quinta-feira, 3 de julho de 2025

Opinião do dia - Ulysses Guimarães*

“O inimigo mortal do homem é a miséria. Não há pior discriminação do que a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com o estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.”

*Trecho de discurso em 5 de outubro de 1988, durante a sessão de promulgação da nova Constituição brasileira.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo extrapola ao recorrer ao STF para manter alta do IOF

O Globo

Decisão é juridicamente frágil e contribui para acirrar tensões em momento que exige negociação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou uma decisão temerária ao orientar a Advocacia-Geral da União (AGU) a entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a derrubada do decreto legislativo que suspendeu o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A iniciativa acirra o conflito entre Executivo e Legislativo num momento em que o país não precisa de mais tensão, mas de tranquilidade e capacidade de negociação para pôr em ordem as finanças públicas.

O Executivo não deveria ter insistido na estratégia de aumentar impostos para cobrir buracos no Orçamento. O risco político era evidente. Líderes do Congresso haviam deixado claro ser contra ampliar a carga tributária já excessiva. A reação era previsível. Em derrota acachapante para o Planalto, a Câmara aprovou por 383 votos a 98 o decreto legislativo anulando o aumento do IOF, referendado no Senado por votação simbólica. Para espanto de ninguém, a derrubada contou com a votação maciça de parlamentares da base governista. A raridade da decisão — desde 1989, a Câmara aprovou menos de 1% dos projetos de decreto legislativo que visavam à suspensão de atos presidenciais — demonstra o grau de insatisfação no Parlamento.

Os fatos nas palavras - Merval Pereira

O Globo

A partir do momento em que um deputado se recusou a ser ministro, partiu-se o cristal. Acredito que o governo Lula, para este Congresso, está acabado

O Brasil, onde na teoria vigora o regime presidencialista, na prática hoje exercita um sistema semiparlamentarista, tendo já passado pelo hiperpresidencialismo muito recentemente. O povo brasileiro já reafirmou sua preferência pelo presidencialismo em pesquisas e plebiscitos. Parece fadada ao insucesso a tentativa de mudar o regime para o parlamentarismo, que já adotamos numa emergência política depois da renúncia do presidente Jânio Quadros, para que o vice João Goulart fosse aceito pelos militares.

Há ainda propostas para adotarmos o semipresidencialismo, que vige em Portugal e na França. Todos esses regimes são tentativas de superar problemas político-partidários que nos perseguem, pois não conseguimos alcançar um equilíbrio institucional que permita ao país se desenvolver. O hiperpresidencialismo recente anulava o Congresso, que era manipulado pelos presidentes por meio da distribuição de emendas parlamentares, cargos públicos e até ministérios. Regimes presidencialistas como os Estados Unidos têm uma divisão de Poderes bastante rígida, tanto que um parlamentar que queira virar ministro (secretário por lá) de um governo precisa abrir mão do mandato que ganhou nas urnas para representar os eleitores. No Brasil, há muito tempo o presidencialismo tem uma porta giratória por onde entram e saem políticos, num vaivém constante entre Executivo e Legislativo.

Semipresidencialismo ganha força como saída para crises - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

É um sistema de governo que combina o presidencialismo e o parlamentarismo. Os dois modelos clássicos são os da França e de Portugal. Duas PECs tramitam no Congresso

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência do Mercosul, em Buenos Aires, na Argentina, a elite política e a alta magistratura brasileira se reúnem no Fórum Jurídico de Lisboa, criado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos autores da proposta de implantação do semipresidencialismo no Brasil. Ao saudar os presentes, entre eles o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), destacou o caráter transdisciplinar e internacional do evento, que conta com 57 painéis, quase 500 palestrantes de várias nacionalidades e estimativa de 2,5 mil participantes. “O Fórum se consolidou como um ponto de encontro fundamental para o diálogo entre o Brasil e a Europa”, afirmou.

Brics: a busca da agenda concreta - Míriam Leitão

O Globo

Mesmo com a sombra dos conflitos globais, o desejo do Brasil na presidência do bloco é ter uma pauta para enfrentamento de problemas reais

Os negociadores que preparam a reunião de cúpula do Brics estão tentando fechar declarações à parte sobre três assuntos: saúde, clima e inteligência artificial. Isso além da declaração conjunta dos chefes de Estado. O objetivo do Brasil é fortalecer a agenda de desenvolvimento nos debates e buscar avanços concretos. Mesmo assim, a sombra dos conflitos globais estará presente. O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, não virá mais. Ele chegou a confirmar a presença logo após o ataque de Israel, mas quando houve o bombardeio americano, avisou que não poderia deixar o país.

O que o Brasil quer é menos geopolítica e mais agenda de desenvolvimento que foque na natureza econômica do bloco. Um diplomata que está no centro da negociação dos documentos me explicou a visão brasileira.

Sem recuo à vista no #congresso damamata - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo escalou o tom nas redes para abrir espaço ao armistício

A estética do confronto chegou para ficar como condição necessária, ainda que insuficiente, para o governo chegar ao armistício com o Congresso. O primeiro sinal de que o bombardeio #congressodamamata incomodou foram os recibos passados pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), (“Quem alimenta o nós contra eles acaba governando contra todos”) e pelo presidente do União, Antônio Rueda, (“Não consegue resolver o problema fiscal e joga a culpa no Congresso”).

Esta percepção, de um ministro que é conselheiro de colegas petistas sem nunca ter sido do PT, e tem linha direta com os presidentes da Câmara e do Senado, não se restringe a aplaudir a reação governista até aqui. Advoga que o próprio presidente da República vá pra cima nas redes sociais dizendo que o Congresso não quer votar a isenção do IR ou o aumento de imposto para rico e pretende congelar o salário-mínimo.

Por um orçamento compreensível - Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

A ignorância alija o cidadão da possibilidade de influenciar o conteúdo dos orçamentos públicos

PPA, LDO, LOA. Quem consegue entender essas siglas? Pouca gente. Por certo, os especialistas em orçamento, os analistas fiscais e, talvez, alguns congressistas. Todas dizem respeito a procedimentos relacionados às contas públicas do governo federal, uma trata do planejamento com metas para quatro anos, outra aponta as orientações para o orçamento e a terceira define receitas e despesas para cada ano. Sem dúvida, são providências importantes nos trâmites do Orçamento Geral da União, mas nada dizem aos contribuintes brasileiros que sustentam as despesas públicas.

Despesas, diga-se, em boa parte arbitradas ao sabor de quem detém poder na cúpula de Brasília. Em nome do povo, tomam-se decisões nem sempre benéficas à uma sociedade seccionada por um fosso profundo, uma realidade conhecida há pelo menos dois séculos e que tende a se agravar com a polarização entre a direita e a esquerda.

Os donos do poder - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Sem respeito ao dinheiro público, todos brigam, quase ninguém tem razão e o pão continua a faltar. O essencial, cuidar dos interesses dos que mais dependem do Estado, torna-se secundário

O clássico  Os donos do poder, de Raymundo Faoro, publicado em 1958, nunca foi tão atual. Na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, onde me graduei, ganhei um exemplar das mãos do estimado Professor Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, há 20 anos.

Apreendi sua mensagem, que é muito clara: o Estado brasileiro compõe-se, em muitos casos, de estamentos, fatias ou nacos de poder voltados a interesses privados. Atacar esses interesses desperta os instintos mais primitivos dos que operam esse sistema não republicano.

O episódio do decreto presidencial do IOF, especialmente no capítulo mais recente – sua derrubada pelo Congresso seguida de judicialização – é sintomático. Vivemos uma situação delicada e perigosa, em que a responsabilidade fiscal é confrontada diuturnamente.

Sem respeito ao dinheiro público, todos brigam, quase ninguém tem razão e o pão continua a faltar. O essencial, cuidar dos interesses dos que mais dependem do Estado, torna-se secundário. O privilégio aos amigos do rei, principal. Responsabilidade fiscal não é tecnicismo de especialista, mas o único caminho para promover políticas públicas sustentáveis, fazendo cumprir a Constituição Cidadã.

Estratégia tresloucada - William Waack

O Estado de S. Paulo

É óbvio que o PT sem Lula corre o sério risco de resvalar para o ocaso. As últimas decisões políticas do chefão estão acelerando esse processo.

A causa principal é a perda de leitura da realidade por parte do próprio Lula. Leia-se mudanças sociais no País, alteração das relações de força entre os poderes e o enfraquecimento das capacidades físicas e intelectuais do líder.

Tem remotas possibilidades de sucesso as mais recentes decisões “estratégicas” para ganhar as eleições de 2026 e reverter poderes do Congresso. De novo, pelo óbvio: não reúne a massa crítica política necessária nem para um nem para o outro.

Lula se encontra hoje vítima da tática “boa constrictor” (o nome científico da jiboia) do Centrão, e sua ida ao STF para anular o decreto legislativo que anulou o decreto executivo não vai folgar o aperto dos anéis dessa gulosa serpente. Ao contrário, qualquer que seja a decisão do Supremo.

IOF colocou a corrida eleitoral na rua - Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Não havia outra saída para Lula, porque é uma questão de sobrevivência

A crise política gerada pelo decreto de alta do IOF do ministro Fernando Haddad colocou a corrida eleitoral de 2026 na rua.

Ainda que os principais atores da disputa façam gestos na direção de abertura do diálogo, como fez nesta quarta-feira (02), Davi Alcolumbre ao receber o número 2 da Fazenda, a guerra está em curso e com chance quase nenhuma de um acordo de paz até o desfecho eleitoral no final do ano que vem.

Não havia outra saída para o presidente Lula. Trata-se de uma questão de sobrevivência. Como ele mesmo explicitou ao reconhecer que, se não fosse ao STF contra a derrubada do IOF pelo Congresso, não governaria mais.

Lula vs. Congresso ou justiça tributária? - Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

A imprensa está perdendo a oportunidade de debater seriamente a justiça tributária

A cobertura da imprensa nacional, inclusive da Folha, sobre o decreto do IOF superdimensiona a linha editorial Lula vs. Congresso e, assim, perde a oportunidade de debater seriamente a justiça tributária.

Ao leitor vende-se a ideia de que a notícia do dia é, para usar a famosa metáfora jornalística, que o cachorro mordeu seu dono, quando na verdade estamos diante da rara situação em que desta vez foi o dono que mordeu seu cão: no debate sobre IOF, estamos diante não de mais um episódio corriqueiro de picuinhas políticas, mas sim de um momento atípico, em que se discutem, finalmente, projetos distintos de país.

No vale-tudo dos jornais —no qual o debate sobre taxação de super-ricos é traduzido como pauta antiCongresso e de polarização social—, sabe-se mais sobre quem almoçou com quem e quem ignorou a ligação de quem e menos sobre os interesses privados que sustentam a pouca ou nula taxação de super-ricos no país e como esses interesses interseccionam com os de parlamentares dispostos a sacrificar a estabilidade fiscal.

Sem mágicas no Brasil real - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

O conservadorismo do Congresso não é o efeito espúrio do sistema eleitoral

O conflito entre o Executivo e o Congresso sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) põe a nu tensões de várias origens.

De um lado, trata-se de um capítulo do rearranjo das relações entre os dois Poderes, requerido pelas mudanças nas respectivas forças relativas.

Como se sabe, a Presidência perdeu em parte sua capacidade de controlar a agenda legislativa e o Parlamento ganhou mais protagonismo, por força de mudanças institucionais que se sucederam ao longo dos anos. Entre elas, a regulamentação das medidas provisórias; o crescimento, em tipo e valor, das emendas impositivas; e o aumento do fundo partidário, que fortaleceu as lideranças das legendas representadas na Câmara e no Senado.

Onde a fome se junta à vontade de jantar - Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Quem tem boca vai a Lisboa; só a ingenuidade não foi convidada

Começou o mais bonito encontro da conciliação colonial. O "Festival do Arranjinho", nas palavras da mídia portuguesa, apegada à letra e ao antieufemismo.

Onde jabá corporativo e dinheiro público alimentam a corrupção supramagistocrática. Onde a fome por lobby se junta à vontade de jantar. De jantar muitos jantares com empresários, políticos, magistrados e ministros de governo. De entreter conversas anódinas, de risadas amigas e programadas.

Onde presidente da Câmara, o do Senado e o anfitrião devem pedir pacificação: supersalários e subsídios não se discutem; tributação equânime entre ricos e pobres, entre professor de escola pública, policial militar, médico do SUS e CEOs não se discute; cortar recursos da saúde e de políticas de redução da pobreza se discute. Em mais uma vitoriosa conciliação nacional.