segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Dilma gastou mais que Bolsonaro para tentar se reeleger

O Globo

Estudo estima as despesas dela em 3,1% do PIB e as dele em 0,2% — mas ambos recorreram a gastos ocultos

O Brasil tem um longo e problemático histórico de incúria fiscal em anos eleitorais. Tanto Dilma Rousseff quanto Jair Bolsonaro, apesar das diferenças ideológicas, recorreram a gastos eleitoreiros em suas respectivas tentativas de reeleição. Ambos adotaram mecanismos de contabilidade criativa para ocultar despesas. Mas um olhar atento revela diferenças, constata um novo estudo dos economistas Alexandre Manoel, Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Samuel Pessôa, recém-publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Para comparar os gastos, eles estimaram a variação entre os dois primeiros e os dois últimos anos de cada mandato. Constataram que, na tentativa de reeleição de Dilma em 2014, sua administração aumentara as despesas primárias em 1,4% do PIB. A maior extensão da prodigalidade fiscal, porém, ficou oculta. Pelos cálculos dos economistas, Dilma ainda acumulou 1,7% adicional do PIB em “gastos encobertos”, como adiamento de despesas para o próximo governo (restos a pagar) e manipulação da contabilidade das empresas estatais. Ao todo, entre o visível e o oculto, Dilma gastou 3,1% do PIB para se reeleger.

Armadilhas da história – Fernando Gabeira

O Globo

Vejo o momento como muito grave, um túnel escuro em que os democratas precisam se unir

Pobre Francis Fukuyama. Ele escreveu que a democracia liberal era a última e definitiva forma de organização política. Fim da História. Pobres de nós. Pensamos que os regimes autoritários precisavam transitar para a democracia para garantir prosperidade às pessoas. O mundo deu uma volta. As democracias têm dificuldade de crescimento sustentável. Não agradam como antes. Os regimes autoritários adotam os métodos capitalistas e conseguem decolar.

Em 1995, apenas 4% das pessoas com renda de US$ 20 mil ao ano viviam em países de regime autoritário. Eram 35 milhões. Hoje, mais de 350 milhões ganham isso, na Rússia, no Cazaquistão e em países do Golfo Pérsico. Incluindo províncias costeiras da China, o número sobe a 800 milhões. A liberdade de expressão, direitos políticos, tudo isso foi trocado por bem-estar e um certo orgulho nacional.

Morre a política identitária - Demétrio Magnoli

O Globo

America First. O retorno triunfante de Donald Trump assinala a vitória de um neonacionalismo sombrio, da xenofobia extremada e do protecionismo econômico. No campo dos derrotados encontram-se o consenso liberal-democrático, a estabilidade das instituições americanas, a ponte atlântica entre Estados Unidos e Europa, a nação ucraniana. Putin terá erguido um brinde nos salões dourados do Kremlin. Netanyahu celebrou publicamente. Mas nem tudo é tragédia. Jaz, em meio aos destroços, a bíblia identitária dos “progressistas” .

A eleição não foi um plebiscito sobre as políticas de raça, etnia, gênero e orientação sexual. Foi, claro, sobre a herança de Biden: inflação, imigração e guerras. Marcou, porém, a morte do programa identitário que soldou uma aliança elitista entre “progressistas” de centro e de esquerda.

A favela no mapa – parte 1 – Preto Zezé

O Globo

Comunidades serão referenciadas por dados oficiais, que servirão para subsidiar governos e empresas no planejamento

O significado do Censo das Favelas, lançado na sexta-feira passada, traz vários desdobramentos importantes para reflexão. Neste artigo, trago alguns e deixo para um segundo texto a análise de dados, que exige uma abordagem à parte.

O primeiro e mais expressivo desdobramento tem a ver com a adoção do termo “favela” e “comunidades urbanas” pelo IBGE, que anteriormente as chamava de “aglomerados subnormais”.

Nomear um lugar como “aglomerado subnormal” não apenas o identifica negativamente, como reforça e reproduz preconceitos e estigmas aos mais de 16 milhões que vivem em favelas no Brasil. Além disso, a mudança da nomenclatura atende à reivindicação histórica dos movimentos e organizações de favelas pela valorização da identidade desses espaços.

O Censo só foi possível graças à parceria do IBGE com a sociedade civil, por meio da colaboração com o DataFavela e a Cufa, que lançaram em 2023 — com o Ministério do Planejamento e Orçamento e a presença da ministra Simone Tebet — o movimento Favela no Mapa, em Heliópolis. A iniciativa possibilitou a realização da pesquisa e o acesso aos territórios.

Trump e a ciência política - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

A eleição americana põe em xeque os conceitos de calcificação política, reação branca e fim do voto econômico

O resultado das eleições americanas abalou consensos entre cientistas políticos. Há pelo menos três questões que merecem destaque. A primeira é o que a política parece ter sofrido uma "descalcificação". Havia certa convergência em torno do argumento que o sistema estava calcificado devido a crescente sobreposição entre raça, religião, gênero, faixa etária e preferências partidárias, como mostrei aqui. Levitsky e Ziblatt argumentaram que a ascensão de Trump era uma reação da população branca de se tornar minoria nas próximas décadas. Estas análises envelheceram surpreendentemente rápido.

Avaliação de Lula pode mascarar insatisfação – Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Apostar apenas em índices econômicos positivos e falar que tudo vai bem não é uma boa estratégia

As últimas pesquisas sobre a popularidade do governo Lula 3 parecem revelar certa estabilidade positiva. Em setembro deste ano, pesquisa realizada pela Quaest registrou que o trabalho de Lula é aprovado por 51% e reprovado por 45%. Em outubro, o desempenho de Lula foi avaliado com 50,7% de aprovação e 45,8% de reprovação em pesquisa da Atlas Intel, praticamente os mesmos números medidos pelo instituto em julho.

A estabilidade é ainda maior tendo em vista um período maior de tempo. De acordo com o Instituto Datafolha, considerando a divisão da avaliação em ótimo/bom, regular e ruim/péssimo, no mês passado, 36% afirmaram que Lula está fazendo um governo ótimo ou bom, 29% avaliaram como regular e 32% como ruim ou péssimo, praticamente os mesmos índices do início do governo, em março de 2023.

Mais inflação, mais juros e menos crescimento - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Uma fonte de alívio mais expressivo para o câmbio terá de vir do cenário doméstico - basicamente de medidas de controle de gastos

O Brasil caminha nos próximos meses para uma combinação de inflação e de juros bem mais elevados do que os economistas projetavam há algumas semanas. Os preços de alimentação no domicílio têm subido com mais força, dado os efeitos dos problemas climáticos e, em menor medida, do dólar caro - fator que começa a pressionar também os bens industriais. Já os serviços mais sensíveis à demanda ganham terreno com o aquecimento do mercado de trabalho.

Nesse quadro, as estimativas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) saltam para o intervalo de 4,5% a 5% neste ano e acima de 4% no ano que vem, números próximos ou superiores ao teto da banda de tolerância da meta, de 4,5%. Para a Selic, que aumentou de 10,75% para 11,25% ao ano na semana passada, há quem projete uma taxa superior a 13% no fim do ciclo de aperto monetário. O resultado tende a ser uma desaceleração mais forte da atividade em 2025, após três anos de crescimento na casa de 3%.

A reforma administrativa por vias tortas - Bruno Carazza

Valor Econômico

Decisão do STF de extinguir o regime jurídico único e apoio ao PL dos Supersalários podem gerar efeito contrário ao esperado

Funcionária pública de alto escalão, Maria Candelária tinha uma rotina de trabalho que era uma moleza: entre idas ao dentista, ao café e à modista, só passava na repartição para assinar o ponto e dava no pé. As más línguas diziam que era amante de um político importante, por isso caiu no serviço público de paraquedas, sem concurso.

Também foi sem se submeter a um processo seletivo que Barnabé se tornou servidor. Contratado como temporário (o termo na época era “extranumerário”), não gozava de estabilidade e ainda era mal remunerado, ganhando pouco mais do que o necessário “para o cigarro e o café”.

Emendas estaduais deixam de financiar obras estruturantes

Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro / Valor Econômico

Em 2023, de cada R$ 10 destinados a esse instrumento, apenas R$ 1 foi usado em projetos de infraestrutura e investimentos de vulto

Criadas para viabilizar grandes projetos de infraestrutura e investimentos de vulto nos Estados, as emendas de bancadas estaduais ao Orçamento foram desvirtuadas e se tornaram mais uma forma de deputados e senadores ampliarem a destinação de verbas para aliados, especialmente após o pagamento ter virado obrigatório em 2019. Ano passado, de cada R$ 10 alocados por esse mecanismo, menos de R$ 1 visou grandes obras que promovessem mudanças estruturantes nessas regiões, segundo estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conorf) da própria Câmara.

Foram apenas R$ 692 milhões para obras estruturantes, enquanto R$ 2,9 bilhões acabaram destinados para investimentos mais fragmentados - e passíveis de maior direcionamento político para aliados de cada deputado ou senador- e R$ 4 bilhões para custeio em 2023 - rubrica que também costuma ser usada para esse varejo político. E, pior, sem que o real responsável pela indicação seja divulgado, já que o autor nos sites de transparência é a bancada do Estado por se tratar de uma emenda “coletiva”.

Emendas e estabilidade parlamentar - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Enquanto a taxa média de reeleição de deputados no Brasil é de 63%, nos EUA é de 93%

A porcentagem de prefeitos reeleitos nas eleições municipais de 2024 bateu recorde. Quase 83% dos que concorreram foram reeleitos. As prefeituras governadas por prefeitos reeleitos receberam uma maior fatia de emendas parlamentares do Orçamento da União.

Parece que, finalmente, os eleitores decidiram premiar os prefeitos que conseguiram construir conexões estáveis entre as redes que lideram na esfera local com um representante no Congresso Nacional.

Embora muitos classifiquem as conexões entre o legislador federal e suas redes locais de interesse como derrogatórias, elas são fundamentais para movimentar a economia local e, em muitos casos, gerar inclusão social e melhoria de qualidade de vida. Daí por que parlamentares que conseguem ser mais efetivos na alocação desses recursos também apresentam maiores chances de serem reeleitos.

Deputados ameaçam dar o troco no governo e no STF por indefinição sobre bloqueio de emendas

Levy Teles / O Estado de S. Paulo

Parlamentares cogitam não votar lei que autoriza gastos do Executivo no próximo ano, em um evento que não tem precedente na história do Congresso; especialistas veem estratégia como ‘suicida’

BRASÍLIA – Contrariados com a falta de definição sobre o bloqueio das emendas parlamentares, deputados ameaçam dar o troco e não votar a lei que autoriza os gastos do governo no próximo ano, que depende da aprovação do Congresso Nacional. A estratégia de integrantes da Comissão Mista de Orçamento é vista por especialistas como suicida, já que o Orçamento do Brasil ficaria completamente travado.

Parlamentares veem a medida como a principal moeda de troca para assegurar que o Supremo Tribunal Federal (STF) libere os recursos previstos nas emendas, destinando dinheiro público aos municípios do País.

Entrevista | José Sarney: ‘Sou amigo do Lula, gosto muito dele e devemos apoiá-lo’

Por Monica Gugliano /Estado S. Paulo

Ex-presidente festeja resistência do MDB em meio a mudanças partidárias e faz elogios ao atual governo

O ex-presidente da República José Sarney discorda do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sobre os rumos da sigla em 2026. Se o chefe do Executivo paulistano acredita que seu partido deve marchar ao lado de Jair Bolsonaro e o candidato que ele indicar, como apontou em entrevista ao Estadão, Sarney defende o caminho oposto.

Para ele, a sigla não tem motivos para não apoiar a reeleição de Lula, que comanda um governo com três ministros da legenda. O emedebista se diz amigo pessoal do presidente e, em, conversa com o Estadão, rasga elogios ao aliado que um dia já foi adversário político.

Há alguns dias, em um artigo, o ex-presidente José Sarney escreveu sobre a longevidade do MDB. Em tempos nos quais muitas vezes a sobrevivência dos partidos políticos é efêmera, o Movimento Democrático Brasileiro é uma das mais antigas siglas do país. Foi depois das eleições estaduais de 1965 que, conta Sarney, ainda no governo do presidente Carlos Castelo Branco, após o Ato Institucional nº 2 decidiu-se criar dois partidos para abrigarem de um lado os governistas e de outro a oposição. E assim foi fei

Fundou-se a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB, conduzido por Ulysses Guimarães, que enfrentou a ditadura militar. “Não teria sido feita a transição democrática, em 1985, (que foi feita no meu governo que culminou com a eleição direta para presidente da República em 1989) e não haveria democracia no Brasil se não fosse o MDB”, diz Sarney, um dos políticos mais longevos do país (94 anos) numa conversa exclusiva por telefone ao Estadão.

Do Maranhão, onde passa parte do tempo, com a esposa dona Marly quando não está em Brasília, o ex-presidente acompanhou as eleições municipais em todo o País. Comemorou o crescimento do MDB que elegeu 864 prefeitos (o primeiro em números de eleitores votantes, 27,9 milhões) e agradeceu ao presidente do partido, o deputado Baleia Rossi(SP), pelo trabalho durante o pleito.

“Ele foi incansável, excepcional”. Comentou a campanha de falta de modos e de desestabilização dos adversários feita pelo coach Pablo Marçal. E criticou o prefeito reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes, que, embora emedebista, tenha se aliado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao governador Tarcísio de Freiras (Republicanos). Sarney afirmou que irá trabalhar para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja reeleito em 2026, caso o petista resolva disputar mais um mandato.

Veja os principais trechos da conversa:

Sob nova direção - Christian Lynch*

Folha de S. Paulo

O domínio do centrão nas eleições deste ano, sustenta o autor, aponta que o sistema político brasileiro, depois de um período de forte instabilidade e polarização extrema, passa por um processo de reequilíbrio, marcado por um presidencialismo de coalizão fraco e níveis menores de radicalidade ideológica

Os resultados das eleições municipais deste ano confirmam que o sistema político brasileiro passa por um processo de reequilíbrio em torno de novas bases ideológicas e de governabilidade. Bases distintas daquelas que definiram o período de estabilização do regime democrático entre os anos 1990 e 2010, assentadas sobre um eixo ideológico de centro-esquerda e do presidencialismo de coalizão forte ou imperial como modelo de governabilidade, que levava a reboque o chamado centrão.

Há cerca de dez anos, o eixo ideológico começou a se deslocar para a centro-direita, sustentado por partidos de centro-direita e direita, que deixaram a periferia do sistema para se tornar seu núcleo de estabilidade e controle. O modelo de governabilidade, perdido ou desarranjado durante aqueles anos de transição, parece agora se estabilizar na forma de um presidencialismo de coalizão fraco ou, conforme seus críticos, um "parlamentarismo bastardo".

Novo valor se alevanta - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

A principal consequência da vitória de Trump no Brasil deverá ter caráter político. A agenda ambiental será modificada de alguma maneira. Mas o principal realinhamento será o reforço dos grupos de direita e centro-direita do Brasil

A impressionante vitória de Donald Trump na eleição norte-americana derrubou as previsões feitas pelos institutos de pesquisa e pelos chamados observadores. Todos previam uma eleição disputada, voto a voto, o que não se revelou afinal. Trump venceu bem e fácil, fez a maioria na Câmara de Representantes e no Senado. Ou seja, vai governar com as mãos livres para tomar as decisões que bem entender. No intervalo entre as duas guerras mundiais, os Estados Unidos assumiram uma posição voltada para seus interesses internos, na tentativa de superar a profunda recessão. Foi a abertura para o mundo, feita por Franklin Roosevelt, que colocou o país na posição de primeira economia do mundo. Trump, agora, quer percorrer o caminho contrário — retornar ao isolacionismo.