segunda-feira, 23 de junho de 2025

Opinião do dia – Antonio Gramsci*

I. Alguns pontos preliminares de referência

Nota I. Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do género humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingi do pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, por tanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise.

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, v. 1, p.94. 5ª edição – Civilização Brasileira, 2011.


O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque americano redefine futuro do Oriente Médio

O Globo

Ainda persistem incertezas, mas um Irã enfraquecido, sem artefatos nucleares, é um cenário positivo

Há diversas dúvidas sobre os desdobramentos do ataque inédito dos Estados Unidos contra as instalações nucleares do Irã na madrugada deste domingo. Um fato, contudo, está claro: se ele destruiu a capacidade iraniana de fazer a bomba atômica, o Oriente Médio e, portanto, o planeta estão mais seguros.

Depois de simular hesitação e de afirmar que levaria duas semanas para responder ao pedido de Israel por bombardeios às centrais de enriquecimento de urânio do Irã, Donald Trump, autorizou um ataque surpresa que, nas palavras dele, “obliterou completamente” o programa nuclear iraniano. Pela primeira vez foram usadas armas capazes de atingir centrífugas e outros equipamentos instalados nas profundezas subterrâneas. A atitude de Trump foi correta.

Quem puxará o fio embolado da sucessão de Lula? Paulo Fábio Dantas Neto*

Desde que começaram a circular pesquisas e comentários sobre maiores dificuldades do que as previstas para a reeleição do presidente Lula, é possível que círculos petistas mais antenados tenham cogitado, ou talvez até trabalhado, internamente, para que a esquerda construísse um plano B, alternativo à tentativa de reeleição. Aliás, mesmo antes do atual contexto em que se supõe mais dificuldades eleitorais ao presidente, o ex-deputado e ex-ministro José Dirceu já naturalizara essa hipótese em entrevista, raciocinando com o longo prazo. Mas da mesma forma que seria lógico cogitar um plano B, é lógico pensar que ele não prosperaria. A força da inércia, não só do aparelho partidário do PT como também da miríade de interesses locais, setoriais, e/ou de conservação de espaços na máquina pública ergue um muro contra qualquer arquitetura política que não a da manutenção do "status quo".

Em que, então, se sustentaria uma ideia de a esquerda dar um cavalo de pau e descartar aquela que é sua liderança sem rivais, o nome que, apesar das sombras no horizonte, aparece em todas as pesquisas como o único competitivo que ela tem? Desistir dele seria, certamente, caminhar para uma opção fora da esquerda. Deixemos de lado, por ora, o exame da conveniência disso como saída política desejável para o país e perguntemos se há razões de política prática para que a esquerda faça esse movimento.

Empatia com quem sofre na guerra – Fernando Gabeira

O Globo

Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando?

Escritores têm uma característica comum: o impulso irresistível de se colocar no lugar do outro. Logo, não importa onde estoura uma guerra, a tendência é estar mentalmente no teatro de operações. Sofri muito com o frio e a bruma sobre o oceano na Guerra das Malvinas. O desconforto voltou na madrugada em que Israel iniciou uma série de bombardeios em Teerã, e alguns mísseis foram disparados contra Tel Aviv. Fui ao banheiro e lembrei-me da guerra começando. Acendi a luz, abri a torneira e tive certo alívio: a água corria, havia eletricidade.

Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando? Tel Aviv dispõe de abrigos subterrâneos; logo, as pessoas têm para onde ir. E Teerã, uma cidade com 10 milhões de habitantes, sem nenhum abrigo? Não há saída, exceto deixar a capital.

Querendo ou não, os EUA tornam-se parceiros de Israel – Demétrio Magnoli

O Globo

Netanyahu prendeu Trump em sua teia estratégica

Primeiro, Trump exigiu a “rendição incondicional” do Irã, na forma de um acordo de capitulação baseado em “enriquecimento zero” e supervisão externa do programa de mísseis. Depois, uma dúzia de megabombas antibunker, 30 mil libras cada uma, atingiram Fordow, instalação nuclear enterrada nas profundezas de uma montanha. A palavra e o ato convertem Trump em refém de Netanyahu. Querendo ou não, os Estados Unidos tornam-se parceiros de Israel numa guerra cujo objetivo final é a mudança de regime em Teerã. A Casa Branca não quer, mas calculou errado.

— Esta missão não diz respeito a mudança de regime — declarou o secretário de Defesa, Pete Hegseth.

— Não temos interesse em conflitos prolongados no Oriente Médio — insistiu o vice, JD Vance.

O Irã, conclamou Trump, “precisa agora fazer a paz” — ou capitular. Entretanto a admissão de uma derrota humilhante é quase impossível, pois colocaria o regime teocrático no rumo do colapso.

Novos pactos sociais são oxigênio para democracia - Preto Zezé*

O Globo

País necessita de um mutirão contra as desigualdades, com pactos republicanos que fortaleçam as instituições não apenas pela lei

Num país marcado por desigualdades históricas e uma democracia sob tensão constante, a insegurança jurídica corrói a relação entre instituições e sociedade.

Participei do Brazil Forum UK, a convite do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, num painel sobre resiliência urbana e infraestrutura sustentável, ao lado de lideranças de Google, Ministério das Cidades e governo gaúcho. Além da sustentabilidade, destaquei os entraves estruturais enfrentados por governos, empresas e sociedade civil na consolidação de políticas públicas contínuas e efetivas.

Na sociedade civil, vivemos o esvaziamento do engajamento popular por uma agenda pública com base social. Muitas vezes, o advocacy é feito por grupos sem conexão real com as demandas populares. A falta de capilaridade enfraquece a pressão sobre o Legislativo e dificulta a sustentação de avanços. Soma-se a isso a necessidade de renovação nas práticas das organizações sociais, que perderam quadros para a estrutura estatal — o que, embora democratize a máquina pública, deixa vazios nas lutas populares, agora ocupadas por forças não institucionais que impõem suas próprias lógicas nos territórios urbanos.

Mano, Lula entendeu; só não sabe como reagir - Bruno Carazza

Valor Econômico

Presidente reconhece que a sociedade tem novos anseios, mas seu governo ainda não descobriu como atendê-los

Um homem na estrada olha ao redor. Tudo o que ele quer é viver em paz, ganhar dinheiro - ficar rico, enfim.

Mas a realidade que o cerca é deprimente: mora num cômodo mal-acabado e sujo, com um cheiro horrível de esgoto no quintal. No calor falta água, quando chove inunda tudo. O IBGE até passou por lá, fez uma série de perguntas, mas as políticas públicas nunca apareceram.

Ele pensa noite e dia em como fazer para sair daquela situação. Seu maior desejo é que o filho tenha uma vida segura, longe daquele ambiente de violência e criminalidade: tráfico de drogas, estupros, assassinatos e abusos policiais. Esse futuro, todavia, não virá pela educação - na comunidade onde mora, crianças e jovens quase nada aprendem.

O juro a 15%, o efeito sobre o câmbio e o impacto fiscal - Sergio Lamucci

Valor Econômico

O câmbio valorizado e a desaceleração da economia deverão permitir em algum momento o começo do ciclo de queda da Selic, mas o recuo da taxa será limitado se nada for feito para conter a expansão dos gastos

A Selic chegou a 15% ao ano, com a alta de 0,25 ponto percentual promovida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada. É uma taxa elevadíssima - descontando a inflação projetada para os próximos 12 meses, é um juro real de 9,8%, que encarece o crédito e inibe decisões de investimento das empresas. Quando o ciclo de alta da Selic começou, em setembro do ano passado, não se esperava que a taxa subiria tanto - mesmo em novembro, os mais cautelosos ainda viam o juro um pouco acima de 13%. No entanto, expectativas de inflação acima da meta de 3% para este e para os próximos anos, uma atividade econômica que demora a perder fôlego e incertezas fiscais persistentes levaram o BC a aumentar a taxa para 15%, e a indicar que pretende mantê-la no atual nível por um “período bastante prolongado”. Um juro dessa magnitude deverá reduzir o ritmo de crescimento da economia nos próximos trimestres, contribuindo ainda para fortalecer o real em relação ao dólar - ou pelo manter a taxa de câmbio perto de R$ 5,50 - e aumentando o já elevado custo da dívida pública.

Lula e a CPI do INSS - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A coalizão supermajoritária de Lula não tem garantido blindagem política

Fiscalizar o Executivo por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) é uma das funções clássicas do Legislativo em sistemas presidencialistas baseados na separação de poderes. CPIs são instrumentos que, idealmente, alinham o comportamento do governo às expectativas do eleitorado.

Mas essa ameaça virtuosa do Legislativo ao Executivo só é crível quando há real disposição política para exercê-la. Em contextos em que o partido do presidente – ou a coalizão que o sustenta – detém a maioria no Legislativo, o incentivo para investigar o próprio governo tende a desaparecer. Afinal, por que provocar instabilidade que pode comprometer os ganhos de estar no poder?

O desafio partidário no Brasil - Guilherme Stumpf*

O Estado de S. Paulo

Consolidar federações sólidas, baseadas em compromissos ideológicos reais, é um passo necessário para fortalecer a democracia brasileira

O sistema político brasileiro é marcado por uma complexa interação entre o presidencialismo e o multipartidarismo. A expressão “presidencialismo de coalizão”, cunhada por Sérgio Abranches inicialmente em artigo de 1988, foi posteriormente desenvolvida com mais profundidade em sua obra Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro (2018). Nela, Abranches demonstra como a combinação entre um presidente eleito por voto direto e um Legislativo fragmentado obriga o chefe do Executivo aformar amplas coalizões parlamentares para garantira governabilidade.

Notas sobre a escalada da guerra no Oriente Médio - Rubens Barbosa*

Correio Braziliense

Duas superpotências nucleares e militares, Israel e EUA, atuam conjuntamente contra quem se opuser a seus interesses e indiretamente defendendo um político israelense controverso**

As guerras que estão se desenrolando nos últimos dois anos no Oriente Médio estão intimamente relacionadas aos problemas pessoais de um político israelense e aos problemas de ego e de coerência de um político norte-americano.

Para fugir de julgamento pela Corte de Justiça de Israel, por acusação de corrupção, Netanyahu aproveitou o ataque terrorista do Hamas na fronteira de Israel e iniciou a guerra contra o grupo terrorista de Gaza, em seguida, aproveitando ataques contidos do Hezbollah, a partir do Líbano, ampliou a guerra com esse grupo radical financiado pelo Irã.

"‘Com a mesma afirmação de ameaça existencial invocada por Putin, Netanyahu reeditou o que o líder russo fez com a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano’"

Com a destruição da capacidade de ataque do Hamas e do Hezbollah, a fim de continuar a guerra, como é de seu interesse, com base em alertas que começaram nos anos 80 do século passado sobre a iminência do Irã produzir uma bomba atômica e se tornaram dramáticos nos últimos dias (apesar de contestados por fontes dos órgãos de inteligência dos EUA), Netanyahu, com a mesma afirmação de ameaça existencial invocada por Putin, reeditou o que o líder russo fez com a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano com a previsível reação de Teerã.

Ataque de Trump ao Irã foi à revelia do povo americano - Camila Rocha*

Folha de S. Paulo

Mortes em Gaza podem ter sido só início de catástrofe maior para Oriente Médio e mundo

ataque liderado por Trump às instalações nucleares do Irã foi feito à revelia do povo americano. Além de não contar com a autorização do Congresso Americano, Trump desprezou não apenas a vontade da maioria dos eleitores norte-americanos como parte expressiva do Maga (Make America Great Again/Torne a América Grande Novamente), movimento que o apoiou em sua ascensão ao poder.

De acordo com uma pesquisa Economist/Yougov divulgada em 19 de junho, ainda que 50% dos americanos enxerguem o Irã como um país inimigo dos Estados Unidos, apenas 16% pensam que os militares americanos devem se envolver na guerra entre Israel e Irã. Sessenta por cento dizem que não deveriam se envolver e 24% não têm certeza. Os maiores índices entre aqueles que se opõem à intervenção militar dos EUA no Irã são entre democratas (65%) e independentes (61%). Porém, mesmo entre republicanos, os contrários à entrada do país na guerra são maioria (53%).

O Congresso e o Jogo de Soma Zero - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Executivo e Congresso respondem a incentivos políticos opostos, o que transforma o orçamento em campo de disputa

Há aparentemente dois paradoxos no comportamento do Executivo e do Congresso em relação à política fiscal. O primeiro diz respeito à suposta inversão observada em relação ao padrão austeridade no início do mandato e expansão de gasto no fim. Seria o proverbial ciclo político na política fiscal. O segundo é que o Congresso seria conservador, e o Executivo, expansionista. Um olhar atento revela que a questão é mais complexa.

No início do mandato, o governo patrocinou uma expansão fiscal inédita. E isso ocorreu em virtude da natureza própria da eleição apertada e de seu caráter hiperminoritário.

Sua extrema vulnerabilidade leva-o a antecipar a expansão do gasto com a PEC da Transição. Ao mesmo tempo deflagrou ataques ao Bacen, como estratégia de deslocar responsabilidades. O aumento recente da Selic expõe a inconsistência do discurso e da prática.

A história da desigualdade - Celso Rocha de Barros*

[Resumo] Um dos mais brilhantes economistas da atualidade, o sérvio-americano Branko Milanović examina em seu novo livro as obras de seis autores clássicos de diferentes vertentes (como Adam Smith e Karl Marx) sobre a desigualdade de renda. Nessa viagem de mais de dois séculos, da Revolução Francesa ao fim da Guerra Fria, ele analisa as visões de cada época a respeito da concentração de riquezas, retrata o nascimento, o posterior ostracismo e o atual ressurgimento desse debate e lança perguntas oportunas sobre as turbulências de hoje.

Em "Visões da Desigualdade: da Revolução Francesa ao Fim da Guerra Fria", o economista Branko Milanović promete uma história intelectual a respeito do tema através das obras de seis autores clássicos: François Quesnay, Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Vilfredo Pareto e Simon Kuznets.

Na verdade, o livro entrega muito mais do que isso. Primeiro, porque uma boa história intelectual é também uma boa história dos problemas sociais concretos que os autores analisados tinham diante de si. Segundo, porque Milanović nos mostra que esses problemas são extremamente atuais.

O livro acaba sendo uma história da modernidade sob o ponto de vista da desigualdade. Nos estudos pioneiros de Quesnay ainda vemos as classes do Antigo Regime, mas também já temos uma perspectiva tecnocrática característica do Estado Moderno, importantíssima para a história da economia.

Poesia | Graziela Melo - Poema para o filho morto

(José de Moura Cavalcanti de Melo (8/10/1965-23/6/1972), falecido em 23/6/1972, no exílio, em Santiago, Chile)

O Filho
perdido
na noite
da eternidade
estranha
sem
que possa
guardá-lo
no colo

vive,
no meu
desconsolo

como um
condor
desgarrado
no alto
de uma
montanha

Voa
à noite
as estrelas
são
ternas
brilhantes
e belas!!!

Voa,
Pequeno
Condor!!!

Na infinita
eternidade,
nas asas
da minha
saudade,

nas nuvens
do meu amor
nas pedras
da minha dor!!!

Santiago, ago./1972

Música | Carlinhos Cor das Águas Vulcão da Memória

 

domingo, 22 de junho de 2025

Opinião do dia - Antonio Gramsci

I. Alguns pontos preliminares de referência

É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características desta “filosofia espontânea”, peculiar a “todo o mundo”, isto é, da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece por “folclore”. Após demonstrar que todos são filósofos, ainda que a seu modo, inconscientemente — já que, até mesmo na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na “linguagem”, está contida uma determinada concepção do mundo —, passa-se ao segundo momento, ao momento da crítica e da consciência, ou seja, ao seguinte problema: é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção do mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação), ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, v. 1, p.93-4. 5ª edição – Civilização Brasileira, 2011.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ampliação da Câmara desafia vontade popular

O Globo

Três em quatro brasileiros são contra projeto que cria mais vagas de deputado. Senado precisa barrá-lo

Deveria servir de alerta aos congressistas o resultado de pesquisa Datafolha mostrando que três em cada quatro brasileiros (76%) são contra o aumento do número de deputados federais de 513 para 531, aprovado pela Câmara no início do mês passado e em análise no Senado. De acordo com o levantamento, apenas 20% se mostraram favoráveis.

Pela Constituição, cada uma das 27 unidades da Federação tem no mínimo oito e no máximo 70 deputados, dependendo do tamanho da população. Em agosto de 2023, ao julgar ação impetrada pelo governo do Pará, o Supremo Tribunal Federal fixou prazo, até 30 de junho deste ano, para que o Congresso redistribuísse as cadeiras com base na população apurada pelo último Censo — isso não acontecia desde 1993. O que era para ser um rearranjo das bancadas acabou se transformando em oportunidade para aumentá-las. A aritmética criativa dos congressistas resultou no acréscimo de 18 deputados, realidade que destoa de outros países. Os Estados Unidos têm o mesmo número de representantes (435) desde 1929. A Itália reduziu os seus de 630 para 400. A Alemanha, de 736 para 630. E por aí afora.

Esquerda, direita, centro - Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

Nem a direita anticonstitucional nem a esquerda sem imaginação são um destino

Num ambiente pavorosamente polarizado – e com uma compreensão curta das exigências que a democracia faz aos seus protagonistas –, um pequeno livro de Norberto Bobbio ainda pode ser lido com proveito. Contextualizemos o livro, Direita e esquerda: Razões e significados de uma distinção política. Eram os anos 1990 do século passado, a esquerda estava em debandada, tanto a comunista quanto a social-democrata. Com um dos lados em retirada, o outro, mesmo vitorioso, deixava de existir como tal. A contraposição clássica, denominada segundo a posição das bancadas parlamentares na França revolucionária, perdia sua motivação.

A política parecia, então, cancelada, dando lugar à mera “administração das coisas”, entendida como a ação humana possível diante da generalização das relações mercantis. A globalização inevitável dispensava direita e esquerda, impondo-se sem discussão o acrônimo raso de Margaret Thatcher – Tina, “there is no alternative”. Bobbio, com coragem intelectual, desmanchava a fantasia economicista e reafirmava, num momento particularmente difícil, a vigência da distinção e, portanto, de escolhas.

Lula não tem alternativa a não ser a opção preferencial pelos pobres – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Nas últimas semanas, Lula sofreu um cerco no Congresso, que somente não é de aniquilamento porque outras variáveis influenciam o comportamento do Centrão

Ninguém morre antes de morrer. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu enfrentar o Centrão em relação à política tributária porque se sentiu muito acuado e já se deu conta de que os "companheiros de viagem" desembarcaram de seu projeto de reeleição. Desde quando seus principais líderes declinaram de participar do governo. Foram os casos, por exemplo, dos ex-presidentes do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que mantêm distância regulamentar do governo.

Havia uma possibilidade de ampliação da coalizão de governo, com a incorporação de lideranças que fossem maiores do que os ministérios que deveriam ocupar, mas os resultados eleitorais de 2024 consolidaram a fragilidade dos partidos de esquerda e fortaleceram os partidos do Centrão. Especialmente o PSD, de Gilberto Kassab, o visionário da grande reestruturação do sistema partidário em curso, cuja tática de manter um pé em cada canoa e disputar os grandes quadros políticos náufragos desse realinhamento vem dando excelentes resultados em diversos estados.

Prosperidade X religiosidade - Merval Pereira

O Globo

A esquerda brasileira, especialmente o PT, nascida da Teoria da Libertação, não encontrou o respaldo permanente na Igreja Católica e, juntamente com ela, perdeu espaço no seio dos desvalidos

Se juntarmos a multidão de milhões de evangélicos reunida na Marcha para Jesus com a pesquisa DataFolha que mostra que a maioria dos brasileiros prefere o trabalho independente a ter carteira assinada, teremos um bom retrato da realidade brasileira. A esquerda brasileira não entendeu ainda o que se passa na cabeça dos brasileiros de classe média, que procuram um sentido de prosperidade pessoal em seu trabalho e em sua religião.

Segundo a pesquisa, os trabalhadores que ganham até dois salários-mínimos, onde o PT predomina, são aqueles que preferem a carteira assinada. A maioria dos que preferem um trabalho autônomo para ganhar mais é de eleitores do PL, partido do ex-presidente Bolsonaro. O último censo mostrou que os evangélicos continuam crescendo, embora em ritmo menor, e a teoria da prosperidade, vendida por pastores menos ortodoxos, encontra mentes ávidas por uma saída do cotidiano de precariedade.

Visão militar sobre o golpe - Míriam Leitão

O Globo

Fontes do Exército dizem que tem havido punições internas ao golpismo, e que o papel institucional dos militares está se fortalecendo

O Exército já puniu 40 militares ligados aos eventos que levaram à tentativa de golpe. Dentro da Força se diz que tudo isso servirá para confirmar a sua verdadeira função institucional e afastar a interpretação errada do artigo 142 da Constituição. Generais, que acompanham o julgamento dos golpistas no STF, afirmam que o assunto está “circunscrito à área política” e torcem para que alguns consigam provar inocência, como o general Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira.

O ph da grafia antiga do som da letra “f”, no nome dele, não é por acaso. Essa é uma família tradicional no Exército, que faz parte da história da instituição. Ele é o sexto general Theóphilo de Oliveira. Acusado de fatos graves, ele chefiava o Coter, Comando de Operações Terrestres, e se reuniu com o então presidente Bolsonaro num momento crucial da conspiração, quando o general Freire Gomes negava apoio ao golpe. É uma família tão tradicional que foi a única a ter autorização para usar barba no Exército. Essa exclusividade da família Theóphilo durou 150 anos.

Golpe em gerúndio - Bernardo Mello Franco

O Globo

Em novo livro, professor da USP relembra marcha autoritária e critica longa inércia dos democratas diante dos ataques do capitão: "O pior negacionismo não era o dele"

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou o início da pandemia e instou todos os países a fazerem o possível para conter o coronavírus e salvar vidas. Quatro dias depois, o presidente do Brasil deu uma banana para as recomendações sanitárias e confraternizou com apoiadores que urravam por “intervenção militar”.

Sem máscara e de camisa da seleção, Jair Bolsonaro apertou as mãos de seguidores aglomerados em frente ao Planalto. “O presidente em pessoa extrapolava seus limites funcionais, quebrava o decoro e instava o povo a atacar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal”, escreve Eugênio Bucci em “Que Não Se Repita: A Quase Morte da Democracia Brasileira”.

Reino Unido: reformas que desafiam o constitucionalismo liberal - Bruno Dantas*

Correio Braziliense

As reformas em curso propõem restringir o direito de protesto com base em critérios vagos como "ruído excessivo" ou "perturbação injustificada"

"Esta é a mais grave ameaça às liberdades civis em uma geração." Assim inicia o editorial do The Guardian, de 21 de junho de 2025, ao denunciar as propostas legislativas que, sob o pretexto de fortalecer a autoridade estatal, podem desfigurar garantias centrais do Estado de Direito britânico.

As reformas em curso propõem restringir o direito de protesto com base em critérios vagos como "ruído excessivo" ou "perturbação injustificada". Paralelamente, pretendem blindar certas decisões administrativas contra a revisão judicial, especialmente quando relacionadas a políticas públicas de "alta política".

A justificativa invoca estabilidade e eficiência. Mas o efeito, como bem observa o editorial, é o esvaziamento silencioso de liberdades conquistadas historicamente. Como advertia A. V. Dicey, a essência do rule of law está em submeter todo exercício de autoridade à legalidade — e não em proteger o poder de sua própria responsabilidade.

Cinzas – Dorrit Harazim

O Globo

Enquanto for liderado por um narcisista como Netanyahu, país continuará sua insana marcha de afirmação pela força

Dias atrás, com Israel espremido entre a glorificação de sua soberania militar e a angústia de viver em nova frente de guerra, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tentou uma abordagem churchilliana para falar à nação. O pronunciamento se pretendeu solene. Teve como pano de fundo o hospital Soroka de Beersheva, atingido pouco antes por um míssil iraniano que causou ferimentos e danos.

— Isso evoca o povo britânico durante a blitz — proclamou “Bibi”, referindo-se à chuva de bombas nazistas sobre o Reino Unido na Segunda Guerra.

Pediu sacrifícios. Para não variar, isso resulta em desastre. Desde o 13 de maio de 1940, todo líder de guerra que fala em sacrifícios se sente rugindo como o leão Winston Churchill na Câmara dos Comuns:

— Não tenho nada a oferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor...

O que ofereceu Netanyahu ao país que governa há 17 anos? Um sacrifício familiar que julgou à altura do momento histórico:

— Cada um de nós carrega um custo pessoal, e nossa família não é exceção. Esta é a segunda vez que o casamento de meu filho Avner foi cancelado por ameaças de mísseis. O custo pessoal para sua noiva também é grande.

Mais um erro - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Lula quer visitar Kirchner na Argentina? Um erro diplomático e, mais ainda, de política interna

O presidente Lula deveria pensar muito bem antes de visitar a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, que foi condenada pela Justiça e está em prisão domiciliar, de tornozeleira, em Buenos Aires. Os problemas diplomáticos são o de menos, o que pode complicar muito essa visitinha é a repercussão aqui no Brasil.

A desde sempre polêmica Cristina, que se diz “de esquerda”, não está presa por “perseguição política” ou coisas do gênero, mas pela velha corrupção que grassa lá, na Argentina, como cá, no Brasil. Lula prestando solidariedade a uma – aliás, mais uma – condenada por corrupção? Não parece uma boa ideia.

Populismo e caça ao voto ameaçam gestão Lula - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Sem planejamento e sem rumo claro, o presidente aposta nos gastos e no populismo para preservar seus seguidores

Juros altos, baixo investimento, inflação bem acima da meta e economia sem perspectiva de longo prazo marcam o cenário a pouco mais de um ano das eleições. Sem planejamento e sem rumo claro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta nos gastos e no populismo para preservar seus seguidores – e parece ter algum sucesso, neste momento, principalmente entre os mais pobres. Pesquisas, no entanto, indicam empate no segundo turno e elevada rejeição. Por enquanto, a economia avança, embora menos velozmente do que no primeiro trimestre, mas os preços no varejo permanecem desarrumados e as projeções de inflação seguem elevadas.

A encruzilhada de Trump - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Destruição de Fordow é necessária, mas só mudança de regime evitaria que Irã obtenha a bomba

Ao ordenar o bombardeio das instalações nucleares iranianas, Donald Trump tomou a decisão potencialmente mais importante de sua presidência, que poderá moldar sua biografia política. A destruição da instalação de Fordow é condição necessária, mas não suficiente para impedir o Irã de obter bombas nucleares: seria necessária a mudança de regime.

Trump construiu sua carreira política sobre a promessa de desengajar os EUA de “guerras infinitas” como a do Afeganistão e do Iraque, que mataram 7 mil soldados americanos e consumiram US$ 2 trilhões. Por outro lado, ele nutre há décadas uma repulsa à proliferação nuclear – desde que seu tio, físico nuclear, explicou-lhe na juventude o que ela significava – e simpatia por Israel.

Por que Flávio Bolsonaro está solto? - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Em entrevista à Folha, Flávio nos contou que o próximo golpe já está marcado para 2027

Flávio Bolsonaro disse à Folha que em 2026 Jair Bolsonaro só apoiará um candidato a presidente se ele prometer dar um golpe de Estado quando o STF disser que anistiar golpista é inconstitucional.

Ou seja, se Jair Bolsonaro apoiar um candidato a presidente em 2026, você já sabe: o sujeito prometeu ao Jair um golpe de Estado.

Flávio Bolsonaro não é Carluxo nem Eduardo. Não tem reputação de maluco. Disse o que disse por cálculo e disse por ordem do pai.

entrevista à Folha foi o primeiro serviço prestado por Flávio Bolsonaro à democracia brasileira em uma vida cujos destaques até agora haviam sido um desmaio em debate, o Queiroz e uma mansão comprada com dinheiro vivo.

O que Flávio deixou claro é que, se o sujeito for apoiado por Bolsonaro, não interessa se tem verniz de moderninho ou aquela reputação de competência técnica que o sujeito adquire automaticamente assim que o mercado resolve votar nele.

A variável mental na política - Muniz Sodré*

Folha de S. Paulo

Enquanto o STF brasileiro foi violado só pela ditadura militar, os EUA têm história de investidas contra sua Suprema Corte

Quando da Revolta da Armada em 1893, era presidente Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Navios estrangeiros ancorados no porto consultaram como seriam recebidos se decidissem proteger os interesses locais de seus países. Floriano respondeu: "À bala!". Primeira República, o arroubo de soberania talvez espelhasse mais a mente explosiva do Marechal do que o real sentimento de uma nação ainda alheia ao Estado. Bravata ou não, foi respeitado.

Cabe essa rememoração em época de fraca energia das soberanias nacionais, não por efeito colateral da globalização, mas por vulnerabilidade aos surtos de um neoimperialismo. Vulneráveis são os processos políticos que trocam espaço nacional pela efemeridade das redes, onde o que se diz não corresponde a qualquer princípio de organização social, mas a influências distantes da lógica da vida. O virtual arroga-se superior às demarcações territoriais e favorece uma subjetividade política sem identidade de classe.

O equivocado convicto - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Lula cria as próprias dificuldades ao persistir nos erros com absoluta certeza de que está certo

Autoconfiança é uma coisa, mas a capacidade de errar com absoluta convicção é diferente e geralmente senta praça na antessala do infortúnio.

É o risco que corre o presidente Lula (PT) ao insistir em dar murros na ponta das evidências como se a elas cumprisse o dever de se dobrar a vontades e realizar expectativas.

governo gasta o dobro do que arrecada, não entrega um bom serviço e ainda se arvora o direito de aumentar impostos sob a rubrica da justiça social recentemente convocada para dar a Lula ares de Robin Hood.

Direitão do Congresso ataca o país - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Direitão aprova leis ruinosas, faz chantagem e acha que Dino e Lula conspiram para segurar dinheiro

Depois de voltarem das férias juninas e julinas, os parlamentares devem tratar da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês. O governo quer compensar essa isenção cobrando imposto de mais ricos.

Na atual pindaíba, seria o caso de cobrar imposto de rico e não isentar ninguém, mas isso é devaneio. Realista é estimar que o direitão do Congresso talvez aprove a isenção sem providenciar receita para cobrir o buraco. "Talvez": a depender da conjuntura político-eleitoral, pode ser que não se dê essa lambuja a Luiz Inácio Lula da Silva.

Deus já foi casado - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Com erudição e ótimas histórias, livro faz a genealogia da moral sexual de diferentes ramos do cristianismo

Confesso que comprei "Lower Than the Angels" (mais baixo que os anjos), de Diarmaid MacCulloch, em busca de sacanagem. O subtítulo do livro, afinal, é "uma história de sexo e cristianismo". E a obra não decepciona. A sacanagem está lá, mas "Lower..." é muito mais do que um catálogo de histórias picantes.

O livro é deliciosamente erudito. O Venerável Beda é citado nada menos do que 19 vezes; João Crisóstomo, 18. E é informativo também. Nele eu aprendi que Jeová, sim, aquele que separou a luz das trevas, foi durante vários séculos casado. Sua mulher, como atestam inscrições do século 8 a.C., chamava-se Asherah e era objeto de devoção dos hebreus. A explicação para isso é que o monoteísmo que Lhe custou a esposa demorou para se fixar. Nesse entremeio Ele conviveu com outros deuses —e deusas.

Outro regime no Ocidente é possível? Crítica a Perry Anderson - Ronaldo Tadeu de Souza*

Blog Boitempo, Publicado em 16/06/2025 

Em importante artigo publicado na London Review of Books (vol. 47, 03 de abril de 2025), intitulado “Regime Change in the West?” [Mudança de regime no Ocidente?], o historiador e ensaísta Perry Anderson, membro do comitê editorial da prestigiada revista inglesa de esquerda New Left Review, propõe uma análise sobre quais as condições do Ocidente erigir uma nova ordem econômica, política e social em alternativa ao neoliberalismo. Combinando abordagem de longa duração com história intelectual e averiguação da conjuntura, Anderson sugere que diante do quadro indisputável da atual predominância das forças da direita ultraliberal, o campo alargado de esquerda tem de não mais enfrentar o conjunto das ideias e práticas hayekianas na perspectiva de apresentar uma teorização coerente e desenvolvida, bem como ações políticas que suplantem definitivamente o regime internacional de livre mercado que vigora desde 1980. Em seu entendimento, a melhor atuação para a esquerda é não aguardar até que “ideias políticas e econômicas comparáveis aos paradigmas keynesiano ou hayekiano” se formem para propor opções a uma alteração considerável ao “modo de produção existente”. “Não necessariamente” isso ocorrerá — nem se pode aguardá-lo — no nosso momento imediato de enfrentamento ao regime neoliberal. O que então Perry Anderson prenuncia? E quais são seus argumentos? 

Fernando Henrique Cardoso: o mestre das horas públicas. - Paulo Baía

Fernando Henrique Cardoso fez noventa e quatro anos. Noventa e quatro. Um tempo que não se mede em calendários, mas em ideias. Um tempo que se dobra sobre a própria história para contemplar, com o silêncio dos sábios e a dignidade dos justos, o país que ajudou a pensar, a escrever, a defender, a transformar. Nessa idade de claridade serena e memória abundante, ele não é apenas um homem que vive. É um tempo que respira. Um corpo que abriga a biografia de uma nação em sua travessia mais difícil: a da escuridão à democracia.

No início de minha jornada como sociólogo, ainda tateando conceitos, aprendendo a desenhar o contorno do mundo com as ferramentas da análise, foi seu nome que apareceu com uma força quase fundadora. Não como um ídolo imaculado, mas como um caminho. FHC me ensinou que a sociologia não era um luxo de gabinete, mas uma forma de insurgência contra o obscurantismo. Que a ciência social não se fazia apenas com citações, mas com coragem. Que a análise estrutural das dependências do continente podia ser também um gesto de amor ao Brasil.

Poesia | Esta velha angústia, de Fernando Pessoa

 

Música | Sobradinho, por Sá e Guarabyra