quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

''Coisa de preto''

Demétrio Magnoli
DEU EM O GLOBO


O Senado logo retomará o debate do projeto de lei de cotas raciais nas universidades e escolas técnicas federais, que pode tornar-se a primeira lei racial da nossa história. Diferentes pesquisas evidenciam que ampla maioria dos brasileiros, de todas as cores, rejeita a introdução da raça na lei. Mas o projeto, que passou na Câmara dos Deputados sem voto em plenário, por acordo de lideranças, tem grandes possibilidades de ser aprovado no Senado. Como explicar o paradoxo que faz a maioria parlamentar deliberar contra a vontade da maioria dos eleitores?

Há, antes de tudo, um desvio que não é exclusivo de nosso sistema político. Os parlamentares temem contrariar os grupos de pressão organizados mais do que temem frustrar as expectativas da maioria desorganizada. Corporações, movimentos sociais e ONGs atuam como máquinas eleitorais, impulsionando ou destruindo candidaturas. Os interesses da maioria, por sua natureza difusa, podem ser contrariados com menor risco. Se o Estado brasileiro criar, oficialmente, castas de cidadãos separadas pela cor da pele, isso será um triunfo das ONGs racialistas e uma derrota da vontade popular.

Não existe no Brasil um "movimento negro" em nenhum sentido legítimo da palavra. As ONGs racialistas quase nada representam, além dos interesses e ideologias de seus próprios ativistas. Mas elas recebem, todos os anos, milhões de dólares da Fundação Ford e se incrustaram no interior do Estado, dispondo do aparelho de uma secretaria especial da Presidência e do controle de postos-chave nos Ministérios da Educação e da Saúde. Os dirigentes de tais grupos formam uma elite adventícia, estruturada em redes nas universidades e instituições internacionais, que se reclamam porta-vozes de uma "raça". Eles usarão o termo "racista" como insulto destinado a marcar a ferro todos os que insistem em defender o princípio da igualdade perante a lei. Eis o que temem deputados e senadores.

A ciência a serviço da expansão imperial europeia inventou a raça no século 19. A ciência do pós-Guerra a desinventou, provando que a cor da pele é uma adaptação evolutiva superficial a níveis diferentes de exposição à luz solar. Mas a questão de saber se a raça existe não pode ser solucionada em definitivo pelos cientistas, pois o Estado tem o poder de fabricar raças na esfera política. Nos EUA e na África do Sul, leis raciais incutiram na sociedade a noção de que uma fronteira natural divide as pessoas em grupos fechados.

Leis raciais supostamente voltadas para o "bem" não são, sob esse aspecto crucial, diferentes de leis raciais voltadas para o "mal". Umas e outras ensinam às pessoas que seus direitos estão ligados à sua cor da pele - e que seus interesses objetivos solicitam a "solidariedade de raça". A lei que tramita no Senado pouco afetará os mais ricos, mas dividirá os alunos de escolas públicas em dois conjuntos "raciais" com interesses opostos. Na hora em que os filhos dos trabalhadores não puderem mais olhar uns aos outros como irmãos e colegas, terá emergido um Brasil diferente daquele que conhecemos. Mas a nossa elite política não vislumbra esse risco, pois interpreta a Nação pelas lentes do preconceito de classe.

A maioria dos parlamentares não nutre entusiasmo pelo projeto de cotas raciais, mas está disposta a contribuir com a indiferença para sua aprovação. Eles enxergam as leis raciais como esmolas concedidas aos pedintes, moedinhas inúteis entregues a meninos na rua, um preço quase simbólico que se paga para comprar gratidão. "Coisa de preto" - é assim que, silenciosamente, avaliam os projetos apresentados sob a cínica justificativa de fazer justiça social por intermédio da oficialização da raça. Mas não se trata, a rigor, de preconceito racial: o "preto", no caso, funciona como sinônimo de pobre, na mais pura tradição senhorial brasileira. Juntamente com o temor dos grupos de interesse, as leis de raça beneficiam-se dessa aversão benevolente ao princípio da igualdade.

Há mais de um ano foi aprovado em comissão um projeto de lei, de autoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que determina a implantação de tempo integral nas escolas públicas de ensino fundamental. Mas a maioria governista não permite que o projeto siga para votação, alegando que custaria cerca de R$ 20 bilhões anuais, pouco menos que o dobro do Bolsa-Família. Parece muito, mas representaria apenas 1,6% do Orçamento da União - algo como um aumento inferior a 15% nos repasses federais para Estados e municípios. É um valor relevante, porém perfeitamente viável se a deflagração de uma revolução qualitativa no ensino público figurasse, de fato, como prioridade nacional. Entretanto, nossa elite política parece preferir enfeitar com cotas raciais a ordem iníqua que relega a maioria dos jovens, de todas as cores, a escolas arruinadas.

O antropólogo Kabengele Munanga, um arauto das políticas de raça, justificou do seguinte modo a necessidade das cotas raciais: "Muitos acham que o caminho para corrigir as desigualdades sociais seria uma política universalista, baseada na melhoria da escola pública, o que tornaria todos os cidadãos brasileiros capazes de competir. Mas isso é um discurso para manter o status quo, porque enquanto se diz isso nada é feito." A afirmação é uma esfinge que pede para ser decifrada. Munanga sugere ser favorável à política universalista de "melhoria da escola pública", mas, simultaneamente, qualifica tal demanda como "um discurso para manter o status quo", pois na prática "nada é feito". Então, utilizando-se de uma perversão lógica, não reivindica que se faça a "política universalista", mas a sua substituição por uma política diferencialista destinada a distribuir direitos segundo a cor da pele. É que no Congresso, enquanto ele diz isso, os parlamentares que compartilham sua ideologia racialista ajudam a bloquear o projeto universalista do tempo integral.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Vem aí o janelão

Panorama Político :: Ilimar Franco
DEU EM O GLOBO

Está em curso na Câmara nova articulação para criar uma janela para o troca-troca partidário. Silvio Costa (PMN-PE) coleta assinaturas para votar com urgência projeto que permitiria que 9 deputados criem um novo partido sem ter de atender às exigências legais. A única condição que o novo partido teria de cumprir é a de que seus fundadores, juntos, tenham feito 0,5% dos votos válidos, cerca de 460 mil votos, nas eleições de 2006.

Um novo jeitinho para o troca-troca

A proposta não muda a Constituição, ela altera a legislação ordinária e para ser aprovada precisa de maioria simples. O novo partido teria 24 meses para regularizar sua situação, mas desde sua criação poderia disputar eleições. A resolução do TSE que estabeleceu a fidelidade partidária permite a troca de partido, sem perda do mandato, no caso de criação de partido. Miro Teixeira (PDT-RJ) elogia a iniciativa de Costa: "Esse projeto acaba com essa coleira que está no pescoço de deputados, senadores, prefeitos e governadores que divergem da direção de seus partidos". Hoje 70 deputados querem mudar de partido.

Os ilusionistas

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Se o PAC fosse o que dizem o que o PAC é, o país não estaria neste ambiente recessivo. Simples como isso. Se houvesse investimentos criando uma demanda da ordem de R$646 bilhões em dois anos, não haveria desaceleração. Se apenas 2% das obras estivessem atrasadas, o país estaria andando. O governo está fazendo propaganda extemporânea e usando o Exército em frentes de obra.

O truque para o gordo número que o governo apresentou foi somar intenções de investimentos privados, que podem nem ser feitos, planos de estatais engordados por razões políticas, com investimento público que pode ou não ser feito. Depois, colocar tudo num mesmo embrulho e mostrar como obra do governo. Tudo é PAC, até o que é feito pelos estados com dinheiro dos estados. A entrevista de ontem foi para escalar o número, levando-o dos iniciais R$503 bilhões para R$646 bilhões os recursos do programa até 2010.

Tirando toda a fumaça, o governo, nos últimos dois anos, se comprometeu a investir no PAC, com recursos do Orçamento, segundo o balanço do site Contas Abertas, R$35 bilhões; executou despesas de R$22 bilhões; pagou no exercício efetivo apenas R$8,5 bilhões. Se somar o que pagou do que ficou pendurado de anos anteriores, no chamado "restos a pagar", foram R$18,7 bilhões.

O setor público no Brasil investe pouco historicamente. Veja na tabela preparada pelo economista Fábio Giambiagi, com dados do Tesouro Nacional, que o investimento tem se mantido um pouco abaixo ou um pouco acima de 1% do PIB ao ano. O fundo do poço dessa série foi em 2003, quando chegou a 0,5%.

Uma reunião de prestação de contas seria bem-vinda. Se fosse de fato uma prestação de contas com transparência, mostrando onde está havendo problemas, que tipo de problemas e como devem ser removidos. Mas foi mais uma cena fantasiosa de apresentação de um número inflado para que, ao fim, se desse o recado eleitoreiro. "O governo quer um candidato que queira a continuidade do PAC." Isso é propaganda fora de hora e no mesmo tom do que foi feito pelo governo durante a campanha municipal: vinculando-se projetos desejados pela população com o voto em determinado candidato.

Vários projetos do PAC estão sendo tocados pelo Exército, como a transposição do Rio São Francisco e as obras na BR-101 e na BR-319. O Exército é usado como empresa de obras, e para criar fato consumado e, assim, dissuadir os opositores do projeto. Em outros casos, a incapacidade gerencial é escondida pela acusação de que "o meio ambiente" é que impede a obra.

Em vários países, as obras para retomada do nível de atividade estão sendo usadas como parte do projeto de transição para uma economia de baixo carbono. Os projetos do PAC, com dinheiro público, licenciados ou patrocinados pelo Estado, são feitos como se a questão ambiental e climática fosse uma abstração. A variável não é levada em conta, apesar de ser tratada com cada vez mais seriedade no mundo inteiro. Esse descuido explica o fato de o governo prever no seu plano decenal energético 67 termelétricas. É também pelo mesmo descuido com o futuro climático que o governo trata com tanto descaso as propostas alternativas para a BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho. A obra, se for concluída, levará o desmatamento para o coração do estado mais preservado do país: o Amazonas. O governo faz projetos que criam enormes riscos ambientais e depois culpa o "meio ambiente" de impedir a aceleração do crescimento. Não é segredo para ninguém que a BR-319 é a alavanca na qual o ministro Alfredo Nascimento espera se projetar na candidatura ao governo do estado.

O PAC não tem o tamanho que dizem, a maior parte do número é fumaça. E no que tem de verdadeiro ele é, em muitos casos, uma ameaça, por ser planejado e executado com uma visão retrógrada.

Parte do espetáculo do crescimento do PAC anunciado ontem é o inflado plano de investimento da Petrobras. O preço do petróleo despencou, a demanda caiu, as empresas estão descapitalizadas, a Petrobras tem que pegar dinheiro na Caixa Econômica e no BNDES para se financiar, e diz que vai aumentar seu plano de investimento. Não vai por falta de dinheiro, mas o número fabricado serve ao propósito de apresentar outro número, o do PAC, bem gordo que justifique a frase: "O candidato de 2010 terá que apoiar o PAC."

Nacionalismos e protecionismos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Onda protecionista no mundo rico é improvável, mas tudo depende da gravidade da crise e do nível de tumulto político

A UNIÃO Europeia piscou. Piscou para a revolta de trabalhadores britânicos contra a contratação de italianos e portugueses para trabalhar na obra de uma refinaria francesa na Inglaterra. A UE pode permitir novas "interpretações" nacionais da lei que permite o livre trânsito de trabalhadores no bloco europeu. Ameaça vetar aqueles pacotes de ajuda a empresas que tenham cunho protecionista, mas quer que o auxílio oficial proteja "empregos europeus". Uma no cravo, outra na ferradura. A UE não quer deflagrar uma guerra protecionista e, ao mesmo tempo, joga migalhas para os sindicatos, a fim de evitar mais tumultos nas ruas.

Nos EUA, Barack Obama demorou a criticar a cláusula "Buy American" que o Congresso enfiou em seu pacote -só o fez após protestos globais. Países da Europa ocidental são acusados de "persuadir" suas empresas a fechar fábricas e postos de trabalho no exterior antes de o fazerem em casa, além de estimularem campanhas pelo produto nacional.

Mas hoje parece improvável que os países ricos cavem novas trincheiras nacionalistas. Primeiro, porque as grandes empresas do mundo são transnacionais -seus interesses não têm fronteiras. Segundo, o "establishment" mundial, político, intelectual e empresarial é todo "globalizante". Terceiro, está fresca a lição do desastre político e econômico causado pelo nacionalismo dos anos 1930. Quarto, uma onda protecionista é um perigo político: ameaçaria os pactos econômicos (OMC, União Europeia etc), os quais, embora precários, colocam certa ordem nas disputas internacionais.

Por outro lado, tais argumentos são demasiadamente racionais, o que não é bem o caso da política real. De resto, não levam em conta o risco de uma desgraça econômica ainda mais profunda que a já prevista. Isto é, desconsidera que a sobrevivência das empresas venha a depender ainda mais de governos, o que poderia levá-las a abrir mão do seu "globalismo".

Enfim, o desemprego pode provocar distúrbios sociais com consequências políticas importantes -alguém pode querer abafar as ruas com placebos protecionistas.

Sinais desses problemas pipocam ali e aqui. Dependentes de governos, grandes bancos já direcionam seu escasso capital para seus países de origem, em parte pressionados pelos novos patronos. As pequenas manifestações de trabalhadores no Reino Unido, de funcionários públicos na França e na Alemanha e de agricultores no Leste Europeu e na Grécia já levaram governos a dar uma colher de chá ao menos verbal para o nacionalismo trabalhista.

A estratégia empresarial europeia de baixar os custos por meio da contratação de empregados de países mais pobres ganhara mais força desde que o Leste Europeu entrara na UE. A imigração ilegal e a onda de trabalhadores baratos importados provocavam surtos de xenofobia, mais ou menos contidos, com exceção maior da Itália, onde o ódio é estimulado por Silvio Berlusconi. A crise, decerto, deu mais pano para a manga nacionalista. As tensões vão crescer. A direção dos conflitos não depende só de EUA, Europa e Japão. A pressão baixista sobre os salários e a competição entre empresas será determinada ainda pela atitude de países como China e Índia.

PT traça plano para colar crise em Serra

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Passadas as férias de fim de ano, o PT começou a definir esta semana sua estratégia de oposição ao governador José Serra (PSDB). Aproveitando os holofotes da crise financeira internacional, o partido traçou como plano de ação para os próximos meses colar no tucano os sinais de recessão e a percepção de que os abalos na economia poderão impactar nos níveis de emprego no Estado.

A ordem, diz a direção do partido, é dizer que o governo Serra permanece "apático" em relação à crise. "Diante da importância econômica que o Estado de São Paulo tem, o governo Serra tem sido absolutamente tímido e apático", disse o presidente estadual do PT, Edinho Silva, dando a linha de qual será o tom a partir de agora.

O PT paulista definiu qual será o primeiro ataque a Serra. Com base na tese de que o governo estadual já deveria ter apresentado um pacote contra a crise, petistas planejam montar sua própria proposta para aliviar sintomas de recessão. O texto deve ficar pronto até o dia 14 deste mês, quando será apresentado ao Diretório Estadual da legenda. A expectativa é de que seja cobrada, por exemplo, a redução do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Com o plano, o PT espera pavimentar as discussões para a eleição de 2010. Cada crítica a Serra será acompanhada da comparação com medidas tomadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Petistas planejam citar a ampliação dos limites do programa Bolsa-Família, ou ainda a elevação do salário mínimo. "O debate sobre se o Estado deve interferir para evitar a crise ou deixar que o mercado resolva será determinante em 2010", diz o líder do PT na Assembleia Legislativa, Roberto Felício.

SP concentra 44% dos demitidos pela crise

Andrea Vialli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Indústria responde pela maior parte dos cortes no Estado em dezembro

O mês de dezembro de 2008 registrou a eliminação de 285.532 empregos formais no Estado de São Paulo, o que representa 44% das 654.946 vagas perdidas em todo o País no período. Só a região metropolitana de São Paulo perdeu 62.934 empregos, contra 10.535 em dezembro de 2007. A indústria foi responsável por 44,4% das demissões paulistas. Nos últimos três meses do ano, a desaceleração do emprego na indústria foi três vezes maior ante igual período de 2007. Os dados indicam que a perda de empregos foi “muito além do padrão", disse Hélio Zylberstajn, coordenador do Observatório do Emprego, sistema ligado ao governo do Estado e responsável pelos números. Segundo ele, as informações são ainda mais significativas porque a economia paulista responde por 40% dos empregos do País

SP corta 44% dos empregos do País

Estado eliminou 285.532 vagas em dezembro de 2008, 130 mil a mais que a média mensal registrada antes da crise

O Estado de São Paulo respondeu por 44% dos 654.946 empregos perdidos em dezembro no País. É uma perda maior que a participação do Estado na economia brasileira, calculada em 33,8%. Foram eliminados 285.532 empregos formais no Estado. Só a região metropolitana de São Paulo perdeu seis vezes mais vagas em relação a dezembro de 2007: foram 62.934 postos de trabalho a menos, em comparação com os 10.535 de dezembro de 2007. Todas as regiões do Estado sofreram forte aumento no desemprego. A segunda região mais atingida foi a de Campinas, que eliminou 46.734 empregos.

Os dados fazem parte do primeiro boletim do Observatório do Emprego, sistema criado pela Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O estudo é uma análise aprofundada dos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. Todo mês, o sistema fará o detalhamento da situação do emprego em todos os 645 municípios do Estado. Também servirá para medir salário, rotatividade do emprego e empreendedorismo.

"A perda de emprego no Estado foi muito além do padrão, que é a perda média de 150 mil vagas no mês. Pela tradição, dezembro é um mês de desligamentos, por causa do fim da safra na agricultura. Mas esse dezembro foi muito pior", afirma Hélio Zylberstajn, economista da Fipe e coordenador do Observatório do Emprego.

Segundo Zylberstajn, a perda do emprego no Estado é grande em termos absolutos e também relativos, uma vez que a economia paulista responde por 40% dos empregos do País e por um terço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. "A perda do emprego em São Paulo está ligeiramente acima do que o Estado representa para o emprego no Brasil. O quadro é preocupante", diz.

SINAL AMARELO

O secretário do Emprego, Guilherme Afif Domingos, diz que o sinal amarelo estava aceso desde outubro. "Foram criadas em torno de 50 mil vagas, em um mês que tradicionalmente cria 150 mil." Ele diz que os dados do último trimestre de 2008 mostram perda de empregos quatro vezes maior do que no mesmo período de 2007. Foram 272.063 vagas a menos, ante 70.510 do último trimestre de 2007.

Ilusionismo com o PAC

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo federal anunciou mais R$ 142,1 bilhões para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para aplicação até 2010, como se os investimentos em infraestrutura e energia fossem um sucesso e consumissem dinheiro sem parar. Pura propaganda. Sem a Petrobrás, o PAC seria um fracasso ainda mais evidente, mas a Petrobrás, sem o PAC, continuaria sendo uma empresa gigante, com uma enorme agenda de investimentos. No entanto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, refere-se a esse programa como "a mola mestra" da economia brasileira. Mais uma vez ele está errado. O País avançou nos últimos anos graças ao desempenho de quem menos dependia do governo como planejador e executor de uma agenda de crescimento - e isto inclui a Petrobrás e o setor privado.

Segundo relatório divulgado ontem pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, 270 ações do PAC foram concluídas em 2007 e 2008, com aplicação de R$ 48,3 bilhões. Desse total, R$ 38,8 bilhões, 80,3% do total, foram aplicados no setor energético. No setor de petróleo e gás foram investidos R$ 31,4 bilhões, 65% dos R$ 48,3 bilhões. O relatório não discrimina as ações concluídas sob responsabilidade direta do governo federal.

Mas os dados financeiros do chamado PAC orçamentário, isto é, dependente de forma direta do Tesouro Nacional e do trabalho do Executivo, são conhecidos e comprovam um desempenho muito pobre. Em dois anos, a dotação autorizada no Orçamento-Geral da União totalizou R$ 35,6 bilhões. Foram empenhados R$ 33,1 bilhões, mas só foram pagos R$ 18,7 bilhões, 52,6% das verbas orçadas. Como estão previstos R$ 67,8 bilhões para o período 2007-2010, falta liquidar 72,8% do total fixado para o PAC orçamentário em quatro anos. Detalhe: dos R$ 11,4 bilhões desembolsados em 2008, R$ 10,4 bilhões corresponderam a restos a pagar do exercício anterior.
Isso dá uma ideia mais clara de como se arrasta a execução dos projetos sob responsabilidade direta do Executivo federal.

Quando o PAC foi lançado, no começo do segundo mandato do presidente Lula, ficou bem clara uma de suas principais características. Tratava-se, embora a ministra Dilma Rousseff insista em negá-lo, de um grande pacote formado por alguns projetos novos, muitos antigos e vários em andamento. A incorporação da pauta de investimentos da Petrobrás, formada de projetos de longo prazo e revista periodicamente, deixou evidente a manobra ilusionista.

Esse tipo de manipulação continua. Dos R$ 142,1 bilhões adicionados ao programa para aplicação até 2010, R$ 20,2 bilhões irão para energia - desde o início o componente mais volumoso do programa. Mas foram feitos acréscimos também para o período entre 2011 e 2015. Nesse prazo a Petrobrás deverá investir R$ 62 bilhões em refinarias para produzir combustível de qualidade superior, destinado à exportação.

Segundo a ministra, o governo pretende antecipar a realização das obras do PAC para fortalecer a economia e diminuir o impacto da crise internacional. É uma boa ideia. Mas o Brasil já será beneficiado se o Executivo federal atingir o objetivo mais simples, e muito mais modesto, de tirar o atraso de 62% das obras sob sua responsabilidade e passar a executá-las num ritmo razoável, compatível com um padrão mediano de administração. Por enquanto, o padrão gerencial desse governo é indisfarçavelmente subnormal.

O governo também anunciou, há várias semanas, a intenção de rever os projetos do PAC, analisar as dificuldades de sua execução e realocar verbas para os mais promissores. Também isso é uma boa ideia. Quanto mais cedo se concluam certas obras, maior será o retorno econômico do investimento. Esse propósito foi reafirmado na apresentação do balanço do PAC.

Mas é preciso realizar logo essa verificação e decidir prontamente a redistribuição de verbas entre os projetos. A execução desse trabalho depende de alguém com autoridade para mexer no orçamento e competência para avaliar alternativas e decidir novos cursos de ação. A ministra-chefe da Casa Civil, ungida como gestora do PAC, não parece a pessoa mais indicada para comandar esse esforço de resgate.

Desde já em campanha eleitoral, não lhe resta tempo para isso.

Política de risco

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. É surpreendente a popularidade ser mantida apesar de a crise estar se aprofundando desde outubro do ano passado. Estamos vendo os números oficiais saindo cada vez piores, queda da produção industrial recorde em dezembro, desemprego aumentando, o país entrando claramente em um período recessivo desde o último trimestre de 2008. Era esperável, seria razoável, que a popularidade do presidente decaísse, mesmo que não fortemente. Mas, ao contrário, está subindo, parece não ter limites.
É um fato político relevante e demonstra que, fora qualquer outro tipo de qualidade que possa ter, a capacidade de se comunicar de Lula com o público é admirável, de passar para ele um interesse genuíno em resolver os problemas, evitar que o pior aconteça.

Mesmo que esteja tomando medidas equivocadas - e está -, mesmo que tenha dito muita bobagem, como aquela história da "marolinha", ele consegue passar para a sociedade uma imagem de homem público empenhado na solução dos problemas, uma dedicação para resolver os problemas, que parecem bastar, pelo momento, para a maioria da população.

É isso o que as pesquisas de opinião refletem. As pessoas tendem a acreditar nele, tendem a gostar dele. Mas, analisando os detalhes da pesquisa, vemos que os entrevistados já percebem que existe uma crise no ar. Boa parte declara ter medo de perder o emprego, muitos já têm conhecimento de pessoas em seu entorno que foram demitidas.

Isso significa que até este momento as pessoas estão comprando sem discutir a promessa do presidente Lula de que a situação econômica está ruim, mas vai melhorar, porque o Brasil é um dos países mais bem preparados, se não o mais preparado, para enfrentá-la.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a dizer, num arroubo pouco técnico, que, se o resto do mundo tivesse tomado as medidas que o Brasil tomou, o mundo não entraria em uma crise tão séria. O que parece piada vindo de um dos maiores críticos do Proer, o programa de reestruturação do sistema bancário brasileiro adotado no governo de Fernando Henrique.

Essa confiança exacerbada no presidente Lula e nas medidas que seu governo vem tomando diante da crise internacional tem uma outra face, porém. Se a situação econômica se deteriorar como está sendo previsto, com o PIB crescendo perto de 2% ou menos, ou tendo até mesmo crescimento negativo como já especulam alguns analistas, as consequências no desemprego serão muito grandes, e o dia-a-dia do cidadão acabará sendo afetado diretamente.

Nesse caso, será natural que essa expectativa em relação a Lula piore também, em consequência da frustração da sociedade, que hoje apoia, em maciça maioria, o seu governo e a sua ação pessoal.

Nossa experiência com frustrações da sociedade é vasta, desde o Plano Cruzado, que levou o então presidente Sarney do céu ao inferno em poucos meses, com o sucesso efêmero tendo sido comemorado nas ruas pela população, e o fracasso levando a uma reação contrária na mesma intensidade, até a desvalorização do Real em 1999, que quebrou o encanto que fizera com que o então presidente Fernando Henrique fosse reeleito no primeiro turno um mês antes.

O perigo de o presidente Lula passar à população a expectativa de que a crise não será tão grave, ou que, mesmo grave, ele está a postos para evitar os danos para o Brasil, é justamente a reversão no caso de as coisas não acontecerem como ele está prometendo. Esse é o risco político da maneira que ele escolheu para tratar a crise.

Começou minimizando-a, até mesmo fazendo piada com sua gravidade - "Crise ? Que crise? Pergunta para o Bush" -, para chegar a dizer, ontem, que tudo indica que a crise é maior do que a registrada em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York e uma depressão econômica que levou mais de uma década para ser superada, com a Segunda Guerra Mundial sendo, para muitos analistas, a responsável por essa superação, por ter colocado a economia americana para funcionar a todo vapor.

Ao lado da retórica de palanque de Lula, há também os projetos de palanque que, se criam a falsa impressão de que muita coisa está sendo feita, podem acabar se revelando ineficientes para ajudar a sair da crise. Ontem, a ministra do Planejamento Dilma Rousseff fez um balanço do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o carro-chefe de sua campanha para se firmar como candidata petista à sucessão de Lula, e mostrou como o governo está tendo dificuldades de gestão na implantação do programa.

O aumento anunciado de R$455 bilhões, na verdade abrange investimentos do setor privado e das estatais planejados, mas sem garantias de execução, e um período que vai além das tamancas da era Lula.

Apenas R$142 bilhões desse montante estão previstos para obras até 2010, e a maior parte do aumento, R$313 bilhões, fica para o sucessor de Lula, a quem caberá verificar a viabilidade e a conveniência das obras. O PAC agora trilionário, no entanto, depende muito pouco do governo, que no ano passado só conseguiu gastar 60% do orçamento previsto para as obras de sua responsabilidade direta.

Entre os principais projetos incluídos no PAC reformulado está o crédito para a Petrobras explorar petróleo na camada do pré-sal. Mas, como o preço do barril do petróleo está em queda no mercado internacional, é difícil encontrar justificativa para investimentos tão substanciais em um período de crise, uma política na contramão das grandes empresas internacionais, que estão cortando custos e contendo investimentos.

Os especialistas acham que o anúncio de investimento de U$174 bilhões até 2013 não passa de um golpe de marketing, para manter a expectativa de futuro glorioso. O próprio presidente da Petrobras já admitiu que cerca de 35% dos investimentos podem ser cortados se não encontrarem financiamentos. Até o momento, o maior financiador da Petrobras chama-se BNDES.

Sob as ordens do Livrinho

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Eleito pela terceira vez presidente da Câmara, o deputado Michel Temer concorda que nunca uma troca de comando no Congresso foi recebida com tanta reserva como agora, quando o PMDB assume a presidência das duas Casas sob pesadas críticas.

Anacronismo, fisiologismo, concentração excessiva de poder numa instituição desmoralizada, Temer não concorda nem discorda, apenas se reserva o direito de tentar reagir, de não se conformar em dividir com José Sarney a presidência de um Legislativo "chicoteado".

O presidente da Câmara ouve que o Congresso, no fundo, sabe por que apanha, não entra no mérito da observação e, em seguida, diz o que imagina deva ser feito para alterar essa situação. Tem planos ambiciosos, como todo mundo que assume novas funções, mas sabe que há uma preliminar a ser cumprida: a retomada das prerrogativas do Poder.

E, com ela, a harmonia entre as instituições. Hoje, na visão de Michel Temer, há desarmonia externa e interna. Exemplos: atritos na Polícia Federal, contestação de sentenças do Supremo Tribunal Federal por parte de juízes de primeira instância, mandado de segurança do presidente do Senado contra decisão do presidente da Câmara (na recusa de Arlindo Chinaglia em promulgar o aumento do número de vereadores da forma como o Senado havia aprovado).

Temer só vê uma saída: "Alimentar a cultura do respeito à Constituição, que é vista com menos reverência que o telefonema de um ministro."

Não se faz isso de forma genérica, no discurso ou transferindo responsabilidade aos outros Poderes, mas dentro do Parlamento, que, na opinião de Temer, tem se omitido no que diz respeito às medidas provisórias e ignorado o preceito de que cabe primordialmente ao Congresso a função de legislar.

"Daí se comete a impropriedade de dizer que o Supremo Tribunal Federal interfere. Não interfere, apenas interpreta os dispositivos da Constituição que não foram regulamentados."

E por que não foram? "Por omissão do Legislativo."

As razões da inércia, Temer prefere não detalhar; são diversas, nem sempre altas, mas, em geral, admite, prendem-se às conveniências dos governos e suas maiorias. Ato legítimo, mas, no excesso, nocivo ao Legislativo.

É possível, na interpretação dele, começar a restabelecer o equilíbrio sem criar antagonismos com o Executivo nem produzir atritos entre os Poderes. No caso das MPs, a primeira providência, diz, é o Congresso passar a cumprir o que diz a Constituição e examinar as medidas em comissão especial, barrando a tramitação daquelas que não atendam às exigências de relevância e urgência.

"Hoje ninguém liga para isso, não se constitui a comissão de admissibilidade, tudo é aceito e, em consequência, o Legislativo funciona no ritmo ditado pelo Executivo."

De acordo com Temer, partindo do princípio de que a primazia no ato de legislar é do Congresso e, portanto, deve dar a última palavra sobre o que é relevante ou urgente no entendimento do presidente da República.

Sob qual critério? Segundo ele, o critério definido pela Constituição que dá prazo de 45 dias de tramitação na Câmara e mais 45 no Senado para projetos de autoria da Presidência da República que tenham solicitação de urgência Constitucional.

"A partir daí podemos examinar o seguinte: tudo o que possa esperar 90 dias não é urgente nem relevante de modo a justificar edição de uma medida provisória."

Antes de ser eleito, Temer teve uma conversa a respeito com o presidente Lula. Pretende ter outra em breve, mas, primeiro, pretende se articular com o presidente do Senado, José Sarney, a fim de assegurar a paz e a efetividade do processo.

A princípio, Michel Temer se comprometeu com o presidente Lula a pedir regime de urgência urgentíssima para os projetos que, no lugar de serem postos na forma de medida provisória, sejam enviados ao Congresso com pedido de urgência Constitucional.

"O governo tem maioria para aprovar a urgência urgentíssima, que permite a votação de uma matéria num prazo de 15 dias, em média, e evita o trancamento da pauta."

Difícil imaginar que tal proposta não produza antagonismos, pois, se aceita, alteraria toda a lógica das relações entre Executivo e Legislativo. Difícil acreditar também que os parlamentares em sua maioria aceitem modificar uma dinâmica que, bem ou mal, acomoda interesses.

Por variados motivos, Temer reconhece: "Todo mundo adora uma medida provisória." Por isso, sabe que haverá "desconforto" no Palácio do Planalto e no Congresso, o que cria uma imensa possibilidade de seus propósitos não prosperarem.

"De imediato, talvez não, mas a gente vai falando, vai mudando a forma de pensar, vai incutindo valores novos na cabeça das pessoas e, com o tempo, quem sabe conseguimos recuperar o princípio do Dutra (Eurico Gaspar, presidente da República de 1946 a 1951) e submetemos nossas ações às ordens do Livrinho."

Com 84% se faz uma ponte

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O PMDB tucano elegeu Michel Temer presidente da Câmara. O PMDB lulista manteve a presidência do Senado com José Sarney. E a ponte entre esses dois PMDBs para 2010 está sendo construída pelas pesquisas: na CNT/ Sensus, 72% de aprovação ao governo e 84% ao próprio Lula.

A crise é grave, a indústria vai ladeira abaixo, o desemprego é uma ameaça real, mas Lula não apenas continua firme e forte como está com a popularidade em alta. Se continuar assim, isso fará toda a diferença na hora do "vamos ver", quando o maior partido do país em votos, em governos, em prefeituras e em tempo na TV tiver de decidir para que lado vai: com José Serra, hoje o preferido das pesquisas; Dilma Rousseff, em ascensão; ou Aécio Neves, a zebra.

Em tese, há duas possibilidades: o PMDB rachado, como em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006, ou unido em torno de Dilma ou de quem quer que Lula indique para a sua sucessão. Uma terceira opção, de união em torno de Serra ou de um outro tucano, parece fora do horizonte.

Por quê? Porque, se os pemedebistas nunca se uniram em torno de FHC em dois governos e oito anos, dificilmente o fariam agora em torno de Serra. Só Lula conseguiu o milagre da união. Se mantiver 80% de popularidade, tem boas chances de manter o milagre.

Serra terá muito mais dificuldade para trabalhar o PMDB e, na melhor das hipóteses, pode ficar com apenas uma parte dele. Já Lula tem chances de atrair o partido inteiro.

Tem a caneta, uma máquina de divulgação poderosa e em expansão e botou todos os pemedebistas tucanos no bolso -ou sob suas asas, para evitar más interpretações. Jobim e Geddel são ministros, Cabral e Hartung são governadores, Eduardo Paes é prefeito e, agora, Temer é presidente da Câmara com decisivo apoio da base aliada ao Planalto. Jarbas Vasconcelos está falando sozinho. E certamente praguejando contra as pesquisas.

Em condições de igualdade com Serra

Maria Inês Nassif
DEU EM VALOR ECONÔMICO

A oposição pode estar cometendo um erro fatal ao superestimar as chances de vitória do PSDB nas eleições presidenciais de 2010. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um fenômeno de popularidade na história recente do país e esse é um dado novo que, se não elege automaticamente a ministra Dilma Rousseff - a mais que provável candidata do PT de Lula -, dá a ela condições de disputar em igualdade de condições com o candidato favorito, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Os 13,5% que ela exibe na mesma pesquisa CNT/Sensus divulgada na última terça-feira já são produto da transferência de popularidade do presidente para a sua candidatura. A ministra, afinal, nunca disputou uma eleição e não tem o "recall" de Serra, que foi candidato a presidente em 2002 e por isso é conhecido nacionalmente. Se ela passou dos dois dígitos, é porque está sendo identificada como a candidata de um presidente campeão de votos e como a possibilidade de continuidade de um governo que tem aprovação de 72,5% (este também é o momento em que a popularidade do presidente e do governo mais se aproximam. Os dois índices já foram esquizofrenicamente estanques: Lula sempre foi bem mais popular que seu governo).

Dilma já polariza com Serra. Sinal disso é que, da última pesquisa, de dezembro, para esta, coletada em janeiro, as intenções de voto em Dilma subiram quase na mesma proporção que a queda nos índices do tucano. A ministra ganhou 3,1 pontos percentuais e o governador perdeu 3,7 pontos. É certo, ele neste momento é o favorito, com seus 42,8% das intenções de voto, mas isso não o torna seguramente o eleito. Ainda vai rolar muita água debaixo da ponte.

Disputar com o apoio de um presidente tão popular é algo inédito na história recente e não existem parâmetros para avaliar qual a tendência do eleitor que aprova Lula e seu governo. O primeiro presidente pós-redemocratização foi José Sarney, que saiu do governo no turbilhão de uma hiperinflação. Não elegeria síndico de prédio. O candidado de seu partido, o PMDB, o deputado Ulysses Guimarães, não conseguiu sair de um dígito; o mesmo ocorreu com Mário Covas, o candidato do PSDB, partido recém-saído da costela do PMDB. Foi eleito Fernando Collor, o candidato que fez o discurso oposicionista mais violento e mais aproximado da classe média descontente, mas temerosa de perder o status quo no caso de vitória de Lula, que foi o candidato de esquerda no segundo turno.

Collor sofreu o impeachment em 1991 e assumiu o resto de seu mandato o vice Itamar Franco, que era popular quando saiu do governo por causa do Plano Real mas não participou ativamente da eleição, nem tinha grande carisma, sequer a enorme popularidade que hoje tem Lula. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito como o candidato de situação, mas deve sua eleição mais ao sucesso do Plano Real, do qual assumiu a paternidade como ministro da Fazenda de Itamar, do que à ajuda do presidente da República que teoricamente o apoiava, mas não participou ativamente da sua campanha.

Em 1998, Fernando Henrique foi o primeiro presidente a ser reeleito na história do Brasil, beneficiário que foi da emenda da reeleição, aprovada no ano anterior. Em dezembro daquele ano, recém-saído das urnas, tinha um índice de aprovação, pela mesma CNT/Sensus, de 32%. Foi o máximo a que chegou. Essa popularidade garantiu sua reeleição, mas dificilmente um índice nesse patamar seria suficiente para credenciá-lo a transferir um voto que seria seu para outra pessoa. Em 2002, já com a popularidade abaixo dos 30%, não conseguiu acrescentar votos à candidatura de seu candidato, José Serra, que perdeu para Lula.

Lula manteve seus índices de aprovação ascendentes ao longo do governo, exceto pelo período em que foi afetado pelo escândalo do mensalão. Nessa última pesquisa, chama atenção não apenas os inacreditáveis 84% de aprovação no âmbito nacional, mas os mais inacreditáveis ainda 90,8% de aprovação no Nordeste, uma das regiões mais beneficiadas com os programas de transferência de renda de seu governo. Isso quer dizer que a quase totalidade da população nordestina aprova o presidente. Essa é uma região mais propensa à transferência de votos, quer por ter tradicionalmente uma tendência governista, que pelo fato de o PT e dos partidos que apoiam o governo lá terem expandido sua influência nesses seis anos de governo petista. Segundo a pesquisa CNT/Sensus, Dilma já tem 21,8% das preferências dos nordestinos. Na região Sul, onde Lula sempre manteve popularidade mais baixa, Serra atinge sua maior popularidade - 57,4% das intenções de votos. O tucano é forte no Sudeste, que tem 43% do eleitorado total, mas a região parece mais sujeita a uma reversão de tendência do que o Sul, que teve no governo Lula uma tendência marcadamente antipetista. Nas eleições de 2006, o então candidato tucano, Geraldo Alckmin, venceu no primeiro e perdeu no segundo turno no Sudeste. O Nordeste tem 26% do eleitorado brasileiro e capacidade para desestabilizar uma candidatura de Serra. O Sul ajuda, mas tem apenas 15% do total de votos nacionais. Na lanterna de eleitores estão o Norte (7%) e o Sudeste (7%).

Em 2005, animados com os efeitos do escândalo do mensalão sobre a popularidade do presidente, os partidos de oposição chegaram a sugerir que Lula renunciasse a disputar o segundo mandato. Deram o presidente como morto. A recuperação de Lula foi rápida e notável, com a ajuda da oposição, que não percebeu o peso que teria na disputa eleitoral a população de baixa renda, beneficiada pelos programas sociais. Confiou que a classe média, mais sensível a escândalos políticos, seria a grande formadora de opinião contra o governo. Em 2010, corre o risco de entrar na campanha apostando que a tradição política no Brasil recente é a de que presidente não transfere voto para candidato. Pode estar cometendo um erro igualmente grande.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Battisti, jeito e fala de cabo Anselmo

Por Milton Coelho da Graça

Red Rudi foi o mais famoso líder da resistência holandesa contra a ocupação alemã na II Guerra Mundial. Grandão e cabelos ruivos (que lhe deram o apelido), em todos os ataques em conjunto com comandos britânicos, ia sempre corajosamente à frente. Mas nunca era ferido e os alemães pareciam estar sempre preparados para se defenderem. A inteligência britânica o identificou como agente alemão infiltrado e foi uma bala britânica que o matou.

Cabo Anselmo foi treinado para ser agente do CENIMAR – Centro de Informações da Marinha – e se meter entre os companheiros da associação de marinheiros e fuzileiros. Era sempre o mais entusiasmado e tinha o discurso mais radical Em 1964 era o líder do movimento. Foi preso mas
logo conseguiu fugir facilmente de uma delegacia. Juntou-se a vários grupos da luta armada contra a ditadura militar e suas informações levaram à prisão, tortura e morte de vários companheiros. Ele mesmo confessou uma parte de tudo isso numa entrevista à revista IstoÉ em 1984, que deu o prêmio Esso ao repórter Otávio Ribeiro.

O italiano Cesare Battisti, condenado pela Justiça italiana por quatro homicídios e refugiado no Brasil deu também esta semana uma entrevista à revista Istoé. E cada vez tenho maior suspeita de que o Brasil precisa investigar com o maior cuidado se Battisti é mesmo um porra-louca metido a dissidente político ou um agente da P-2 (Propaganda Due, uma loja maçônica ligada a militares) ou do SIFAR (Serviço de Informações das Forças Armadas Italianas), criador ou infiltrado no PAC, um dos grupos que mataram e assaltaram na década de 70, em nome de uma revolução socialista.

Fatos:

Nenhum revolucionário com um pingo de bom senso montaria uma organização sob o nome de Proletários Armados para o Comunismo. Nos chamados “anos de chumbo” na Itália, década de 70, havia uns 20 grupos do gênero, mas nenhum tão “intencionalmente” querendo comprometer o PC (legal e segundo partido italiano desde o fim da II Guerra), e deixando tão clara a disposição de derrubar o governo com armas na mão.

Battisti afirma que nos anos 70 havia “guerra civil” na Itália. Isso é inteiramente mentiroso. A Itália tinha um governo eleito democraticamente e todas as instituições funcionavam em plena normalidade.

Na entrevista, Battisti afirma que havia “milhares de militantes” na luta armada, o que é inteiramente falso. No seu PAC, havia apenas cerca de 60. Acusa o promotor Armando Spataro de ter torturado Pietro Mutti – o companheiro que, contando com o benefício da delação premiada, o apontou como autor de quatro homicídios. Mas nem Mutti nem nenhum jornalista italiano até hoje acusou Spataro como torturador.

Battisti não explica com clareza suas atividades no México. E diz que o SDECE (serviço secreto francês) o ajudou a vir para o Brasil. Por que o SDECE ajudaria em 2004 um “revolucionário de esquerda” a fugir da justiça italiana, inclusive dando-lhe um passaporte italiano legal? Não é mais provável que tenha sido preparado pelo SIFAR e repassado aos “camaradas” franceses? Battisti também informa que, no Brasil, foi monitorado por franceses, brasileiros e até italianos. Quem, senão um coleguinha, poderia merecer tanta atenção e proteção de agentes secretos de três países? Todos companheiros de esquerda? Finalmente, a fuga dele da prisão na Itália é uma história tão esquisita como a contada pelo Anselmo sobre a fuga da delegacia

“Muitos deles, para obter favores dos tiranos, por um punhado de moedas, ou através de suborno e corrupção, estão derramando o sangue de seus irmãos.”

Emiliano Zapata (1879-1919), revolucionário mexicano, referindo-se aos madeiristas, que, a seu ver, haviam traído a causa revolucionária.

Ciência promete nos livrar dos plásticos

O homem está perto de se livrar da praga do plástico. Ele foi uma descoberta importante, facilitou e barateou muitos processos industriais, mas, com o passar do tempo, não ser reciclável e conter toxinas acabaram tornando-o um crescente e permanente problema ambiental.

Cientistas alemães acreditam entretanto que o plástico poderá ser brevemente substituído por madeira líquida – o “arboform”, derivado da linhina, componente básico da madeira (junto com a celulose e a hemicelulose, mas não utilizado na fabricação de papel). Junto a outros ingredientes, pode transformar-se numa pasta que, depois de sólida, parece madeira polida. O arboform já é usado em peças para carros – especialmente de competição – que exigem maior resistência. Só ainda não foi ampliado o seu uso, porque tem alta quantidade de enxofre. Os cientistas afirmam que ele terá uma infinidade de aplicações tão logo consigam “limpá-lo” e reduzir o conteúdo de enxofre a, no máximo, dez por cento do atual.

Para maior alegria, o arboform poderá ser reciclado pelo menos dez vezes.

Ser empresário médio não é fácil

Um empresário gaúcho, de São Leopoldo, publicou uma carta na internet, da qual reproduzo abaixo os dois parágrafos mais representativos. Dispensa qualquer comentário.

“Minha empresa, a Geremia, tem 25 anos e fabrica equipamentos para extração de petróleo, um ramo que exige tecnologia de ponta e muita pesquisa. Disputamos cada pedacinho do mercado com países fortes, como os Estados Unidos e o Canadá. Só dá para ser competitivo se eu tiver pessoas qualificadas trabalhando comigo. Com essa preocupação criei, em 1988, um programa que custeia a educação em todos os níveis para qualquer funcionário, seja ele um varredor ou um técnico.

"Este ano, um fiscal do INSS visitou a empresa e entendeu que educação é salário indireto. Exigiu o recolhimento da contribuição social sobre os valores que pagamos aos estabelecimentos de ensino freqüentados por nossos funcionários, acrescidos de juros de mora e multa pelo não recolhimento ao INSS. Tenho que pagar 26 mil reais à Previdência por promover a educação dos meus funcionários?

“Se você não tem voz para cantar nem talento para dançar, apenas mostre os seios”
Anna Semenovitch, estrela pop russa atual, com fartas glândulas mamárias


Por trás dos números, alto risco de conflitos

Os números de janeiro da balança comercial (primeira vez que as exportações superaram as importações desde 2001) e a confirmação pelo IBGE de que a nossa produção industrial em dezembro teve a maior queda mensal desde 1991 está provocando arrepios na maior parte dos empresários e economistas.

No caso da balança comercial, o Ministério da Fazenda ficou mal perante a opinião pública após a revelação de que tentou criar um mecanismo semelhante às antigas licenças de importação, simplesmente para “maquilar” os números, adiando para fevereiro o cômputo das importações dos últimos dez dias de janeiro.

As empresas estão revendo suas previsões de vendas e fluxo de caixa, os Governos – federal. estaduais e municipais – procuram reajustar seus orçamentos, os índices de inadimplência estão subindo (de empresas e pessoas físicas), o consumo das famílias tende a cair. E o fantasma do desemprego é cada vez mais visível.

Só a máquina do Estado permanece em boa parte insensível porque a estabilidade é assegurada, os vencimentos são imexíveis e irredutíveis, a busca por vantagens, favorecimentos e maior remuneração é insaciável. Parlamentares não abrem mão de receber 16 mil reais por um dia de trabalho em fevereiro e disputam sempre mais generosas prebendas; o Judiciário insiste em aumentar seus quadros e a Força Aérea considera indispensável que o país receba imediatamente novos aviões caças.

O quadro assusta e precisamos entender que é da natureza humana, em situações como essa, a filosofia “primeiro os meus, depois os teus”. Em sociedades democráticas, em que as diferenças de interesses e idéias são respeitadas – vejam o que ocorre nos Estados Unidos e na Europa – as
soluções resultam de debate mas sempre prevalecem as propostas dos interesses politicamente mais fortes mas com o cuidado de não ultrapassarem o limite tolerável pelos outros. Ou sobrevem um regime despótico (Alemanha, Itália, Brasil e outros países latino-americanos na década de 30) que em nome da “unidade nacional” esmaga todas as dissidências..

Crise econômica grave no passado produziu a miséria de milhões, milhares de falências e – riscos maiores – guerra, conflitos internos, golpes militares “em nome da Pátria".

De novo poderoso, PMDB tem à frente convergência possível ou mais fragmentação

Jarbas de Holanda

Tendo recuperado, após quase duas décadas, o comando do Congresso Nacional e combinando a superioridade quantitativa em ambas as instituições parlamentares à do partido que tem o maior número de governadores e de prefeitos, inclusive de capitais, o PMDB agora, de par com papel relevante para o condicionamento das decisões do governo Lula e para sua sustentação política e institucional, coloca-se no centro da montagem do tabuleiro da sucessão de 2010. O que – a partir das contradições entre as duas principais alas (representadas pelos novos presidentes da Câmara e do Senado, Michel Temer e José Sarney) e de sua heterogeneidade federativa – o submeterá a definições que porão em xeque os ganhos do progressivo e competente salto dado nos últimos seis anos, afirmando-o como instrumento essencial de governabilidade e relevante na disputa do Executivo federal, ou devolvendo-o à condição de aliado fisiológico de qualquer governo e de ator secundário na sucessão à vista, incapaz de superar tal heterogeneidade com alternativa convergente e unitária em torno de uma aliança ou de uma candidatura própria.

O coroamento e a mudança de qualidade do progressivo salto peemedebista se processaram com base na capitalização das vitórias conseguidas nas recentes eleições municipais para um duplo objetivo: o lançamento de candidatos às presidências as duas casas do Congresso e a abertura de opções em relação a 2010 – a de apoio ao oposicionista José Serra e a de candidatura própria, além da de comprometimento com o nome que vai sendo lançado pelo presidente Lula, a ministra Dilma Rousseff (na primeira e na terceira hipóteses com a indicação do candidato a vice). A disputa do Senado levou a um choque frontal com o PT e a abertura de opções restringiu o respaldo ao lulismo à participação no atual governo. Participação cujo grau expressivo não foi posto em risco nem se reduzirá em conseqüência das duas ações políticas, podendo ao invés disso até ampliar-se pois o Executivo tornou-se bem mais dependente do aliado com o enfraquecimento da influência petista no Congresso.

Fator mais importante para o encaminhamento das definições das lideranças do PMDB (bem como para os projetos político-eleitorais de Lula e dos oposicionistas PSDB e DEM) quanto a 2010 será a evolução da crise econômica – seus desdobramentos, a capacidade ou incapacidade do Palácio do Planalto de enfrentá-la, os efeitos que ela terá na avaliação do governo e do próprio presidente. Como revelou pesquisa da CNT/Sensus divulgada ontem, essa avaliação se manteve boa até janeiro, com a do presidente alcançando a taxa recorde de 84%. O que, porém, deverá alterar-se para menos, de agora em diante, com a expansão generalizada desses efeitos nos primeiros meses de 2009. Resultantes dos reflexos sociais do recuo das atividades econômicas desencadeado a partir do último trimestre de 2008. Do qual é exemplar a queda de 12,4% da produção industrial de novembro para dezembro, conforme levantamento do IBGE anunciado também ontem pela manhã (e detalhado à tarde, com outros indicadores preocupantes, pelo presidente da CNI, Armando Monteiro Neto). E cujos dados muito negativos se somam aos números, de caráter semelhante, tornados públicos na segunda-feira pelo ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – os relativos a um déficit de US$ 518 milhões da balança comercial em janeiro, o primeiro em oito anos.

A este cenário o presidente Lula procura responder com a correção de falhas gerenciais e a intensificação das obras do PAC; com o empréstimo de vultosos recursos do BNDES à Petrobras para que ela possa manter e até ampliar – a despeito da escassez de financiamento externo – seus programas de investimento; com o lançamento nos próximos dias de ambicioso plano de habitação popular; e, simultaneamente, para atender ao largo clientelismo populista, com o incremento dos benefícios e do alcance do Bolsa Família, bem como de outras ações assistencialistas. Conjunto de medidas econômicas e políticas que poderá conter um queda de sua popularidade, mas de duvidosa eficiência quanto à necessidade de forte alavancagem da candidatura de Dilma Rousseff, ainda longe de tornar-se competitiva.

Será sob a influência predominante dos efeitos sociais e políticos da crise que as pragmáticas lideranças peemedebistas terão que comportar-se ao longo deste ano e preparar-se para a sucessão presidencial. Ou reforçando suas contradições nas duas casas do Congresso (bem como entre os governos estaduais e as administrações municipais de maior peso, que ocupam), ou reduzindo-as por meio de posturas convergentes, como as adotadas por Sarney e Temer ao assumirem suas novas funções, em defesa da autonomia do Congresso – ao proporem restrições às MPs do Executivo. Ou e exacerbando interesses regionais conflitantes, ou caminhando para um posicionamento convergente em torno de uma aliança – seja como a candidatura do governo, seja com a da oposição -, ou para uma candidatura própria (associada ao que é visto, hoje, como uma difícil e improvável troca de legenda pelo governador tucano de Minas, Aécio Neves).

Sobre o caso Cesare Battisti

Luiz Sérgio Henriques
Fonte: Gramsci e o Brasil

O contexto italiano dos anos 1970, no qual se desenrolaram os episódios que levaram à condenação de Cesare Battisti, tem sido descrito com uma certa superficialidade nesta nova e acirrada batalha entre defensores e críticos da recente medida do ministro Tarso Genro, que deu refúgio político àquele militante do PAC — os Proletari armati per il comunismo. Supõe-se muitas vezes que a Itália de então fosse uma ditadura e que se justificava, contra tal ditadura, a resistência armada, ou ainda que se viviam tempos revolucionários, a serem consumados com o recurso à “crítica das armas”, pretensa antessala do comunismo. Supõe-se ainda que, hoje, tal como dito pelo ministro Tarso Genro, a Itália viva algo semelhante a um estado de exceção, incapaz de zelar pela integridade física de um prisioneiro ou, então, disposto a fazer desencadear contra ele injustificável perseguição política.

São suposições que merecem, pelo menos, alguns reparos. A Itália dos anos 1970, mesmo tendo recorrido a leis de emergência na luta contra o terror (tanto o chamado “negro”, de direita ou extrema direita, quanto o chamado “vermelho”, de esquerda ou extrema esquerda), jamais cancelou a vigência da ordem democrática e constitucional. Na verdade, havia uma “democracia de partidos” em pleno funcionamento, e mais do que isso: os anos 70 do século passado representaram, por assim dizer, o auge e o rápido declínio da possibilidade de entrada no governo de um partido tão significativo quanto o antigo PCI. E isto por uma série complexa de motivos.

Por décadas, como se sabe, este partido desempenhou importante papel na reconstrução da Itália, depois do desastre do fascismo e da guerra: o PCI, mas também o PSI e o movimento sindical representaram forças poderosas no processo de modernização e democratização de um país devastado pelo fascismo e pela guerra: fizeram com que o Estado italiano começasse finalmente a superar taras históricas, incluindo as classes subalternas na sua estrutura, legitimando-as como atores de fato e de direito da cena política. E mesmo a Democracia Cristã, sob o impacto deste desafio, não se comportou como partido tradicional da direita, ao reunir massas católicas, conservadoras ou moderadas, e legitimar, também por este lado, o regime democrático e os conflitos a ele inerentes.

Os anos 1970, vistos como o auge deste audacioso movimento de democratização, transcorreram, na política, sob a expetativa do sorpasso (a ultrapassagem) dos democratas cristãos por parte dos comunistas, que pareciam prestes a se tornarem a principal força política e eleitoral. E, naturalmente, a presença dos comunistas, no centro de um novo bloco de forças, representaria o início da via italiana para o socialismo, teorizada pela velha direção togliattiana, ou ainda o ponto de partida para a introdução de “elementos do socialismo”, na visão de Enrico Berlinguer, um dos últimos grandes dirigentes do comunismo histórico.

Este, definitivamente, não é o quadro de um estado de exceção. Bem ao contrário, tratava-se de uma sociedade e de um Estado em ebulição, nos quais se testava a possibilidade de uma transição democrática para uma sociedade de tipo socialista, sob a égide da democracia política, das liberdades e do respeito às leis. Na frase de Berlinguer, uma frase que por si só é quase um programa político ainda hoje, a democracia devia ser “um valor universal”, não um expediente tático que se atira na lata do lixo uma vez obtido o poder. Um elemento fundamental, portanto, do próprio socialismo, que não devia ter as estruturas viciadas do partido único ou do partido-Estado.

Sabe-se hoje que aquela possibilidade de transição era frágil, e por um conjunto grande de razões. Primeiro e fundamentalmente, o povo italiano, chamado a se pronunciar regularmente em eleições livres, jamais permitiu aquele sorpasso. De modo consistente e ao longo dos anos, a formação de um bloco alternativo ao da Democracia Cristã nunca se mostrou viável — e só numa eleição para o Parlamento europeu, já nos anos 1980, é que o PCI teria mais votos do que a DC, mas isso, registre-se, sob o impacto da morte em campanha do próprio Berlinguer. Em segundo lugar, eram os anos em que se iniciou a grande reestruturação econômica e política do capitalismo, depois do impetuoso desenvolvimento do pós-guerra e do compromisso entre capitalismo e democracia a que dera lugar. Os “caminhos nacionais” se estreitavam e se tornavam impraticáveis na Europa, e o próprio “eurocomunismo” de Berlinguer, que de certa forma tinha consciência do fim destes caminhos nacionais, restou dramaticamente isolado: sem o apoio dos demais partidos comunistas tradicionais (e obviamente sem o apoio da URSS) e sem os meios para agir no ambiente sob domínio dos Estados Unidos e do Pacto Atlântico.

Um terceiro elemento se juntou a este conjunto de fatores, e com ele entramos plenamente no nosso tema. Setores subversivos da direita intensificaram sua velha “estratégia da tensão”, iniciada ainda nos anos 1960, partindo para uma sequência de atentados e carnificinas que não poupavam vítimas civis e até buscavam intensificar o número destas. Era a marca do “terrorismo negro”, a de matar indiscriminadamente, como quando, já no final de 1980, explodiu-se a estação ferroviária de Bolonha — uma infame “punição” contra uma cidade símbolo do PCI e então modelo de vida cívica e de economia plural e inovadora.

A estes setores somou-se, gravemente, uma miríade frequentemente confusa de organizações de extrema esquerda, das quais a mais conhecida são as Brigadas Vermelhas, responsáveis pelo ainda hoje obscuro e sob muitos aspectos inexplicado assassinato de Aldo Moro, o político democrata-cristão mais aberto a entendimentos com o PCI. A marca deste “terrorismo vermelho” era uma certa seletividade: assassinavam-se políticos e sindicalistas, inclusive do PCI, grandes dirigentes industriais e pequenos comerciantes. Às vezes, a seletividade tinha algum requinte sádico, como quando se adotou uma nova tática para a qual se criou o vocábulo “gambizzare”. Como se sabe, “gamba” é “perna”, em italiano. Alvejar joelhos e pernas dos adversários passou a ser algumas vezes a nova tática dos que cogitavam chegar ao socialismo ou ao comunismo pela luta armada. Considero isso particularmente cruel. Uma perversão da política. Coisa de criminosos comuns.

Não se trata de “criminalizar a oposição ou o dissenso”, como hoje tantas vezes se diz a propósito de tudo e de nada. Por tudo o que dissemos, pode-se muito bem constatar que, na tarefa comum de desestabilizar o Estado de Direito e fazer retroceder a luta política na Itália, retirando o protagonismo das massas e barrando o notável processo de socialização da política então em andamento, aliaram-se objetiva e subjetivamente o terrorismo vermelho e o negro.

Uma aliança que muitas vezes foi tecida com instrumentos fornecidos por setores desviados do Estado — particularmente os serviços secretos —, por lojas maçônicas como a tristemente célebre P-2, por espiões e agentes de ambos os lados em conflito na Guerra Fria e, last but not least, pela criminalidade comum das variadas máfias e camorras. Não exagero nem julgo fatos específicos, mas Cesare Battisti é uma criatura deste momento e deste contexto. Nem mais nem menos. Gente como ele cometeu crimes iguais ou semelhantes aos que lhe são imputados. Crimes contra pessoas comuns e, simultaneamente, contra a democracia e contra o Estado de Direito.

A democracia italiana defendeu-se deste assalto violento sem se desviar do regime constitucional. A atitude do PCI, então hegemônico entre as forças de esquerda, foi decisiva para que se isolassem e derrotassem os setores subversivos: a atitude de uma força de esquerda madura e responsável, atenta à defesa do seu programa fundamental, que, na verdade, era a Constituição republicana feita sob a presidência de Umberto Terracini, um grande comunista amigo de Gramsci e que, por sinal, recebeu uma pena ligeiramente superior à deste último no processone fascista contra os dirigentes do PCI nos anos 1920. A involução autoritária, objetivo nem tão oculto dos terroristas de direita e de esquerda, foi impedida, e é em momentos desse tipo que se afirma, ou não, a capacidade de direção nacional de uma grande força política, mesmo eternamente condenada à oposição pelos constrangimentos da Guerra Fria.

Hoje o PCI não mais existe, mas é perfeitamente possível afirmar que as forças que majoritariamente o compunham se encontram, ao lado de católicos democráticos, no recentemente criado Partido Democrático, depois da experiência do Partido Democrático da Esquerda e dos Democráticos de Esquerda. A Itália tem um governo de centro-direita e à sua frente está uma figura particularmente polêmica, a de Silvio Berlusconi. A coalizão no poder inclui forças que expressam um persistente e não muito disfarçado mal-estar com a própria unidade nacional, como é o caso da Liga Norte. Expressa-se nesta Liga até mesmo um racismo intraétnico contra os italianos do Sul. A luta política, pois, é duríssima, as tensões sociais são inéditas, mas nada disso autoriza a caracterizar como fascista ou pró-fascista o Estado italiano.

Na presidência deste Estado encontra-se um homem do porte de Giorgio Napolitano, egresso do PCI, assim como, nos anos 1970, à frente do Estado estava Sandro Pertini, um socialista histórico com raízes numa luta armada de verdade, travada por motivos históricos irrefutáveis — a Resistência contra o fascismo e o nazismo.

Deduz-se facilmente que o atual governo de centro-direita, o terceiro dirigido por Berlusconi, está imerso em contradições graves, embora não tenha chegado ao poder através de golpe de Estado e o país continue sendo, como é acaciano observar, uma democracia, apesar de todas as suas imperfeições. Gostaria de chamar a atenção para uma dessas contradições do governo Berlusconi, um fato que talvez ainda não tenha sido devidamente comentado e divulgado no nosso país.

Tal contradição tem nome e atos tão graves quanto os imputados a Cesare Battisti. Jorge Troccoli — este o personagem — foi capitão dos Fuzileiros Navais do Uruguai e contribuiu para o desaparecimento de muitos oposicionistas da ditadura uruguaia, entre os quais seis cidadãos italianos. Troccoli foi um dos agentes da Operação Condor, uma “internacional” do terrorismo de Estado em ação nos países do Cone Sul dominados pelas ditaduras militares nos anos 1970 e 1980. O curioso é que o governo de Berlusconi negou a extradição de Troccoli para o Uruguai, alegando dupla cidadania. Fora este último aspecto, o caso Troccoli tem muitas semelhanças com o de Battisti. Não faltaram pressões diplomáticas do governo uruguaio, recursos às instâncias do Judiciário italiano, etc., mas o governo de Berlusconi parece irredutível na sua decisão sobre Troccoli, “o Battisti uruguaio”, no dizer do jornal L’Unità. E se trata de um episódio recente, cujas escaramuças diplomáticas e judiciárias mais dramáticas ocorreram em 2008.

No fundo, diante de situações como estas, volto a pensar num homem como Berlinguer. Um homem de partido, sem dúvida um comunista que aos olhos de hoje se diria tradicional, mas cuja formação moral, cuja reflexividade e até certa melancolia talvez o tenham poupado de ilusões mais graves quanto às virtudes supostamente imaculadas dos seus partidários e aos defeitos pretensamente insuperáveis dos seus adversários. Um líder cujo carisma talvez residisse no anticarisma, no apelo ao que havia de mais sensato, razoável e inteligente nos seus amigos, partidários e até mesmo nos que a ele e ao PCI legitimamente se opunham. Precisamos de homens e mulheres assim, que apelem, com grande autoridade moral e sem ambiguidade, ao caráter universal de alguns valores básicos. Sem isso, o que nos espera é a agitação estéril dos sectarismos. De direita ou de esquerda.

Luiz Sérgio Henriques é o editor de Gramsci e o Brasil.