quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

CRISE ECONÔMICA, INOVAÇÃO POLÍTICA E PROGRAMÁTICA

Raimundo Santos
Professor CPDA/UFRRJ
Fonte: Gramsci e o Brasil

O relatório apresentado por Walter Veltroni no encontro da Direção Nacional do Partito Democratico (PD), em 19 de dezembro passado, constitui peça discursiva das mais emblemáticas da esquerda democrática destes nossos dias. O presidente do PD abre o texto afirmando que para enfrentar a atual crise – “gerir a emergência, imaginando o futuro” – necessita-se de “muita e boa política”. A crise chega à Itália sob o governo de Berlusconi, um líder populista “em permanente campanha eleitoral”. Escreve ainda Veltroni que, com seu incessante ativismo de “oposição à oposição”, Berlusconi só contribui para erosionar – profundamente – a “credibilidade moral da política”, pondo a democracia italiana em “perigosa voragem”. Esse tipo de popularidade, esclarece o ex-militante comunista, cada vez mais acentua o desencanto e a desilusão.

É nesse quadro que o PD se porá à prova, relembra Veltroni a origem do novo partido e suas promessas de inovação radical na política, na forma-partido, no plano programático e o compromisso de provocar descontinuidade na classe dirigente italiana.

Lembrando o principal antecessor do PD, o Partito Democratico della Sinistra (PDS), formado em momento intenso da globalização a partir do PCI, não fugira dos desafios da nova conjuntura, agora, em nome do PD, Veltroni vem nos falar da atual circunstância de crise e também de um tempo promissor. Segundo ele, a alternativa com que ora se defronta a esquerda democrática na Itália se resume ao ultimato: “renovamento ou bancarrota”. Sob forte tensão, o PD terá que mostrar que é capaz de acelerar as inovações – sobretudo política e programática –, condição sine qua non para servir ao seu país como ator decisivo nos novos tempos de hoje.

Como o PDS não vira a circunstância globalista passivamente, no seu relatório Veltroni registra que agora o PD tampouco está diante de uma conjuntura qualquer. Será necessário afastar o Berlusconismo e o seu modelo, que é um modelo, esclarece Veltroni, antes que econômico e político, cultural no sentido de um modo de adaptar a Itália à hegemonia do pensamento neoconservador dos últimos trinta anos, posto em declínio irremediável pela crise econômica em andamento.

Em que termos o dirigente da esquerda italiana nos apresenta a circunstância que ora vivemos?

“As crises, diz ele, são fases do passado, duras e dolorosas, das quais não se sai como se entrou: nas formas e modo de produção e desenvolvimento, nas relações de forças, sociais e políticas; nos modelos culturais, na hierarquia de valores.” Recorda Veltroni que da grande crise de 1929, sobretudo depois da II Guerra, saímos com um grande compromisso entre capitalismo e democracia. Conhecemos o crescimento impulsionado pelo consumo de uma classe média em expansão (na qual entrava o mundo do trabalho, inclusive operário) e uma forte compressão da desigualdade graças a políticas salariais generosas e a fortes ações redistributivistas públicas. Vimos nesse período uma rápida expansão do Estado Social.

A crise petroleira e a estagflação dos anos 1970, continua Veltroni seu equacionamento das crises, obrigou o Ocidente a mudar de rumo: foram feitos grandes investimentos na inovação tecnológica (elevou-se a produtividade à custa dos postos de trabalho e do poder contratual dos sindicatos); a classe média se reduziu, as desigualdades tornaram-se a alargar e a ascensão social se bloqueou, inclusive devido ao redimensionamento do Estado Social. Essa é a época em que se teoriza sobre a auto-suficiência do mercado e se afirma o superpoder da finança sobre a economia real, “com graves conseqüências também para a democracia, forçada a renunciar a qualquer soberania sobre os fluxos de capital”. Conhecemos uma fase de crescimento econômico ao preço de grandes desequilíbrios e elevação da desigualdade.

Veltroni se refere a outros traços característicos dos anos subseqüentes de globalização. Vimos novos protagonistas – “milhões de seres humanos” excluídos do desenvolvimento – saírem à superfície em busca de reconhecimento e lugar num mundo moderníssimo. Diz ainda Veltroni que conhecemos o desenvolvimento do século XXI ao mesmo tempo impetuoso e insustentável.
No plano global, explica ele, tivemos um desenvolvimento marcado pelo alargamento entre o debilitamento americano e a ascensão asiática; no plano ambiental, um desenvolvimentismo tensionado pelas conseqüências que a transferência do modelo ocidental aos países emergentes provoca no clima; no plano interno, vimos o empobrecimento da classe média, em particular nos EUA, onde ela se endividaria buscando garantir casa, saúde e instrução. Essa é a época da pretensão americana em dirigir o mundo de modo unilateral, cujo paradoxo dramático se expressará na guerra contra o Iraque.

Veltroni resume o núcleo da sua narrativa dizendo que o “pântano iraquiano” e a crise financeira ora em curso despedaçaram a ilusão neoconservadora, dando passagem a “uma nova fase, um novo paradigma de pensamento e uma nova época política”.

É nessa circunstância complexa ainda se configurando que o povo americano, “com muita clarividência” – celebra Veltroni como este seu primeiro grande evento positivo , elegeu Barack Obama. Ao invés de fechar-se defensivamente, continua dizendo o ex-comunista, a América pôs-se caminho à frente, sinalizando possibilidades para um novo multilaterialismo nas relações internacionais, um novo New Deal com base na reconstrução da classe média, uma nova fase de igualdade social. Em curso nestes dias os desdobramentos da vitória de Obama -- registra Veltroni em seu texto de dezembro passado --, ao novo presidente “afro-americano” já lhe toca abrir “simbolicamente” uma fase nova, “uma terceira fase do desenvolvimento humano”.

É assim, a partir do binômio representado pela crise financeira e pela eleição americana, que Veltroni fala de um tempo promissor, dizendo que estamos diante de uma “extra-ordinária oportunidade e também de uma lição para aprender e meditar”. Segundo ele, na sociedade americana, a crise trouxe à tona o conflito social (por anos posto em segundo nível pelo uso ideológico das questões de raça, dos valores tradicionais, da segurança interna e externa), ativando o apoio ao programa eleitoral inovador de Obama. É como se a crise, acrescenta Veltroni, houvesse dissolvido a “névoa” que por três décadas levara setores populares e a classe média dos EUA a votar contra os próprios interesses e a favor de uma minoria privilegiada.

Veltroni retém da eleição de Obama aquele último ponto como tema de valor mais universal: é possível mudar a correlação de forças nas sociedades de estruturação altamente complexa. Se processo desse tipo abre caminho novo nos EUA nada impede que também possa ocorrer em outras formações “ocidentalizadas”, aludindo-se aqui ao termo não-geográfico de Gramsci. A lição americana mostra que a condição para se mudar a correlação de forças na sociedade consiste “em recolocar em primeiro plano, na competição política, a questão econômica e social e oferecer a esta questão saída realista por meio de uma proposta de forte inovação política e programática”.

Com tal referência, Veltroni nos leva a questão da “vocazione maggioritaria”, a um redimensionamento radical da questão da hegemonia, tema outrora clássico na esquerda. Para ele, agora essa questão não mais se funda na presunção arrogante da autoficiência. O ponto de partida para a esquerda democrática buscar ser governo está na convicção de que as relações de forças eleitorais “não são um destino inelutável”; mas podem ser alteradas, também em profundidade, “se muda a oferta política por meio da inovação da proposta que apresentamos ao país”.
Veltroni deixa mais claro este tipo de visão não-atávica ao dizer que o empenho para mudar a disposição de forças com base na política democrática exige recusar as teses da vocação “de direita” da sociedade italiana e da “insuperável minoridade” da esquerda. Significa romper com qualquer idéia naturalizada da correlação de forças e a idéia de que os reformistas e democráticos estão condenados a recorrer à “manobra política” e ao “jogo da aliança” como seus únicos meios para obter consensos majoritários.
“O PD, relembra Veltroni, nasceu com base no pressuposto contrário. Uma profunda inovação política e programática pode mudar, também significativamente, a orientação eleitoral dos italianos”. O dirigente da esquerda italiana se refere neste ponto à necessidade de sua configuração partidária reconquistar parte dos consensos sob hegemonia da direita (construindo-se “uma grande aliança na sociedade italiana, uma aliança com o país”). Nesta passagem ganha significado a proposição do renovamento da política e dos projetos programáticos, apresentada no Relatório de Veltroni como diretriz geral do PD.

Exigente de “generosidade, paciência e tenacidade”, prossegue Veltroni, certamente esse caminho passa por uma convergência política (“heterogênea”), construída não em termos de uma luta contra o adversário segundo a velha fórmula dos Novecentos da aliança entre “partidos de esquerda” e “partidos de centro”. Esta fórmula -- agrega Veltroni – não só é um projeto “incompatível” com o PD (“que é um partido de centro-esquerda”) como se tornou “anacrônica” por não conter “nenhuma potencialidade inovadora”. A aliança a ser buscada é uma aliança para a inovação e a mudança, cuja credibilidade se afirma mediante testes de competência para governar. E isso só será possível, diz ainda o ex-comunista do PCI, se o PD souber demonstrar “capacidade expansiva”, se não delegar a outros “a tarefa, que lhe é própria, de modificar as relações de forças políticas na sociedade italiana, por meio da mobilização de uma proposta renovadora e confiável”.

Como no passado recente outros líderes da “tradição do PCI”, dentre eles Massimo D´Alema, divisaram linhas de atuação – participando inclusive de governos reformistas de centro-esquerda -- que estimulassem a generalização dos benefícios da globalização, agora, espelhando essa “tradição”, por assim dizer, continuada no nexo PDS-DS (Democraticos de Sinistra)-PD, Veltroni também vê movimentos favoráveis forçando passagem nesta hora presente. “Com a crise da hegemonia do pensamento neoconservador, pode se afirmar o primado da política sobre a força e, depois da crise do unilateralismo, pode-se afirmar o multalaterialismo eficaz como única via para o diálogo entre os povos, pela paz e por um desenvolvimento equilibrado e sustentável”.
Veltroni chama a atenção para duas grandes percepções que se afirmam nos tempos conflituosos de hoje. De um lado, os perigos que pesam sobre o meio ambiente vêm impondo uma visão qualitativa do desenvolvimento que faz da pesquisa tecnológica e de novas fontes energéticas os setores básicos de uma “nova revolução industrial”. De outro, cresce um segundo grande entendimento: o de que, para além da contraposição entre religião e razão, afirma-se a idéia de uma sociedade pós-secular na qual a dimensão pública da fé religiosa é reconhecida e chamada a dar contribuição aos ligamentos sociais e à vitalidade da democracia, se fundada na autonomia da política e na laicidade das instituições.

No discurso aqui resumido (apenas em pontos bem gerais), o PD se propõe ser ator relevante na cena italiana de hoje ao se reivindicar possuidor de um projeto – relembra novamente Veltroni – nascido com base na intuição, antes que política, cultural. Projeto, diz ainda, gestado quando se começou a perceber que o novo mundo que estava emergindo vulnerabilizava a velha cultura dos Novecentos, cancelando sua pretensão de auto-suficiência. Tal circunstância exigia “um pensamento novo, novas categorias para se ler a história e novo alfabeto para com ela se dialogar”.
Requerimentos indispensáveis para afirmar – assim resume Veltroni a nova utopia -- o empenho do campo político-partidário dos reformistas por uma “sociedade aberta, livre e igual”, o PD ostentando – em sua interação com outros protagonistas, diz ainda o seu dirigente --, completa e irrenunciável identidade com a meta da democracia, “o único sistema respeituoso da dignidade de todos os seres humanos”.

AZIAS & ALKA-SELTZER

Alberto Dines
DEU NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA


O ano começou com um bom debate. Debate sobre a imprensa na imprensa é coisa rara desde o momento em que o assunto foi expurgado pelo pool da grande mídia. E neste comecinho do ano, com metade do país em recesso e a outra metade na sombra, o desempenho da imprensa foi discutido pelo presidente da República em pessoa!

O pronunciamiento está na edição de janeiro da excelente piauí ("Azia, ou o dia da caça", págs. 18-20), a revista mais bem escrita e mais bem editada do Brasil. Esvoaçou pelos jornais (apenas o Estado de S.Paulo comentou em editorial, em 8/1), azedou o humor de poucos colunistas e até provocou a inédita republicação em versão integral (OI e Folha Online, em 9/1, e O Globo, em 10/1, pág. 8).

A reprodução de O Globo veio acompanhada pela informação de que a versão completa foi distribuída pelo Planalto. Não é verdade: as íntegras de todas as manifestações do presidente são disponibilizadas no site da Secretaria de Imprensa da Presidência da República, vinculada à Secretaria de Comunicação Social (Secom).

O assunto morreu e ninguém tentou exumá-lo. O presidente de uma república democrática afirma solenemente que "a imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim", acrescenta que não lê jornais ou revistas "por que tem problemas de azia", anuncia a obsolescência da mídia impressa diante da internet e ponto final, estamos conversados.

"Questões mercadológicas"

Não estamos: o cidadão-leitor ficou preocupado com a azia (ou pirose) presidencial. Lula vai bem, obrigado, a saúde está ótima, a qualidade das metáforas é que caiu ligeiramente. E o bordão "ou seja" usado com tanta freqüência prejudica a compreensão da frase que pretende explicitar.

O texto da piauí registra que Lula repetiu duas vezes a afirmação de que a sua ascensão à presidência "é produto direto da liberdade de imprensa" e foi enfático ao dizer que não precisa da imprensa para informar-se: "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia... Não há hipótese de eu estar mal informado".

O presidente listou alguns pecados clássicos da imprensa (Escola Base etc.), citou distorções e os casos em que foi obrigado a agir judicialmente contra veículos jornalísticos (Folha de S.Paulo e Rede Bandeirantes). Não há má-fé, segundo Lula, apenas "questões mercadológicas". Sensacionalismo, conclui o autor da matéria Mario Sergio Conti, diretor de Redação do mensário desde a sua criação.

Sem embargos

A parte final da entrevista consistiu numa espécie de miniprêmio Esso às estrelas do colunismo conferido pelo chefe da nação. O repórter citava um nome e o presidente sapecava a sua nota. A matéria de piauí reproduziu todos os nomes e respectivos pareceres. Omitiu Mino Carta, não é justo.

A grande verdade é que a matéria de piauí é menos importante pelo que publicou e muito mais pelo que deixou de publicar. Mario Sergio Conti é um dos mais competentes editores de revista do país e certamente tem argumentos para explicar porque uma entrevista exclusiva concedida por um presidente da República tão avesso a entrevistas pessoais sofreu tamanho corte. Tamanha manipulação – esta é a palavra.

O autor da entrevista deve esta explicação à sociedade, aos demais jornalistas, aos historiadores. O que diz um presidente da República num encontro formal, agendado e gravado, não pode estar sujeito a embargos de qualquer natureza. Faz parte da história.

Saldos e balanços

A entrevista aconteceu no dia 18 de dezembro, véspera das festas de fim de ano. A edição de janeiro deveria estar nas bancas na primeira semana útil do ano e, certamente, só ficaram abertas aquelas três pagininhas. O que fazer – reabrir a edição correndo o risco de atrasar a distribuição ou adiar a publicação para fevereiro?

Óbvio, ululante: não se amputa um pronunciamento presidencial. Sob nenhum pretexto. Mesmo que entre entrevistador e entrevistado existam vínculos pessoais, antigas empatias, a função social do jornalista obriga-o a ser rigorosamente fiel ao que foi dito e ouvido. Fiel no tocante ao teor e fiel no tocante à extensão. Um jornalista não tem mandato para avaliar ou eliminar partes de uma manifestação presidencial. A não ser que esteja a serviço do governo. Não é o caso.

A versão publicada pela piauí tem no máximo um terço da íntegra divulgada pela Secom. Justifica-se uma adaptação do texto à linguagem escrita, justificam-se cortes de palavras (ou palavrões) inaudíveis. Injustificável foi a severa compressão. Ou supressão.

Pela íntegra (ver "Presidente com azia da imprensa") percebe-se que o presidente Lula não quer brigar com a imprensa enquanto instituição. É um extraordinário avanço, admirável trabalho de pacificação empreendido pelo ministro Franklin Martins (que num dos momentos da versão impressa aparece como "ministro Franklin de Oliveira"; tudo bem, lembrar o admirável Franklin de Oliveira é sempre oportuno).

Enquanto evita o confronto institucional com a mídia, Lula mostra que não engole certos jornalistas. Daí a azia. Está no seu direito gostar ou não gostar de alguém. O que não pode é manifestar publicamente as antipatias. Equivale a veto, soa como ameaça.

Saldo do episódio: perdeu-se formidável oportunidade de promover um grande e salutar debate sobre a nossa imprensa. Fomos todos relegados à esfera gástrica. Não merecemos.

O presidente está tinindo. Pronto para participar do Observatório da Imprensa. Vai gostar: as entrevistas não são editadas.

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Num dos trechos eliminados, o presidente Lula rebate a acusação de que o governo ajuda pequenos veículos com grandes verbas de publicidade oficial. Lula alega que a distribuição de verbas obedece a critérios técnicos, não há privilégios. "Não é assim que eu trabalho."

Na última edição de CartaCapital foram publicadas 11 páginas de anúncios: seis pagas por entidades federais e governos estaduais do PT: 54,5%.

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Para entrar no clima da piauí, mensagem aos companheiros do watch-room do Planalto: este observador é admirador de Lev Davidovitch Bronstein desde o início dos anos 1950. E enquanto espera o entrevistado poderá trocar alguns dedos de prosa com Clara Ant em idisch (e não iídiche).

O presidente não lê

Roberto DaMatta
DEU EM O GLOBO


Numa terra de cegos, quem tem um olho é rei. Num país de gente sedenta e carente de leitura, é desanimador e melancólico descobrir que o presidente da República, o sujeito mais importante e poderoso do sistema; a figura a quem devemos respeito e lealdade pelo cargo que ocupa; que representa não só um partido ou posição política e econômica, mas - como supremo magistrado da nação - todos nós; o homem numero 1 do país não lê. Mais: em entrevista ao jornalista Mário Sérgio Conti, para a revista "Piauí", ele declara que, quando tenta fazê-lo, tem azia. Ademais, descobrimos que ele fez como o pior presidente que os americanos jamais tiveram, George W. Bush, pois dele veio a cópia de uma estrutura palaciana montada para evitar a leitura. Para um sujeito como eu, que vive para os livros e de livros, e que morreria sem livros; para quem a leitura tem sido um meio de dar sentido à vida e de lidar com o amor, com a perda, com o sucesso, com a raiva, o trabalho e com a morte, saber dessa antipatia à leitura é - digo-o sinceramente e com o coração na mão - chocante, inacreditável, triste, devastador.

Para quem tem na leitura não só uma fonte de informação e sabedoria, mas os motivos para viver, como é o caso dos professores, escritores, educadores, ensaístas, legisladores, pensadores e jornalistas; funcionários e intérpretes das normas legais, cujo trabalho consiste em aplicar regulamentos, decidindo a todo instante o que é correto, descobrir que o presidente não lê é uma bofetada na cara!

Vejam bem, há contradições triviais. O padre pecador, o ateu crédulo, o professor ignorante, o médico hipocondríaco, o economista pobre, o pastor malandro, o jornalista venal, o desembargador corrupto, o policial criminoso e o político sem caráter. Mas todos leem! Todos se informam por meio de amigos e auxiliares, mas não abandonam o contato direto com a fonte: esse foco indispensável ao conhecimento do mundo. Esse mundo feito de representações codificadas, de palavras e algarismos articulados numa determinada intenção e estrutura. Estivesse eu dizendo o que digo por meio de rimas, o efeito seria diferente. É por causa disso que eu não posso me conformar com um presidente que não lê.

O que saiu na revista deve ser um engano. Estou seguro que o presidente lê. Lula estava simplesmente brincando com o entrevistador. Ressentido ou ofendido com alguns jornais e revistas, o presidente usou o manto da ironia e resolveu chocar o estabelecimento jornalístico, dizendo que não lê. Não posso acreditar que o servidor público mais importante do meu país, apreenda o mundo apenas por meio do ouvido. Sendo instruído e informado sobre os eventos e ideias deste nosso mundo conturbado somente por meio de conversas permeadas pelo ponto de vista e emoções dos seus interlocutores. Não posso crer que o presidente se contente em apenas ouvir o canto do galo, sem jamais vê-lo em pessoa. Que ele não tenha nenhum momento a sós consigo mesmo, no qual - com um texto na frente dos olhos - coloque para dentro de seu ser, por meio da leitura solitária e individualizadora, aquilo que o autor da narrativa explicita, revela, ensina, critica, pede, descobre, interpreta, anuncia, reitera, louva, interroga, suspeita, ou condena.

Quando o presidente diz que não lê, ele envia uma poderosa mensagem à sociedade que o elegeu. No fundo, ele diz que o discernimento pode ser alcançado por vias externas. Os laços sociais substituem a experiência da leitura que usualmente vai dos jornais e revistas para os livros. O que impressiona não é apenas o fato de o homem não ler. É o fato de ele estar seguro de que é mesmo possível saber das coisas por tabela e em segunda mão, por meio de olhos alheios. Sem a visão direta, interiorizada, individualizada e subjetiva dos fatos e problemas porque eles podem ser assimilados através dos outros. E que ele não leva a sério a imprensa livre e contraditória que, como ele mesmo admite, foi decisiva na sua eleição.

A leitura vai muito além da informação. Ela mostra que os fatos são sempre inventados, relativos e determinados por perspectivas. Um mesmo "fato" pode produzir pontos de vista diversos, relativos a um mesmo dilema ou questão. Num mundo permeado por contradições, a leitura é um instrumento privilegiado para entendê-las e eventualmente superá-las.

Em estado de choque, penso na lição daquele Machado de Assis que - diga-se logo - não pode deixar de ser lido, quando ensinou que quem conta um conto aumenta (e necessariamente subtrai) um ponto. As versões pessoais, a apreensão marcante, sempre surgem da leitura em primeira mão. Como um sujeito que morreria sem os livros, como uma pessoa cuja profissão é ensinar a ler e que vive de leitores, eu sou obrigado a imaginar que essa entrevista é, no mínimo, um conto; e, no máximo, uma catastrófica notícia.

ROBERTO DaMATTA é antropólogo.

presidente e a mídia

Ruy Fabiano
Jornalista
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Em recente fala, Lula revelou que não lê jornais. Faz-lhe mal ao fígado. Disse que se informa por meio do ministro da Secretaria de Comunicação, Franklin Martins. Acha que os jornais distorcem a realidade, mostrando-a em cores sinistras.

Mesmo assim, jura que vê na liberdade de imprensa um fundamento democrático intocável. O paradoxo não deixa de ser curioso: um bem que gera o mal. Não é de hoje que Lula e PT mantêm relações esquizofrênicas com a mídia. Ambos lhe devem a projeção que têm. São frutos da liberdade de imprensa.

Sem a “mídia burguesa” e “privada”, que tanto abominam, não teriam ascendido ao patamar em que estão. Se, ao tempo em que Lula projetou-se como líder sindical, nos anos 1980, vigesse o modelo de mídia que o PT proclama ideal — a estatal —, a sociedade brasileira sequer teria tomado conhecimento da existência daquele sindicalismo que emergia no ABC paulista.

Se dependesse da boa vontade de quem geria o Estado brasileiro naquela oportunidade — o regime militar —, Lula jamais sairia do anonimato. Quem o fez conhecido, vocalizando sua luta e de seus correligionários, foi exatamente a mídia burguesa e privada — a mesma que o PT, hoje no poder, quer ver pelas costas.

Foi essa mídia, com todos os seus múltiplos defeitos e fragilidades, que enfrentou a censura, denunciou torturas e mortes nos subterrâneos do regime militar e permitiu que a sociedade brasileira não sucumbisse inteiramente ao arbítrio.

Foi pelas frestas que conseguiu manter abertas que novidades políticas como Lula e PT vieram à tona, se estabeleceram e chegaram ao poder máximo do país. Isso não é juízo de valor — é história.

Há alguns meses, a Executiva do PT reuniu-se e, no pleno exercício de sua amnésia política, desancou a “mídia privada”. Disse que é “instrumento e Estado-Maior” de uma campanha da “direita” para desestabilizar o governo Lula. Campanha golpista, claro. E conclamou a militância a reagir a essa “nova ofensiva”.

A “mídia golpista” deu amplo espaço ao manifesto, que, no entanto, não resiste a uma depuração ginasiana. Antes de mais nada, o partido insiste no truque retórico — e intelectualmente desonesto — de que o mundo atual se divide entre direita e esquerda. E o que é pior: que o governo Lula estaria à esquerda. A afirmação é risível. Basta conferir alianças, equipe e políticas econômica e monetária em curso — e, acima de tudo, afirmações reiteradas do próprio presidente da República em sentido contrário.

Em diversas oportunidades, Lula afirmou que “jamais” foi de esquerda. Chegou uma vez a gracejar: “Não sou de esquerda; sou torneiro-mecânico”. Numa solenidade, em dezembro de 2007, disse que esquerda e maturidade não combinam.

A frase literal é: “Se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema”. Considerou isso — a direitização do esquerdista — fator de “evolução da espécie humana”, colocando compulsoriamente fora desse processo, entre outros, macróbios respeitabilíssimos (e confessadamente comunas) como Oscar Niemeyer (101 anos) e José Saramago (87 anos).

Portanto, soa ridículo, num governo que tem em sua base de apoio políticos de todos os naipes, da esquerda à direita, fisiológicos e ideológicos, falar em “conspiração da direita”.

Troque-se a expressão direita por “esquerda” ou “subversivo” e compare-se o texto daquela resolução da Executiva do PT com as ordens do dia dos tempos do regime militar: é a mesma retórica, a mesma indigência mental e estilística. Idem as manifestações recorrentes de Lula. A caça de ontem transmutou-se em caçador.

A imprensa brasileira está longe da perfeição. Carece mesmo de exercícios mais constantes e consistentes de autocrítica. Reflete as fragilidades da sociedade que vocaliza e vive a crise de transição que o advento de novas tecnologias da informação lhe impôs.

Daí, porém, a ser “Estado-Maior de uma ofensiva da direita”, como sustentou a Executiva do PT, vai uma distância maior que a que separa os redatores do manifesto da realidade. A mídia brasileira não é homogênea. É plural. Nela figuram, nos seus extremos, antigovernistas e governistas. Padecem da mesma patologia, mas estão longe de predominar.

A maioria acompanha perplexa o apocalipse em gotas, que é a realidade contemporânea de nosso país e de nosso planeta. Há limitações, má-fé e até idealismo. Conspiração, porém, não. Seria necessária uma competência que não temos. Nem nós nem o país. Felizmente.

A volta de quem não foi

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os exemplos são muitos, mas os casos de Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho são as mais expressivas demonstrações de que políticos envolvidos em denúncias e escândalos podem até ser reconduzidos pelo voto às antigas tribunas, mas nunca mais são os mesmos.

De um modo geral, não recuperam o prestígio e o poder perdidos.

Senadores, poderosos, caciques de seus partidos, PFL e PMDB, ACM e Jader tinham comando sobre a chuva e o sol na política, até se virem obrigados a renunciar aos respectivos mandatos.

Antonio Carlos em maio de 2001, acusado de violar o sigilo do painel eletrônico na votação de cassação do então senador Luiz Estevão; Jader em setembro do mesmo ano, alvo de denúncias de desvio de verbas no Banpará.

No ano seguinte, ambos foram reeleitos ao Congresso: ACM ao Senado e Jader à Câmara. Nenhum dos dois jamais foi sombra do que já tinham sido. O senador baiano morreu em 2007 reverenciado pelo passado, mas sem influência no presente e o deputado paraense dá as cartas nos bastidores graças a uma aliança com o PT nos planos regional e nacional, mas não é uma companhia benquista.

Como eles, muitos outros. Vários retornaram depois de muito tempo à vida pública, alguns nunca saíram dela e há até os que estrearam recentemente nos papéis de protagonistas de escândalos depois de anos de serviços prestados ao discurso na probidade na oposição.

É o caso dos mensaleiros do PT e também de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, apontado como o mandante da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa, tido como possível candidato do PT ao governo de São Paulo ou ministro de novo se o Supremo Tribunal Federal rejeitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República.

A decisão é esperada para o próximo mês, assim que o Supremo voltar do recesso. Se a Corte julgar improcedente, Palocci fica, em tese, livre desse peso e, segundo se diz no governo, pode voltar ao ministério e retornar à lista de candidatos do PT a cargos majoritários.

Teoricamente é possível mesmo. Mas só na teoria. Na prática, a situação não é tão tranquila. Para ministro, um pouco menos complicado. Basta uma decisão do presidente, a disposição de deixar passar a fase inicial de questionamentos e a consciência de que o fantasma das denúncias sobre irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto ainda está à espreita.

Para o PT fazer de Palocci candidato, o quadro é mais difícil. Enfrentar eleição majoritária com investigações em aberto e todas as evidências produzidas no episódio Francenildo é um risco; equivale a fazer metade do serviço para o adversário.

Muito se fala a respeito da leniência das leis e da tolerância do eleitor no tocante a uma (ou muitas) nova oportunidade. Mas não se confere o devido peso a um dado da realidade: políticos, quando moralmente condenados ou atingidos, têm cortadas suas cordas vocais. Na melhor das hipóteses continuam podendo agir, mas não dispõem mais da mesma capacidade de falar e ser ouvidos.

Comparemos o deputado José Genoino de hoje ao Genoino de antes do escândalo do mensalão que o alcançou na presidência do PT e, nessa condição, avalista dos empréstimos fictícios ao partido intermediados por Marcos Valério.

O político vivaz, falante, participativo deu lugar a um homem amargo, retraído, silencioso, ressentido. Envergonhado. Um dos raros, diga-se.

Por inteligência e atributo de caráter, Genoino tem noção do que se passa; o constrangimento impede o atrevimento.

Não é o caso de José Dirceu. Mesmo confrontado com acusações graves, deixou a Casa Civil disposto a “governar da Câmara”. Pretendia, como parlamentar, liderar a bancada governista e até presidir a instituição. Tal pretensão não teve a duração de um discurso, que não conseguiu sequer terminar, questionado em sua legitimidade. Pouco depois seria cassado e hoje aguarda o julgamento do Supremo agindo como se nada tivesse ocorrido.

Ele fala - tem direito -, mas não influencia.

O senador Eduardo Azeredo. Foi governador de Minas Gerais, presidente do PSDB, é investigado pelo STF pelo uso de esquema Marcos Valério, dispõe ainda do mandato, mas aniquilou-se a atuação política. Quanto mais quieto, mais contribui.

O ex-presidente do Senado, acusado por quebra de decoro e absolvido por seus pares, Renan Calheiros, quer desmentir as escrituras e, como líder do PMDB, tentar recuperar o antigo poder. Como quem repõe pasta de dentes no tubo esvaziado e assaz danificado.

Morder e assoprar

Presença de espírito - ou senso de oportunidade, para fins profissionais - não falta ao presidente Lula.

O arremesso de sapato ao jornalista na visita à Couromodas prestou-se à diluição do mal-estar provocado pelas declarações segundo as quais imprensa faz mal à saúde (dele).

Lula troca a figura do intolerante pela imagem do governante brincalhão e, por isso, inimputável.

O ensaio geral de um novo modelo

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

As prévias das eleições americanas, ou a busca de um modelo de contato preliminar com o eleitorado que esteja mais ao gosto da política brasileira, entraram definitivamente na agenda de políticos de diferentes partidos e até de ministros de Estado com pretensões eleitorais. O governador de Minas, Aécio Neves, foi apenas o primeiro a anunciar formalmente seu projeto de correr o país, a partir de fevereiro próximo, com o objetivo declarado de formular, ouvindo a sociedade, um projeto de governo a ser oferecido pelo PSDB na campanha presidencial de 2010.

Parlamentares do seu grupo político, no entanto, informam o objetivo não declarado do périplo, que teria como finalidade tornar o governador mineiro mais conhecido e afastar a idéia de que há apenas um candidato competitivo entre os tucanos, que seria o governador de São Paulo, José Serra, sempre em primeiro lugar nas sondagens de opinião realizadas por qualquer instituto de pesquisa.

Está ai, pois, o governador mineiro, dois anos antes do encerramento de seu mandato, já partindo para outra campanha que tem boa parte das características de uma prévia eleitoral. Há um ministro, também de Minas e potencial candidato à sucessão de Aécio, que vem intensificando a propaganda de seus atos e aumentando as viagens. Patrus Ananias (PT), pelo que revelam seus assessores em informes distribuídos com regularidade, visita os Estados mas tem um rota pelo interior de Minas bem característica de uma campanha prévia, a bordo dos programas assistenciais de sucesso do Ministério do Desenvolvimento Social, que servem bem às suas pretensões eleitorais.

A candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, há mais de um ano freqüenta os palanques presidenciais Brasil afora, com extrema regularidade, para elevar o nível de conhecimento que os eleitores têm dela e associar seu nome e projeto político aos do presidente. Isto é uma prévia, pois embora não haja uma disputa dentro do seu partido, um dos objetivos deste tipo de campanha - testar programas, discursos e até imagem - está se realizando integralmente.

Um grupo de parlamentares do PDT, PV, PT, PSB e PMDB deve iniciar brevemente a execução de um programa de contatos com a sociedade de todas as regiões do país, também comparável às prévias. Os senadores Cristovam Buarque (PDT), Eduardo Suplicy (PT), Paulo Paim (PT) e Pedro Simon (PMDB), os deputados Ciro Gomes (PSB) e Fernando Gabeira (PV), e a ex-senadora Heloísa Helena (P-SOL) vêm conversando sobre alternativas ao fugaz e tardio contato com o eleitorado que se dá no período da propaganda gratuita de televisão ou do debate entre candidatos.

"Vamos chegar a uma universidade, ou a uma praça, a uma reunião de associações, e debater com a população um projeto para o país, explicar o que faríamos se fôssemos presidente", informa Cristovam Buarque. Suplicy não pretende disputar prévia eleitoral para escolha do candidato do PT a presidente da República, já avisou isto ao presidente Lula e à ministra Dilma Rousseff, a quem deu seu apoio. Mas aceitou fazer parte deste projeto de palestras pelo país. "Falar às universidades, ser ouvido como uma pessoa com idéias para o Brasil, eu aceito. Avalio como muito importante o processo de debater idéias", assinala.

Fernando Gabeira, que acaba de sair de uma campanha extremamente disputada para a Prefeitura do Rio, em que perdeu por uma pequena margem de votos e cresceu muito ao longo da caminhada, diz que há uma diferença entre as campanhas eleitorais americana e brasileira que é fundamental. O período pré-eleitoral da eleição americana é muito intenso, nele é possível mobilizar o país de forma ampla. "Estávamos querendo que as eleições brasileiras fossem discutidas e acompanhadas de forma que os candidatos pudessem mobilizar seus eleitores e a campanha não fosse reduzida apenas a assistir debates pela televisão".

De qualquer forma, Gabeira argumenta que não chegou a firmar compromisso em torno do programa porque, na sua opinião, a situação política de cada um dos envolvidos é diferente. "O Cristovam é candidato a candidato, a Heloísa Helena também, seria mais interessante que eles saíssem fazendo estas palestras. Não sou candidato a presidente. De uma certa maneira vou ter que cuidar da eleição local, estadual", explica.

Sem prejuízo da atenção à política estadual, no entanto, Gabeira poderá contribuir para que o debate nacional seja o mais intenso possível. "Quando chegar o momento, podemos dar palestras, participar de algum debate sobre a perspectiva do país para animar um pouco mais a eleição presidencial. Minha pretensão pessoal é apenas a de animar, de fazer com que seja o mais participativa possível, mas pessoalmente não estarei dentro dela. E qualquer eleição que eu dispute, do espectro que existe aqui, de senador, deputado, governador, será decidida no âmbito estadual". Além das viagens pelo Brasil, Gabeira lembra o novo papel da Internet na dinamização das campanhas com que, a seu ver, chega-se a melhores resultados gastando menos energia.

Cristovam diz que várias universidades já estão manifestando interesse em sediar esses debates, entre elas a Cândido Mendes, no Rio, e as Federais do Paraná e de Pernambuco.

"Temos que criar a cultura da prévia, é positiva, é democrática, permite que a população se envolva no processo eleitoral antes do horário gratuito", enfatiza Cristovam. Para o senador, o processo eleitoral brasileiro, como está no momento, não permite o surgimento de propostas novas. "No Brasil nem tem prévia nem tem primeiro turno, pois a mídia e os institutos de pesquisa já definem logo quem são os dois contendores", afirma. Se nada lograr em termos de resultado eleitoral, o senador confia em resultados importantes do ponto de vista da opinião. Uma boa proposta, em um processo pré-eleitoral deste tipo, terá que, a seu ver, merecer atenção dos candidatos viáveis.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Garotinho perde espaço no PMDB e busca novo partido

Christiane Samarco e Alexandre Rodrigues
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com sinal verde de Aécio, ex-governador do Rio negocia com PSDB, mas também sonda o PTB

Na tentativa de recuperar espaço político, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PMDB) já se movimenta de olho na tendência de fortalecimento da candidatura da oposição na disputa presidencial de 2010. Em uma articulação que obteve sinal verde do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), graças à ajuda do prefeito tucano de Duque de Caxias , José Camillo Zito, Garotinho negocia para entrar no PSDB e se tornar candidato da legenda ao governo do Estado do Rio em 2010.

Não é por acaso que o ex-governador recorre ao prefeito de Caxias em busca de uma nova ponte com o PSDB. Zito é hoje um dos políticos mais influentes na Baixada Fluminense. Prefeito de Caxias pela terceira vez, o tucano venceu, em primeiro turno, o candidato do PMDB, Washington Reis, que tinha o apoio do presidente Lula e do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Um dirigente do PMDB conta que correligionários de Garotinho atuaram nos bastidores para despejar votos em Zito, ajudando a derrotar o afilhado do governador.

Garotinho também está em conversações com o PTB. Ele trabalha para construir uma alternativa partidária porque está cada dia mais espremido no PMDB, entre a força de Cabral e a nova liderança do prefeito do Rio, Eduardo Paes. Embora desgastado politicamente, ainda controla um bom número de votos no interior do Rio. Sua mulher e também ex-governadora Rosinha Matheus é a nova prefeita de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. O movimento do casal em direção aos tucanos vem de longe.

No segundo turno da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PMDB fluminense rachou: enquanto Cabral ficou com Lula, Garotinho e Rosinha apoiaram o tucano Geraldo Alckmin. O último aceno ao PSDB foi no primeiro semestre do ano passado, quando o ex-governador chegou a procurar o líder tucano no Senado, Arthur Virgílio (AM), buscando nova aproximação.

“Não excluo a possibilidade de conversa com Garotinho, mas não há nada de concreto no partido em relação a isso”, afirma o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). “Não é a primeira tentativa de aproximação, mas, até hoje, nem o governador Garotinho nem ninguém dele teve entendimento conosco.”

Guerra explica que a posição do PSDB fluminense é se ajustar à aliança montada na eleição municipal em torno do candidato do PV, Fernando Gabeira, da qual também participaram o PPS e o DEM. “A decisão do partido é dar consistência à aliança que obteve quase 50% dos votos na capital”, insiste Guerra.

Como Cabral será candidato à reeleição, Garotinho procura uma legenda que lhe dê abrigo para tentar voltar ao Palácio das Laranjeiras. Mas não será fácil compor com os tucanos. Até por isso também negocia com o PTB. “Eu serei uma voz contra. Vou dar continuidade à política de alianças vitoriosa que montamos com Gabeira”, antecipa o deputado Luiz Paulo Velloso Lucas (PSDB-ES), que ajudou a coordenar a campanha do PV no Rio. O ex-prefeito Cesar Maia (DEM), que planeja disputar o governo do Rio em parceria com o PV de Gabeira e o PPS de Denise Frossard, ambos na chapa para o Senado, deve ser outra pedra no caminho de Garotinho.

Boa parte do tucanato gostaria que Cabral oferecesse seu palanque ao candidato do PSDB à sucessão de Lula. Mas o cenário de uma aliança entre o PMDB e o PT ainda é considerado o mais provável.

Reação conservadora

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Nem mesmo tomou posse, e o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, já se vê às voltas com dificuldades com um Congresso que é dominado amplamente por seu partido, mas que não pretende ter um papel anódino na condução das grandes questões nacionais. Ele ontem já ameaçou usar o poder de veto presidencial, caso o Congresso não autorize imediatamente a liberação da segunda parcela do fundo que foi aprovado logo no início da crise, em setembro passado. São US$350 bilhões que ele pretende usar a partir do primeiro dia de seu governo, e o Congresso quer, antes de liberar, montar um forte sistema de acompanhamento dos gastos, o que pode atrasar a liberação.

Embora a maioria dos indicados para seu primeiro escalão tenha passado sem problemas pelas sabatinas no Congresso, ele teve também de sair em defesa do futuro secretário do Tesouro, Timothy Gheitner, acusado de não ter pagado certos impostos e de ter usado uma empregada em situação ilegal em sua casa. Mas problemas políticos sérios ele poderá ter quando o futuro ministro da Justiça, Eric Holder, for sabatinado.

A campanha dos conservadores contra uma suposta postura leniente no combate ao terrorismo da futura administração está crescendo, e explica parte das concessões que Obama vem fazendo, na maioria retóricas, no tratamento do assunto.

As declarações de Dawn Johnsen, nomeada para chefiar o escritório de aconselhamento legal do Ministério da Justiça, considerando "chocantemente errada, fraudulenta, bizarra" a base legal para a autorização de "interrogatórios duros" de terroristas, está irritando os republicanos.

É desse departamento que saem as interpretações legais dos atos do governo, e uma visão mais "flexível" do que seja tortura foi que permitiu que os presos acusados de terrorismo fossem interrogados com a utilização de técnicas de tortura que o presidente eleito promete banir.

O chefe imediato de Dawn Johnsen é o futuro ministro da Justiça, Eric Holder, ele próprio às voltas com críticas dos conservadores americanos desde que foi indicado.

Ele era uma das vozes mais críticas à maneira como o governo Bush combatia o terrorismo, depois de ter tido palavras de apoio logo em seguida aos ataques de 11 de setembro de 2001, quando considerou que os presos podiam ser tratados como combatentes, dando a entender que os excessos do Ato Patriótico editado pelo governo Bush poderiam ser justificados.

Sua posição mudou radicalmente diante dos excessos, e ele classifica a política antiterrorista de Bush de "exorbitante e ilegal", passando a defender o fechamento da prisão de Guantánamo, em Cuba, onde os prisioneiros da Guerra do Iraque eram confinados sem um julgamento pelas regras do sistema judiciário americano e sem prazo definido de detenção.

Antigo servidor do governo Clinton, Holder é acusado de ter ajudado Hillary Clinton na sua disputa pelo Senado em Nova York ao ter apoiado o perdão a um grupo de terroristas de Porto Rico que colocou bombas em vários locais de Nova York, matando quatro pessoas em um restaurante.

O grupo Forças Armadas de Liberação Nacional (Faln) lutava pela independência de Porto Rico, que tem uma grande comunidade de residentes em Nova York. Na verdade, quando o presidente Clinton os perdoou, os terroristas estavam presos há 19 anos e uma comissão de prêmios Nobel da Paz, entre eles o ex-presidente Jimmy Carter, pediu a clemência, alegando que as penas eram muito maiores do que as normalmente atribuídas ao tipo de crime que haviam cometido.

Os conservadores atribuem, porém, esse tratamento dado aos terroristas porto-riquenhos a uma atitude recorrente do grupo que agora chega ao poder, e acusam a futura administração de colocar em risco a segurança do país com as mudanças de visão da política antiterrorista que pretendem implantar.

O marqueteiro conservador Dick Morris, um dos maiores críticos de Barack Obama, diz que ele está trazendo para o combate ao terrorismo o mesmo espírito que dominou a Suprema Corte durante o período em que foi presidida pelo juiz Earl Warren, conhecido como "The Warren Court", de 1953 a 1969, quando os direitos civis foram ampliados e as liberdades individuais fortalecidas por decisões que tiveram impacto profundo na sociedade americana.

Segundo Dick Morris, foi essa liberalização que levou à vitória dos conservadores com a eleição de Richard Nixon. Ele diz que, embora as decisões daquele período tenham permitido que muitos bandidos ficassem fora das prisões, por terem sido interrogados de maneira abusiva, terem sido presos sem o devido processo legal e sofrido torturas, pode-se aceitar esses perigos colaterais pelo reforço da democracia, embora seja indiscutível, segundo ele, que essas decisões levaram ao aumento da criminalidade nos Estados Unidos.

Mas, com relação aos terroristas, a mesma postura pode colocar em perigo a sociedade americana, tornando-a mais vulnerável a outro ataque terrorista semelhante ao de 11 de setembro de 2001. Segundo ele, o futuro presidente está colocando sua visão sobre os requerimentos constitucionais acima da segurança do país.

Essas mesmas acusações certamente serão vocalizadas por setores do Partido Republicano durante a próxima sabatina de Eric Holder no Congresso.

Nada que possa evitar sua nomeação para o Ministério da Justiça, mas uma sinalização de como será agressiva a atuação da oposição em relação ao combate ao terrorismo, e como é delicado o momento, quando ao mesmo tempo é preciso fazer voltar a valer a letra da lei, mas também impedir um ambiente propício a novos atentados.

A crise como possibilidade de um projeto nacional de desenvolvimento

Carlos Lessa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


No início do milênio era majoritária, no Brasil, a percepção de que o modelo de desenvolvimento estava esgotado. Mudança era a palavra síntese das aspirações brasileiras ao bem-estar, à civilização e a uma sociedade que expurgasse os vestígios históricos inconvenientes.

Creio que o presidente Lula foi fiel a uma diretiva que, à falta de outro nome, chamarei neopopulista. Instituiu o programa Bolsa Família, que hoje beneficia mais de 11 milhões de famílias (há um saldo de duas a três milhões de famílias a serem incorporadas ao programa). É positiva a interatividade do Bolsa Família com a escola pública primária. É de grande coerência a elevação sistêmica do salário mínimo real, que é no Brasil o elemento que precifica o trabalho dos autônomos e informais e um argumento poderoso nas mesas de negociação sindical. Ao longo dos dois mandatos de Lula, a execução do programa Luz para Todos integrou milhares de localidades a redes elétricas. Outras iniciativas, em relação ao pequeno produtor rural, por exemplo, se alinham segundo a diretiva neopopulista. É meritória a firmeza com que o presidente Lula resiste às tentativas de mutilação do sistema de Previdência Social. Os encantos da Casa das Garças não lhe seduzem.

Observo, com preocupação e restrições, o crédito consignado e o desconto em folha. Sei do desejo popular pelo acesso a um crédito que lhe permita a aquisição de móveis, eletrodomésticos, computadores, automóveis e motocicletas. Na cultura popular, os denominados bens duráveis de consumo formam o patrimônio mais sólido da família pobre brasileira; servem de hipoteca para o comércio birosqueiro que lhe fornece o básico quando a volatilidade e a insegurança do trabalho informal geram um hiato de renda. Sei também que o sonho popular é desfrutar desses bens como escada de um patamar de vida melhor. O nosso típico comprador a prazo observa o tamanho da prestação; é displicente quanto aos juros implícitos ou explícitos no financiamento dessa aquisição. Além do mais, tenta ser um ótimo pagador, pois considera "sujar a ficha" um veto ao seu sonho patrimonial.

No Brasil, não há a prática da hipoteca na compra de bens duráveis. O candidato à compra, enquanto paga suas prestações, é um fiel depositário. Se não pagar, perde o bem e todas as prestações já pagas. No crédito consignado, o vendedor e o financiador estão tranqüilos, pois a previdência pública garante; no desconto em folha, a garantia é dada pela carteira assinada e pelo desempenho da empresa contratante.

A venda financiada pode estimular uma retomada de investimentos das empresas desses setores. Isso anima a indústria de máquinas e equipamentos e as engenharias voltadas ao planejamento e montagem industrial; novos empregos são criados, há tendência à melhoria salarial e novas vendas financiadas são realizadas. Em resumo, o endividamento familiar pode ser o ponto de partida de um circulo virtuoso de crescimento. Em contrapartida, pode dar origem a uma bolha análoga àquela que, tendo estourado, está na partida da atual crise econômica mundial.

Se as empresas, intimidadas pela crise, interrompem ou adiam seus investimentos, com isto destroem empregos e irradiam a sensação de tempos difíceis para todos os ramos empresariais. As famílias já endividadas tendem a encolher seus gastos correntes. Novos candidatos ao crédito relutam ou esperam uma promoção mais atraente. Se a queda do investimento privado for acentuada e acelerada a destruição de empregos, a bolha dos ativos financeiros pode se dissolver.

A crise mundial, em sua vertente de crédito, já se disseminou pela economia brasileira por variados caminhos. A bolha tupiniquim não pode se dissolver, porém a progressão e a intensidade da crise mundial tornam esta ameaça muito presente, sobretudo porque é desconhecida a extensão em que empresas atuantes no Brasil estão diretamente afetadas pelas fogueiras de derivativos e pela desaparição de ativos fictícios.

Porém, ao mesmo tempo, o Brasil pode rejeitar a política monetária orientada por metas de inflação, que nos situa em primeiro lugar no pódio mundial dos juros básicos; a sinalização e a prática de reduções substanciais da taxa Selic terá um efeito anticíclico extremamente positivo no Brasil. Entretanto, precisa ser acompanhada de uma centralização das operações de câmbio e uma política positiva e ativa de controle do movimento de capitais internacionais. O Banco do Brasil deveria ser o operador desta centralização e o Banco Central, ouvindo o Congresso Nacional, fixaria as principais diretivas.

Não podemos permitir que haja "um cristianismo sem inferno" para os especuladores, nem que filiais estrangeiras que se nutrem no mercado interno brasileiro façam movimentações especulativas de capitais; não podemos, sob hipótese nenhuma, permitir um ataque especulativo ao real após a destruição de nossas reservas internacionais. Creio que irão se multiplicar práticas de dumping e, de um modo geral, haverá um retorno a procedimentos protecionistas. Desde logo, o Brasil tem de trabalhar com estas hipóteses.

Se nosso BC passar a considerar a deflação mundial como um risco de crescente peso, políticas defensivas de setores agropecuários devem ser pensadas. Aparentemente, a crise mundial expulsou os neo-especuladores da globalização financeira da Bolsa de Mercadorias de Chicago; o discurso sobre o preço das commodities voltou a ser fundamentalista. Simultaneamente, procedimentos clássicos de controle de preços passaram a ser adotados.

O governo americano aumentou, substancialmente, sua reserva de barris de petróleo, tornando mais difícil as operações da Opep. A China manteve sua siderurgia a pleno vapor e passou a estocar os excedentes de aço produzido. Tanto a Rússia quanto a França já fixaram como diretrizes, nessa crise, preservar suas empresas essenciais. A Vale do Rio Doce, em vez de sua pretensão de ser a maior mineradora do mundo, deveria retornar a seu papel de empresa estratégica brasileira. Os puristas dirão que o Banco do Brasil e a Petrobras são hoje empresas de capital aberto, o que sugere a alta prioridade do fundo soberano brasileiro operar a recompra das companhias estratégicas para o desenvolvimento brasileiro.

Ao neopopulismo já executado com algum êxito, o presidente Lula dispõe da potencialidade do Brasil emergente em um projeto nacional de desenvolvimento que preserve e construa salvaguardas de uma crise mundial que, além de severa, irá reestruturar o grande jogo internacional.

Carlos Lessa é professor-titular de economia brasileira da UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras.

Hora incerta

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O desemprego e a informalidade caíram quatro anos seguidos. Os salários e a renda aumentaram. Agora está havendo o inverso; os números devem piorar nos próximos meses. O desafio do governo e das empresas do Brasil este ano será manter e criar empregos. Ontem saíram assustadores indicadores antecedentes, todos apontando para quedas de produção e vendas.

O IBGE divulgou queda de 0,6% no emprego industrial em novembro, a maior queda mensal desde outubro de 2003. A indústria divulgou que as vendas de papelão ondulado caíram 15,5% em dezembro. A FGV divulgou um indicador antecedente desenvolvido junto com a Eletropaulo-AES, o Sinalizador da Produção Industrial, com queda de 13,5% em dezembro.

- Acho esse último dado mais assustador. Se o Sinalizador da Produção Industrial estiver certo, isso daria um efeito na produção industrial do Brasil de aproximadamente menos 5,5% em dezembro. Outros dados gravam esta tendência, como a queda de 15% na venda de papelão ondulado. Nossa projeção para a produção industrial de dezembro já é de queda de 6,5% - diz o economista Marcelo Sperb.

O economista Sérgio Vale, da MB Associados, diz que a previsão da consultoria também é pessimista.

- O choque foi amargo e dezembro de 2008 mostrará bem isso, com queda de 9,8% em relação a dezembro de 2007.

A crise econômica chegou quando o Brasil ainda não tinha resolvido os desequilíbrios no mercado de trabalho. Mesmo no auge do ano passado, a informalidade continuava grande, o desemprego para jovens não tinha caído e havia falta de trabalhadores qualificados. As empresas que investiram em formação dos seus funcionários estão hoje, em alguns casos, enfrentando o dilema de ter que demitir aqueles nos quais investiu.

Um médio empresário do Espírito Santo, da área de Tecnologia da Informação, fez isso. Passou quatro anos qualificando seus trabalhadores. Ele é fornecedor para a indústria siderúrgica. Quando a situação começou a complicar, ele não quis demitir, porque sentia que seu principal capital era o intelectual, os trabalhadores nos quais tinha investido. Veio a crise, seus contratos foram todos suspensos e ele está, agora, às vésperas de encerrar as atividades. Ele pediu que não publicássemos seu nome e o da empresa, porque está exatamente no meio do caminho de liquidar as últimas contas e fechar as portas, mas sua história é bem emblemática.

Em quatro anos ele formou uma equipe de 40 consultores - uma equipe jovem e bem treinada. Os cursos eram pagos pela empresa, que também oferecia bolsa para quem quisesse se especializar. Em 2006 surgiu a oportunidade de expandir os negócios em São Paulo. O faturamento, em um ano, passou de R$6 milhões anuais para R$12 milhões, mas os custos na capital paulista foram maiores. Ele não teve tempo de treinar jovens, teve que contratar profissionais mais caros.

- O que eu ganhei de cliente em São Paulo, rapidamente, perdi. E como não consegui renovar os contratos, e ainda acreditava em projetos e na equipe, demorei a desmontar a estrutura. Tive de pegar empréstimos para pagar salários. Depois que deixei os negócios em São Paulo, os contratos que eu tinha me permitiam pagar a equipe do Espírito Santo e os empréstimos. Mas a crise aqui chegou antes - diz o empresário, que luta para quitar os débitos fiscais de seu negócio.

Seus erros - digamos assim - foram gastar com qualificação de pessoal e querer ampliar o negócio no meio do boom de crescimento.

- No segundo semestre do ano passado as coisas foram piorando, os contratos não foram renovados e nestes últimos dois meses tudo piorou ainda mais. A crise abateu as empresas locais de prestação de serviços.

Há várias situações diferentes: grandes empresas com crises nas suas matrizes e que precisam reduzir custos de qualquer forma; as indústrias dos setores de bens de capital, bens de consumo duráveis, bens intermediários e matérias-primas industriais estão com queda forte de vendas e, o que é pior, sem visibilidade do que vai acontecer nos próximos meses. Por isso demitem. E isso vai afundando mais ainda a economia.

Esta deveria ser a hora de se pensar em encontrar outras formas menos rígidas de contrato de trabalho. O empresário capixaba afetado pela crise descreve sua situação assim:

- Me sentia trabalhando para pagar a bancos e ao governo. Parece que tudo conspira contra você quando vem uma crise. Aqui no Brasil, os impostos são altos, os encargos são elevados e o governo não quer saber da sua situação, só de arrecadar. O custo do trabalho é muito grande. Neste momento, fala-se de tudo, mas o governo não apresentou uma proposta para reduzir encargos trabalhistas. Não é tirar benefício do trabalhador, mas reduzir os custos do empregador.

Indicadores como consumo de energia, venda de papelão ondulado e sinalizador da indústria servem para antecipar o ritmo de crescimento que o país terá no futuro. Eles estão todos trazendo quedas fortes, como se viu ontem com o papelão ondulado. Quando se vende menos papelão ondulado é porque há menos produtos para serem embalados.

Até os índices de emprego começam a sentir o impacto.

- O emprego, geralmente, é um dos últimos índices econômicos a sentir a desaceleração, mas, pelas notícias correntes, as demissões estão se acelerando - diz Marcelo Sperb.

Empregos por decreto

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Governo não vai impedir desemprego reclamando das empresas que levam auxílios (subsídios?) e ainda demitem

ATÉ QUE demorou para se ouvir besteira maior no governo nesta crise. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, reclama que as empresas recipientes de auxílios do governo não demitam. Parece "tudo pelo social", mas é uma campanha quase totalmente idiota.

Tome-se o caso que reacendeu a celeuma, o das demissões em montadoras, para as quais Lula e José Serra dirigiram bilhões de crédito oficial. As financeiras das montadoras, diz-se, haviam ficado sem fundos para emprestar aos clientes.

Imagine-se que, num momento inicial, as montadoras estimassem que a demanda de carros fosse "tal" e que o custo de captação dos bancos oficiais fosse "qual" (o que determina o custo do dinheiro repassado às financeiras. De outro modo, se o custo é inferior ao de mercado, haveria subsídio. Há subsídio?).

No momento seguinte, o custo de captação dos bancos oficiais sobe para "qual + 1", o que encarece o financiamento do carro, e a crise assusta mais os consumidores, que compram menos, por precaução. A demanda de carros cai, digamos, pela metade. A montadora, por hipótese, entra no vermelho, mesmo com crédito oficial. Deve demitir ou falir?

"Coitadinhas das montadoras"?

Não. Mas a cobrança oficial não faz sentido, no limite desse caso. Ou, então, deve-se levar o raciocínio adiante. As montadoras ganharam muito dinheiro nos últimos dois anos. Remeteram muito lucro para suas matrizes quase falidas. Se a lógica oficial é consequente, o governo deve exigir que as montadoras passem a doar parte de seus lucros, cortando remessas (isto é, que engulam prejuízos, mesmo vendendo menos).

A divisão de prejuízos nunca é "justa", obviamente. As empresas podem por vezes dar mais aumentos ou demitir menos do que o fazem, mas o fazem porque detêm mais poder que os trabalhadores. Mas há um limite (para a divisão mais equitativa dos prejuízos da crise) que é o da racionalidade econômica numa economia de mercado.

O raciocínio vale para os bancos.

Podem estar travando demais o crédito (o que piora a crise e a própria situação deles), mas, se emprestarem demais em tempos de recessão, também podem ir à breca. Não há soluções diretas, por decreto.

O caso serve ainda para o governo repensar a miríade confusa de proteções tarifárias e isenções tributárias para empresas. Muita vez o subsídio apenas barateia o investimento que seria feito de qualquer modo por empresas beneficiadas. Certos subsídios fazem sentido, mas no tumulto nacional não se sabe quem recebe o que, para qual fim, com quais objetivos socialmente razoáveis.

Há medidas paliativas. Aumentar o seguro-desemprego ou, talvez, reduzir impostos sobre salários. Mesmo assim, o impacto disso é muito incerto, ainda mais quando se lida com uma crise (macro) que afeta diferencialmente empresas (micro).

O essencial, agora, é dar um jeito de destravar o crédito, de "punir", de modo indireto, bancos com reservas demais. Dar um talho na Selic, embora o refresco tenda a ser pequeno.Induzir empresários a investir em infraestrutura por meio do investimento público, que anda como um cágado. Decretos moralizantes e intervencionistas (no nível micro) não vão adiantar nada.

Emprego industrial tem maior queda em 5 anos

PEDRO SOARES
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
DA SUCURSAL DO RIO

O nível de emprego na indústria brasileira caiu 0,6% entre outubro e novembro passados, segundo o IBGE, na série livre de influências sazonais. Foi o pior desempenho do indicador desde outubro de 2003, quando o país estava em recessão. De acordo com o IBGE, caiu também o número de horas pagas, reflexo de férias coletivas não-programadas.

Crise reduz emprego e renda na indústria

Setor registrou em novembro a maior queda no nível de vagas desde 2003, aponta IBGE; ministro prevê dezembro pior

Para economista, indicador deu "sinais muito rápidos" de piora; setores que empregam mais e exportadores lideram corte de postos de trabalho

Afetado pela crise, o emprego na indústria não resistiu a dois meses consecutivos de queda na produção: cedeu 0,6% de outubro para novembro na série livre de influências sazonais, segundo o IBGE. Foi o pior desempenho desde outubro de 2003 (-0,7%), quando o país estava em recessão. Em outubro, o indicador havia recuado apenas 0,1%, variação tida como estável pelo IBGE.

Na comparação com novembro de 2007, o nível de ocupação da indústria ainda registrou expansão -de 0,4%-, mas já mostra sinais claros de desaceleração. Em outubro, a alta havia sido de 1,6%. Até setembro, oscilou na faixa de 2,2% a 3,5%. Para essa pesquisa, realizada diretamente com as empresas, o IBGE não divulga números absolutos de empregos.

"O efeito da crise financeira internacional já chegou às variáveis do mercado de trabalho, após dois meses seguidos de recuo da produção industrial", afirma Denise Cordovil, economista da Coordenação de Indústria do IBGE.

Além do emprego, a renda também sofreu os reflexos da crise. A folha de pagamento do setor caiu 2,7% em novembro na comparação com outubro.

No acumulado de janeiro a novembro, o emprego ainda registra expansão -de 2,4%. A folha de pagamento também se manteve em alta -6,3%. Ambos os indicadores mostraram, porém, uma tendência de arrefecimento no final do ano.

Segundo Cordovil, o mercado de trabalho na indústria sofre com os efeitos da secura do crédito, da retração das exportações e da freada no nível de confiança de empresários e consumidores. Tal cenário rebateu nas fábricas. Em apenas dois meses, a indústria viu seu nível de produção cair 7,8% -5,2% em novembro e 2,8% em outubro, na taxa livre de influências sazonais.

Para Rogério Souza, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria), o emprego respondeu negativamente à retração da produção com uma defasagem temporal muito pequena, menor do que o habitual.

Bastou apenas um mês de aprofundamento da crise global, diz, para o mercado de trabalho se deteriorar. O economista prevê ainda novas quedas no nível de emprego tanto em dezembro quando no primeiro trimestre de 2009. "Há muito tempo a indústria não convivia com problema de emprego, como se configura agora por causa da crise", afirma Souza.

Para Fábio Romão, da LCA, o emprego na indústria deu "sinais muito rápidos" de piora, tendência que se manterá ao longo de todo o primeiro trimestre. Uma recuperação gradual, de acordo com ele, só terá início no segundo trimestre, mas com maior intensidade no segundo trimestre.

Romão avalia que a folha de pagamento sofrerá menos do que o emprego com a contração do mercado de trabalho neste ano. Segundo ele, haverá o impacto positivo do reajuste real do salário mínimo neste ano, indexador principalmente dos salários mais baixos e do mercado informal.

Pelos dados do IBGE, setores tipicamente exportadores, na maioria dos casos, e intensivos em mão-de-obra sentiram mais os efeitos do recuo do emprego. É o caso de vestuário (queda de 9,8% ante novembro de 2007), calçados (-8,2%) e madeira (-9,9%), que exerceram as maiores pressões.

Dezembro pior

O ministro Carlos Lupi (Trabalho) disse que não se surpreendeu com a queda no emprego industrial. "Em dezembro, já tem uma queda grande, normal, por causa do final dos contratos temporários e prevíamos que ia aumentar. Deve ser um número bem maior do que habitualmente é", afirmou. "Já era previsível que essa crise começasse a afetar a área de empregabilidade de uma maneira mais forte em dezembro."

Para ele, janeiro e fevereiro normalmente não são meses de grande empregabilidade. "Teremos janeiro e fevereiro fracos e março voltando a ter crescimento da empregabilidade por causa do fortalecimento da economia brasileira", disse.

Colaborou a Sucursal de Brasília

Emprego tem a maior queda em 5 anos na indústria

Jacqueline Farid, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O IBGE informou que o emprego na indústria caiu 0,6% em novembro sobre o mês anterior, o maior recuo desde outubro de 2003. Para analistas, é resultado da crise.

Emprego tem a maior queda desde 2003


Dados do IBGE mostram recuo de 0,6% no emprego industrial em novembro

O mercado de trabalho industrial foi afetado pela crise em novembro e apresentou o pior resultado em cinco anos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem uma queda de 0,6% no emprego na indústria em novembro ante o mês anterior, a maior desde outubro de 2003. Na comparação com igual mês de 2007 houve aumento na ocupação (0,4%), mas o desempenho nesse confronto foi o pior em dois anos. Houve queda na folha de pagamento real e no número de horas pagas no setor.

O economista da coordenação de indústria do IBGE André Macedo avalia que os resultados do mercado de trabalho, sobretudo em relação às horas pagas, refletem a perda de dinamismo do setor, por causa da crise. “Os dados vieram em linha com o atual momento da produção industrial, especialmente o número de horas pagas, que é o principal indicador antecedente do emprego.”

Segundo Macedo, tradicionalmente os movimentos na produção chegam com alguma defasagem à indústria, mas desta vez os efeitos ocorreram imediatamente após a reversão brusca no desempenho do setor. O número de horas pagas na indústria caiu 1,7% em novembro ante outubro, a maior queda da série histórica iniciada em janeiro de 2001. Em relação a novembro de 2007, houve recuo de 0,4%, após 29 meses de taxas positivas, como resultado das paralisações e férias coletivas em algumas empresas.

Para Ariadne Vitoriano, da Tendências Consultoria, os dados “refletem os efeitos da crise externa e da restrição de crédito sobre a atividade”. Para os próximos meses, ela espera “ainda resultados negativos em razão da maior cautela do empresário industrial”.

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) divulgou documento no qual alerta que “podemos considerar que o recuo de novembro é ainda modesto, mas o processo deve se agravar”.

Acordo em SP reduz jornada e salário para evitar demissão

Adauri Antunes Barbosa, Cássia Almeida e Henrique Gomes Batista
DEU EM O GLOBO

Um acordo inédito - pelo número de entidades envolvidas, com representantes da indústria, do comércio e da agricultura - foi selado ontem para redução de jornada e de salários. Pelo lado dos trabalhadores, estavam a Força Sindical e a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), que representam seis milhões de assalariados em São Paulo. O objetivo é evitar demissões diante do agravamento da crise mundial. Os detalhes devem ser fechados nos próximos dias. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) se recusou a participar da reunião porque não aprova uma negociação única para todos os setores num modelo de acordo "guarda-chuva". Em 2001, a CUT fechou acordo com a Volks alemã para suspender 3 mil demissões em troca de redução de salário e jornada.

Em nome do emprego

Trabalhadores e patrões selam acordo para conter demissões em massa na crise

Runidos ontem com representantes da indústria, do comércio e da agricultura de São Paulo, os trabalhadores do estado selaram um amplo acordo que inclui a redução de direitos trabalhistas para evitar demissões em massa. Os detalhes do entendimento, que serão diferenciados por setor de atividade e categoria, serão fechados até quarta-feira da próxima semana e a negociação vai envolver dirigentes das federações das Indústrias (Fiesp), do comércio (Fecomércio) e da agricultura (Faesp), do lado dos empresários, e dirigentes da Força Sindical e Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), representando seis milhões de trabalhadores. O acordo, segundo especialistas, é único na história recente do país.

A redução de jornada de trabalho e de salários é o principal ponto de discussão. Patrões e empregados pretendem negociar também a suspensão do contrato de trabalho (permitida hoje por cinco meses), férias coletivas e banco de horas. Na quinta-feira da semana que vem, o texto do acordo será apresentado como sugestão para que empresas e sindicatos das bases firmem os entendimentos por categoria.

A proposta negociada entre empresários paulistas e a Força Sindical, no entanto, divide os sindicalistas. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que representa 4,8 milhões de trabalhadores em São Paulo, se recusou a participar da reunião de ontem na sede da Fiesp porque quer negociar "a partir de outras premissas", afirmando que não aceita discutir uma "agenda negativa" que parta da redução de salários.

- Nós estamos propondo aos empresários de São Paulo discutir todas as alternativas que estão na legislação, desde férias coletivas, a licença remunerada, banco de horas, suspensão do contrato de trabalho e até a redução da jornada com redução de salário desde que, em troca disso, se garanta o emprego dos trabalhadores nesse momento de crise - explicou o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.

CUT não aprova entendimento

O presidente da CUT, Artur Henrique, diz que o processo de negociação "é necessário", mas ele argumenta que há impacto diferente da crise em cada empresa ou setor da economia. Isso daria oportunidade para que, dentro de um "acordo guarda-chuva", entendimentos desnecessários sejam propostos, nos quais trabalhadores levariam desvantagem, por exemplo, no caso dos bancos:

- Estamos dispostos a negociar a partir da premissa da garantia do emprego. Não vamos participar de reunião que tem como ponto de partida redução de salários atrelada à redução da jornada, suspensão de contratos e flexibilização de direitos.

Para o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, o desemprego vai subir em dezembro contra o mês anterior e é o fato mais grave dessa crise e "a maior preocupação", daí a necessidade de minimizar o risco das demissões:

- Nós não precisamos esperar o resultado. Uma das medidas eficazes, que já estão na lei, não depende de legislação, de flexibilização nem nada: seria a redução de jornada com redução de salário. E nós estamos oferecendo, para o tempo ocioso desses trabalhadores que fizerem o acordo de redução de jornada agora, oportunidade de cursos profissionalizantes gratuitos, através do Senai, do Senac e do Senar.

Segundo João Guilherme Vargas Neto, consultor sindical, este acordo é inédito. Algo semelhante, sem essa dimensão, foi acertado em novembro de 2001. À época presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, ligado à CUT, Luiz Marinho foi à Alemanha negociar a suspensão de 3.075 demissões na fábrica da Volks em São Bernardo do Campo, admitindo a redução do salário e da jornada em 15%. Mais tarde, em 2005, veio à tona um escândalo envolvendo pagamento de prostitutas pela montadora durante a visita dos sindicalistas.

Lupi quer crédito atrelado a emprego

Convocado ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar esclarecimentos sobre o aumento do desemprego no país, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, afirmou que uma das medidas que deverão ser tomadas para minimizar o quadro de fechamento de postos de trabalho será vincular a concessão de novos benefícios fiscais, como desonerações e financiamento, e de financiamentos pelos bancos oficiais à manutenção de vagas. Ele criticou os setores que, mesmo recebendo incentivos fiscais, continuam demitindo. Citou como exemplo as montadoras de veículos. Outras medidas continuam em estudo, afirmou:

- Poderemos ter medidas de estender o seguro desemprego para alguns setores e dar isenção (de impostos) para outros setores. Vamos esperar os dados de dezembro, que serão divulgados na segunda-feira, para ter uma radiografia melhor do emprego no país.