sábado, 22 de novembro de 2025

Onipresença Master, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Ninguém levanta pirâmide como a que o Banco Master armou sem amigos influentes no poder. Nos poderes. No Banco Central? O BC, ainda que agindo bem afinal, demorou a agir. A propósito: o cronista não viu ministros do Supremo comentando o escândalo. Falam sobre todos os temas da República, inclusive aqueles a serem julgados no tribunal – e, desta vez, nada.

Dedicado patrocinador de eventos lobistas, o Master sempre soube contratar consultores. Só em “consultoria jurídica” foram empregados cerca de R$ 250 milhões em 2024. A banca tocada pela esposa de Alexandre de Moraes prestou-lhe serviços. Ricardo Lewandowski também, no intervalo entre sair do STF e se tornar ministro da Justiça de Lula. Outro consultor: Guido Mantega.

Emergência da desigualdade, por Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Vivemos uma verdadeira emergência de desigualdade, comparável à emergência climática

Artigo publicado nesta semana pelo Financial Times, assinado conjuntamente pelo presidente Lula, pelo presidente Cyril Ramaphosa (África do Sul) e pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez (Espanha), chama a atenção para o primeiro relatório do G-20 dedicado exclusivamente à desigualdade social. A principal conclusão é contundente: vivemos uma verdadeira emergência de desigualdade, comparável à emergência climática.

O relatório, elaborado por um grupo internacional de especialistas liderado pelo Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, soa o alarme sobre um dos fenômenos mais traumáticos e intoleráveis da humanidade e propõe a criação de um painel internacional sobre desigualdade, com a missão de monitorar tendências, causas e impactos desse processo. Os dados do relatório são contundentes. Segundo o documento, 83% dos países apresentam alta desigualdade de renda, utilizando a definição do Banco Mundial de coeficiente de Gini acima de 0,4, sendo que essas nações concentram cerca de 90% da população global. Embora a desigualdade entre indivíduos no mundo tenha diminuído desde 2000 – em grande parte devido ao crescimento econômico da China – ela permanece em patamar extremamente elevado, com um coeficiente de Gini de 0,61. A desigualdade de riqueza é ainda mais acentuada do que a de renda.

Linguagem e outras ‘crenças de luxo’, por Thaís Oyama

O Globo

Em vez de ostentar seu lugar no mundo com relógios e roupas finas, muitos passaram a usar pontos de vista, vocabulário

Foram poucas e tímidas as queixas sobre a sanção, pelo presidente Lula, da lei que baniu o uso da linguagem neutra na administração pública. A prática, criada para “incluir” pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e feminino, chegou a ser adotada pela primeira-dama, Janja da Silva, e pelo ministro Alexandre Padilha. Sendo tempo de eleição, os temores de que protestos ruidosos fizessem a alegria da direita, na forma de viralizantes vídeos a inundar as redes sociais, podem ter abrandado as reações de defensores de termos como “elu” (“Elu saiu mais cedo”) e “delu” (“Eu gosto delu”). Outra leitura, mais benigna e menos provável, é que o silêncio dos grupos identitários revela a compreensão de que a ausência da linguagem neutra nos formulários do governo não fará falta alguma. E de que é um ato de sensatez reconhecer o despropósito de elevar a padrão oficial um dialeto que, se soa bem aos ouvidos de gente com curso superior e vida ganha, é grego demótico para a maioria dos brasileiros a quem o código pretensamente inclusivo acabaria por excluir.

Aversão ao diverso, por Flávia Oliveira

O Globo

Em pleno Dia da Consciência Negra, o presidente formaliza a indicação de Jorge Messias, fiel aliado na Advocacia-Geral da União, para o STF

É fogo. Em pleno Dia da Consciência Negra, o presidente da República formaliza a indicação de Jorge Messias, fiel aliado na Advocacia-Geral da União, para o Supremo Tribunal Federal. O ato, previsto desde que Luís Roberto Barroso anunciara saída antecipada, no início de outubro, poderia ter ocorrido antes ou depois do 20 de novembro. Mas Luiz Inácio Lula da Silva escolheu o feriado que ele próprio sancionou em 2023, como a indicar ser imune ao desejo de representatividade de negros e mulheres, base eleitoral que sempre o sustentou. No Planalto, lealdade é via de mão única. O mandatário escolheu ser criticado pela grosseria, em vez de incensado por ter assinado, também anteontem, 28 decretos tornando de interesse social territórios quilombolas de 14 estados, do Piauí ao Rio Grande do Sul. O caminho para a titulação de 31 comunidades que abrigam 5.200 famílias afrodescendentes acabou eclipsado pelo Messias.

Tchau, querides! Por Eduardo Affonso

O Globo

Lei que cria a Política Nacional de Linguagem Simples não é aceno aos conservadores, mas ao bom senso

Durou pouco a fantasia autoritária do pequeno grupo que quis impor uma mudança estrutural no idioma. “Pouco” é modo de dizer. Durou o suficiente para causar treta, virar piada e demarcar a diferença entre os defensores da língua como organismo vivo, que evolui natural e incessantemente, e os que se acham no direito de moldar, segundo seu viés ideológico, o que é patrimônio de mais de 200 milhões de falantes.

A lei sancionada pelo presidente Lula criando a Política Nacional de Linguagem Simples não é um aceno aos conservadores, mas ao bom senso. Tem vários defeitos e uma grande virtude: propõe que órgãos e entidades públicas usem língua de gente — sem jargão, sem palavrório e respeitando a norma-padrão.

O parto do Messias, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Indicação de Lula para o STF poderá trazer problemas políticos e institucionais

Escolha também frustra os eleitores mais fiéis de um presidente que prometeu diversidade

Sim, a indicação de nomes para ocupar um assento no STF é prerrogativa do presidente da República. Assim como é prerrogativa do Senado aprovar ou rejeitar o nome indicado. Os senadores não rechaçam nenhum candidato desde o governo Floriano Peixoto, no século 19, mas muitas coisas que não aconteciam na política brasileira passaram a acontecer nos últimos tempos.

Lula tem bastante autoconfiança ao indicar Jorge Messias contra a preferência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que fazia campanha aberta por Rodrigo Pacheco. Não é que o presidente da República deva subordinar-se ao presidente do Senado, mas é fato que Alcolumbre vinha sendo a boia de salvação de Lula no conturbado relacionamento do governo com o Legislativo. É preciso coragem (ou obstinação) para pôr em risco essa parceria.

Os desafios da nova ordem em disputa, por Roberto Amaral*

Vivemos as inquietações do processo de construção de uma “nova ordem mundial”, algo a lembrar as tensões sofridas em meio às duas últimas guerras mundiais, que, ao preço conhecido, redesenharam o mundo, sua política, sua geografia e sua economia.

Os tempos de hoje, herdeiros daquelas conflagrações e da “Guerra Fria” (sua continuidade em novos termos) — e de seu principal fruto, o colapso da URSS, com a reconfiguração do mundo e da visão de mundo que representava a promessa socialista —, não lograram proporcionar o convívio com a paz: guerra da Coreia, invasão do Vietnã, as guerras de libertação nacional espalhadas pelo mundo, a hecatombe que se abateu sobre o chamado Oriente Médio etc. Passamos a lidar com a amarga sensação de viver em intervalos de guerras, pois assim a humanidade atravessou todo o século passado, e assim estamos caminhando nas primeiras décadas deste terceiro milênio, sem sabermos que guerra é esta do nosso tempo, e muito menos para onde ela está nos levando.

Cupom vs. Copom, Parte II, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

CartaCapital

Até agora não entenderam o que o nosso Banco Central está fazendo

Na saga Star Wars, temos os Jedi, antiga ordem de cavaleiros que usam a Força para manter a paz e a justiça na galáxia, sempre agindo pelo lado luminoso. Os amantes da arte cinematográfica vão lembrar o Jedi mais famoso, Obi-Wan Kenobi, que dizia sempre: “Eu tenho a força!”

A regra de Taylor entende que o Comitê de Política Monetária seria uma espécie de Jedi: eu tenho a força e a independência de determinar a taxa de juros básica.

Guerra nas Estrelas é uma obra de ficção científica, assim como o regime de metas é uma ficção teórica construída por uma teoria macroeconômica inter­estelar, porque vive de crenças, não do mundo em que o capitalismo sobrevive.

Bandidos de estimação, por André Barrocal

CartaCapital

O relatório de Derrite, aprovado na Câmara, mira o criminoso pé de chinelo e alivia para a turma do colarinho branco

A CPI do Crime Organizado mal começou no Senado e é descrita como “morna” pela mídia. Não está agendado nenhum depoimento de chefes de facção, embora haja senadores doidos por um interrogatório do tipo, caso de Marcos do Val, que faz cosplay de agente da “Swat”. A comissão centra-se em uma investigação mais teórica, digamos assim. Seu relator, Alessandro Vieira, delegado de polícia, não está interessado “em dar palanque para bandido”, nem em alimentar demagogia barata. Também caberá a ele no Senado relatar o Marco Legal de Combate ao Crime Organizado que os deputados acabam de aprovar. Um texto escrito e reescrito pelo secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, um auxiliar do governador-presidenciável Tarcísio de Freitas, que o Palácio do Planalto tentará mudar para que nem a Polícia Federal nem o combate a criminosos de colarinho branco sejam afetados.

Como nasce uma revolta, por Gilberto Maringoni

CartaCapital

Claudia Sheinbaum, do México, é o mais recente alvo da guerra híbrida da extrema-direita

O roteiro é conhecido. Milhares de manifestantes, convocados majoritariamente em redes sociais, saem às ruas em fúria, exigindo a derrubada de governos eleitos. Aparentemente sem lideranças definidas, a massa concentra-se em locais públicos, brandindo difusas pautas contra a corrupção, a insegurança, os partidos tradicionais e a própria democracia. Logo aparecem grupos de provocadores, munidos de marretas, barras de ferro e serras elétricas, que partem para a depredação de edifícios públicos.

Foi o que se viu, no sábado 15, no ­Zócalo, principal praça da Cidade do México, em frente ao Palácio Nacional, sede do governo. Planejados como eventos simultâneos em várias localidades, os protestos fracassaram na maior parte delas. Calcula-se, no entanto, que 17 mil mexicanos tenham marchado na capital, estabelecendo um confronto que resultou em cerca de uma centena de policiais e 20 manifestantes feridos. A promessa é de que a ação se repita nas próximas semanas.

A Economia e a Medicina, por Marcus Pestana

O leitor mais exigente poderia perguntar: “o articulista enlouqueceu? O que uma coisa tem a ver com a outra? Não se misturam”. Ledo engano. Os paralelos são maiores que se possa imaginar. A medicina tem um caráter mais científico, dada a capacidade de testar em laboratório suas hipóteses. Para a economia, o campo de experimentação é a sociedade e a história.

Na economia há princípios gerais consolidados pelo acúmulo prático (tentativas e erros) e da análise histórica, mas como os agentes econômicos não têm existência estática, reagem mais e se adaptam às novas condições geradas por medidas governamentais ou pela própria evolução da realidade. Daí que cada medida de política econômica tenha que pensar nos “russos” e suas reações adaptativas, como questionou Garrincha ao seu técnico, que antecipou o gol que fatalmente sairia de suas instruções precisas.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Senado tem bons motivos para rejeitar Messias no STF

Por Folha de S. Paulo

Como já fizera Bolsonaro, Lula enfraquece instituição ao indicar ministros por fidelidade

Casa legislativa é o freio constitucional a ambição presidencial espúria; escolhidos por mérito mostram mais autonomia

Jorge Messias ficou nacionalmente conhecido em 2016, quando foi incumbido pela ainda presidente Dilma Rousseff (PT) de entregar a Luiz Inácio Lula da Silva um termo de posse como ministro da Casa Civil. A manobra, frustrada por liminar de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, daria a Lula, acossado por investigações de corrupção, foro especial no Judiciário.

É na mesma condição de homem de confiança que Messias recebe agora do chefe a indicação para ministro do STF —a condição que já o levou ao comando da Advocacia-Geral da União (AGU) e a diversas outras funções em gestões petistas.

Opinião do dia - Manuel Castells* (Democracia)

"Em tempos de incertezas costuma-se citar Gramsci quando não se sabe o que dizer. Em particular, sua célebre assertiva de que a velha ordem já não existe e a nova ainda está para nascer. O que pressupõe a necessidade de uma nova ordem depois da crise. Mas não se contempla a hipótese do caos. Aposta-se no surgimento dessa nova ordem de uma nova política que substitua a obsoleta democracia liberal que, manifestamente, está caindo aos pedaços em todo o mundo, porque deixa de existir no único lugar em que pode perdurar: a mente dos cidadãos.

A crise dessa velha ordem política está adotando múltiplas formas. A subversão das instituições democráticas por caudilhos narcisistas que se apossam das molas do poder a partir da repugnância das pessoas com a podridão institucional e a injustiça social: a manipulação midiática das esperanças frustradas por encantadores de serpentes; a renovação aparente e transitória da representação política através da cooptação dos projetos de mudanças; a consolidação de máfias no poder e de teocracias fundamentalistas, aproveitando as estratégias geopolíticas dos poderes mundiais; a pura e simples volta à brutalidade irrestrita do Estado em boa parte do mundo, da Russia à China, da África neocolonial aos neofascismos do Leste Europeu e às marés ditatoriais na América Latina.

E, enfim, o entrincheiramento no cinismo político, disfarçado de possibilismo realista dos restos da política partidária como forma de representação. Uma lenta agonia daquilo que foi essa ordem política."  

*Manuel Castells. "Ruptura – A crise da democracia liberal", p.144. Editora Zahar. Rio de Janeiro, 2017.