domingo, 6 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Democracia é a melhor resposta para mediar conflitos

O Globo

Eleitorado que vai às urnas reúne demandas diversas, mas é possível — e necessária — convivência entre visões opostas

Neste domingo, quase 156 milhões de brasileiros estão aptos a exercer seu direito de cidadania, cumprindo o ritual democrático de comparecer às urnas para escolher os prefeitos que governarão sua cidade pelos próximos quatro anos, seguindo à risca o plano de governo apresentado durante as campanhas e chancelado pelo voto. Elegerão também os vereadores responsáveis por formular as leis que nortearão o dia a dia das cidades e de seus moradores. O voto é o momento que o cidadão tem para se fazer ouvir.

Desse eleitorado, 52% são mulheres, a maior parte está na faixa de 45 a 59 anos (25%) e quase metade (43%) vive na Região Sudeste. Trata-se de contingente diverso, que desafia o discurso polarizado, por vezes agressivo, que anima embates nas redes sociais, a propaganda eleitoral ou mesmo debates em que nem sempre prevalecem a civilidade, a sensatez e o tom propositivo.

Um retrato dessa diversidade e da convivência entre diferentes perfis e posições políticas no país está na série de reportagens da GloboNews “A cara do Brasil”, exibida também no Jornal Nacional nos dias que antecederam a eleição. Repórteres conversaram com moradores nas cinco regiões do país para conhecer suas expectativas, posições políticas e entender como convivem com quem pensa diferente. Fica claro que, longe do ambiente conflagrado das redes sociais, o entendimento é possível.

Em Manaus (AM), a família do ex-goleiro Edmilson Brabo, que se define como de direita, vive numa mesma vila. Foi a maneira encontrada para compartilhar as despesas, como explica o filho Abrahão Nicolas Brabo. “A gente precisa pagar conta de luz, conta de água, se alimentar todos os dias. O almoço às vezes é feito lá [na casa do pai], às vezes é feito aqui. A gente se une para ser família”, diz Abrahão. “A gente tem diferentes convicções políticas, mas convive de forma harmoniosa, como deveria ser a sociedade.” À pergunta sobre o que une o Brasil, Abrahão responde: “Todos nós temos um sonho de vencer, de ter um emprego, uma boa casa, um carro, poder trabalhar de forma digna”.

Merval Pereira - Lula e Bolsonaro, frágeis

O Globo

Se as eleições do Rio e de São Paulo trouxerem surpresas, não terá sido por força de Lula ou de Bolsonaro, que se tornaram figuras secundárias na disputa, decisão forçada pela realidade da campanha

A polarização entre candidatos apoiados pelo presidente Lula e por Bolsonaro não aconteceu sobretudo por causa dos dois, que deixaram de se envolver em disputas apertadas para evitar perda de prestígio que, no entanto, virá de qualquer maneira. Tanto um quanto outro fugiu do embate, e demonstraram que já não têm a influência de outrora.

No Rio, não foi preciso o prefeito Eduardo Paes se ligar demais ao presidente Lula, que em algumas situações tirava mais votos do que dava. Tarcisio Motta, o candidato do PSOL, que foi cristianizado pela esquerda para impedir que o bolsonarista Ramagem chegasse ao segundo turno, foi quem sofreu com a decisão do PT de apoiar Paes, e não o PSOL, como fez em São Paulo.

Míriam Leitão - Brasileiros vão às urnas

O Globo

O crime premeditado contra Guilherme Boulos mostrou a fragilidade da Justiça para proteger o processo eleitoral

Hoje 155,9 milhões de pessoas aptas a votar poderão sair de casa para escolher seus prefeitos e vereadores em 5.569 municípios. “É uma operação de guerra”, diz a presidente do TSE, Cármen Lúcia, ao mirar na dimensão do trabalho logístico nesse continente Brasil. A campanha foi curta, intensa, derrotou previsões, trouxe um novo fantasma que, na reta final, atirou contra a própria democracia. Não foi uma eleição marcada pela polarização de 2018 e 2022. Foi bem mais complicado do que isso. Partidos do centrão, do centro e da direita tradicional poderão ser os vencedores. O PT adotou uma estratégia diferente porque tentou fortalecer o campo progressista, desistindo de competir em várias cidades. A direita bolsonarista terá vitórias, mas o ex-presidente viu explodir uma disputa ruidosa no campo dele e amarga derrota em seu reduto.

Luiz Carlos Azedo - As eleições municipais e a disputa da Presidência

Correio Braziliense

A tese do poder local como forma de acumulação de forças alimenta o hegemonismo e a partidarização das políticas públicas nos governos de esquerda

Historicamente, o auge do poder local no Ocidente se deu durante o feudalismo, após a desintegração do Império Romano, quando era mantido de forma absoluta e implacável pelo senhor feudal, que possuía exército, cobrava impostos e exercia a justiça. No Brasil, o que houve de mais semelhante foi a estrutura colonial escravocrata dos engenhos de açúcar, em torno do qual se constituiu a elite brasileira mais abastada da época, com sua casa grande, onde vivia o senhor de engenho, toda a sua família e eventuais agregados; e a senzala, o “depósito” de seus escravos.

“Casa Grande & Senzala” (Global Editora), do pernambucano Gilberto Freyre, lançado em 1933, descreve a formação desse patriarcado brasileiro, com raízes ainda hoje influentes. Na esquerda, criou-se o mito de que a conquista do “poder local” seria a forma de acumulação de forças para se chegar ao poder central. O apoio de prefeitos é muito importante para a eleição de governadores e do presidente da República, mas não é uma lei de gravidade. Fernando Henrique Cardoso, ironicamente, afirma que é mais fácil ser presidente da República do que prefeito de São Paulo. Refere-se à frustração de ter perdido a eleição para Jânio Quadros.

Bernardo Mello Franco – Nem um nem outro

O Globo

Profecia de "terceiro turno" em 2024 não se confirmou; Centrão deve ter mais vitórias nas capitais

No fim do ano passado, Lula arriscou uma profecia para 2024: “Eu sinceramente acho que vai acontecer um fenômeno: vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições no município”.

A julgar pelas últimas pesquisas, a previsão não deve se confirmar. A disputa pelas prefeituras envolveu temas nacionais, mas passou longe de se reduzir a um terceiro turno da última corrida presidencial.

O próprio Lula preferiu manter distância dos palanques. Em todo o país, candidatos do PT tiveram que se contentar com vídeos gravados em Brasília. O presidente só apareceu ao lado de Guilherme Boulos, que concorre pelo PSOL em São Paulo.

Na reta final do primeiro turno, ele emendou viagens internacionais para Estados Unidos e México. Um bom pretexto para não dar as caras em cidades onde seus aliados vão mal nas pesquisas.

Dorrit Harazim - A tempestade

O Globo

Um ano já. E Israel ainda não permitiu a entrada em Gaza de um só jornalista ou fotógrafo profissional independente

Se o destino sussurrar no seu ouvido que você não pode deter a tempestade, sussurre de volta “eu sou a tempestade”.

Muitos tentam, porém desistem, varridos pela implacável ventania da vida. (Jean Cocteau já dizia que “viver é uma queda horizontal”.) Alguns de nós até conseguem ficar de pé. Mas só um punhado bastante especial desafia o destino com a naturalidade de Bisan Owda. Ela é irresistível, e seu documentário de oito minutos “It’s Bisan from Gaza, and I’m still alive” também. Tanto assim que seu curta noticioso conquistou um dos prêmios do 76º Emmy de duas semanas atrás, além de reconhecimento unânime na premiação dos Peabody Awards e Edward R. Murrow Awards deste ano.

A jornalista palestina de 25 anos mora em Gaza, tem três filhos e, desde o início dos bombardeios israelenses ao enclave, em outubro passado, empunhou o celular e passou a fazer postagens do que vê, sente, pensa e vive — tudo em inglês, sem saber se suas mensagens jogadas na imensidão da blogosfera aportariam em alguma praia. Todas começavam com sua imagem sorridente, dizendo:

— Sou Bisan, de Gaza, e ainda estou viva.

Elio Gaspari - O Aerolula encrencou

O Globo

Na terça-feira soube-se que ao decolar da Cidade do México, o Aerolula encrencou e teve que voar em círculos durante quase cinco horas para queimar combustível, antes de voltar ao ponto de partida. Estavam a bordo o presidente, sua mulher, dois ministros e duas senadoras. No dia seguinte, a repórter Naira Trindade revelou o que aconteceu no ar.

Na subida, o piso do avião trepidou e passageiros que estavam nos assentos dos fundos perceberam que saía fumaça de uma turbina.

Lula saiu de sua poltrona para ver o que acontecia. Mandou voltar ao aeroporto e soube que seria necessário consumir o combustível, coisa para várias horas. Ao sacar seu telefone, outra surpresa, não havia conexão. Reclamou: “Até no Sucatinha o telefone funcionava.” Diante de uma espera de horas, sem telefone, restava a possibilidade de ver um filme. A TV também não tinha conexão.

Depois de dar 50 voltas sobre a Cidade do México, o Aerolula pousou e a comitiva embarcou em um avião reserva da Presidência. Não tinha conexão com a internet. Lula aborreceu-se:

Celso Ming - As eleições e a política econômica

O Estado de S. Paulo

Seja qual for o resultado, estas eleições, embora apenas municipais, terão influência sobre a política econômica do País. Falta saber em qual direção e em que proporção.

A principal tendência firme é o fortalecimento dos partidos à direita do espectro político. A pergunta número um está em saber se, de olho nessa mudança de forças e nas eleições de 2026, o governo Lula optará por dedicar-se a maiores cuidados com as questões fiscais e com uma política mais liberal; ou se, em vez disso, reforçará a atual política populista e desenvolvimentista, a fim de atrair a boa vontade do eleitor.

Antes, uma observação. Desta vez, nenhum partido ou nenhum figurão político questionou a segurança das urnas eletrônicas contra manipulações e fraudes eleitorais, como aconteceu com tanta veemência nas eleições passadas. Como as urnas e o sistema são os mesmos, ficam mais uma vez escancarados o artificialismo e as movimentações golpistas daquele momento.

Antonio Lavareda - As pesquisas guiando a incerteza

Folha de S. Paulo

Para um contingente de eleitores estratégicos, resultados anunciados às vésperas ajudam a selecionar quem poderá barrar o 'mal maior' no 2º turno

"E os partidos, senhor Honório, onde estão os partidos?" A pergunta de Pedro 2º ao depois Marquês do Paraná, insatisfeito com a pouca penetração dos partidos às vésperas do Gabinete da Conciliação, poderia ser repetida hoje, ajudando a entender o porquê de chegarmos a São Paulo e outras cidades com mudanças decisivas no sprint final.

Partidos reais, enraizados na sociedade, servem como influenciadores políticos por excelência. Organizam, filtram as informações para os seus seguidores, dão inteligibilidade às campanhas. Resolvem as dissonâncias cognitivas e emotivas despertadas por percepções incongruentes do ambiente político. E reduzem a necessidade das pessoas comuns de avaliarem cada questão ou cada candidato. Funcionam como âncoras que conferem certa estabilidade ao comportamento eleitoral. É assim que atuam nos EUA e na Europa, mesmo nessa era de deslegitimação das instituições representativas. Se é verdade que o populismo radical tem avançado por lá, também é fato que sua contenção só ocorre por conta de partidos que gozam da preferência de largas parcelas da sociedade.

Vinicius Torres Freire - Marçal e a revolução cultural

Folha de S. Paulo

Candidato surfa mudança profunda e que deve contaminar ainda mais a política

Pablo Marçal (PRTB) teve até aqui considerável, mas relativo, sucesso de público. Tem 24% dos votos, até 38% em um segundo turno e é rejeitado por 53%. Se não vier a ser inelegível por causa de crimes, apenas começou a carreira política? De onde veio, chegarão outros?

Talvez o tipo puro de marçalismo não prevaleça, mas a mentalidade que representa pode ter um terço do eleitorado, o que tende a orientar os novos investimentos do negócio político-partidário estabelecido.

Há grande revolução social e cultural, acelerada em torno de 2010, em parte por mídias sociais, renda maior e alterações no mundo do trabalho. A mudança agora é conhecida, mas pouco compreendida a fundo. Vamos sabendo dela em episódios traumáticos ou caricatos. Marçal é a mais recente cristalização política ou social desse mundo novo.

Bruno Boghossian - Eleições vão reorganizar direita e esquerda

Folha de S. Paulo

Mais que um teste de força, líderes terão que definir novos rumos e reavaliar métodos

As eleições devem empurrar a direita e a esquerda para um ciclo de reorganização. Mais que um teste de força de líderes nacionais, a disputa marcada pela fratura do bolsonarismo e pelos resultados modestos esperados pelo PT torna inevitável uma revisão de métodos, plataformas e alianças nos dois blocos, ainda que em graus diferentes.

A esquerda entrou na campanha com uma dose razoável de realismo. Estabeleceu como meta uma recuperação pouco pretensiosa após o mau desempenho em duas eleições municipais e fez concessões importantes a partidos aliados. Isso não evitou dissabores e sinais de resistência em parte do eleitorado.

A influência duradoura do antipetismo e o distanciamento de eleitores das periferias apareceu em centros urbanos considerados estratégicos. Nenhum dos dois fatores é novidade, mas a falta de remédios foi relatada com alguma preocupação em diversas regiões ao longo da campanha.

Celso Rocha de Barros - O que aconteceu, São Paulo?

Folha de S. Paulo

Direita pós-tucanos virou uma oscilação constante entre o centrão e outsiders cada vez mais obviamente estelionatários

Como a eleição de São Paulo virou isso?

São Paulo foi o berço dos dois grandes partidos da Nova República, o PT e o PSDB. As direções dos dois partidos sempre foram pesadamente paulistas, e ambos tinham suas cotas de professores da USP e de colunistas da Folha e do Estadão. A classe média que aderiu ao PSDB e os sindicatos que aderiram ao PT nasceram no mesmo processo de modernização ocorrido ao longo do século 20. O centro desse processo foi São Paulo.

O lado bom da campanha de 2024 é que ela mostrou que as forças modernizantes em São Paulo continuam gerando bons quadros nessas duas tradições políticas.

Pela esquerda, Guilherme Boulos é o único candidato com chance de vitória nas grandes capitais que já liderou um movimento social. Em 2024, aproximou-se do centro e contou com o apoio de Lula. É interessante saber o que ele tem a dizer à cidade.

Muniz Sodré - Um sinal aberrante de decadência nacional

Folha de S. Paulo

Nação nenhuma se deduz diretamente da estrutura social, e sim da convergência de efeitos imaginários e ideológicos, como os de povo, país e língua

Mark Robinson, vice-governador e atual candidato ao governo da Carolina do Norte, EUA, proclama-se negro nazista e favorável à escravidão. Justifica: "há pessoas que merecem ser escravizadas". Não se inclui entre elas, claro. São muitas as aberrações dessa ordem na história geral da diáspora negra, salientes em contextos sociais diversos.

O personagem Prudêncio, de Machado de Assis, é um exemplo ficcional da transição de escravo oprimido a alforriado opressor. Episódios análogos registraram-se no governo do Bolsonaro. Já na relevante crônica da guerra dos escravizados na Jamaica, em meados do século 18, avultava o nome do erudito Edward Long, que descrevia a luta da população escrava nativa contra os insurretos africanos. O medo de Long era tanto que, para ele, a simples existência de africanos "deformava a beleza deste globo de tal maneira, que eles merecem ser exterminados da Terra".

Luís Roberto Barroso - Avanços civilizatórios em 36 anos de Constituição

O Globo

Há realizações importantes a celebrar. A primeira delas é o mais longo período de estabilidade institucional da fase republicana

A Constituição brasileira de 1988 chega aos 36 anos com as marcas e cicatrizes da maturidade. Tem servido bem ao país em tempos que não foram banais. Vivemos épocas de bonança econômica e de recessão. Tivemos governos mais à esquerda e mais à direita. Escândalos de corrupção se multiplicaram. Uma pandemia, gerida de maneira desastrosa, levou à morte 700 mil brasileiros. Houve dois impeachments de presidentes, bem como ameaças de golpe de Estado e os devastadores ataques do 8 de Janeiro.

Apesar de sustos, sobressaltos e vícios persistentes, há realizações importantes a celebrar. A primeira delas é o mais longo período de estabilidade institucional da fase republicana. Não custa relembrar que a História do Brasil foi marcada por sucessivas quebras da legalidade constitucional. Da Revolução de 1930 ao golpe de 1964, do Estado Novo ao AI nº 5, do impedimento à posse de Pedro Aleixo ao Pacote de Abril de 1977, foram repetidas as crises e soluções autoritárias. Apesar de alguma apreensão recente, superamos os ciclos do atraso. Aprendemos que, apesar de tudo, é bom viver numa democracia. Só quem não soube a sombra não reconhece a luz.