quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Reflexão do dia - Luiz Weneck Vianna

“Por toda parte: centralização, verticalização. Pré-sal, Petrobras, o sistema financeiro estatal brasileiro, a Vale, grandes empreiteiras da construção civil, complexo industrial-militar, cooptação da intelligentsia, dos sindicatos e movimentos sociais. Não é um bom presságio para a democracia brasileira se apresentar sob a retórica de significar uma comunidade fraterna quando se encontra envolvida em uma política de vocação grã-burguesa. Como também não é o fato da sociedade, em sua diversidade, se deixar subsumir ao Estado, conferindo à liderança de um chefe de governo carismático a tarefa de cimentar a unidade dos seus contrários. Estamos conscientes dos riscos aí envolvidos? A pergunta deve incluir como destinatários os principais atores políticos que estão a dirigir esse processo.”


(Luiz Werneck Vianna, no 33º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG de 26 à 30/10/2009)

Merval Pereira:: A visão de Aécio

DEU EM O GLOBO

Recebi do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, a seguinte mensagem, a respeito da coluna de ontem, “Passo em falso”, em que critiquei o encontro entre ele e o deputado federal Ciro Gomes, candidato potencial pelo PSB.

Como se trata de um depoimento esclarecedor sobre seu processo decisório, num momento fundamental para a definição do candidato do PSDB, publico a íntegra da mensagem:

“Caro Merval, dizem que a política é território onde, em detrimento da verdade, prevalecem as versões.

Hoje, ao ler os jornais, fiquei com o sentimento de que é também o território das interpretações, mais do que o da realidade.

Estou surpreso com a repercussão do meu encontro com Ciro Gomes ontem em Minas.

E por uma única razão: não há nada de novo nele.

O deputado Ciro já esteve por diversas vezes no estado.

Em algumas delas estivemos juntos. Por várias ocasiões ele já reafirmou a possibilidade de retirar a sua pré-candidatura caso a minha venha a se concretizar.

No entanto, em nenhuma dessas ocasiões o assunto mereceu tanta atenção.

A pressa em rotular ou tentar encontrar nesse encontro alguma motivação que pudesse contribuir para as falsas teorias conspiratórias em curso no cenário político fez com que passasse desapercebido o único fato novo ocorrido no encontro: pela primeira vez o ex-ministro vem a Minas e não faz, no estado, nenhuma crítica ao governador Serra.

É claro que isso não foi por acaso. Surpreende que ninguém tenha observado isso, que, se não tem nenhum significado específico quanto à posição de Ciro, certamente revela muito da minha.

Percebo com clareza o esforço feito por alguns no sentido de tentar fazer prevalecer sempre uma visão maniqueísta dos acontecimentos. Por essa ótica, tudo o que eu faço tem como objetivo gerar constrangimentos para o governador Serra, e tudo o que ele faz — ou não faz — tem como objetivo me criar dificuldades.

Serra prefere que a decisão do partido se dê em março? Ora, é para inviabilizar o Aécio, correm a dizer.

O Aécio se encontrou com Ciro? É só para incomodar o Serra, repetem à exaustão.

Essas análises seriam apenas uma forma empobrecida de perceber a realidade política se não terminassem por cumprir uma função: engessar os movimentos do Serra e meus de forma a perpetuar a ideia de um falso antagonismo entre nós.

O governador Serra tem inúmeras razões, todas corretas, para agir da forma que age.

Também eu as tenho.

Nossas iniciativas têm outras motivações. Pergunto: e se eu recebo amanhã, como já recebi inúmeras vezes, a bancada federal de algum partido? Na lógica das análises apressadas, alguém vai dizer: depois de se encontrar com Ciro, Aécio recebe a bancada do partido X para enfraquecer Serra.

E, se a minha agenda política não tiver nenhum encontro que possa ser interpretado do ponto de vista eleitoral, ainda assim alguém pode interpretar: silêncio de Aécio tem como objetivo pressionar Serra.

Tanto o governador Serra como eu temos responsabilidades e não podemos agir ou deixar de agir em função de interpretações.

Não podemos ser reféns de interpretações.

Você se recorda quando, há bem pouco tempo, algumas análises, apesar dos meus reiterados desmentidos, garantiam que eu ia deixar o PSDB? Análises podem se mostrar incorretas. O tempo é que diz. Mas nós, que temos responsabilidades públicas, não temos o direito de errar tão facilmente.

Continuo acreditando que o PSDB precisa ampliar o seu leque de alianças qualquer que seja o nosso candidato. E continuo achando que essas alianças devem ser buscadas no período préeleitoral, no período eleitoral e, certamente, também após as eleições.

A experiência da aliança com o PT em torno das eleições em Belo Horizonte cumpriu um papel importante. Tanto o prefeito Pimentel quanto eu sabíamos que ela estaria necessariamente restrita ao âmbito municipal, uma vez que não há condições políticas de que ela fosse pensada de outras formas.

Digo que ela cumpriu um papel importante — e lembro que existem centenas de alianças municipais PSDB-PT Brasil afora — porque acredito que o processo político não é linear.

Por fim, reitero o que venho repetindo muito ultimamente, por mais ingênuo que possa parecer para muitos: faço política conversando. Com aliados, com possíveis aliados, com adversários. É uma forma de se identificarem espaços e caminhos para a construção de consensos e avanços, embora reconheça que, em algumas circunstâncias, não há como fugir do confronto.

Em Minas, costuma-se dizer que, em política, devem brigar as ideias, não os homens.

Por isso, durante o meu governo, o Palácio das Mangabeiras, residência oficial do governador do estado, vem recebendo deputados, senadores, governadores e ministros de todos os par tidos, inclusive da oposição. À luz do dia.

Pela porta da frente”.

Dora Kramer:: Fatos e fotos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não resta dúvida de que o governador de Minas, Aécio Neves, se apresenta como pré-candidato do PSDB à Presidência da República. Não há também razão para duvidar do governador quando ele afirma não ter "obsessão" pelo tema.

Na realidade, os movimentos do governador levam à conclusão de que Aécio está mais empenhado na administração política de uma tentativa do que na efetiva execução de um projeto de construção de candidatura presidencial.

Se o foco principal do governador fosse disputar mesmo a legenda do PSDB, ele agiria de modo diferente: teria empregado todos os esforços para a realização das prévias - hoje mera miragem por ele assim aceita -, como também teria cumprido a promessa de se licenciar do governo para viajar pelo País a fim de amealhar apoios nas sessões regionais do partido e se tornar mais conhecido do eleitorado.

Teria aplicado também seus atributos de negociador para se viabilizar dentro do próprio partido.

Prestando bem atenção nota-se que Aécio Neves não atua realmente como adversário de José Serra. As atitudes dele são diferentes da adotada por Geraldo Alckmin em 2006. Ali os sinais de luta eram perceptíveis a olho nu. De parte a parte.

Aqui, há disputa de posições, mas que produz mais efeitos especiais que propriamente danos de concorrente para concorrente. Qual o prejuízo provocado por uma foto de Aécio com Ciro Gomes?

Nenhum. Inclusive porque se o improvável fizer do mineiro o candidato, Ciro pode até apoiá-lo, mas o PSB seguirá com Lula e o PT não será tão ameno como é agora quando essa hipótese é mais remota.

Por ora, Aécio colhe benefícios e ao partido isso interessa porque é muito melhor ter uma candidatura alternativa que agrade do que trabalhar com uma alternativa frágil.

Ele hoje é personagem de primeira linha no processo de sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva, mesmo sendo desconhecido pela massa do eleitorado, tenha desempenho mediano nas pesquisas de opinião e conte com um adversário interno de posição obviamente preponderante. Ainda assim, Aécio transita com destaque.

E o faz há muito. Primeiro, por conta da possibilidade de sair do PSDB e disputar a Presidência por um outro partido. Hipótese sempre negada por ele, mas habilmente administrada no campo das especulações e alimentada por encontros pluripartidários, cuja consistência tinha mais a ver com as fotos produzidas do que com os fatos decorrentes deles.

A despeito da atividade do governador mineiro na "costura" de relações com outros partidos e das manifestações de apoio recebidas, Aécio Neves continua no PSDB e seus pretendentes a aliados seguem de compromisso marcado com a candidatura Dilma Rousseff.

O segundo e paralelo movimento do governador de Minas deu-se na eleição municipal do ano passado, quando se juntou ao então prefeito de Belo Horizonte, o petista Fernando Pimentel, para uma aliança em torno do candidato (vencedor) Márcio Lacerda, filiado por orientação de Aécio ao PSB.

O PT não autorizou a formalização da aliança e deu uma razão definitiva para isso: não iria mover águas para o moinho de Aécio Neves.

À época, a imagem da foto foi bem mais generosa que o fato subsequente: Lacerda foi para o segundo turno com o candidato do PMDB que havia sido escolhido em convenção pelos aliados de Aécio no partido, supostamente para fazer papel figurativo, que acabou se revelando um adversário agressivo.

Assim como o PT e o PMDB na eleição municipal puseram seus destinos à frente da articulação alheia, os partidos - todos eles - farão o mesmo na eleição presidencial: brigar para ganhar.

A César

O ex-prefeito do Rio Cesar Maia envia mensagem para contraditar em parte e esclarecer em parte artigo de ontem sobre a motivação de sua irritação com o governador José Serra: a pressa para que Serra se defina e interfira nas composições do Rio para que Fernando Gabeira seja candidato a governador, facilitando a candidatura de Cesar a senador.

"Sua fonte deve estar mal informada. Nesta segunda-feira (16), Gabeira participou aqui no Rio de uma reunião mensal sobre política internacional com dirigentes do DEM. Tudo em casa e com a amizade de sempre. Trinta dias atrás jantei na casa do Kassab em São Paulo, com Serra... 15 dias atrás almocei com Aécio. Nada disso foi sequer ventilado.

"Meu comentário (a respeito de Serra) tratou de uma curiosa inversão no processo de escolha do candidato pelo PSDB. Não havia visto antes pré-candidato dar-se prazo para definição e o partido, passivo, aguardar. A isso chamei de caudilhismo invertido, já que o normal seria o caudilho apontar no dedo seu candidato, como Lula com Dilma."

Registrado. Inclusive o fato de que Cesar Maia não nega nem se refere ao seu desejo - centro do referido artigo - de ver Gabeira candidato ao governo e fora do páreo para o Senado.

Eliane Cantanhêde:: Abraço de afogados

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A história se repete: o PSDB tem um nome com maioria folgada nas pesquisas, o de Serra, mas não faz outra coisa senão solapar o seu candidato, como em 2002 e 2006.

Desta vez, com decidida ajuda do parceiro DEM.

Tudo bem Aécio querer disputar, mas não tão bem ele dar palanque para Ciro atacar Serra. Ciro faz um ziguezague que pode ser tudo, menos favorável à oposição. Ameaça disputar contra Dilma, depois troca o domicílio eleitoral para dar palanque a ela no principal Estado, agora entra num jogo com Aécio que não fortalece nenhum dos dois, só enfraquece Serra.

Parece coisa de agente duplo, e Aécio faz gênero garotão, mas não é nenhum ingênuo para não perceber.

Como tropa auxiliar do "oposicionista" Aécio e do "governista" Ciro, a dupla César e Rodrigo Maia, do DEM, diz que Serra "lembra os piores caudilhos". Boa forma de dinamitar os bons índices do único candidato que o DEM tem para tentar voltar ao poder. Ou melhor: para se manter vivo, porque está fora da máquina do Estado há sete anos e a vitória de Dilma pode significar mais 12: quatro dela e oito com a volta de Lula em 2014.

Bem... mas também há o lado pragmático do DEM, que tem juízo e se agarra aos 44% de Serra no último Datafolha como boia de salvação: Jorge Bornhausen, que só atua nos bastidores e não controla mais o partido, e Gilberto Kassab, o prefeito que está em vias de dar um presentão para o seu candidato: aumento de IPTU em ano eleitoral.

Enquanto Dilma chega a 2010 com o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o PAC, Serra vai com um aumento de até 60% do IPTU para 1,7 milhão de paulistanos. E, apesar das promessas (como em 2002 e 2006), sem Minas Gerais.

O PT ri à toa, enquanto o eleitorado chora, emocionado, com "Lula, o Filho do Brasil". Intelectuais viram a cara, mas, se o objetivo é eleitoral, quanto mais piegas melhor -para Lula e Dilma.

Fernando de Barros e Silva:: Filme de Lula tem clichês como nunca antes neste país

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Lula, o Filho do Brasil" é incrivelmente ruim. Fábio Barreto transformou uma vida única em vida exemplar; a biografia de Lula foi idealizada. Tudo é didático e infantilizante, e o repertório de clichês parece vasto como nunca antes na história do cinema deste país.

Crítica/"Lula, o Filho do Brasil"

Ficção ruim converte vida única em história exemplar

Clichês e interpretações fracas marcam longa de tom didático e infantilizante

"Lula, o Filho do Brasil" é um filme incrivelmente ruim. A ponto de ter frustrado a plateia de convidados que o recebeu com aplausos discretos e ligeiros ao final da estreia, anteontem, na abertura do 42º Festival de Cinema de Brasília.

Na presença da primeira-dama, Marisa Letícia, do elenco, de vários ministros de Estado e de mais algumas centenas de figuras do mundo oficial brasiliense, esperava-se uma noite apoteótica. Não foi.

Antes da exibição, o produtor Luiz Carlos Barreto foi ao palco e criticou a organização do festival pela superlotação da sala.

Alertou que todos corriam risco de morte e pediu que os corredores fossem esvaziados. Foi vaiado. Fábio, o filho do Barretão, reclamou que os atores não tinham onde sentar. Pediu assentos livres. Mais vaias.

Curtos-circuitos à parte, o diretor Fábio Barreto tinha em mãos a matéria-prima de uma vida sem dúvida excepcional: a história única do retirante nordestino que chega à Presidência da República num país desigual como o Brasil.

O filme, no entanto, transformou a vida única em vida exemplar. A biografia de Lula foi idealizada, como se o presidente já estivesse contido em cada gesto da criança predestinada que nasceu no sertão pernambucano, filha de pai alcoólatra e de mãe infinitamente dedicada e bondosa. De resto, passagens importantes na vida do personagem, como a filha Lurian, que teve com Miriam Cordeiro, são deixadas de lado.

O ideário nacional-popular no filme assume propósitos edificantes, como se estivéssemos diante de uma aula-show de moral e cívica dos novos tempos. A narrativa é linear e convencional; tudo é didático, esquemático, infantilizante; o repertório de clichês parece vasto como nunca antes na história do cinema deste país.

A preocupação pedagógica, de realizar um filme bem explicadinho e redundante, lembra algo dos procedimentos da arte socialmente engajada, do antigo CPC ou do realismo socialista.

Mas, aqui, a pedagogia da superação pessoal está submetida à lógica do dramalhão, posta a serviço de uma sensibilidade que aproxima o filme das telenovelas. Seria talvez o caso de falar em realismo de mercado, ou mercadista.

Barretão parece sincero quando diz que fez o filme para "ganhar dinheiro". Fábio não mente quando insiste que o filme é um "melodrama épico", feito para "divertir e emocionar". O pragmatismo sem peias e a vulgaridade da família Barreto não deixam de ser um sinal (político? estético?) do momento nacional.

Registre-se a passagem em que um sindicalista, nos anos 70, saúda o bar "cheio de brameiros". A expressão não existia na época. O jargão da publicidade recente invade a tela sem nenhum pudor. É triste que uma produção tão cara para os padrões brasileiros tenha resultado em interpretações tão precárias em alguns casos.

Rui Ricardo Dias não se decidiu entre ter ou não ter a língua presa, entre imitar o Lula verdadeiro ou inventar uma dicção para seu personagem. Aristides, o pai de Lula, vivido por Milhem Cortaz, é quase um vilão de quadrinhos, resmungando, cambaleando e babando cachaça, sempre com gestos caricatos. A Marisa Letícia arisca de Juliana Baroni é a boa surpresa do elenco, que tem em Glória Pires, no papel de Dona Lindu, a mãe de Lula, seu porto seguro. De novela ela entende.

O filme se encerra com o trecho do discurso de posse em que Lula oferece seu "diploma" à mãe. A narrativa, no entanto, acaba em 1980, quando Lindu morre e o líder sindical deixa o Dops depois de um mês preso.

A história política aparece no filme como pano de fundo, quase uma moldura da trajetória do filho de Dona Lindu. Desde cedo, Lula está sempre fazendo comentários ponderados.

Quando vê pela TV a decretação do AI-5, solta, em tom de lamento: "Mas já estava tudo na mão deles".

A moral da história, porém, vai sendo salpicada ao longo da trama pelas falas que a mãe dirige ao filho em tom de ensinamento: "Primeiro a obrigação, depois a distração"; "O mais importante é não esquecer de onde você veio"; "A gente faz o que dá pra fazer, mesmo que seja pouco"; "Se você sabe o que é pra fazer, vai lá e faz, se não der, espera."

Com "O Filho do Brasil", o lulismo recebe a bênção materna.

LULA, O FILHO DO BRASIL
Quando:
estreia em 1º/1 nos cinemas
Avaliação: ruim

Freire: Ciro não tem autonomia para apoiar Aécio porque é "marionete" de Lula

DEU NO PORTAL DO PPS

Para Freire, quem vai tomar decisões por Ciro é o presidente da República.

Por: Valéria de Oliveira

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, afirma que o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) não tem autonomia para decidir se mantém ou retira sua pré-candidatura à Presidência da República porque é "uma marionete" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Foi Lula quem mandou que ele transferisse seu domicílio eleitoral para São Paulo", lembrou. Ciro garantiu ao governador de Minas, Aécio Neves, que deixaria de disputar a Presidência da República se o mineiro fosse o postulante ao cargo pelo PSDB.

Freire fez a declaração em entrevista ao programa Tribuna Livre, da Rede Vida, na noite desta terça-feira. "Eu não acredito que Aécio esteja se iludindo que vai aglutinar, para uma candidatura sua, Ciro Gomes, que é pau mandado de Lula. Além disso, o PSB está entranhado em alianças com Lula". Para Freire, quem vai tomar decisões por Ciro é o presidente da República. Já o PPS vai apoiar o PSDB porque assim o partido decidiu em congresso nacional. "Quando decidimos lançar candidato a presidente, lançamos". Agora, o partido quer a unidade Serra-Aécio e tem defensores de ambos os nomes para encabeçar a chapa tucana.

Terrorismo

Ao ser questionado sobre suposta afirmação de Aécio a empresários de que o governador José Serra, de São Paulo, teria mais dificuldade do que ele de conseguir apoio no Congresso e que enfrentaria manifestações constantes dos movimentos sociais ligados ao PT, tumultuando sua administração, Freire respondeu lembrando o "terrorismo" feito para evitar a eleição de Lula, em 2002. Se a declaração atribuída ao governador de Minas é verdadeira, disse Freire, ela foi muito infeliz.

"O que eu sei é que o setor financeiro e alguns empresários não gostam de Serra – e por isso estou com ele. O setor financeiro fez tantas estrepolias em 2002 que conseguiu extrair de Lula uma carta aos brasileiros, que era mais uma carta aos banqueiros, para evitar a vitória de Serra, porque ele sabe o que é defender interesse público".

Desmonte

Freire lembrou que Serra conseguiu criar os genéricos, "algo que no governo Lula também está regredindo, e quebrou algumas patentes, o que desagradou o setor farmacêutico no mundo". O ex-senador criticou o esvaziamento da Anvisa, que era o único órgão a reconhecer patentes no país. "Ali, se podia trabalhar para o desenvolvimento da indústria de genéricos; se controlava essa discussão e não se subordinava às fantasias da indústria farmacêutica". Recentemente, a Anvisa perdeu o poder de discutir as patentes, no Brasil, de muitas dessas drogas, disse Freire. "Serra enfrenta esses interesses com uma visão do interesse nacional; esses setores preferem um governo que sirva aos seus propósitos, que faça suas vontades".

Freire voltou a defender a desprivatização do Estado brasileiro, que está nas mãos dos interesses privados. Desde 1989, quando disputou a Presidência da República pelo então PCB, o presidente do PPS alerta para essa distorção. "Não se tem definição de políticas públicas, mas sim daquelas que interessam às empreiteiras, aos grandes grupos econômicos, ao setor financeiro".

O ex-senador condenou, também, o esvaziamento das agências reguladoras, processo que, conforme lembrou, começou ainda no governo Fernando Henrique. Freire chamou de dogmático o estatismo que o PT exibe no discurso. Essa concepção, entretanto, disse Freire, é apenas uma questão de retórica, "porque se fosse verdade, o governo deles já teria reestatizado tudo; mas sabem que essa medida não funcionaria, porque o estado não tem condições de investir nas empresas de forma a torná-las competitivas".

Direita

Quando um telespectador perguntou se Freire não estaria se juntando a políticos de direita, ele foi enfático ao dizer que Serra é de esquerda e contou que, logo após as eleições de 2002, chegou à conclusão de que os partidos de esquerda apoiaram Lula, mas o candidato de esquerda era, na verdade, o ex-ministro da Saúde. "Eu não estou preocupado em acusar Lula de ter escolhido um dos grandes capitalistas da indústria textil deste país para ser seu vice, o José Alencar".

Freire disse, também, que, quando o PPS ainda apoiava o governo Lula, foi a uma das reuniões políticas e se surpreendeu ao ver os participantes. "Eu não imaginava ganhar a eleição para estar entre essas pessoas, não; faltou Maluf, mas Pedro Correa o representou; também não imaginava que Roberto Jefferson fosse receber um cheque em branco do presidente da República, que estaríamos com Valdemar Costa Neto".

Freire frisou que não admitia uma afirmação de que ele estaria fazendo aliança com a direita, e alfinetou, referindo-se a Lula: "O apagão do país, disse Freire, é um apagão na política também, de um Edison Lobão, que, esse sim, é um homem do regime militar. E tem mais, eu não tenho Delfim (Neto) como meu comensal, dando orientações". O ex-ministro da ditadura militar, afirmou Freire, pode ser um excelente economista. "Mas não vai ser economista de um governo meu, por conta da sua política de desrespeito aos direitos humanos, pois é um homem que assinou o AI-5".

O governo Lula ampliou tanto suas alianças, na avaliação de Roberto Freire, que acabou ficando com um PMDB "que nem mesmo um significado democrático tem, porque não é o PMDB da resistência".

‘Gramsci e a esquerda contemporânea’

DEU NO RURAL SEMANAL nº 37, novembro/2009

Como uma das atividades empreendidas pela Comissão de Comemorações do 100 anos da Rural neste ano de 2009, na próxima 3ª feira, dia 24/11, às 10h, no Auditório Hilton Salles, será lançado o livro do Prof. Raimundo Santos ‘A importância da tradição pecebista’ . Acompanhará o evento o debate sobre o tema ‘Gramsci e a esquerda contemporânea’, com a participação do ensaísta Luiz Sérgio Henriques, tradutor de obras de Gramsci ao português e editor do site Gramsci e o Brasil (www.gramsci.org) e do próprio Prof. Raimundo Santos. Consultados pelo Rural Semanal, os palestrantes adiantaram os principais eixos das suas exposições. Luiz Sérgio Henriques tentará mostrar como Gramsci se firmou como um dos clássicos da política no século XX e, nesta condição, ainda pode nos ajudar a entender os problemas do nosso próprio tempo.

O palestrante observa que há aspectos ultrapassados e aspectos atualíssimos no pensamento de Gramsci, de modo que estudar este pensador é necessariamente um desafio, para além de qualquer ortodoxia. O ponto de partida devem ser os problemas da democracia brasileira, admitindo-se que existe uma distância de tempo histórico, que não se pode desconhecer, entre Gramsci e o Brasil. Luiz Sérgio Henriques disse ainda que o estudioso deve estar atento a isso, se estiver de fato preocupado em utilizar o pensamento gramsciano como um recurso para fazer avançar a democracia brasileira

Em sua breve fala, Raimundo Santos pretende se referir à presença do pensamento de Antonio Gramsci na cultura política pecebista, da qual se ocupa o volume recém- publicado com o selo da Fundação Astrojildo Pereira, de Brasília.

PT defende controle público e sanções à imprensa

DEU EM O GLOBO

Em documento a ser levado à conferência do governo, partido pede ainda mudança no modelo de outorga de concessões

Ricardo Galhardo


SÃO PAULO. Um texto aprovado pelo diretório nacional do PT defende o controle público dos meios de comunicação e a criação de mecanismos de sanção à imprensa. No documento, intitulado “Resolução Sobre a Estratégia Petista na Confecom (Conferência Nacional de Comunicação)”, o PT também defende mudanças no atual modelo de outorga de concessões no setor de comunicação que, segundo o partido, é anacrônico, autoritário e “privilegia grupos comerciais em detrimento dos interesses da população”.

No documento, o PT revela ainda a estratégia de apresentar as propostas aos representantes do partido no governo envolvidos com a Confecom. A conferência organizada pelo governo Lula e prevista para acontecer entre os dias 14 e 17 de dezembro tem como objetivo levantar propostas para nortear a elaboração de políticas públicas para o setor. A previsão é que participem representantes do governo, sociedade e empresas de comunicação.

Entre os temas em debate pelo governo está o sistema de outorgas de concessões, que faz parte do eixo temático “Meios de Distribuição”.

O texto do PT afirma que o marco regulatório atual é “anacrônico, autoritário, fragmentado e privilegia os grupos comerciais, em detrimento dos interesses da população. Esses modelos permitem a uns poucos grupos empresariais — muitas vezes associados a fortes conglomerados estrangeiros — exercer o controle quase absoluto sobre a produção e veiculação de conteúdos informativos e culturais”, diz o texto.

Documento fala em “proibição de monopólios” Para substituir o modelo atual, o PT propõe: fortalecimento dos meios de produção público-estatais, regulação sobre conteúdo, mecanismos de controle público, proibição de monopólios, criação de um modelo que garanta mecanismos efetivos de sanção aos meios de comunicação, produção de nova legislação para direito de resposta, paridade racial de gênero na publicidade e um percentual para programas que tratem de história da África.

Perguntado se as propostas ferem princípios universais de liberdade de imprensa e expressão, o secretário nacional de Comunicação do PT, Gleber Naime, respondeu: — Esta proposta é para garantir a liberdade de imprensa e não a das empresas.

Naime prometeu detalhar por e-mail as propostas do partido, mas até as 20h de ontem não respondeu às perguntas.

Segundo ele, o texto foi elaborado num Seminário Nacional do partido sobre comunicação e referendado pelo diretório nacional sem a participação de petistas que ocupam cargos no governo.

O Ministério das Comunicações também foi procurado para explicar, entre outras coisas, o que o governo pretende mudar no sistema de outorgas, mas não respondeu.

Para o especialista em comunicação Carlos Alberto Di Franco, da Universidade de Navarra, as propostas do PT preocupam pois podem esconder objetivos de controle ideológico como os que foram aplicados em outros países latinoamericanos, como Venezuela e Argentina.

— Sob o pretexto de democratização, o que se oculta é a tentativa de um crescente controle ideológico da informação.

As empresas brasileiras de comunicação deram exemplo histórico de seu compromisso em defesa da democracia. Os jornais combateram a ditadura militar.

Mas combateram a ditadura em defesa de uma sociedade aberta e plural. O que vemos em alguns países da América Latina — e a Venezuela é um exemplo claro — é o crescimento de uma visão autoritária, centralizadora e antidemocrática — disse ele.

Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem poupado ataques à imprensa. Em encontro com catadores de material reciclável, há cerca de três semanas, Lula disse que os formadores de opinião já não exercem influência sobre a população

Grupos minoritários denunciam abuso de poder econômico em eleição no PT

DEU EM O GLOBO

Suspeita é que chapa de Dutra tenha pago anuidade para militantes votarem

Gerson Camarotti e Maria Lima

BRASÍLIA. Na reta final das eleições diretas para o comando nacional do PT e os diretórios estaduais, o PED (Processo de Eleição Direta), as tendências minoritárias do partido passaram a levantar suspeitas sobre o abuso do poder econômico da tendência Construindo Novo Brasil (CNB), antigo Campo Majoritário, a chapa favorita para vencer a disputa neste domingo.

Nos bastidores, integrantes de outras tendências dizem que o CNB estaria pagando a taxa de habilitação de filiados para ter o maior número possível de militantes votando no domingo.

A estratégia do CNB é elevar o número de eleitores aptos a votar no PED ao patamar de 400 mil militantes. Na última eleição, em 2007, votaram cerca de 330 mil militantes. O PT tem 1,3 milhão de filiados. E, de quebra, aumentar o caixa do partido com as taxas de habilitação de eleitores. Segundo os próprios petistas, o aumento no número de militantes aptos deve favorecer a vitória em primeiro turno do candidato do CNB, o ex-senador José Eduardo Dutra, e expresidente da Petrobras.

Preocupado com as distorções da eleição interna, o deputado Geraldo Magela (DF), candidato da tendência Movimento PT, defendeu ontem o fim da obrigatoriedade do pagamento da anuidade como condição para os militantes votarem. E demonstrou contrariedade com a possibilidade de vitória de Dutra no primeiro turno.

—Tem duas coisas que podem garantir a vitória do Dutra: o inchaço de eleitores aptos para votar e a taxa de R$ 15. Vou propor acabar com a taxa do voto.

Isso virou um negócio esdrúxulo.

Tem militante que fica afastado da vida do partido e acaba votando com o pagamento de R$ 15. Isso é uma distorção. O PED deveria ser um meio democrático — atacou Magela.

Arrecadação do PED deve chegar a R$ 6 milhões Segundo as regras, o militante, para votar no PED, tem que pagar a anuidade, que subiu este ano de R$ 5 para R$ 15. Com o aumento, a arrecadação do PED, só com anuidades, deve ir de R$ 2 milhões para R$ 6 milhões, caso se confirme a previsão de 400 mil militantes credenciados.

De forma discreta, as tendências minoritárias comparam a mobilização feita pelo antigo Campo Majoritário à prática de compra de votos nas eleições.

Outro candidato à presidência do PT, o deputado José Eduardo Cardozo (SP), da tendência Mensagem ao Partido, reforça as suspeitas: — Essa eleição é positiva quando ocorre dentro dos parâmetros.

Quando há violação da regra, passa a existir o conflito, a briga. Isso pode prejudicar a unidade do partido.

O candidato do CNB, José Eduardo Dutra, rebate: — Não é uma taxa para votar.

Só quem está reclamando é o Magela. Participei de nove debates e ninguém reclamou. Sobre esse negócio de compra de votos, quem está falando isso tem que dar nome aos bois, dizer que entidade tal está patrocinando os pagamentos para beneficiar tal chapa. Não dá para ficar levantando aleivosias.

A deputada Iriny Lopes (ES), candidata pela tendência Articulação de Esquerda, diz que a anuidade tem que ser paga pelo militante, não por grupos: — Se tiver alguma corrente que esteja pagando essa taxa, isso tem que ser denunciado

Serra mostra incômodo com flerte Aécio-Ciro

DEU EM O GLOBO

Para paulista, gestos de mineiro devem levar a prévias no PSDB

Flávio Freire

SÃO PAULO. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), mostrou ontem certo incômodo com o encontro regado a troca de elogios entre o governador mineiro, Aécio Neves, e o deputado Ciro Gomes (PSB), terça-feira. Lacônico, o tucano encerrou uma entrevista quando indagado sobre o fato de Aécio dizer que gostaria de estar ao lado de Ciro numa eventual candidatura presidencial.

— O Aécio tem o direito de ver as pessoas que quiser. A mim não cabe comentar — disse Serra, também pré-candidato do PSDB à Presidência, após visitar obras do metrô em São Paulo.

A interlocutores, Serra teria dito que as manifestações de Aécio podem reforçar a necessidade de prévias para a escolha do candidato. Ele é contra a tese e tem dito à cúpula tucana que só lançará seu nome se for ungido.

Teme o desgaste que ocorreu em 2006, quando disputou nos bastidores com Geraldo Alckmin a indicação para concorrer.

Alckmin foi o candidato.

Anteontem, Ciro chegou a dizer que desistiria de sua candidatura ao Planalto em favor de Aécio. O mineiro retribuiu: — Se pudéssemos estar juntos, seria extraordinário

DEM diz que apoia PSDB com Serra ou Aécio

DEU EM O GLOBO

Em almoço, líderes decidem frear as divergências públicas, mas não escondem incômodo com indefinição tucana

Maria Lima e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. O bombardeio da dupla Rodrigo Maia/Cesar Maia (DEM-RJ) sobre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), nas últimas semanas levou a cúpula do DEM a realizar ontem uma manifestação pública de unidade em defesa da aliança com os tucanos na eleição presidencial de 2010, independentemente de quem venha a ser o candidato do PSDB. Após um almoço, dirigentes e líderes do DEM declararam apoio incondicional ao candidato do PSDB e o fim das divergências públicas.

Nos bastidores, porém, ainda há incômodo de alguns com a demora dos tucanos a pôr o candidato e a campanha nas ruas.

O racha entre os partidários dos governadores Aécio Neves (MG) e Serra no DEM vem se explicitando a cada dia.

Provocaram o auge do mal-estar no PSDB as declarações do ex-prefeito do Rio Cesar Maia de que Serra, com a indefinição de sua candidatura ao Planalto, está se comportando “como os piores caudilhos”.

Sentado à mesa com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o ex-presidente do DEM Jorge Bornhausen e o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia, fez um mea culpa ao admitir que o pai passara dos limites ao chamar Serra de caudilho.

Houve unanimidade na condenação aos ataques.

Partido mantém pressão sobre escolha do candidato Entretanto, a avaliação no partido é que as declarações de Cesar Maia serviram para que o DEM se unisse e desse o seu recado aos tucanos. Ao se comprometer com o potencial candidato do PSDB, o DEM está mais uma vez cobrando que os tucanos apresentem logo esse candidato.

— O almoço serviu para mostrar a unidade do DEM e o apoio consensual ao PSDB, independentemente de quem seja o candidato escolhido. Colocamos um freio às manifestações de preferências explícitas. A nossa parte, nós fizemos — disse o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN).

— Foi um almoço Pollyana, só para fazer o jogo do contente, mostrar que o partido, embora cada um tenha sua preferência, está conformado com a ideia de que haverá apoio incondicional ao PSDB, independentemente da escolha por Aécio ou Serra, ou chapa pura — disse o senador Demóstenes Torres (GO).

— Foi um almoço para tirar foto e mostrar o discurso oficial do partido, de que a decisão unânime é apoiar o que o PSDB decidir — disse o deputado José Carlos Aleluia(BA).

Só o governador Arruda discursou e fez um apelo para que as preferências não fossem explicitadas, por enquanto, para evitar o desgaste da candidatura de oposição.

— O DEM tem que apoiar incondicionalmente o PSDB, seja quem for o candidato, para voltarmos ao poder. Foi muito boa a experiência na oposição, mas cansei — disse Arruda, que está numa cadeira de rodas por causa de uma cirurgia no tendão.

Em enquete feita pelo GLOBO mês passado, ouvindo as bancadas do DEM na Câmara e no Senado, ficou evidente a divisão do partido em relação aos dois pré-candidatos. A maior parte dos parlamentares afirmou que Serra é o nome que tem mais chance de vencer a disputa de 2010. Mas quando perguntados sobre qual dos dois preferiam, Aécio ganhou na preferência dos deputados e senadores. O prefeito Kassab minimiza as divergências que, segundo ele, ocorrem no próprio PSDB: — A divergência que existe em alguns momentos, aparente, é que alguns têm preferência por um candidato do PSDB, outros por outros. Eu tenho preferência pelo candidato Serra. Entendo e respeito. No próprio PSDB há quem tenha preferência pelo Serra, outros pelo Aécio.

Não vejo divisão

Desavenças levam tucanos a antecipar debate sobre 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Diretórios regionais pressionam direção do PSDB a definir candidato em janeiro

Dirigentes estaduais da sigla alegam que Dilma está em campanha e já articula alianças; DEM reitera apoio, mas pede decisão rápida


Andreza Matais, Adriano Ceolin
Da Sucursal de Brasília

Presidentes de diretórios estaduais do PSDB aumentaram ontem a pressão para que o partido defina no máximo até janeiro seu candidato à Presidência na disputa de 2010. Chamados para uma reunião que iria discutir as alianças políticas, direcionaram a pauta para a definição sobre a disputa presidencial, o que deixou o presidente da sigla, Sérgio Guerra (PE), numa saia-justa.

Ao mesmo tempo, o DEM reforçou a cobrança ao PSDB também pela definição do nome do candidato. Os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, disputam a vaga. Serra defende uma definição apenas em março; Aécio até o final do ano. "Cem por cento do partido querem antecipar a discussão. É um dado para os candidatos, nada mais", minimizou Guerra.

Embora apoiem o cronograma defendido por Aécio, presidentes estaduais levaram uma notícia ruim para o governador de Minas. Diante do presidente estadual do PSDB mineiro, Paulo Abi-Ackel, apresentaram pesquisas segundo as quais Serra tem hoje melhor performance nos Estados. "A maioria manifestou preferência por Serra", disse o presidente do PSDB do Maranhão, Roberto Rocha.

Sem citar o encontro de Aécio com o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), tucanos reclamaram do risco de "tensionamento" entre os dois. "A cada movimento que um faz, o outro reage. E isso pode ficar incontrolável", alertou Cláudio Diaz (PSDB-RS).

Dos 22 presidentes estaduais que participaram do encontro, apenas os de São Paulo e Bahia foram contra antecipar a discussão da candidatura. "Só deve antecipar se tiver um fato marcante, como uma chapa puro sangue, caso contrário é antecipar problema", disse o ex-prefeito de Salvador Antonio Imbassahy.

O argumento para a antecipação é que a candidata do governo, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), está em campanha, permitindo a costura de alianças nos Estados.

Levantamento do PSDB indica que em pelo menos 12 Estados as alianças dependem da definição para a Presidência. A lista inclui Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Pernambuco. No encontro, perguntaram a Abi-Ackel se Aécio apoiaria Serra em Minas caso não seja o escolhido. Ele devolveu com outra pergunta antes de responder que sim: "E Serra apoiaria Aécio em São Paulo?" Ficou sem resposta.

A indefinição também dá margem a "ingerências" como a de Ciro Gomes, pré-candidato do PSB, que anunciou apoio a Aécio caso ele seja candidato. "O Ciro tem toda liberdade de apoiar quem quiser, mas não acredito que o partido dele troque a Dilma", disse Guerra. O DEM reuniu-se em Brasília em almoço promovido pelo governador José Roberto Arruda (DF), com objetivo de "mostrar unidade", já que nas últimas semanas grupos têm mostrado divergências sobre quem o partido deve apoiar.

"A divergência que existe é que alguns têm preferência por um candidato do PSDB, outros por outros. Eu prefiro o candidato Serra. Entendo e respeito os outros", afirmou o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Ele e o ex-presidente do DEM Jorge Bornhausen promovem uma queda de braço com o presidente do DEM, Rodrigo Maia, para comandar as negociações com o PSDB. Sentido-se excluído das conversas com Serra, Maia passou a defender o nome de Aécio. Ontem, nenhum deles se manifestou na reunião. Apenas o governador Arruda discursou.

O ex-prefeito Cesar Maia não foi ao encontro. Recentemente, ele também defendeu o nome de Aécio. "Quem tratará das conversas com o PSDB é o presidente Rodrigo Maia", disse ACM Neto (DEM-BA).

Alvo de críticas dos tucanos, o encontro de Ciro com Aécio causou tremores no PSB. Líder do partido no Senado, Antônio Carlos Valadares (SE) acusou Ciro de tratar o partido como descartável. "O PSB está em segundo plano. Em primeiro, Aécio Neves. chefe de Ciro é Aécio Neves", protestou o senador, que quer aliança com Dilma.

Colaborou Catia Seabra, da Reportagem Local

Diretórios do PSDB pedem definição já do candidato

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Avaliação é de que demora dificulta negociação das alianças regionais

Marcelo de Moraes, BRASÍLIA

Em reunião do PSDB ontem, a maioria dos presidentes dos diretórios estaduais do partido defendeu a antecipação da definição da candidatura presidencial para janeiro. O movimento representa um revés para a estratégia do governador de São Paulo, José Serra, líder nas pesquisas de intenção de voto, que deseja retardar ao máximo o anúncio, para evitar desgaste político e ataques dos adversários. Mas vai ao encontro do interesse do governador de Minas, Aécio Neves, que defende a antecipação por ser menos conhecido do eleitorado e precisar de mais tempo para viabilizar a sua candidatura.

A pressão dos diretórios se explica pelo reflexo das campanhas regionais. Sem candidato escolhido, os tucanos vêm encontrando dificuldades para iniciarem suas campanhas e montarem as alianças locais. Além disso, reclamam que o governo já está em ritmo eleitoral, pedindo votos para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e articulando acordos regionais.

Apesar da pressão dos diretórios estaduais, o PSDB preferiu não tomar decisão sobre o assunto na reunião de ontem, que durou quase cinco horas e foi realizada na sede do partido em Brasília. O presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE), destacou que "100% do partido prefere resolver o quanto antes" a definição da candidatura e concorda com isso. O porém, segundo ele, é que não adianta antecipar a definição se o gesto custar a harmonia política entre Serra e Aécio.

Para ele, a cobrança dos diretórios para acelerar o processo é normal, diante dos movimentos da candidatura governista. "Você tem uma campanha na rua de uma candidata com dinheiro público. Todo militante, todo torcedor do PSDB, quer fazer a mesma coisa. Não de gastar o dinheiro público, mas de fazer campanha também."

PROTESTOS

Guerra ouviu muitos diretórios defenderem abertamente a antecipação da candidatura. "Não interessa qual é o nome, porque ambos são ótimos. Mas temos de definir logo", disse o governador de Roraima, José Anchieta. "O candidato acaba sendo a principal bandeira de campanha. Precisamos da escolha rápido", reforçou o deputado Roberto Rocha, presidente do diretório maranhense.

"A escolha tem que ser feita o mais breve possível. Quer a gente queira ou não, a campanha já está nas ruas", acrescentou o senador Flexa Ribeiro, presidente do diretório do Pará. "No caso do Rio, escolher agora seria melhor", disse a deputada federal Andreia Zito, que representou o diretório fluminense.

Aliados de Serra ficaram em situação minoritária. Um deles é o ex-prefeito de Salvador Antônio Imbassahy. "Você vai antecipar problemas. Serra tem hoje 40% nas pesquisas. A antecipação poderia trazer problemas para ele e para Aécio, que precisam cuidar das administrações dos seus Estados."

DEM tenta afinar discurso

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partido não fará pressão para PSDB antecipar nome

Christiane Samarco, BRASÍLIA

Reunida ontem para afinar o discurso em favor do apoio "incondicional" ao PSDB nessa fase de pré-campanha presidencial, a cúpula do DEM definiu novo lema para 2010: "Precisamos estar juntos para vencer".

A frase serviu para enquadrar o presidente do partido, deputado Rodrigo Maia (RJ). No mês passado, ele era o porta-voz da insatisfação da legenda com a demora na escolha do presidenciável tucano e cobrava rapidez.

Agora, o comando do DEM decidiu que não fará pressão para antecipar um nome. Seja quem for o escolhido e seja a chapa "puro-sangue" ou não, o PSDB terá o apoio do DEM.

O anfitrião do encontro foi o único governador do partido - José Roberto Arruda, do Distrito Federal. Ao final do almoço, na residência oficial de Águas Claras, ele tomou o microfone para anunciar, em nome de todos os presentes, a decisão que já estava tomada. "Todos queremos voltar ao poder", afirmou. Segundo ele, o primeiro passo é unir a sigla em torno do PSDB, independentemente de a chapa presidencial incluir, ou não, os governadores tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).

Dez dias atrás, quando o almoço em Brasília foi planejado, a ideia era franquear a palavra aos líderes do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), e no Senado, José Agripino (RN), além de Rodrigo Maia e do ex-presidente Jorge Bornhausen. A unidade ficaria demonstrada nos discursos, todos em tom conciliatório e de apoio ao PSDB.

À última hora, no entanto, os dirigentes do partido tiveram de mudar o script. O motivo que inspirou o novo formato da reunião foram as declarações dadas na véspera pelo ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (DEM), pai de Rodrigo.

Além de reafirmar sua preferência pela candidatura Aécio, César subiu o tom das críticas a Serra. Segundo o ex-prefeito, o governador paulista lembra os "piores caudilhos". O raciocínio é de que, mais do que apontar o candidato como fazem os caudilhos, Serra se intitula candidato.

Diante do mal-estar geral, Rodrigo Maia teve de passar o dia se explicando aos companheiros. Em conversas reservadas, o presidente do partido insistiu na tese de que a opinião de seu pai não é necessariamente a dele.

"Eu não sou o César Maia", declarou o deputado a vários interlocutores, na tentativa de minimizar os atritos com a ala serrista e de acalmar o governador de São Paulo, que tem se queixado dele e do pai com frequência. Embora o PSDB não tenha unidade em torno da candidatura de Serra, a ala serrista ainda é majoritária.

''Se há especulações, a culpa é do PSDB''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Entrevista - Cesar Maia (DEM), ex-prefeito do Rio; Maia nega crise com tucanos, mas diz que o processo de escolha do PSDB é "esotérico" e que nunca viu nada parecido

Julia Duailibi

Após afirmar no começo da semana que o governador de São Paulo, o tucano José Serra, lembra os "piores caudilhos", Cesar Maia (DEM) disse não haver crise na aliança PSDB-DEM.

As críticas a Serra têm a ver com a definição do palanque no Rio?

Fiz uma observação no terreno da politologia, tratando de um tipo de caudilhismo invertido, em que não é o partido que define as regras do jogo, mas pré-candidatos. Nada tem a ver com eleições regionais.

Por que considera Aécio um candidato melhor que Serra?

Tenho feito todos os dias a campanha do Serra. Avaliar cenários eleitorais, nada tem a ver com apoiar. Se o PSDB tivesse aberto o debate interno, estas ou aquelas conclusões seriam tiradas pelo partido. Mas como o processo é esotérico, com pré-candidatos que falam com a imprensa, vazam notinhas e não tratam com coletivos partidários, fica difícil tirar conclusões. Se há especulações, a culpa é do PSDB.

A aliança passa por uma crise?

Não há crise. O PSDB, DEM e PPS estão unidos para 2010. Mas que é uma novidade pré-eleitoral, isso é. Não conheço caso assim: "Atenção, partido e militantes, em mais seis meses saberão da novidade". E o cronômetro avançando.

Vinicius Torres Freire:: Onde está o Nordeste "chinês"?

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Números dos PIBs estaduais e da Pnad indicam diminuta redistribuição regional da renda durante esta década

NO ANO da reeleição de Lula, muito se falava do "crescimento chinês" da renda dos mais pobres e do Nordeste. De fato, as vendas do comércio varejista nos Estados do Nordeste chegaram a crescer a um ritmo três vezes maior que o da média do país no início de 2006. O fenômeno ficou evidente no final do primeiro trimestre de 2005 e acabou em meados de 2007. Desde então, o aumento do consumo de varejo nordestino ficou mais ou menos na média brasileira. O Nordeste "chinês" parecia ter se desvanecido, ao menos nas vendas do comércio.

Nas estatísticas do PIB dos Estados divulgadas ontem pelo IBGE, a melhoria relativa do Nordeste parece também imperceptível.

Em 2002, o PIB per capita do Nordeste equivalia a 46,44% do PIB per capita do Brasil.

Atente para os decimais, pois é lá que está a diferença para 2007, o último para o qual IBGE divulgou dados. Nesse ano, o PIB per capita do Nordeste era 46,66% do PIB per capita brasileiro. Melhoras? No Maranhão, o PIB per capita passou de 31,5% da média nacional para 35,7%. No Rio Grande do Norte, de 50,5% para 52,6%. No Piauí, de 30,4% para 32,2%. Nos outros seis Estados da região, houve redução relativa da renda ou variações estatisticamente insignificantes.

Note-se de passagem que "PIB per capita" é o valor da produção de todos os bens e serviços de uma região dividido pela população. É uma medida relativa (e muito imprecisa) de bem-estar econômico, mas não se trata de "renda per capita".

Como a medida do PIB e do PIB per capita tem lá suas limitações, pode se comparar o progresso da renda regional nesta década com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad, também do IBGE, uma das melhores pesquisas do mundo, no gênero. A Pnad faz uma gigantesca amostragem da população. Pergunta aos cidadãos sobre sua renda. Também chega a uma renda média per capita, para o Brasil e para os Estados. Não é possível comparar, sem muito trabalho, os dados absolutos da renda do PIB com os da Pnad (que são, basicamente, renda do trabalho e transferências sociais, sendo subnotificada a renda financeira). Mas é possível verificar se, na Pnad, o rendimento médio das pessoas no Nordeste variou em relação ao dos moradores de outras regiões, entre 2002 e 2007.

Em 2002, o rendimento médio dos nordestinos equivalia a 57% do rendimento médio brasileiro; subiu para 60,5% em 2007 (e para 62% em 2008). Já é alguma coisa, mas não se trata de "crescimento chinês". Parte dessa melhoria se deve ao aumento de transferências sociais (aposentadorias, Bolsa Família e outros benefícios assistenciais). Por exemplo, na fatia mais pobre da população nordestina (os 10% mais pobres), a renda derivada do trabalho cresceu 7,7% entre 2001 e 2006; a de outras fontes, 245% ("outras fontes" exclui aposentadorias e trabalho). Porém, o fenômeno se repetiu noutras faixas de renda da metade mais pobre da população (essas contas foram baseadas em dados dos pesquisadores Lena Lavinas e André Cavalcanti). Essa dependência de benefícios sociais não ocorreu no Sudeste.

A desigualdade regional diminuiu talvez um tico. Mas parece haver muito pouco progresso na base econômica dos Estados mais pobres.

Miriam Leitão:: Real e imaginário

DEU EM O GLOBO

Não existe câmbio ideal. Esse tema é mais complexo do que sugere o ministro Guido Mantega, que elegeu o R$ 2,60 como o ponto no qual “venceríamos todos”.

No ano passado, o dólar subiu, os exportadores pararam de exportar e o BC teve que vender reservas.

O pior momento da crise foi quando chegou a R$ 2,60.

Problema mesmo é o yuan artificial. O real já subiu 42% diante da moeda chinesa desde março.

Há um ano a situação era a seguinte: o dólar subia demais, rápido demais. O salto do dólar quebrou empresas exportadoras que haviam comprado derivativos apostando em valorização do real; os bancos suspenderam o financiamento à exportação; a inflação ameaçou subir pelo impacto dos custos das matérias-primas e insumos; as empresas pararam de investir pela incerteza sobre o futuro da economia e o custo das máquinas e equipamentos. Não é uma determinada cotação do dólar que provoca crise, ou a salvação, do exportador.

Naquele momento, a alta prejudicou.

No dia 19 de novembro do ano passado, o dólar subiu de R$ 2,29 para R$ 2,37. A matéria principal da economia do GLOBO dizia: “Apesar de todo o arsenal usado pelo Banco Central para conter o dólar, a cotação disparou. A moeda chegou a ser cotada a R$ 2,41. Já acumula alta de 34%.” No dia 20, o dólar fechou a R$ 2,39 e o ministro Mantega protestou: “O real está muito desvalorizado.” Vejam só a ironia. Há um ano, o país atingido pela crise, o ministro achava que a moeda brasileira estava muito desvalorizada, numa cotação de R$ 2,39. Agora que o país está tendo forte entrada de capital, o ministro calcula que o ideal seria que o real estivesse ainda mais desvalorizado, a R$ 2,60.

Esse patamar foi atingido só uma vez nesta crise, no meio de um ataque especulativo, no dia 5 de dezembro, como contou a reportagem de Cristiano Romero e Alex Ribeiro, do “Valor Econômico”, na semana passada. “O ataque foi sorrateiro. A taxa de câmbio disparou e bateu na máxima de R$ 2,62. Ninguém, nem o BC, sabia o que estava acontecendo”, diz a reportagem. Naquele dia, o Banco Central contra-atacou em duas frentes: vendendo moeda à vista e swap cambial.

Venceu a queda-de-braço e o dia terminou com o câmbio em R$ 2,50.

Voltar a fita do filme mostra como tudo é relativo no câmbio. Teoricamente, o dólar subindo ajuda exportadores, mas naquele contexto de alta súbita, de crise internacional, de empresas expostas a derivativos cambiais, a alta do dólar produziu o oposto do que se imagina: travou o financiamento de exportação e quebrou algumas empresas exportadoras.

Uma lição que se pode tirar é que o pior problema no câmbio é a volatilidade. Quando ele sobe rapidamente e parece não ter teto, ou quando ele cai muito e parece não ter piso, há perdas, incertezas, negócios adiados.

Algumas empresas perdem e ganham ao mesmo tempo com a cotação do dólar. Esteja em que cotação estiver. A Petrobras perde em suas exportações quando o dólar cai, mas, como foi mostrado aqui na coluna ontem, ganhou só em um trimestre e apenas com um empréstimo junto ao BNDES, indexado ao dólar, R$ 1,9 bilhão. Como é importadora, também ganhou no preço mais baixo dos produtos que compra. Tudo depende do mix de negócios de cada empresa. Câmbio não é uma coisa binária: prejuízo quando o dólar está baixo, lucro quando o dólar está alto. É um fenômeno mais complexo.

O mesmo agronegócio que perde na exportação por causa do dólar baixo é o que ganha nos insumos e máquinas agrícolas mais baratos pela queda do dólar.

Por outro lado, parte da queda da rentabilidade com a exportação pode ser neutralizada se os preços das c ommodities subirem .

Além disso, as moedas de outros países exportadores também se valorizaram frente ao dólar: o dólar neozelandês subiu 51% desde março; o dólar australiano, 46%; o rand sul-africano, 40,8%.

O grande problema do mundo continua sendo a China pelo fato de a moeda chinesa não ter livre flutuação.

Todas as moedas subiram em relação ao dólar nos últimos tempos, principalmente as de países exportadores de commodities.

A revista “Economist” registrou ontem que a China tem ignorado as pressões de todos os países e instituições para que permita a valorização do yuan.

Desta vez, quem foi ignorado foi Barack Obama.

“Desde março, o real brasileiro e o won sul-coreano se valorizaram 42% e 36% frente ao yuan, erodindo seriamente a competitividade destes países”, disse a revista em reportagem posta ontem na edição online. Na China, a política cambial é decidida não pelo Banco Central, mas pelo Conselho de Estado, que não é favorável à valorização do yuan, diz a “Economist”.

Além do real e do won, outras moedas também subiram fortemente em relação ao yuan: dólar neozelandês, 50,4%; dólar australiano, 45,3%; rand sul-africano, 40,7%. Tudo desde março.

O mundo convive com esse artificialismo que dá às exportações chinesas uma competitividade desleal em outros mercados. A China diz que vai permitir a valorização do yuan, mas não agora porque as exportações ainda estão caindo 14% nos últimos 12 meses. O yuan é um problema realmente grave na economia mundial, e ninguém sabe como lidar com um jogador desleal.

Com Alvaro Gribel e Bruno Villas Bôas

'Lula', o filho do capital

DEU EM O GLOBO

Filme sobre trajetória do presidente é financiado por grandes empresas, até com doações ocultas

Uma história emocionante, um cineasta sagaz, muito dinheiro e empresas interessadas em agradar ao governo resultam no maior lançamento da temporada. "Lula, o filho do Brasil" poderia ter sido filmado em qualquer um dos últimos 30 anos em que Lula protagoniza a vida política do país. Mas está sendo criticado por ser lançado justamente em cima da eleição presidencial.

Financiamento divide especialistas

Para Romano, é "temeridade"; Valverde vê "patrulha ideológica"

Tatiana Farah

SÃO PAULO. O professor de Ética da Unicamp Roberto Romano considerou uma temeridade que empresas que têm contrato com o governo federal financiem “Lula, o filho do Brasil”.

Para Romano, o filme ajuda o que chama de “culto à personalidade” de Lula: — Ou é uma imensa obra de bajulação, ou de propaganda. Acho que é as duas coisas. É propaganda eleitoral de encomenda, embora o senhor Barreto diga que não. O financiamento do filme é uma temeridade.

Ele não vê dilema ético nos patrocínios.

— Não há dilema ético. Mas é ruim em qualquer estado democrático, principalmente quando o governante exerce capacidade de atrair multidões através de propaganda. Essas empresas deveriam ter evitado patrocinar o filme.

Quanto mais você está enredado no mercado, e o mercado está ligado a fontes oficiais, tem de tomar cuidado. Mas não dá para dizer, a priori, que as empresas estejam se aproveitando (financiando para receber benesses).

O cientista político Fernando Abrúcio (FGV-PUC) diz que seria ilação afirmar que há interesse dos patrocinadores em ter benefícios no governo: — A Camargo Corrêa financia campanhas de vencedores e derrotados. Errado é o sistema político. Temos de esperar para ver se haverá uso político. As empresas podem estar querendo surfar na popularidade do presidente.

Dizer que empresas querem tirar proveito do financiamento pode ser infâmia.

Temos de guardar o nome dos patrocinadores e aguardar.

Para Abrúcio, os produtores deveriam ter esperado para lançar o filme depois da saída de Lula. Perguntado sobre terem aproveitado a popularidade de Lula, ponderou: — A política não pode determinar a arte.

Foi assim com Stalin.

Abrúcio não vê possibilidade de um suposto sucesso do filme refletir na campanha da pré-candidata do PT, Dilma Rousseff: — Quem tem história parecida é Marina Silva (PV). O que ajuda Dilma é se o governo estiver bem. O que define voto é bem-estar econômico e social.

O filme pode ajudar, mas não é decisivo. Inflar o Lula não é inflar a Dilma.

Para o professor de Ética e Filosofia Antonio Valverde (PUC-SP e FGV), não há dilema ético:

— Agora vem a patrulha ideológica, como dizia o Glauber Rocha. Desde o início do cinema brasileiro, empresas patrocinam filmes.

Não podemos ser moralistas. Honestamente, não vejo problema. É uma produção comercial.

Certamente, o filme não transfere votos para o candidato do Lula, isso é difícil, não é automático. O importante é ver se, depois do filme, alguma das empresas vai se beneficiar.

O Itamaraty. O protagonismo de Lula e as relações com Chávez e Ahmadinejad

Jarbas de Holanda
Jornalista


Da proclamação das grandes metas para a política externa – a admissão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e a conclusão da Rodada Doha da OMC (em nome da qual foram bloqueadas as negociações para a ALCA e para um acordo com a União Européia) – até as ações de patrocínio da entrada da Venezuela de Hugo Chávez no Mercosul, o convite ao iraniano Ahmadinejad para visitar Brasília e o abrigo em nossa embaixada de Honduras de Manuel Zelaya (no coroamento da operação chavista de seu regresso clandestino ao país), o Itamaraty configura-se desde 2003 como uma das áreas importantes dos dois governos de Lula com maior afinidade ideológica esquerdista, temperada pelo personalismo pragmático do presidente. Sob o comando, desde o início, da dupla Celso Amorim/Samuel Pinheiro Guimarães (recentemente aposentado e feito ministro de Assuntos Estratégicos), depois reforçada pelo assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia, e depurada da presença em funções significativas de diplomatas independentes como Roberto Abdenur, substituído na embaixada de
Washington.

Esses ingredientes (a afinidade e o tempero) - que explicam a persistência obsessiva na retórica das duas grandes metas, apesar do fracasso delas, e a prática das ações acima referidas, bem como de outras igualmente indefensáveis, como as de omissão diante das violências dos governos da Bolívia e do Equador contra empresas brasileiras, inclusive a estatal Petrobras – tiveram, porém, seus efeitos externos reduzidos ou diluídos e em boa medida compensados por dois relevantes fatores positivos: o realismo de Lula na manutenção da política macroeconômica recebida do antecessor FHC e, com base nisso, o reconhecimento da confiabilidade de seu governo pelos países desenvolvidos. Reconhecimento que seria fortalecido pela contraposição estabelecida entre o Brasil do pragmático Lula e o radicalismo anticapitalista de Chávez e seus aliados “bolivarianos”. E que é acentuado no cenário pós-crise, sobretudo nos EUA, em que megainvestidores buscam oportunidades de negócios em nações emergentes, entre as quais se destaca a nossa. Tratada em recente reportagem de capa da revista The Economist como um “paraíso”
para investimentos em infraestrutura (inclusive no pré-sal) e em outros negócios de vulto. Cabendo lembrar também a qualificação de Lula como “o cara”, feita por Barack Obama num encontro internacional logo após assumir a presidência
dos EUA.

A tais ganhos de nossa imagem externa se somam agora os da escolha do Rio de Janeiro, pelo COI, como sede das Olimpíadas de 2016 (dois anos após a realização no Brasil da Copa da FIFA). Escolha que o Itamaraty tratou de capitalizar,
embora tenha apenas acompanhado o trabalho decisivo desenvolvido pelo COB, pelos governos fluminense e carioca e por grupos empresariais.

Mas esse conjunto de bons dividendos nos planos econômico e do esporte, ao invés de trabalhados pelo Itamaraty para reforço das condições favoráveis ao Brasil no cenário internacional, são apequenados e comprometidos pelo empenho de sua direção em vincular o país a figuras e movimentos extremistas e pela busca, a qualquer preço, de protagonismo externo para Lula. A pretensão de que o presidente cumpra
um papel de mediador entre o governo de Barack Obama e o de Ahmadinejad (envolvido num programa nuclear destinado a incendiar o Oriente Médio e se possível a Europa) é exemplar dessa busca ilusória e prejudicial ao Brasil. Na verdade,
tal pretensão é utilizada como justificativa do convite do iraniano. Outro exemplo de insensatez, de forte teor esquerdista, foi o da conversão de nossa embaixada em Tegucigalpa em palanque de Zelaya, que constituiu grosseira intervenção na
política interna de Honduras e anulou a possibilidade de que o Brasil pudesse ter qualquer papel na negociação da crise no país, assumido depois pela diplomacia norte-americana na perspectiva de solução por meio das eleições a se realizarem
no próximo dia 29.

Avaliando a atual política externa, numa entrevista ao Estadão do último domingo, o embaixador Rubens Ricupero denuncia a “partidarização petista” da cúpula do Itamaraty. Ele destaca duas manifestações dessa partidarização: “a insistência do governo em receber o presidente do Irã” e “a opção do posicionamento contra Bogotá, em vez de atuar como um moderador na polêmica gerada pelo acordo militar firmado entre a Colômbia e o governo norte-americano”.

Fausto Castilho*::Ensino em liquidação

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Para filósofo que instigou Sartre, a mercantilização impede a escolarização nacional: 'Eis nossa catástrofe'

Mônica Manir

Num domingo de Ferroviária x Santos no Estádio Fonte Luminosa, Jean-Paul Sartre chegou de kombi a Araraquara, interior de São Paulo, para incendiar mentes de um time de intelectuais que incluía d. Ruth Cardoso, FHC e Antonio Candido. Acompanhado, a contragosto, por Simone de Beauvoir e Jorge Amado, fora responder in loco à pergunta feita por um jovem professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da cidade. Fausto Castilho, então com 31 anos, havia usado um amigo como correio elegante para questionar Sartre, na passagem dele pelo Recife, sobre os fundamentos de esforço de aproximação entre o existencialismo e o marxismo. Resumindo, queria saber o seguinte, no bilhete escrito em francês: é possível superar a filosofia sem realizá-la?

"Ele disse aos jornais que iria a Araraquara fazer uma conferência sobre a pergunta mais difícil que havia ouvido no Brasil", conta o inquisidor, lembrando o 4 de setembro de 1960, quando a igreja do município, aterrorizada com a chegada de um pensador de esquerda, gritou pregações pelo rádio contra o francês. "A conferência acabou com a minha carreira na USP", brinca Fausto, que ainda percorreria longa trajetória acadêmica pela Unesp e pela Unicamp até se tornar professor emérito da última.

Entusiasta do pensamento educacional dos anos 20, ele participou decisivamente da criação do campus radial da Universidade de Campinas, transformando-se em crítico de faculdades estanques, utilitárias, mercantilistas. Para ele, universidades verdadeiras são pouquíssimas. Eleições para reitor, mera rotina administrativa. A USP Leste, uma excrescência. Quer uma mexida estrutural no eixo educacional brasileiro, que ele explica nesta entrevista e em detalhes no livro O Conceito de Universidade no Projeto da Unicamp. A quem possa interessar, a Ferroviária ganhou de 4 a 0 de Pelé no dia da conferência. Mas, a quem deseja saber se Sartre, afinal, respondeu àquele dilema a 300 km da capital, ele contemporiza: "Aí é que está, minha filha. Isso são outros quinhentos. Eu nunca quis revelar a resposta".

Esta foi a primeira vez na história da USP que as eleições para reitor se realizaram fora da Cidade Universitária. A transferência, em razão dos protestos dos alunos, funcionários e moradores de favelas, é uma vergonha para a universidade, como afirmaram alguns professores?

Não acho que seja uma vergonha. Mostra descontrole da situação. A reitoria não consegue estabelecer normas de funcionamento para a universidade. É o que se verifica.

As críticas mais contundentes nos protestos foram quanto ao segundo turno, que é decidido por um colégio restrito de professores. Isso faz dessas eleições um processo antidemocrático?

Há um ponto que legitima todo esse processo: a escolha do governador, que entra no último momento, na lista tríplice, mas que afinal de contas foi eleito por maioria pela totalidade do eleitorado paulista. Exigir uma democracia interna é impossível aqui porque a carreira universitária prevalece sobre qualquer outro aspecto. O mestre depende do doutor, o doutor do livre-docente, e assim por diante. É o fundamento da produção científica. Essa carreira depende mais da titulação por trabalho acadêmico do que por tempo de serviço, por exemplo. A democracia que os sindicatos e mesmo uma parte dos alunos pedem não existe em universidade nenhuma no mundo.

Avaliando mais detidamente as propostas dos que se candidataram a reitor...

Eu não vejo muita diferença entre elas.

Pois então, foi praticamente consensual que a USP do século 21 tivesse espírito mais formativo, com estímulo à atitude empreendedora em relação à própria educação.

Muito bem, eu acho que isso é correto desde que você passe a considerar, como indicaram os educadores dos anos 20, toda a escala da escolarização a partir da criança de 4 anos até a pós-graduação. Tem de reconsiderar a totalidade do eixo educacional. Enquanto isso não for feito, não haverá mudança nenhuma na educação brasileira. Todas essas medidas sugeridas hoje são paliativas. A própria substituição de reitores é meramente uma rotina de gestão administrativa. Trocar aqui, eleger ali, isso não leva a nada. É preciso que o Estado retome o controle nos termos que os educadores dos anos 20 propunham.

Por que remontar aos anos 20?

Porque eles detêm a chave interpretativa da universidade brasileira. A interpretação marxista, que peguei na minha juventude, tendia a estudar a USP a partir da Revolução de 32, como se fosse uma reação dos paulistas à derrota na revolução. Não tem nada disso. Mostro no meu livro que a concepção da ideia de USP é de 1925. Mais ainda: que a consolidação ocorreu em 1926.

O que foi essa chave interpretativa?

Os educadores dessa época, entre eles Fernando de Azevedo, tinham uma proposta de escolarização que desapareceu porque em 1965 a ditadura resolveu mercantilizar o aparelho de educação. Aí começa a catástrofe brasileira. A mercantilização não permite a escolarização nacional. Para esses educadores dos anos 20, a instância da democratização não é a universidade, mas o lycée francês, o gymnasium alemão; é isso que estava a caminho de ser instalado no Brasil, isto é, o liceu público para a toda a população jovem e não para um segmento, como faz a mercantilização. Você não pode firmar o processo de universalização formadora da educação formativa na universidade. Assim você a transforma numa instituição de ensino apenas. E ela não pode ser uma instituição de ensino.

O que ela precisa ser?

Precisa ser uma instituição de estudo, porque o ensino é consequente à pesquisa, ele não vem antes do estudo. Ao contrário. Só quem estuda é capaz de ensinar, ao passo que no Brasil, por interesse comercial, você enfatiza o ensino. O ensinismo inverte a equação, deixando a situação cada vez pior, cada vez pior... O cara que vai ser professor não precisa estudar, não precisa produzir. Ele simplesmente se apoia num manual qualquer. É o gráfico que se estabeleceu em cima da hora-aula. É isso que chamam de curso.

Como funcionaria o liceu no Brasil?

Como funciona na França e na Alemanha, o que nos anos 20 se chamava de universidade ampla. Ele acompanharia toda a população porque não faz diferença de classe. Na França e na Alemanha, tanto o filho do operário quanto o filho do magnata vão para o liceu. Quem é o proprietário desse liceu? É o Estado. Não existe o particular nesse jogo. Eis o foco dos educadores dos anos 20, que ainda não eram mercantilistas. Lembro que participei da campanha em defesa da escola pública já no final dos anos 50 sob a liderança de Júlio de Mesquita Filho. Perguntei a ele como explicava sua posição antagônica em relação à do seu amigo Carlos Lacerda, autor da proposta privatista de Lei de Diretrizes e Bases. Ele me respondeu o seguinte: educar é tarefa do Estado.

O que constaria do currículo do liceu?

Na França, há dois currículos: um chamado tradicional e outro chamado profissional. Dos 4.339 liceus, 2.449 são tradicionais e 1.890 profissionais. Por paradoxal que seja, a população prefere o tradicional, que tem grego, história, arte, literatura. É por isso que nesses países há um eleitorado diferenciado. Ele tem muita capacidade de decisão. Os operários também preferem o currículo tradicional. A inteligência não escolhe classe de renda.

Quanto ao que aconteceu na Uniban...

Isso é fait divers, não tem importância.

Mas faço uma pergunta, professor: quando a Uniban revogou a expulsão da aluna, o reitor disse que a medida havia deixado de ser disciplinar para se transformar numa ação educativa. A expressão "educativa" teria a capacidade de redimir arbitrariedades?

Olha, começo não reconhecendo pelo mero proprietário de uma firma comercial a apropriação do título de reitor. Não há esse direito na legislação brasileira de um dono de escola se intitular reitor. Onde é que já se viu uma coisa dessas? Ele faz isso e outros donos de cursos também. Tudo é culpa dos políticos. Os políticos que toleram tudo isso são os culpados por essa mercantilização geral do aparelho educacional.

O que o senhor acha das exigências da Nova Lei de Estágios, que demandam mudanças importantes nos cursos de graduação, licenciatura e bacharelado que preveem esse dado nos currículos?

O governo federal é responsável atualmente pela maior parcela do financiamento do mercantilismo, por meio das bolsas de estudo. Essas bolsas são um expediente para financiar os mercantilistas. Elas é que dão dinheiro para sustentar essas universidades particulares, que não são universidades. Aliás, as universidades federais também não são universidades.
São arranjos das oligarquias locais em cada um dos Estados brasileiros.

A Universidade Federal de São Paulo, inclusive?

Isso é uma invenção surgida a partir de uma faculdade de medicina. Imagine você se pode uma escola de medicina ser uma universidade! Só mesmo por interesse eleitoreiro. Essa transformação do núcleo inicial, que é de pura medicina, em universidade, eu ainda estou aguardando, estou observando para ver se é possível.

E a USP Leste?

Ela é uma excrescência.

Por quê?

Para que isolar do centro maior? O centro maior da USP é no Butantã. Deveriam ter reforçado o centro. Se você tem um, é para que a função central seja exercida, e não para que fique simplesmente numa declaração. Você nunca vai poder fazer interdisciplinaridade, nunca! A universidade tem de estar em um único campus porque ela depende da enciclopédia do ponto de vista interdisciplinar. Eis é o ponto chave. A vocação da universidade é ser uma comunidade de trabalho interdisciplinar na pesquisa e no conhecimento. No Brasil, a tendência é multiplicar os campi. Acham que isso é grandeza.

Qual era a vocação primeira da USP?

Sempre foi o estudo, a pesquisa. A USP é a primeira universidade brasileira concebida segundo o modelo proposto por Humboldt ao criar a Universidade de Berlim, que durante o século 19 se difundiu pelo mundo inteiro, nos EUA, no Japão... O problema é que o plano uspiano não pôde ser realizado. A posição política da história da USP e do Brasil de integrar à Universidade de São Paulo escolas preexistentes, como a Faculdade de Direito e a de Medicina, acabou com o plano.

Por quê?

Porque o plano da USP foi pensado, pela primeira vez no Brasil, como uma estrutura universitária focada num centro, que é a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Essa concepção vai depois servir de referência à Universidade de Brasília e à Universidade de Campinas. A comissão nomeada pelo governador não conseguiu mostrar qual seria a articulação entre o centro e as universidades dependentes. Essa foi a primeira grande falha teórica.

Qual foi a segunda?

A demora na construção da Cidade Universitária. O plano previa que ela fosse erguida nos anos 30, o que só aconteceu no final dos anos 50. Isso destruiu a USP porque, em vez de passarem a tarefa ao urbanismo - a disciplina que deveria prenunciar a Cidade Universitária dentro do campus - entregaram o projeto a engenheiros e arquitetos ligados à edificação de obras. Virou isso: reconstrução de obras, com departamentos que chegam a um quilômetro de distância entre si. Como essa turma pode ter ideia do que seja uma universidade? São estranhos a isso.

A Unb seguiu o modelo centrado à risca?

Ela optou por dotar todos os institutos num mesmo prédio. Ora, não pode. É preciso ter área para se expandir. Tem que ser como na Unicamp. Do contrário não pode crescer.

A Unicamp, então, conseguiu levar adiante o sistema radial?

Na Unicamp, fizemos tudo para o que o contato com as disciplinas básicas fosse feito a pé. Você não precisa motorizar. Ali, o campus não se confunde com a cidade universitária. O campus é a enciclopédia espacialmente estruturada, enquanto a cidade universitária abrange, por exemplo, os organismos administrativos e financeiros. Agora, se a Unicamp terá sucesso nessa empreitada, não sei dizer. Vai depender da força do sistema brasileiro de ensino superior, que é antiuniversidade. O sistema brasileiro de ensino superior foi implantado por D. João VI para desfazer as realizações do Marquês de Pombal. É um processo que persiste desde o século 19 e se infiltra em todas as universidades: são os advogados, os engenheiros, os médicos, profissionais de mercado que nada têm nada a ver com a universidade. Eles querem um papel que tenha o nome da universidade sem nunca terem frequentado a própria. Foram apenas à faculdade deles. A universidade verdadeira se distingue pelo homem de ciência, alguém que seja capaz de ensinar.

* Fauto Castolho, professor emérito, fundador e organizador do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.