sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Avanço contra pobreza e miséria merece celebração

O Globo

Para que queda de ambas se consolide, porém, governo precisará fazer bem mais do que tem feito

O Brasil registrou avanço significativo no combate à pobreza e à miséria, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2023, ambas caíram aos menores índices da série histórica iniciada em 2012. A proporção de pobres na população foi de 36,7% no ápice — período da pandemia — para 27,4%. A pobreza extrema, de 9% para 4,4%. Estimativas da FGV Social sugerem que a fatia de pobres e miseráveis na população nunca foi tão pequena. Como, apesar da queda, os contingentes ainda são enormes, o combate às duas chagas históricas não pode esmorecer. Para que a tendência se consolide, o governo precisará fazer bem mais do que tem feito.

Dois fatores foram responsáveis pelos resultados positivos. O primeiro foi a redução do desemprego. A desocupação caiu de 8,8% no primeiro trimestre de 2023 para 7,9% um ano depois. A massa salarial, descontada a inflação, cresceu 6,6%, e o rendimento médio subiu 4%. Para a população vulnerável, mais dinheiro no bolso é a diferença entre a pobreza e uma vida mais digna. Mas a previsão é que o crescimento econômico que embalou a geração de emprego e renda arrefeça.

O julgamento do ano - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

É uma questão que não se pode arrastar. É preciso resolver de uma vez a constante reaparição da variável autoritária na política brasileira

Apesar de imprevisível, o Brasil já tem um importante roteiro político para o ano que entra. É o julgamento do processo de tentativa de golpe, envolvendo militares e Jair Bolsonaro.

Em fevereiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve apresentar a denúncia. É o mais provável, embora tenha também a prerrogativa de pedir novas investigações. Essa denúncia pode englobar ou não os três temas: desvio de joias, falsificação de vacinas e tentativa de golpe. No caso das vacinas, podem ser vistas como um instrumento necessário para a fuga. No entanto, as joias aparecem mais como uma espécie de fundo de horror para a travessia do deserto. Mas nunca se sabe se os fatos serão entrelaçados ou se estaremos diante de três processos distintos.

A economia real e o humor do mercado - Vera Magalhães

O Globo

Governo faz discurso binário de que ente maldoso não se preocupa com os pobres, mas conhece lógica que dita pé atrás com a política fiscal

Os dados positivos de vários indicadores macroeconômicos e sociais animaram Lula e ministros a reforçar o discurso de que há desconexão entre o mau humor do mercado financeiro com as decisões de política econômica, sobretudo fiscal, e a economia real. É o tipo de contraposição que funciona bem em discursos, rende argumentos para os defensores do governo no Congresso e na conversa de redes sociais, até pode indicar um caminho para recuperar a avaliação do presidente nas pesquisas de opinião, mas não é fidedigna, por opor variáveis distintas e esconder que o desequilíbrio fiscal pode, sim, comprometer os ganhos a respeito dos quais o governo bate bumbo na outra ponta.

Plano B de Bananinha - Bernardo Mello Franco

O Globo

Declaração indica que ex-presidente só apoiará quem tiver seu sobrenome

Eduardo Bolsonaro foi a Buenos Aires tirar uma selfie com Javier Milei e visitar aliados do pai na cadeia. Depois da incursão carcerária, deu um recado sobre a eleição presidencial de 2026. “O plano A é Bolsonaro. Posso ser o plano B”, disse.

Com cinco palavras, o Zero Três se autoproclamou candidato ao Planalto. A frase joga luz sobre a estratégia eleitoral do clã.

Jair Bolsonaro, o plano A, está inelegível até 2030. Foi condenado duas vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com o capitão fora do jogo, abriu-se um espaço para novos competidores no campo da direita.

A declaração de Eduardo indica que a família só admite uma alternativa ao patriarca se ela também usar o sobrenome Bolsonaro. Isso limita as opções a quatro nomes: Flávio, Carlos, Eduardo e Michelle.

Entre o inferno e o céu - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Para o mercado, tudo é um desastre; na vida real, milhões de brasileiros saem da miséria

No mesmo dia, a pesquisa Genial/Quaest e o IBGE nos confirmaram duas realidades: no setor financeiro, que detesta o presidente Lula, 96% consideram que a economia vai mal; milhões de brasileiros, porém, vêm sendo tirados da miséria pelos programas sociais e justamente pelo aquecimento da economia, do emprego e da renda.

Sim, a inflação ultrapassou a meta, os preços absurdos são um dos grandes temas nacionais, os juros vão continuar subindo e Lula tem dificuldade com equilíbrio fiscal e em assimilar a importância do corte de gastos para os pobres, o País e o sucesso do seu governo. Tudo isso é verdade, mas a economia está tão desastrosa como diz o mercado?

A função da redução da jornada de trabalho - José de Souza Martins

Valor Econômico

A questão não é liberar o trabalhador apenas para a família e para a religião, mas para as atividades que saciem nossa fome secular de saber e nos libertem da ignorância que nos barateia e nos oprime

O projeto de emenda constitucional que reduz a semana de trabalho de seis para quatro dias, apresentado pela deputada federal Erika Hilton, em vez de um debate sobre o que é de fato a questão social do trabalho na economia moderna e na perspectiva das carências extraeconômicas dos trabalhadores, gerou uma celeuma unilateral sobre os prejuízos dos empregadores.

O Brasil adotou a jornada de oito horas de trabalho em 1908, há 116 anos portanto, para atalhar os imensos abusos que havia em nossa indústria nascente: sete dias de trabalho por semana, 12 horas por dia, sem distinção entre homens e mulheres nem entre adultos e crianças. Os mestres de seção de fábrica ainda se achavam no direito de bater nas crianças operárias para discipliná-las.

Centrão cobra de Lula fim do ‘governo de amigos’ - Andrea Jubé

Valor Econômico

Em fevereiro, presidente terá de recompor o ministério para formar um time totalmente alinhado ao seu projeto de reeleição

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Hermes Lima, morto em 1978, e citado nesta coluna na semana passada, dizia que política “é uma atividade para pecador, e pecar é uma das atividades mais fascinantes, contraditórias e perturbadoras que o ser humano pode exercer”.

Aposentado compulsoriamente pela ditadura militar em 1968, pelo AI-5, Lima transitou antes pela política. Foi deputado federal, ministro do Trabalho e chanceler do governo João Goulart. Em uma entrevista de 1977, declarou que o cargo de ministro foi “extraordinário”, mas não tinha a “excitação e os imprevistos” que a vida de deputado proporcionava.

Congresso peleja com STF mas colabora com pauta do governo - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Pacote de votações foi destravado a despeito da decisão do ministro Flávio Dino sobre as emendas parlamentares

Foi apertado, mas a urgência do pacote fiscal passou. E não apenas. A Comissão Mista de Orçamento aprovou, no mesmo dia, o relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias. A votação em plenário, que deveria ter acontecido em julho, está prevista para o dia 18, liberando a votação do Orçamento entre Natal e Ano Novo. E, finalmente, a leitura do parecer sobre o projeto de regulamentação da reforma tributária foi marcada para segunda na Comissão de Constituição e Justiça com votação prevista na quarta.

Todo esse pacote de votações foi destravado a despeito da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, que reafirmou a necessidade de apresentação de um plano de trabalho ao Executivo como condição para a liberação das emendas Pix, o veto à camuflagem na autoria individual das emendas de comissão com a titularidade dos líderes partidários sobre as rubricas e a limitação dos montantes às regras do arcabouço fiscal.

Violência policial pôs Tarcísio na berlinda – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, transformou a cultura de truculência policial na centralidade de sua política de segurança

Existe uma cultura de violência policial no Brasil que precisa ser estudada e combatida pelo próprio sistema de segurança, porém, isso se torna mais difícil porque foi banalizada. Encontra apoio em parte da população e se tornou uma bandeira eleitoral que levou ao poder políticos, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Uma cultura diretamente relacionada ao passado escravocrata do país, como também acontece nos Estados Unidos, e que normatiza as relações entre a polícia e a população pobre das periferias. Negros e pardos são tratados como suspeitos, e não como cidadãos.

Um velho samba de 1938, de autoria de Tio Hélio e Nilton Campolino, cantado nos terreiros do Morro da Serrinha e de Madureira, berço do Império Serrano e da Portela, respectivamente, traduz a mentalidade policial da época, na voz de Zeca Pagodinho: "Delegado Chico Palha/ Sem alma, sem coração/ Não quer samba nem curimba/ Na sua jurisdição/ Ele não prendia/ Só batia/ Era um homem muito forte/ Com um gênio violento/ Acabava a festa a pau/ Ainda quebrava os instrumentos".

São Paulo sem moderação – Flávia Oliveira

Não só as estatísticas, mas a sucessão de casos isolados (no plural) escancara a política de segurança do governador bolsonarista de São Paulo. Faz oito meses que Tarcísio de Freitas declarou alto e bom som que não se importava com a denúncia ao Conselho de Direitos Humanos da ONU contra a escalada da violência policial em seu primeiro ano de mandato.

Sem moderação.

Desde o início de 2023, um mosaico de episódios emblemáticos de brutalidade sugere que as forças de segurança do estado estão autorizadas a barbarizar. Um relatório elaborado pela Ouvidoria de Polícia de São Paulo — em conjunto com organizações da sociedade civil e movimentos de defesa dos direitos humanos — mostrou que, de julho de 2023 a abril deste ano, as operações Escudo e Verão deixaram 84 mortos. Foram as ações mais letais do estado desde o massacre de 111 presos do Carandiru, há 32 anos.

Nada relativizam violência da PM paulista - César Felício

Valor Econômico

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), levanta um critério objetivo para justificar a manutenção no cargo do secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite. Os indicadores de criminalidade em São Paulo estão melhorando, de acordo com o governador. A letalidade policial é baixa, o que relativizaria o descontrole evidente das ações da Polícia Militar, reconhecido pelo próprio Tarcísio

Aos números: desde que Tarcísio assumiu o cargo, é fato que São Paulo apresenta redução contínua do mais confiável dos indicadores, o da taxa de homicídios dolosos. Mas não apenas São Paulo: 18 dos 27 Estados estão com esse índice em queda. É um fenômeno nacional. São Paulo tem a menor taxa do Brasil, constatação que não apresenta novidade. Desde o governo Serra (2007-2010) é assim.

Ricos querem sair de fininho do baile do ajuste fiscal - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Conflito distributivo chega às vias de fato com reação de juízes, procuradores, militares

Justiça e Ministério Público passaram a bater em público na tentativa do governo de conter supersalários, parte do pacote Lula-Haddad. No fundo, é mais um movimento de resistência a tantas tentativas de limitar penduricalhos que elevam a despesa com servidores. É mais uma reação à tentativa de limitar gastos com Legislativo, Judiciário e Ministério Público, não apenas na esfera federal, instituições que despendem relativamente mais que seus pares em outros países. É outra manifestação dos mais ricos contra planos de arrumar as contas dos governos. A mesma gente que pede "responsabilidade fiscal" e pimenta nos olhos dos outros.

O conflito distributivo mais e mais chega às vias de fato, pois as contas públicas estão em situação crítica e, de resto, apareceu um governo que, mal ou muito mal, quer fazer o dito ajuste também tirando dinheiros de ricos.

Tarcísio não está nem aí para matança e barbárie policial - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Acossado por crônica sangrenta e descontrole, governador vai tentar abafar efeitos, não combater as causas

"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU [Organização das Nações Unidas], pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí."

As famosas palavras do governador Tarcísio de Freitas foram pronunciadas no início de março, em resposta às denúncias de abusos policiais em operações no litoral, que chegaram às Nações Unidas.

Levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz mostrou que, nos primeiros oito meses deste ano, 441 pessoas foram mortas no estado por agentes de segurança em serviço, contra 247 no mesmo intervalo no ano passado. É uma alta de 78%.

Fascistas normalizam o bolsonarismo? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Questões que alimentam as guerras culturais podem ser resolvidas ou pelo menos iluminadas por uma análise da linguagem

Alguns representantes do positivismo lógico já acalentaram a ideia de que todos os problemas filosóficos seriam na verdade problemas linguísticos, que poderiam ser resolvidos com uma readequação da linguagem. Como projeto totalizante, essa ideia fracassou, mas daí não se segue que não existam problemas filosóficos que podem ser solucionados ou ao menos iluminados por uma análise da linguagem.

Donald Trump é fascista? A mídia normaliza líderes autoritários? Existe bolsonarismo moderado? Penso que essas três perguntas e as múltiplas respostas que comportam se alimentam de confusões linguísticas, mais especificamente da polissemia de seus termos principais.

Os quepes pelos coturnos – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

A obsessão pelas siglas e abreviaturas em seus comunicados pode ter frustrado o golpe dos militares

Woody Allen contou certa vez que a Revolução Russa, que já era para ter acontecido desde o encouraçado Potenkim, em 1905, só se realizou, em 1917, depois que os bolcheviques descobriram que o czar e o tzar eram a mesma pessoa. É no que dá depender de siglas e abreviaturas para definir alguém ou alguma função.

Os militares, por exemplo, abusam desses recursos em suas comunicações, seja por cacoete profissional ou para manter suas intenções a salvo de paisanos enxeridos. Foi o que pode ter se voltado contra eles na sua mais recente tentativa de golpe de Estado. Usaram tantas abreviaturas e siglas em tantas trocas de comunicados que acabaram metendo os quepes pelos coturnos e o golpe lhes saiu pela culatra.