domingo, 8 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Toffoli foi sensato em voto sobre Marco Civil

O Globo

Ministro criou regra razoável ao declarar inconstitucional o artigo 19 e impor dever de cuidado às plataformas digitais

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi certeiro na essência de seu voto sobre o Marco Civil da Internet. Declarou inconstitucional o artigo 19, que assegura às plataformas digitais imunidade por danos causados pelo conteúdo que veiculam até o momento em que a Justiça decida o contrário. Só que o Judiciário é lento demais. A maioria fica indefesa. Muitos não contam com recursos para contratar advogado. Mesmo os que têm condições dependem da Justiça morosa. Quando a decisão é tomada e enviada às plataformas, o dano se tornou irreversível. A postagem é retirada, mas o criminoso já atingiu seu objetivo.

O que é urgente na agenda do Brasil - Míriam Leitão

O Globo

O país não se prepara para o futuro ao deixar 10,3 milhões de jovens sem trabalho nem estudo. Destes, quase metade são mulheres negras

Com 10,3 milhões de jovens se faz um país. Um país do tamanho de Portugal. É isso que o Brasil tem de brasileiros entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham. Esse número era maior. Havia um Uruguai a mais de jovens nessa situação em 2020. Os indicadores sociais melhoraram em 2023, no primeiro ano do governo Lula. Ainda assim certos números são dolorosos. Com 10,3 milhões não se preparando para o futuro se perde um país. Essa é “a medida mais rigorosa de vulnerabilidade juvenil”, diz o IBGE. Em 2020, 13,8 milhões não estudavam nem trabalhavam. Temos melhorado, mas ainda falta muito a fazer.

Lá como cá - Merval Pereira

O Globo

Aqui no Brasil, temos tido diversos problemas em torno da ética entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e a questão central é a mesma: os componentes da mais alta Corte judiciária não admitem serem fiscalizados, e se unem corporativamente quando são criticados

Não é apenas no Brasil que a Corte Suprema de Justiça, aqui denominada Supremo Tribunal Federal (STF), está envolvida em disputas de poder e perde a credibilidade sempre que assume posições identificadas como políticas pela opinião pública. A Suprema Corte dos Estados Unidos, depois de diversos escândalos de ministros flagrados recebendo presentes ou remuneração indireta de milionários amigos, teve que divulgar um novo código de ética de condutas para seus “justices”, como são chamados os ministros.

Por trás do aparente consenso entre eles, há uma disputa acirrada entre os juízes liberais e a maioria conservadora, que acredita que as regras enfraquecem a Suprema Corte diante da opinião pública, e que a intenção dos que as defendem é meramente política, ainda mais agora que Donald Trump retorna ao poder com uma composição majoritariamente conservadora na Suprema Corte.

O 'mercado' falou e traiu-se - Elio Gaspari

O Globo

Pensamento reacionário sustenta que os avanços sociais prejudicam aqueles que pretendem beneficiar

Uma pesquisa da Genial/Quaest ouviu 102 operadores do mercado financeiro do Rio e de São Paulo para aferir o que eles pensam a respeito do governo. Resultou um prenúncio do fim do mundo: 98 acreditam que a economia vai piorar, 90 não confiam no governo e 85 acham que a isenção do imposto de renda para quem ganha até cinco salários mínimos é prejudicial.

Esse resultado tem cara e coroa. Num lado, mostra o que pensa o “mercado”, no outro, como pensa esse mesmo “mercado”. (Paul Volcker, o gigante que dirigiu o Banco Central americano, colocava a palavra entre aspas porque não sabia o que era esse ectoplasma.)

A divulgação dessa pesquisa coincidiu com novos dados sobre a situação de Pindorama. Com números de 2023, o IBGE informou que a pobreza extrema caiu de 31,6% para 27,4%. Em números absolutos os pobres eram 67,7 milhões e ficaram em 59 milhões.

O “mercado” acha que a isenção da cobrança de Imposto de Renda para o andar de baixo prejudica a economia. Ecoa um velho trabalho do professor Albert Hirschman (1915-2012) no qual ele mostrou como o pensamento reacionário sustenta que os avanços sociais prejudicam aqueles que pretendem beneficiar.

A Marinha está fora do ar - Bernardo Mello Franco

O Globo

A Marinha divulgou um vídeo em busca de apoio contra o ajuste fiscal. A repercussão foi desastrosa. A reação às criticas, pior ainda

A Marinha apostou nas redes sociais para tentar ganhar apoio contra o ajuste fiscal. Produziu um vídeo desastroso, que ofendeu os contribuintes e degradou a imagem da Força.

A peça foi divulgada a pretexto de homenagear o Dia do Marinheiro. Em ritmo de filme de ação, militares simulam escapar de um naufrágio, saltam de paraquedas e rastejam na areia, como se estivessem desembarcando na Normandia.

O vídeo alterna imagens de esforço e sacrifício com cenas de civis em momento de lazer. Enquanto marinheiros quebram a cabeça numa prova, paisanos dão risada e erguem um brinde. Enquanto um militar dispara um tiro em alto-mar, um civil joga videogame no sofá.

Ferveu – Dorrit Harazim

O Globo

Na semana passada, o Brasil se armou de vergonha passageira. A violência policial se mostrou em combustão

Graduado em engenharia civil e mestre em engenharia de transporte pelo prestigioso Instituto Militar de Engenharia (IME), no Rio de Janeiro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, construiu invejável carreira na administração pública. Sabia fazer contas e dar significado a números. Também estava com a matemática em dia quando chefiou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Ministério da Infraestrutura deste imenso Brasil. Foi ao assumir o Palácio dos Bandeirantes que cometeu seu cálculo trevoso: entregou a Secretaria de Segurança Pública ao capitão da reserva da PM Guilherme Derrite, sabendo que o titular se dedicaria à construção de uma polícia de Estado violenta, temida, brutal. Conseguiu. Os indicadores de 2024 em relação ao governo anterior gritam: variação de +104,2% no número de mortes por intervenção policial da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Ao contra-argumentar, como fez em Brasília nesta semana, que o número de homicídios no estado caiu de 2.405 para 2.065 no mesmo período, Tarcísio cometeu uma desonestidade intelectual insidiosa. Deixou no ar a ideia de que uma queda nos índices de criminalidade e execuções policiais a rodo são vasos comunicantes, se retroalimentam. Não são e, se forem, devem ser separados pela força da lei. É certo e fartamente documentado que boa parte da sociedade brasileira aceita participar do primitivo gambito de que polícia feroz mata o crime. Afinal, não faz tanto tempo assim o Rio elegeu governador (Wilson Witzel) um indivíduo que prometeu “tiro na cabecinha” de meliantes e, bem antes dele, outro governador (Marcello Alencar) premiava com bonificação os agentes da ordem que matassem mais.

Lula fecha ano com grande vitória diplomática – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Brasil teve vitórias importantes na política externa, como a aprovação da Aliança Global Contra a Fome e a assinatura do Acordo Mercosul-União Europeia

O Brasil voltou ao leito natural de sua tradição diplomática e, graças a ela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fecha o ano com vitórias importantes na política externa, como a aprovação da Aliança Global Contra a Fome, na reunião de cúpula do G20 no Rio de Janeiro, e, principalmente, a assinatura do Acordo Mercosul-União Europeia, que vinha sendo negociado há 25 anos. O anúncio da conclusão das negociações ocorreu durante a 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, no Uruguai, na sexta-feira.

A concretização do acordo esteve ameaçada, sejam pelas posições iniciais da Argentina, já superadas; seja pela dura oposição que ainda sofre da França, uma nação com a qual temos grandes parcerias estratégicas, inclusive, no plano militar. O presidente francês Emmanuel Macron, que mantém excelentes relações pessoais com Lula, pressionado pela crise política francesa, ainda vê o acordo como uma ameaça aos seus agricultores e trabalha contra sua ratificação pelo Conselho da União Europeia, o Parlamento europeu.

2026: o ano que vem chegando mais cedo - Pedro Malan

O Estado de S. Paulo

Os próximos dois anos muito dirão sobre nossos inafastáveis desafios na área fiscal

Tema frequente de meus artigos neste espaço, ao longo de anos, tem sido a visão de que no Brasil convivem em simbiose o moderno e o anacrônico. E de que o Brasil moderno pode estar, ainda que muito gradualmente, aumentando seu peso relativo em relação a seu lado anacrônico – que nunca deve ser subestimado. Isso vale tanto para o mundo da política quanto para aquele da economia. Na arena político-institucional, continuamos tentando construir uma sociedade em que parte não irrelevante da opinião pública seja contra a apropriação espúria e uso indevido de recursos públicos; contra a ocupação e aparelhamento da máquina governamental para servir a interesses eleitorais, corporativistas, partidários e clientelistas. Em ambas as dimensões da vida pública – política e economia – penso ser possível expressar esperanças não insensatas em diálogos não impossíveis.

A economia entre o ajuste e o longo prazo - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Para fazer a economia crescer no ritmo de outros emergentes, será preciso ir além da formação do capital físico. Será indispensável cuidar muito mais do capital humano

Com mais empregos, pobreza em queda e consumo em alta, o Brasil completa dois anos de atividade econômica vigorosa, com crescimento acumulado próximo de 6%, talvez pouco superior a essa marca. Nos 12 meses até outubro, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 3,1%; manteve-se o dinamismo de 2023, quando a produção avançou 3,2%. Esse balanço indica um fim de ano mais luminoso para a maioria dos brasileiros – mesmo para quem usar o 13.º salário para liquidar dívidas. Quem buscar uma renegociação terá boa chance, de acordo com especialistas, de conseguir um desconto e começar o ano novo mais tranquilo.

Mantido esse quadro, o presidente Lula da Silva poderá citar bons números em suas falas de fim de ano – se deixar de lado, é claro, o aumento da dívida pública e a elevação do risco inflacionário. Nem por isso o público atento deixará de ouvir o noticiário sobre os dados negativos. O pessoal do mercado financeiro já alardeia e continuará alardeando o risco de um desastre nas contas públicas, sem dar muita importância aos números mais favoráveis da produção, do emprego e do varejo. No mundo das finanças, o fato de mais ou menos pessoas estarem comendo, consumindo e vivendo em condições decentes parece às vezes ter pouca ou nenhuma relevância.

Guerra sem fim - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Tarcísio pede desculpas por câmeras e política de segurança. Mas Derrite fica?

Depois da série de cenas de barbárie da polícia de São Paulo, tida e havida como a melhor e mais preparada do País, o governador Tarcísio Gomes de Freitas teve de fazer um “meia volta, volver”, admitir o “equívoco” de se opor ao uso de câmeras corporais e, por fim, pedir desculpas públicas pela sua política de segurança pública, suas declarações sobre o tema e os efeitos degradantes na tropa. Ok. E o executor dessa política, Guilherme Derrite, continua?

A culpa é dos direitos humanos? - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Não se trata de discutir se o criminoso é santo, mas de admitir que o Estado não é

O debate sobre a violência da polícia em São Paulo é uma boa oportunidade para esclarecer o público sobre o que, exatamente, é a defesa dos direitos humanos no debate sobre criminalidade.

A defesa dos direitos humanos tem uma dimensão moral, relacionada à dignidade da pessoa humana —inclusive dos criminosos sob a guarda do Estado. Esses valores são os que definem o liberalismo político e a civilização moderna.

Os países que consideramos desenvolvidos são os que mais respeitam os direitos humanos. O "agir dentro dos limites da lei" diante de criminosos é só um caso da regra geral "agir dentro dos limites da lei".

Mas essa coluna não é uma pregação moral. É um conselho de prudência sobre quanto poder devemos dar aos funcionários do Estado.

Acordo com UE ainda demora e tem limites - Vinicius Torres Freire

Folha de São Paulo

Lula 3 faz gol; UE terá disputa política ou até jurídica; efeito vai levar ao menos década

O Brasil, com o Mercosul, enfim deu passo importante para fechar um acordo de (quase) livre comércio relevante e, se tudo der certo, inédito (não há livre comércio nem mesmo no Mercosul).Abertura comercial não era ideia querida no Brasil, ainda menos para a esquerda. Mas é um governo de esquerda que está prestes a abrir os portos às nações amigas da União Europeia (ou "muy amigas", como a França). Além disso, ou apesar disso, Lula 3 conseguiu restringir bastante o acesso dos europeus às compras do governo.

Apesar de tanta festa, não se conhece o texto literal do acordo. Como era esperado e na prática inevitável, o Brasil conseguiu apenas aumentos de cotas (limites quantitativos de exportação) em produtos em que é muito competitivo (carnes, por exemplo). Melhor do que nada. Mas o mercado europeu continua fechadão nesse aspecto (de outro modo, poderia haver revolta ainda maior no agro da UE).

Intentona sem pé nem cabeça - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Luta não se trava entre abstrações como classe e ideologia, e sim entre indivíduos

A reação popular e institucional ao autogolpe presidencial na Coreia do Sul suscita uma ponderação sobre a força da instituição no enfrentamento da trama golpista entre nós. Instituição, recorde-se, é um modo regulatório da vida social que funciona por um "fazer saber", constitutivo do processo de subjetivação. É o que fazem família, escola, religião e o próprio exército, instâncias pertinentes à convivência humana. Nelas Jean-Paul Sartre divisou uma característica contraditória, como conceito de algo inerte e, ao mesmo tempo, transformador.

Celebridade filosófica - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro mostra a ascensão e o declínio das ideias de Henri Bergson, filósofo que ganhou Nobel de Literatura em 1927

Henri Bergson não é hoje um nome que se escuta com muita frequência fora dos círculos filosóficos, mas, nos anos 1910, ele era uma celebridade, do tipo Taylor Swift mesmo. Quem quisesse um bom lugar para assistir às suas aulas no Collège de France tinha de chegar com várias horas de antecedência.

O sucesso não estava limitado à França. Bergson também atraía grandes públicos na Inglaterra e nos EUA. Ele foi a causa do primeiro congestionamento de veículos registrado na Broadway em Nova York, em 1913.

O Rio de Janeiro precisa de uma “Grande Política” - Vagner Gomes de Souza*

O estado do Rio de Janeiro se esvaiu numa política conservadora desde que a “Lava Jato” local atingiu algumas figuras da política fluminense. Os partidos políticos do “centro político” se esvaziaram enquanto muitas “facções” oportunistas se fizeram presente como uma alternativa na política local. A falência financeira do estado é um problema crônico em que as soluções ganham espaço também na mediação do judiciário. Para agravar o cenário, uma “onda de violência” atingiu funcionários públicos da segurança estadual sem que tenhamos até hoje a dimensão de tamanha incidência num ente da federação. Veio uma intervenção da Segurança Pública estadual sob uma lógica sempre hobbesiana. Aqui, é o melhor cenário para se vislumbrar que o “o homem é o lobo do homem” a despeito da vitalidade cultural da sociedade e de nossos potenciais universitários.

Sucesso e fracasso das nações - Sérgio C. Buarque

Revista Será?

A prosperidade das nações é o resultado da formação de instituições inclusivas baseadas em um sistema democrático, com regras estáveis e seguras, com mecanismos que permitem que os cidadãos escolham os seus dirigentes e busquem livremente suas ocupações, adquiram educação e conhecimentos, e de instrumentos de distribuição igualitária de serviços públicos, com destaque para a educação. As nações que fracassam contam, ao contrário, com instituições extrativistas constituídas por regimes instáveis e pouco permeáveis, que desincentivam a inovação e os investimentos, convivendo com corrupção política e rede de apadrinhamento que favorecem a apropriação da riqueza por uma minoria e a distribuição desigual de acesso aos serviços públicos. Esta é a interpretação dos economistas que foram agraciados como o Prêmio Nobel deste ano – Daron Acemoglu, James A. Robinson e Simon Johnson. De acordo com o  Comitê do Prêmio Nobel em Ciências Econômicas, os três economistas proporcionaram “uma compreensão muito mais profunda das causas fundamentais do fracasso ou do sucesso dos países”, exposta no best seller “Por que as nações fracassam” (assinado por dois dos economistas premiados), publicado em 2012. 

Degradación de la política en el siglo XXI: de la impotencia al espectáculo - Daniel Fernández

El Diário (Espanha)

Trump ha sabido aprovechar como nadie la impotencia de la política democrática y las oportunidades que ofrece el nuevo sistema mediático. En este contexto, no es casualidad que Nayib Bukele sea ahora uno de los líderes de moda 

Cada vez que el Partido Demócrata pierde unas elecciones en Estados Unidos, resurge el debate sobre sus dificultades para conectar con los sentimientos e inquietudes del norteamericano medio. Desde la presidencia de Bill Clinton en los años noventa, quedó claro que el partido había adoptado un nuevo paradigma: la aceptación de las políticas económicas neoliberales como único camino viable. Este giro relegó la lucha por la igualdad como eje central del programa demócrata, que había definido su identidad desde el New Deal y, especialmente, durante la presidencia de Lyndon Johnson en los años sesenta. 

Comparar las políticas y discursos de aquella época, marcados por la Gran Sociedad y una agenda redistributiva, con las de los demócratas a partir de los noventa evidencia la derechización del espectro político estadounidense. Dicha evolución no solo distanció al partido de las clases populares, sino que contribuyó a un replanteamiento de la identidad progresista en favor de un enfoque más tecnocrático y centrado en las élites urbanas. Del mismo modo que Margaret Thatcher afirmó en 2002 que su mayor logro político había sido Tony Blair y el nuevo laborismo, Ronald Reagan bien podría haber dicho lo mismo respecto a Clinton.