terça-feira, 24 de junho de 2025

Opinião do dia – Antonio Gramsci*

I. Alguns pontos preliminares de referência

Nota II. Não se pode separar a filosofia da história da filosofia, nem a cultura da história da cultura. No sentido mais imediato e determinado, não se pode ser filósofo — isto é, ter uma concepção do mundo criticamente coerente — sem a consciência da própria historicidade, da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela está em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções. A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem deter minados e “originais” em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente bastante remoto e superado? Se isto ocorre, significa que somos “anacrônicos” em face da época em que vivemos, que somos fósseis e não seres que vivem de modo moderno. Ou, pelo menos, que somos bizarra mente “compósitos”. E ocorre, de fato, que grupos sociais que, em determinados aspectos, exprimem a mais desenvolvida modernidade, em outros manifestam-se atrasados com relação à sua posição social, sendo, portanto, incapazes de completa autonomia histórica.

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, v. 1, p.94-5. 5ª edição – Civilização Brasileira, 2011.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil decepciona com avanço lento do ensino

O Globo

Dados frustrantes do IBGE traduzem incapacidade crônica de o país alcançar educação de qualidade

São frustrantes os dados revelados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Educação de 2024, divulgada pelo IBGE. Mais uma vez, o Brasil se mostra incapaz de elevar a escolaridade da população até as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014. Embora tenha havido progresso nas taxas de analfabetismo e no total de anos de estudo, o país continua distante de onde deveria estar. É certo que a pandemia provocou um choque com impacto nefasto. Mesmo assim, houve tempo suficiente para ajustar políticas e criar programas mais eficazes. Prova de que faltou determinação foi o atraso na reforma do ensino médio, que só agora entrou em vigor.

Temos um Congresso disfuncional, diz Sérgio Abranches

Joelmir Tavares / Valor Econômico

Cientista político vê 'enrascada de governabilidade' que não ficará restrita a Lula

O Brasil “está numa enrascada de governabilidade”, que vai além das deficiências do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avalia o cientista político e sociólogo Sérgio Abranches. Em 1988, ele criou o conceito de “presidencialismo de coalizão” para descrever o modelo brasileiro em que a Presidência da República monta aliança ampla no Congresso para avançar sua agenda.

Em entrevista ao Valor, Abranches avalia que o Legislativo esvaziou funções do Executivo, com a disparada no valor de emendas parlamentares. Além disso, deixou de “pensar no coletivo” para se ocupar de interesses próprios e da busca por reeleição de seus membros. “Com esse tipo de Congresso, nenhuma reforma estrutural vai acontecer”, afirma.

A seguir, os principais trechos:

O futuro assusta Bolsonaro - Merval Pereira

O Globo

Os ventos eleitorais parecem favorecer o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que uniria a liderança política da centro-direita ao apoio dos radicais do bolsonarismo

Ao insinuar que o candidato à Presidência escolhido por seu pai deverá se comprometer a atuar até com “uso da força” para que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite o indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro demonstra claramente que não entende o quadro político que está desenhado. Em primeiro lugar, o que o ex-presidente tem de fazer é uma chapa capaz de vencer a eleição do ano que vem, sem a qual o indulto não virá.

Esse candidato, em vez de ser um cão raivoso que saia ameaçando todo mundo, terá de ser um político habilidoso que amplie o alcance eleitoral da direita brasileira, assim como Lula em 2022 ampliou a esquerda para derrotar Bolsonaro. O fato de o atual presidente não ter cumprido na prática seus compromissos com um governo de união nacional não significa que estivesse errado em sua postura na campanha. Ao contrário, mostra apenas que Lula e seu PT não cumprem os acordos e estão acostumados a usar seus aliados em manobras políticas rasteiras para se manter no poder.

É urgente cortar privilégios - Carlos Minc*

O Globo

Mazelas decorrem do poder de corporações poderosas, públicas e privadas, que enriquecem à custa do contribuinte

A necessidade de ajuste fiscal escancarada com a tensão entre o Congresso e o governo em razão do aumento do IOF gerou uma oportunidade inusitada de diminuir subsídios e isenções tributárias injustificáveis e de fazer uma efetiva reforma administrativa, que aumente a eficiência do serviço público e limite gastos estruturais.

Essas mazelas decorrem do poder de corporações poderosas, públicas e privadas, que conseguem — pela via de privilégios legais explícitos ou pela manipulação da lei — enriquecer à custa do contribuinte. No setor privado, urge que quaisquer benefícios tributários, financeiros e creditícios, hoje na casa de centenas de bilhões de reais, sejam limitados em valor e criteriosamente acompanhados de estudo que demonstre o retorno econômico e social da medida e a racionalidade de sua concessão.

O estreito que a economia teme - Míriam Leitão

O Globo

O fechamento do Estreito de Ormuz, pelo qual passam 20% de todo o petróleo do mundo, parece algo que o governo do Irã ameaça, porém teme realizar

A última carta que o Irã vai usar nesse conflito será o fechamento do Estreito de Ormuz, acredita o professor da USP Feliciano Guimarães. Portanto, o temor sob o qual a economia amanheceu ontem, pode não acontecer. “É uma ficha de barganha de ultrassensibilidade que, se usada, abre um espaço para uma retaliação tão grande dos Estados Unidos, dos países europeus e dos países árabes, que o risco é muito alto. Acho mesmo improvável”. O presidente Donald Trump anunciou um cessar-fogo, não confirmado por nenhum dos dois países.

IA militar dos EUA é preocupante - Pedro Doria

O Globo

Esse é um governo que viola regras não escritas, ignora decisões judiciais e não parece muito preocupado com liberdades civis

Na semana passada, a OpenAI assinou seu primeiro grande contrato com o governo americano. É um contrato de desenvolvimento de modelos avançados de inteligência artificial para o Departamento de Defesa com teto fixado em US$ 200 milhões. Na madrugada entre sábado e domingo, os Estados Unidos usaram a bomba mais potente de seu arsenal, excluindo as nucleares. Não foi uma, foram 14. Fizeram um ataque que George W. Bush, Barack Obama e Joe Biden poderiam ter feito, tiveram a possibilidade de fazer, as razões para fazer e que, no fim, não fizeram. Uma notícia parece não ter nada a ver com a outra. Mas tem.

Impasse do IOF dá pistas do ajuste de 2027 - Christopher Garman*

Valor Econômico

O intenso debate atual sobre a necessidade de reformas nos gastos públicos é um sinal positivo para 2027

O governo enfrenta um impasse em suas contas fiscais. Diante da falta de receitas para cumprir as metas estabelecidas, anunciou um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o que gerou uma onda de críticas tanto do setor privado quanto do Congresso. A reação levou o governo a recuar e, após negociações com as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, foi anunciada a Medida Provisória 1.303 - que trouxe uma série de alternativas de arrecadação, além de algumas medidas de contenção de gastos. Na última semana, porém, ficou claro que essa saída também encontrará resistência no Congresso.

O mundo ficou mais perigoso com entrada de Trump na guerra com o Irã - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

De todos os personagens envolvidos nos conflitos do Oriente Médio, o grande vitorioso é Netanyahu. Por ironia, pode ser preso quando a guerra acabar

A ideia de guerra justa (bellum iustum) é um conceito filosófico, ético e jurídico greco-romano e cristão. Estabelece critérios morais para legitimar o uso da força militar. Seus princípios são a defesa contra agressão, a proteção de inocentes e/ou a restauração de direitos violados. Seu objetivo deve ser a paz e não a vingança, a conquista e/ou interesse econômico. Segundo Santo Agostinho de Hipona (séc. V) e Tomás de Aquino (séc. XIII), os três critérios básicos de uma guerra justa são a autoridade legítima, a causa justa e a intenção reta.

A justiça na condução da guerra (jus in bello) exige separar combatentes e não combatentes; uso da força proporcional ao objetivo; tratamento digno para prisioneiros e feridos. A resistência aos nazistas na Segunda Guerra Mundial; a intervenção internacional no Kosovo (1999) para evitar um genocídio; e a resposta inicial dos Estados Unidos ao 11 de setembro, com ataque ao Talibã no Afeganistão (2001), são consideradas guerras justas.

Por que o Brics não pode brincar com o poderoso dólar - Pedro Cafardo

Valor Econômico

Com Trump ou qualquer outro presidente, porém, os EUA não abrirão mão tão facilmente de suas poderosas e confortáveis regalias globais

Em meio a guerras estúpidas e ao massacre humano dos últimos meses, pouco espaço tem sobrado para o debate sobre a poderosa arma representada pelo dólar na atual geopolítica mundial. Antes mesmo de tomar posse, em novembro do ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez uma ameaça aos países-membros do Brics: se o bloco insistir em criar uma moeda própria para negócios internacionais, os produtos dos países integrantes serão taxados em até 100% ao entrar no mercado americano.

Após a posse, no fim de janeiro, Trump renovou a ameaça da taxação e disse que iria exigir um compromisso desses países, liderados por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, de não criar nem apoiar a criação de uma unidade monetária para substituir o dólar americano. “Eles podem procurar outra nação ingênua. Não há chance de o Brics substituir o dólar dos EUA no comércio internacional, ou em qualquer outro lugar, e qualquer país que tente isso deve dar as boas-vindas às tarifas e dar adeus à América”, escreveu Trump em seu perfil na Truth Social.

As chances de o cessar-fogo prosperar no Irã - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Cotação do petróleo caiu para abaixo dos US$ 70 e ficou claro que o conflito seria contido

Os agentes financeiros se anteciparam ao comandante-em-chefe. No início da tarde, a cotação do petróleo caiu para abaixo dos US$ 70 e ficou claro que o conflito seria contido. Contribuiu para isso o ataque iraniano contra as bases americanas no Catar com aviso prévio, sem aviões no solo, mísseis interceptados e sem feridos - uma jogada ensaiada, em resumo, de um ataque “para persa ver”.

Além disso, não havia mais dúvida de que o estreito de Ormuz, por onde trafegam os petroleiros iranianos, permaneceria aberto. Fechá-lo seria equivalente ao Irã impor sanções à própria economia. O maior prejudicado seria a China, principal destino do seu petróleo.

Até Vladimir Putin contribuiu para desescalar o conflito com seu jogo dúbio. Ao receber o primeiro-ministro iraniano na manhã de segunda-feira (23), tanto disse que o ataque americano contra o Irã não tinha “nenhuma justificativa” quanto afirmou que a Rússia estaria agindo para abaixar o tom da crise e ajudar os iranianos.

Hora da verdade - Rubens Barbosa*

O Estado de S. Paulo

Os que defendem uma posição equidistante dos radicalismos ideológicos da esquerda e da direita têm uma palavra a oferecer no cenário político nacional

Apesar de indicadores positivos na economia (crescimento, inflação, desemprego, câmbio, reservas), o Brasil enfrenta uma situação interna de extrema complexidade sem uma liderança que expresse os anseios de todos por uma economia estável e um regime político funcional, que represente a maioria da população e que favoreça uma sociedade mais justa. O grau alarmante de corrupção e de violência, facilitadas pela interferência e ineficiência do Estado todo-poderoso, contamina a vida política e econômica do País e clama pelo fim da impunidade. Perdeu-se o sentido de autoridade e de garantia de segurança ao cidadão.

O novo desafio de Lula - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Com líderes de Irã, Rússia e China no Rio, para a cúpula dos Brics, o risco é o Brasil se meter onde não deve

A Cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, dias 6 e 7 de julho, será um enorme desafio para o Itamaraty, ao reunir Irã, China e Rússia nesses tempos preocupantes em que os Estados Unidos aderiram aos ataques de Israel a usinas iranianas de enriquecimento de urânio. No início da noite de ontem, Donald Trump anunciou um cessar-fogo em seis horas. O governo Lula, porém, mantém o risco de, no Brics, assumir um lado numa disputa que extrapola o Oriente Médio e divide as potências.

O Brics foi criado por Brasil, Rússia, Índia e China como resistência a um “mundo unipolar”, ou seja, à hegemonia norte-americana. A eles, se uniram a África do Sul e, em janeiro de 2024, mais cinco países, inclusive o Irã. A reunião do Rio nada tem oficialmente com o atual conflito, mas o Irã estará entre parceiros que se opõem aos ataques de EUA e Israel.

O scotch junino de Hugo Motta - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Não sei quantas vezes li e escrevi sobre a paralisia de Brasília em 2025. Paralisia de Brasília – a partir do Congresso. Paralisada a atividade parlamentar; não as gestões dos parlamentares. E assim vamos – sob o São João estendido – até meados de julho.

Eis o ritmo do Legislativo que votou o Orçamento de 2025 em março de 2025; e que ora reclama da morosidade do Executivo em desembaraçar emendas. Tudo parado. O maledicente diria que não será de todo ruim a cousa atravancada, dada a agenda da rapaziada.

Carl Schmitt x Aristóteles - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Preferimos atacar e expor contradições a se engajar em um debate construtivo

Foi Carl Schmitt quem definiu com muita propriedade: a política se funda na distinção entre amigo e inimigo. Por trás de todas as discussões técnicas, de todos os argumentos e do embate de valores abstratos há a realidade mais básica do conflito irreconciliável entre dois grupos humanos que estão dispostos a matar para preservar seu modo de vida. Isso vale sobretudo para a relação entre povos —e seus Estados— mas está cada vez mais presente na política doméstica de cada país, também ela constituída de identidades coletivas que enxergam no outro uma ameaça.

Contra Schmitt, com milênios de distância, está Aristóteles, cuja filosofia política era acima de tudo sobre como bem governar a sociedade. Diferentes formas de governo e diferentes leis devem ser conhecidas e discutidas para garantir uma ordem social justa e que permita o florescimento humano.

Às favas a maioria- Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Indiferente à opinião pública, parlamentares apoiam duas propostas rejeitadas em pesquisas

"Esta casa faz o que o povo quer." A frase indicativa do dever de representação popular do Parlamento nos idos de 1992 funcionou como a senha dada pelo então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, à aprovação do impedimento de Fernando Collor da Presidência da República.

Hoje o lema é para lá de discutível frente a decisões que privilegiam interesses internos. Está especialmente em xeque em dois temas que contrapõem as posições dos congressistas às opiniões da maioria dos brasileiros, captadas em recentes pesquisas do Instituto Datafolha.

O aumento do número de deputados e o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos são propostas rejeitadas por 76% e 57% dos consultados, respectivamente. Ainda assim, os parlamentares tendem a aprová-las sem levar em conta o que seus representados pensam a respeito.

Ação dos EUA contra Irã amplia incertezas - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Entrada de americanos no conflito dificulta saída diplomática; mudança de regime em Teerã pode dar lugar a caos ou endurecimento

Netanyahu conseguiu arrastar Trump para sua guerra contra o Irã.

lançamento das megabombas americanas contra instalações atômicas iranianas dificulta muito uma saída diplomática para a crise, pela qual Teerã renunciaria de forma crível a seus projetos nucleares bélicos em troca do fim das sanções econômicas. Essa, sem dúvida, teria sido a solução menos traumática para as partes envolvidas e para o mundo.

A questão que se coloca agora é a de saber como a teocracia responderá aos ataques. E ela não tem muitas opções. O regime está militarmente debilitado e sofre contestação política interna. Uma retaliação percebida como muito fraca poderia significar um suicídio político para os aiatolás; e uma muito forte poderia desencadear uma contrarretaliação ainda mais intensa por parte de americanos ou de israelenses.

Os novos reizinhos do Brasil - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

É mais um projeto que passa por cima da lei para defender grupos específicos

Aprovadas por 88% dos moradores de São Paulo, segundo pesquisa Datafolha de 2024, e tendo seu uso comprovadamente associado à redução de mortes, tanto de policiais como de cidadãos, as câmeras corporais continuam a incomodar a bancada da bala.

A Comissão de Segurança Pública da Câmara aprovou na semana passada um projeto de lei que proíbe o uso das imagens de bodycams para instruir processos contra todos os profissionais que atuam na segurança pública —polícias Militar, Civil, Federal, Rodoviária, Distrital e Municipal.

Da sala de aula para um gabinete ministerial - Aylê -Salassié Filgueiras Quintão*

O que são políticas públicas? Já no final de um curso de Sociologia Política, havia estudado ideologias, partidos políticos, Poderes e Modelos de Estado, regimes de governo, funcionamento das instituições, hierarquias , direitos de cidadania, minorias, meio ambiente, assim por diante . De repente, já na reta final do semestre letivo, apareceu na sala de aula um professor com a proposta de um curso compactado de políticas públicas , complementar, de 30 dias. 

"Que é isso, professor! Logo agora! Todos estão se preparando para a formatura!!! Já estamos praticamente de férias!" Era um plano de um conteúdo denso e rápido para coroar a graduação de uma das primeiras turmas da noviça Universidade de Brasília . Apresentava uma bibliografia vasta, diversificada e fenomenológica - visão simbólica da realidade . Havia surgido de uma autocrítica docente sobre os objetivos originais da UnB. Todos ali eram muito jovens, cabeças cheias de teorias e conceitos. Mas, ninguém tinha ideia exata do que se tratavam as tais políticas públicas.

Poesia | O mundo de seu Luíz - Marcelo Mário de Melo

Luiz Gonzaga cantou

com sentimento e beleza

todas as coisas da vida

de alegria e tristeza

como quem serve a comida

para todos numa mesa.

 

Suas músicas retratam

amor dor e esperança

as palhaçadas da vida

a plantação a festança

as cavalgadas no mato

os sapateios na dança.

 

Pernambucano matuto

mostrou com brilho e gana

na força da sua voz

no floreio da sanfona

por que é uma grande estrela

da arte brasiliana.

 

Com as antenas no povo

criações sempre constantes

shows nas ruas mil viagens

olho nas coisas andantes

Seu Luiz sempre na onda

encantando os circunstantes.

 

Ele foi mas ele fica

nas canções que nos deixou.

Diamantes de cultura

no Nordeste lapidou

com a força da sua luz

que nunca se apagou.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Opinião do dia – Antonio Gramsci*

I. Alguns pontos preliminares de referência

Nota I. Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do género humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingi do pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, por tanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise.

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, v. 1, p.94. 5ª edição – Civilização Brasileira, 2011.


O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque americano redefine futuro do Oriente Médio

O Globo

Ainda persistem incertezas, mas um Irã enfraquecido, sem artefatos nucleares, é um cenário positivo

Há diversas dúvidas sobre os desdobramentos do ataque inédito dos Estados Unidos contra as instalações nucleares do Irã na madrugada deste domingo. Um fato, contudo, está claro: se ele destruiu a capacidade iraniana de fazer a bomba atômica, o Oriente Médio e, portanto, o planeta estão mais seguros.

Depois de simular hesitação e de afirmar que levaria duas semanas para responder ao pedido de Israel por bombardeios às centrais de enriquecimento de urânio do Irã, Donald Trump, autorizou um ataque surpresa que, nas palavras dele, “obliterou completamente” o programa nuclear iraniano. Pela primeira vez foram usadas armas capazes de atingir centrífugas e outros equipamentos instalados nas profundezas subterrâneas. A atitude de Trump foi correta.

Quem puxará o fio embolado da sucessão de Lula? Paulo Fábio Dantas Neto*

Desde que começaram a circular pesquisas e comentários sobre maiores dificuldades do que as previstas para a reeleição do presidente Lula, é possível que círculos petistas mais antenados tenham cogitado, ou talvez até trabalhado, internamente, para que a esquerda construísse um plano B, alternativo à tentativa de reeleição. Aliás, mesmo antes do atual contexto em que se supõe mais dificuldades eleitorais ao presidente, o ex-deputado e ex-ministro José Dirceu já naturalizara essa hipótese em entrevista, raciocinando com o longo prazo. Mas da mesma forma que seria lógico cogitar um plano B, é lógico pensar que ele não prosperaria. A força da inércia, não só do aparelho partidário do PT como também da miríade de interesses locais, setoriais, e/ou de conservação de espaços na máquina pública ergue um muro contra qualquer arquitetura política que não a da manutenção do "status quo".

Em que, então, se sustentaria uma ideia de a esquerda dar um cavalo de pau e descartar aquela que é sua liderança sem rivais, o nome que, apesar das sombras no horizonte, aparece em todas as pesquisas como o único competitivo que ela tem? Desistir dele seria, certamente, caminhar para uma opção fora da esquerda. Deixemos de lado, por ora, o exame da conveniência disso como saída política desejável para o país e perguntemos se há razões de política prática para que a esquerda faça esse movimento.

Empatia com quem sofre na guerra – Fernando Gabeira

O Globo

Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando?

Escritores têm uma característica comum: o impulso irresistível de se colocar no lugar do outro. Logo, não importa onde estoura uma guerra, a tendência é estar mentalmente no teatro de operações. Sofri muito com o frio e a bruma sobre o oceano na Guerra das Malvinas. O desconforto voltou na madrugada em que Israel iniciou uma série de bombardeios em Teerã, e alguns mísseis foram disparados contra Tel Aviv. Fui ao banheiro e lembrei-me da guerra começando. Acendi a luz, abri a torneira e tive certo alívio: a água corria, havia eletricidade.

Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando? Tel Aviv dispõe de abrigos subterrâneos; logo, as pessoas têm para onde ir. E Teerã, uma cidade com 10 milhões de habitantes, sem nenhum abrigo? Não há saída, exceto deixar a capital.

Querendo ou não, os EUA tornam-se parceiros de Israel – Demétrio Magnoli

O Globo

Netanyahu prendeu Trump em sua teia estratégica

Primeiro, Trump exigiu a “rendição incondicional” do Irã, na forma de um acordo de capitulação baseado em “enriquecimento zero” e supervisão externa do programa de mísseis. Depois, uma dúzia de megabombas antibunker, 30 mil libras cada uma, atingiram Fordow, instalação nuclear enterrada nas profundezas de uma montanha. A palavra e o ato convertem Trump em refém de Netanyahu. Querendo ou não, os Estados Unidos tornam-se parceiros de Israel numa guerra cujo objetivo final é a mudança de regime em Teerã. A Casa Branca não quer, mas calculou errado.

— Esta missão não diz respeito a mudança de regime — declarou o secretário de Defesa, Pete Hegseth.

— Não temos interesse em conflitos prolongados no Oriente Médio — insistiu o vice, JD Vance.

O Irã, conclamou Trump, “precisa agora fazer a paz” — ou capitular. Entretanto a admissão de uma derrota humilhante é quase impossível, pois colocaria o regime teocrático no rumo do colapso.

Novos pactos sociais são oxigênio para democracia - Preto Zezé*

O Globo

País necessita de um mutirão contra as desigualdades, com pactos republicanos que fortaleçam as instituições não apenas pela lei

Num país marcado por desigualdades históricas e uma democracia sob tensão constante, a insegurança jurídica corrói a relação entre instituições e sociedade.

Participei do Brazil Forum UK, a convite do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, num painel sobre resiliência urbana e infraestrutura sustentável, ao lado de lideranças de Google, Ministério das Cidades e governo gaúcho. Além da sustentabilidade, destaquei os entraves estruturais enfrentados por governos, empresas e sociedade civil na consolidação de políticas públicas contínuas e efetivas.

Na sociedade civil, vivemos o esvaziamento do engajamento popular por uma agenda pública com base social. Muitas vezes, o advocacy é feito por grupos sem conexão real com as demandas populares. A falta de capilaridade enfraquece a pressão sobre o Legislativo e dificulta a sustentação de avanços. Soma-se a isso a necessidade de renovação nas práticas das organizações sociais, que perderam quadros para a estrutura estatal — o que, embora democratize a máquina pública, deixa vazios nas lutas populares, agora ocupadas por forças não institucionais que impõem suas próprias lógicas nos territórios urbanos.

Mano, Lula entendeu; só não sabe como reagir - Bruno Carazza

Valor Econômico

Presidente reconhece que a sociedade tem novos anseios, mas seu governo ainda não descobriu como atendê-los

Um homem na estrada olha ao redor. Tudo o que ele quer é viver em paz, ganhar dinheiro - ficar rico, enfim.

Mas a realidade que o cerca é deprimente: mora num cômodo mal-acabado e sujo, com um cheiro horrível de esgoto no quintal. No calor falta água, quando chove inunda tudo. O IBGE até passou por lá, fez uma série de perguntas, mas as políticas públicas nunca apareceram.

Ele pensa noite e dia em como fazer para sair daquela situação. Seu maior desejo é que o filho tenha uma vida segura, longe daquele ambiente de violência e criminalidade: tráfico de drogas, estupros, assassinatos e abusos policiais. Esse futuro, todavia, não virá pela educação - na comunidade onde mora, crianças e jovens quase nada aprendem.

O juro a 15%, o efeito sobre o câmbio e o impacto fiscal - Sergio Lamucci

Valor Econômico

O câmbio valorizado e a desaceleração da economia deverão permitir em algum momento o começo do ciclo de queda da Selic, mas o recuo da taxa será limitado se nada for feito para conter a expansão dos gastos

A Selic chegou a 15% ao ano, com a alta de 0,25 ponto percentual promovida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada. É uma taxa elevadíssima - descontando a inflação projetada para os próximos 12 meses, é um juro real de 9,8%, que encarece o crédito e inibe decisões de investimento das empresas. Quando o ciclo de alta da Selic começou, em setembro do ano passado, não se esperava que a taxa subiria tanto - mesmo em novembro, os mais cautelosos ainda viam o juro um pouco acima de 13%. No entanto, expectativas de inflação acima da meta de 3% para este e para os próximos anos, uma atividade econômica que demora a perder fôlego e incertezas fiscais persistentes levaram o BC a aumentar a taxa para 15%, e a indicar que pretende mantê-la no atual nível por um “período bastante prolongado”. Um juro dessa magnitude deverá reduzir o ritmo de crescimento da economia nos próximos trimestres, contribuindo ainda para fortalecer o real em relação ao dólar - ou pelo manter a taxa de câmbio perto de R$ 5,50 - e aumentando o já elevado custo da dívida pública.

Lula e a CPI do INSS - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A coalizão supermajoritária de Lula não tem garantido blindagem política

Fiscalizar o Executivo por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) é uma das funções clássicas do Legislativo em sistemas presidencialistas baseados na separação de poderes. CPIs são instrumentos que, idealmente, alinham o comportamento do governo às expectativas do eleitorado.

Mas essa ameaça virtuosa do Legislativo ao Executivo só é crível quando há real disposição política para exercê-la. Em contextos em que o partido do presidente – ou a coalizão que o sustenta – detém a maioria no Legislativo, o incentivo para investigar o próprio governo tende a desaparecer. Afinal, por que provocar instabilidade que pode comprometer os ganhos de estar no poder?

O desafio partidário no Brasil - Guilherme Stumpf*

O Estado de S. Paulo

Consolidar federações sólidas, baseadas em compromissos ideológicos reais, é um passo necessário para fortalecer a democracia brasileira

O sistema político brasileiro é marcado por uma complexa interação entre o presidencialismo e o multipartidarismo. A expressão “presidencialismo de coalizão”, cunhada por Sérgio Abranches inicialmente em artigo de 1988, foi posteriormente desenvolvida com mais profundidade em sua obra Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro (2018). Nela, Abranches demonstra como a combinação entre um presidente eleito por voto direto e um Legislativo fragmentado obriga o chefe do Executivo aformar amplas coalizões parlamentares para garantira governabilidade.

Notas sobre a escalada da guerra no Oriente Médio - Rubens Barbosa*

Correio Braziliense

Duas superpotências nucleares e militares, Israel e EUA, atuam conjuntamente contra quem se opuser a seus interesses e indiretamente defendendo um político israelense controverso**

As guerras que estão se desenrolando nos últimos dois anos no Oriente Médio estão intimamente relacionadas aos problemas pessoais de um político israelense e aos problemas de ego e de coerência de um político norte-americano.

Para fugir de julgamento pela Corte de Justiça de Israel, por acusação de corrupção, Netanyahu aproveitou o ataque terrorista do Hamas na fronteira de Israel e iniciou a guerra contra o grupo terrorista de Gaza, em seguida, aproveitando ataques contidos do Hezbollah, a partir do Líbano, ampliou a guerra com esse grupo radical financiado pelo Irã.

"‘Com a mesma afirmação de ameaça existencial invocada por Putin, Netanyahu reeditou o que o líder russo fez com a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano’"

Com a destruição da capacidade de ataque do Hamas e do Hezbollah, a fim de continuar a guerra, como é de seu interesse, com base em alertas que começaram nos anos 80 do século passado sobre a iminência do Irã produzir uma bomba atômica e se tornaram dramáticos nos últimos dias (apesar de contestados por fontes dos órgãos de inteligência dos EUA), Netanyahu, com a mesma afirmação de ameaça existencial invocada por Putin, reeditou o que o líder russo fez com a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano com a previsível reação de Teerã.

Ataque de Trump ao Irã foi à revelia do povo americano - Camila Rocha*

Folha de S. Paulo

Mortes em Gaza podem ter sido só início de catástrofe maior para Oriente Médio e mundo

ataque liderado por Trump às instalações nucleares do Irã foi feito à revelia do povo americano. Além de não contar com a autorização do Congresso Americano, Trump desprezou não apenas a vontade da maioria dos eleitores norte-americanos como parte expressiva do Maga (Make America Great Again/Torne a América Grande Novamente), movimento que o apoiou em sua ascensão ao poder.

De acordo com uma pesquisa Economist/Yougov divulgada em 19 de junho, ainda que 50% dos americanos enxerguem o Irã como um país inimigo dos Estados Unidos, apenas 16% pensam que os militares americanos devem se envolver na guerra entre Israel e Irã. Sessenta por cento dizem que não deveriam se envolver e 24% não têm certeza. Os maiores índices entre aqueles que se opõem à intervenção militar dos EUA no Irã são entre democratas (65%) e independentes (61%). Porém, mesmo entre republicanos, os contrários à entrada do país na guerra são maioria (53%).

O Congresso e o Jogo de Soma Zero - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Executivo e Congresso respondem a incentivos políticos opostos, o que transforma o orçamento em campo de disputa

Há aparentemente dois paradoxos no comportamento do Executivo e do Congresso em relação à política fiscal. O primeiro diz respeito à suposta inversão observada em relação ao padrão austeridade no início do mandato e expansão de gasto no fim. Seria o proverbial ciclo político na política fiscal. O segundo é que o Congresso seria conservador, e o Executivo, expansionista. Um olhar atento revela que a questão é mais complexa.

No início do mandato, o governo patrocinou uma expansão fiscal inédita. E isso ocorreu em virtude da natureza própria da eleição apertada e de seu caráter hiperminoritário.

Sua extrema vulnerabilidade leva-o a antecipar a expansão do gasto com a PEC da Transição. Ao mesmo tempo deflagrou ataques ao Bacen, como estratégia de deslocar responsabilidades. O aumento recente da Selic expõe a inconsistência do discurso e da prática.

A história da desigualdade - Celso Rocha de Barros*

[Resumo] Um dos mais brilhantes economistas da atualidade, o sérvio-americano Branko Milanović examina em seu novo livro as obras de seis autores clássicos de diferentes vertentes (como Adam Smith e Karl Marx) sobre a desigualdade de renda. Nessa viagem de mais de dois séculos, da Revolução Francesa ao fim da Guerra Fria, ele analisa as visões de cada época a respeito da concentração de riquezas, retrata o nascimento, o posterior ostracismo e o atual ressurgimento desse debate e lança perguntas oportunas sobre as turbulências de hoje.

Em "Visões da Desigualdade: da Revolução Francesa ao Fim da Guerra Fria", o economista Branko Milanović promete uma história intelectual a respeito do tema através das obras de seis autores clássicos: François Quesnay, Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Vilfredo Pareto e Simon Kuznets.

Na verdade, o livro entrega muito mais do que isso. Primeiro, porque uma boa história intelectual é também uma boa história dos problemas sociais concretos que os autores analisados tinham diante de si. Segundo, porque Milanović nos mostra que esses problemas são extremamente atuais.

O livro acaba sendo uma história da modernidade sob o ponto de vista da desigualdade. Nos estudos pioneiros de Quesnay ainda vemos as classes do Antigo Regime, mas também já temos uma perspectiva tecnocrática característica do Estado Moderno, importantíssima para a história da economia.

Poesia | Graziela Melo - Poema para o filho morto

(José de Moura Cavalcanti de Melo (8/10/1965-23/6/1972), falecido em 23/6/1972, no exílio, em Santiago, Chile)

O Filho
perdido
na noite
da eternidade
estranha
sem
que possa
guardá-lo
no colo

vive,
no meu
desconsolo

como um
condor
desgarrado
no alto
de uma
montanha

Voa
à noite
as estrelas
são
ternas
brilhantes
e belas!!!

Voa,
Pequeno
Condor!!!

Na infinita
eternidade,
nas asas
da minha
saudade,

nas nuvens
do meu amor
nas pedras
da minha dor!!!

Santiago, ago./1972