora feita, antecipada. Agora é colher as glórias do patronato e assegurar a manutenção-ampliação do poder regional.

Os donos do Congresso secaram as tetas quase todas dos fundos orçamentários que controlam. Operaram as emendas de comissão concentradamente, no primeiro semestre, como fundão eleitoral paralelo. E ora estão nas paróquias para observar a grana pública desequilibrar e impor as eleições-reeleições do filho-pai-esposa-tio-irmã.

Vera Rosa - Anistia a Bolsonaro vira barganha na Câmara

O Estado de S. Paulo

Aliados do ex-presidente se movimentam para emplacar perdão, em meio à campanha e à sucessão de Arthur Lira

Líder do governo, José Guimarães (PT) pediu que a discussão fique para depois das eleições para evitar a ‘praça de xingamento’

Sob o argumento de que é preciso conceder anistia aos condenados pelos ataques do 8 de janeiro de 2023, aliados de Jair Bolsonaro se movimentam para tentar derrubar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que julgou o ex-presidente inelegível até 2030. É este o pano de fundo da polêmica sobre o perdão a quem praticou atos golpistas, aliado ao pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

A menos de um mês das eleições para as prefeituras e na esteira de uma acirrada disputa pela presidência da Câmara, o projeto de lei que prevê a anistia aos presos do 8 de janeiro virou instrumento de barganha política e de “lacração” nas redes sociais.

A sessão da última terça-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) evidenciou esse cenário. Diante de uma reprodução do famoso quadro de Rafael Falco “Tiradentes ante o carrasco” – que, pendurado na sala da CCJ, mostra o mártir da Independência Mineira recebendo a veste que usaria em sua execução –, bolsonaristas tentaram de todo jeito votar o projeto da anistia.

Aldo Fornazieri - O golpe da anistia

CartaCapital

Livrar a cara de quem tentou subverter a ordem no 8 de Janeiro é uma traição à Constituição e ao Estado de Direito

Em 8 de janeiro de 2023, os bolsonaristas tentaram um golpe de Estado e fracassaram. Tomaram de assalto as sedes dos Três Poderes e promoveram atos de vandalismo e depredação. O golpe foi planejado e organizado pela cúpula bolsonarista e tinha ramificações nas Forças Armadas, como têm demonstrado as investigações. A minuta do golpe, que circulou entre os líderes bolsonaristas, incluindo Bolsonaro, é uma prova documental de que o ato para tomar de assalto o poder foi pensado, planejado e executado como um objetivo. O golpe só não triunfou porque contou com escasso apoio no seio das Forças Armadas.

Com prisões e condenações de golpistas e com investigações ainda em curso que irão fundamentar novas prisões e condenações, agora os bolsonaristas querem viabilizar um projeto de lei que concede anistia aos golpistas presos e condenados e àqueles que vierem a ser presos e condenados no futuro. Trata-se de um novo golpe contra o Estado Democrático de Direito. Os bolsonaristas mostram não ter limites em sua ousadia de celerados.

Simone Tebet - União e força

CartaCapital

As cinco rotas de integração do Brasil à América do Sul

Reconstrução e integração. Essas duas expressões definem a trajetória de uma agenda fundamental para o Brasil nos últimos 18 meses. Por lamentável decisão da administração anterior, o Ministério do Planejamento havia sido extinto, bem como o instrumento de coordenação voltado para a integração sul-americana. O presidente Lula decidiu, no seu primeiro ato, pela recriação da pasta e, desde maio do ano passado, a integração do nosso continente passou por uma retomada fundamental na agenda de governo.

A importância da integração regional, que povoava os pensamentos e os sonhos, em meados do século passado, de economistas renomados do nosso continente, como Raúl Prebisch e Celso Furtado, agora passa a ser modernizada e atualizada. A agenda contempla não somente as obras de infraestrutura, mas outros assuntos de destaque ao longo do tempo, como a mudança climática, a transição energética, os avanços da ciência e da tecnologia, além das características do recinto aduaneiro e policial e da devida valorização do turismo.

Luiz Gonzaga Belluzzo - A União Europeia e sua economia

CartaCapital

O plano de Mario Draghi e a inspiração chinesa

O Financial Times exibiu uma extensa matéria que cuidou do projeto encomendado pela União Europeia a Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu. Draghi sugeriu uma “nova estratégia industrial para a Europa”. Na visão do ex-presidente do BCE, o enfrentamento do “atraso europeu” vai exigir investimentos de 800 bilhões de euros ao ano.

Esse elevado valor anual é destinado a financiar uma reforma radical e rápida para impedir que a UE fique atrás dos EUA e da China. Draghi propõe uma revisão geral da forma como a UE angaria fundos para investimentos. Trata-se de formular uma estratégia de novos financiamentos para o conjunto dos países que formam a União Europeia. Isso envolve a criação e desenvolvimento de “ativos comuns”.

Marcus Pestana - Ainda sobre as emendas parlamentares

A polêmica sobre emendas parlamentares ganhou novo impulso com a apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA/2025). De um total de mais 2,3 trilhões de reais, os parlamentares poderão destinar a estados, municípios e entidades filantrópicas 39 bilhões de reais, ou seja, 1,6% do dinheiro efetivamente disponível em 2025 nas mãos do Tesouro Nacional. As emendas individuais consumirão 24,7 bilhões e as emendas das 27 bancadas estaduais, outros 14,3 bilhões.

Na última semana, argumentei que orçamento público, democracia moderna e parlamento nasceram juntos para controlar o poder discricionário do monarca absoluto criar impostos e definir despesas.

Além disso, há uma abissal distância entre regimes presidencialistas (onde há real separação dos poderes) e parlamentaristas (onde executivo e legislativo são quase a mesma coisa). Mas mesmo nos presidencialismos há emendas parlamentares ou influência parlamentar decisiva na fixação dos gastos. A questão que nos diferencia é que em nosso sistema político não se formam blocos de maioria e oposição claros. No parlamentarismo, isto é obrigatório, porque senão o governo caí. No presidencialismo funcional também, a governabilidade impõe formação de um bloco de sustentação parlamentar. Em um caso e outro, os parlamentares têm grande influência sobre a alocação de recursos orçamentários.